Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

Textos de Marcelo Mosse

“Max Tonela remove obstáculos na exportação do feijão bóer para Índia

 

O Ministério da Economia e Finanças, sob liderança de Max Tonela, emitiu esta quinta-feira (14) um Despacho Ministerial em que delibera pela remoção de obstáculos que se colocavam à exportação de feijão bôer para a Índia, instruindo a Direcção-Geral de Alfândegas (DGA) para autorizar todas as operações de exportação a partir dos Portos da Beira e Nacala.”

 

Este é o trecho de uma notícia que vai ser hoje tema em muitos jornais na praça. 

 

Max Tonela está com boas intenções, creio, como é seu apanágio. Alguma mídia local insinuava há dias que, na esteira deste imbróglio, Tonela estava impotente perante a DGA.

 

O problema, segundo temos estado finalmente a apurar, é que a suspensão das exportações não foi uma decisão unilateral das Alfândegas; não tive a ver com questões de procedimentos aduaneiros. A DGA está a cumprir uma decisão judicial, designadamente do Tribunal Administrativo da Cidade de Maputo.

 

“Carta” ainda não viu o aludido Despacho. A informação foi revelada pela CTA. O seu Presidente, Agostinho Vuma, exultou com o Despacho. Ele apelou a DGA e o Tribunal Administrativo a acatarem o Despacho, reza o noticiário. 

 

Não compreendo como é que um Tribunal deve seguir ordens ministeriais. 

 

Outra informação estranha: a CTA diz que há cerca de 150 mil toneladas de feijão bôer “encalhadas” em Nacala. Há bem pouco tempo, um grupo empresarial, que reclama a abertura da exportação fora de um Concurso lançado em Março e que no âmbito do qual esse mesmo Grupo exportou milhares de toneladas, alegava que tinha em armazéns, retidas, cerca de 300 mil toneladas. Nada mais inverossímil!

 

“Carta” sabe que neste  ano, de Moçambique já foram exportadas 180 mil toneladas e a produção nacional da leguminosa preferida dos indianos, não ultrapassa as 220 toneladas. Isto está documentado!

 

Ou seja, a quantidade ainda não exportada é de cerca de 50 mil toneladas. 

 

Esta saga do feijão boer está cheia de inverdades. Aos poucos, “Carta” vai contribuir fornecendo aos leitores uma perspectiva mais global sobre o dilema, ouvindo todas as partes e fazendo o necessário contraditório!

As eleições de Outubro revelaram outra realidade pungente na democracia moçambicana: a falta de diálogo interno dentro do poder judicial. Duas entidades centrais deste poder, o Conselho Constitucional (CC) e o Tribunal Supremo (TS), entraram em rota de colisão na esfera pública, abandonado a postura de recato e decoro que teoricamente é uma das fontes da sua respeitabilidade. Na berlinda, as eleições de 11 de Outubro e a intervenção dos tribunais distritais, cuja actuação do Conselho Constitucional considerou desmesurada.

No seu polêmico Acórdão eleitoral, o CC reduzia o papel dos tribunais distritais a entidades de mero expediente processual:”o juiz distrital não tem a possibilidade real de verificar se uma votação numa mesa de voto pode ou não afectar a atribuição de um mandato numa lista ou alterar o resultado global da eleição na determinação da lista vencedora para a designação do cabeça-de-lista”.

 

De acordo com o CC, “o juiz eleitoral de distrito goza de poderes de plena jurisdição, limitados a faculdade de: ordenar, condenar ou determinar injunções aos órgãos eleitorais; determinar a repetição de um acto eleitoral-não a votação, mas recontagem de votos numa determinada mesa da/ou assembleias de voto; alterar a constituição das mesas ou mandar credenciar delegados de candidaturas, observadores, sem, por conseguinte, declarar a nulidade dos resultados eleitorais de uma autarquia ou círculo eleitoral”.

 

O que o CC verteu no seu Acórdão, fazendo tábua rasa dos tribunais distritais em matéria de contencioso eleitoral, foi a súmula de uma perspectiva que o órgão já havia deixado claro nas suas deliberações de contencioso eleitoral: a secundarização do papel dos tribunais. Essa secundarização foi mal recebida pelos Juízes Conselheiros do TS.

 

Muito antes do veredito final do CC (a 24 de Novembro), o conclave do TS cancelou um evento (marcado para 31 de Outubro) com jornalistas onde pretendia manifestar sua posição sobre a intervenção dos tribunais judiciais de Distrito, na sequência dos recursos de contencioso eleitoral submetidos no âmbito das eleições autárquicas de 11 de Outubro. O motivo desse cancelamento não foi revelado.

 

Mas, o tom e a substância da entrevista dada à STV nesta semana pelo Juiz Pedro Sinai Nhatitima, porta-voz do TS, leva-nos a pensar que, sua pretensão era a mesma: mostrar, na praça pública, e não em diálogo interinstitucional, sua interpretação distinta da do CC sobre as competências jurisdicionais dos tribunais distritais em matéria de contencioso eleitoral.

 

E o que se viu foi uma radicalização discursiva, alimentando a hostilização ostensiva entre duas entidades do judiciário, cada uma negando a outra, numa crise sem precedentes num momento em que a sociedade vive momentos que apelam para a serenidade institucional.

 

A linguagem de Nhatitima foi um aguçar de facas. “Os tribunais dos distritos apreciam as irregularidades que ocorrem durante a campanha, votação e apuramento. (...) Nós, os tribunais, somos órgãos de soberania. Não somos uma caixa de correio ou de trânsito de expediente. A função de um tribunal é de decidir, não é de expedir documentação de uma entidade para outra”, asseverou ele.

 

E acrescentou: “O legislador positivo é a Assembleia da República. Então, não deve o Conselho Constitucional vir querer clarificar as competências dos tribunais, porque estaria a imiscuir-se na função legislativa. Quem tem que dizer quais são as competências dos tribunais e de outras entidades ou de outros órgãos de soberania é a Assembleia da República e mais ninguém. Não é o Conselho Constitucional”.

 

Este de afiar de facas remete para a ideia de um poder judicial em crise profunda e, sobretudo, incapaz de estabelecer pontes internas para uma postura corporativa em defesa da sociedade. O próprio “Parecer” (de 23 páginas) da Procuradoria Geral da República (PGR) sobre as eleições de 11 Outubro, foi engavetado a sete chaves, ostensivamente escondido à sociedade, o que não abona a transparência.

 

Em suma, a questão que se coloca é: a quem interessa este chorrilho de acusações mútuas na praça pública? Quando os Juízes Conselheiros do TS usam o porta voz da instituição para se fazerem ouvir – ao invés de usarem sua associação – o que é que isso significa? O que se passa com o Judiciário? Esta discussão ajuda ao ambiente de reforma do judiciário, que se mostra urgente?

 

E, afinal, até que ponto, realmente, o CC esticou a corda, deliberando um acordo que arrasou completamente a sua reputação, sobretudo por causa dos indícios de que tenha acarinhado uma fraude eleitoral? Quem põe o guizo ao gato? Quem deve ser, e em que medida, responsabilizado em sede de Justica?

 

 

A percepção geral de toda a sociedade é a de que no pano de fundo destas hostilidades no judiciário está um processo eleitoral altamente fraudulento, com evidências demasiado gravosas, as quais numa democracia normal levariam a uma investigação judicial profunda visando a responsabilização de todos os actores que tiveram papel de relevo nessa fraude e sua legitimação, todos sem excepção, desde actores políticos a juízes conselheiros, passando pelos agentes do STAE e membros vogais da CNE a todos os níveis.

 

Por outro lado, qualquer que sejam as respostas a estas perguntas, "Carta" é da opinião que Moçambique precisa de reformas urgentes: dos órgãos eleitorais e dos órgãos de justiça eleitoral. Nesse contexto, é preciso questionar se faz sentido mantermos o Conselho Constitucional como está, com sua composição partidária, suas mordomias pomposas e seu trabalho de sazonalidade? Não será urgente, agora, contemplar a transformação do CC numa secção do Tribunal Supremo?

(Marcelo Mosse)

É provável que sim! 

 

Entre a figura poderosa da sopa madrugadora e o cinzentismo sisudo de um antigo ministro de Nyusi quem mais anda se equipando nas boxes para lançar-se para a grelha de partida da sucessão ao nyussismo? 

 

Não sei não! 

 

Há nomes que ficam “nervosos” quando confrontados com a questão, negando com veemência uma tal pretensão, como o Samito! 

 

Há outros que se escudam com um “nim” a tiracolo e algum sarcasmo, como o CC. 

 

Mas quem mais? 

 

Consta que a lista emagreceu por causa da mensagem de renovação trazida pelo advento do venacismo. Isso foi, no entanto, sol de pouca dura! 

 

Agora com o Venâncio largado ao mar alto com seus marinheiros, resta saber se os putativos voltarão a engordar novamente a lista. Afinal sua missão é o tacho e não uma proposta decente para romper com o nyusismo!

 

Aliás, agora que Venâncio ficou sem a almofada da Renamo onde se recostava envagelicamete, uma passarela vermelha sem espinhos voltou a ser novamente estendida entre a antiga Pereira Lago e a Ponta Vermelha. 

 

O Ossufo Momade é uma nulidade, que só tem valor enquanto o nyusismo vigorar. Com Momade, a Frelimo vai manter a Ponta Vermelha. Sem Momade, a disputa seria “fracticida”…mas a Renamo foi privatizada por interesses de acumulação primária, que trariam as expectativas de milhares de eleitores sem filiação partidária e os zangados da Frelimo.

 

É este o contexto da sucessão ao nyusismo que Alberto Vaquina, antigo Primeiro Ministro de Guebuza, escolheu para fazer a reedição de um livro que não é propriamente uma novidade.

 

A primeira edição de “As Lágrimas do Veterano” foi lançada pelo autor nos anos 1990, antes de ele entrar para a política.

 

Vaquina é o único ex-PM “marginalizado” pelo sistema de que ele faz parte. Não é PCA de nenhum banco nem de nenhuma grande empresa. Depois de ter sido um dos 3 pré-candidatos da Frelimo em 2014, com Nyusi e José Pacheco, Vaquina simplesmente sumiu do mapa.

 

Então, a questão que se coloca é: este relançamento, programado para várias cidades, não é uma chance para ele reaparecer na opinião pública, e sinalizar para os militantes da Freljmo que ele está vivo e pode ser uma opção? Claro que sim!

 

Mas ele terá algum plano político por detrás? É provável! 

 

A cerimônia de lançamento vai ser elucidativa! Fiquem atentos!

Quase duas semanas depois do pleito autárquico em 65 municípios de Moçambique, alguns doadores estão finalmente a sair da toca da complacência, mostrando serviços mínimos. Eles evitaram aparecer quando a confusão eleitoral estava mais quente.

 

O Alto Comissariado do Canadá, a Embaixada da Noruega e a Embaixada da Suíça emitiram hoje (24) um comunicado onde revelam que estão “a acompanhar atentamente o processo eleitoral e juntam-se aos membros da comunidade internacional e às organizações da sociedade civil em Moçambique, para expressarem a sua preocupação sobre as irregularidades eleitorais relatadas, particularmente no dia da votação e durante o processo de apuramento dos votos”.

 

No documento, recebido na “Carta”, apela-se a todas as partes para que canalizem as suas reivindicações através dos mecanismos apropriados e estabelecidos no quadro jurídico moçambicano e que as instituições relevantes tramitem-nas de acordo com a lei em vigor com vista a garantir confiança na integridade do processo democrático.

 

O Alto Comissariado do Canadá, a Embaixada da Noruega e a Embaixada da Suíça recordam que as eleições “são a pedra angular da democracia” e apontam que “é essencial garantir que as mesmas sejam realizadas de forma pacífica, transparente e ordeira”.

 

Este comunicado das três representações diplomáticas citadas foi publicado quase duas semanas depois do pleito, mas parece ser uma escrita feita apenas para dizerem que não ficaram caladas antes os clamores da sociedade (e também dos partidos e politicos como Manuel de Araujo) que esperavam uma monitoria mais proactiva da comunidade doadora do actual processo eleitoral.

 

No passado, enquadrados no apoio orçamental cancelado por causa do calote das “dívidas ocultas”, o doadores foram mais incisivos no "diálogo político" com o Governo, exigindo mais objectivamente uma “compliance” de Maputo para com os requisitos da boa governação.

 

Mas isso mudou ... só que nem com a retomada paulatina do apoio orçamental por via multilateral (Banco Mundial, União Europeia), os doadores, com vastos milhões de USD injectados bilateralmente em projectos do Governo, tem recuperado o estilo de outrora. Eles “baixaram a bola”.

 

No ano passado, aquando da repressão policial nas exéquias do cantor “rapper” Azagaia (Março de 2023), os doadores ficaram calados, deixando a sociedade moçambicana desamparada e quase que aprovando o processo autocrático em curso. Algumas embaixadas ainda tentaram redigir um comunicado conjunto, criticando a repressão policial, mas, à última hora, o grupo terá sido desaconselhado por “uma embaixada do sul da Europa”.

 

No passado, as “embaixadas do sul da Europa" foram mais cautelosas na abordagem com o Governo de Maputo sobre assuntos de corrupção e boa governação, deixando a “hard talk” para os países “like minded” (as três embaixadas autoras deste comunicado eram integrantes desse grupo) mais os Estados Unidos da América, com nórdicos à cabeça.

 

No quadro das presente eleições autarquias, os EUA tem sido mais incisivos (Washington é o principal doador para o sector da Saúde, intervém no apoio militar de formação em Cabo Delgado e acaba de comprometer-se em desembolsar 500 milhões de USD para o desenvolvimento da Zambézia através da camada Millennium Challenge Account). Com efeito, em 29 de Setembro, os EUA apelaram à realização de eleições autárquicas em Moçambique, agendadas para 11 de outubro, "limpas, transparentes e inclusivas", e que "reflitam a vontade do povo".

 

E a 16 de Outubro, poucos dias depois da votação, Washington denunciou a existência de “muitos relatórios credíveis de irregularidades no dia da votação e durante o processo de apuramento dos votos”. E instou a Comissão Nacional de Eleições (CNE) a “garantir que todos os votos são contados de forma exacta e transparente”, exortando “as autoridades eleitorais, os tribunais locais e o Conselho Constitucional a levarem a sério todas as queixas de irregularidades e a actuarem com imparcialidade”.

 

Os EUA estão mais atentos aos desarranjos do processo democratico moçambicano, mostrando maior cometimento que todas as outras embaixadas em conjunto. Um conjunto que opera numa conjuntura, sem fundo comum orçamental, marcado pelo dissenso. (M.M./Carta)

Pode ser que os procedimentos de justiça na vara comercial do Tribunal Superior de Londres estejam a ser transparentes para as partes envolvidas – juiz Robin Knowles conferencia com todos sobre o avanço do processo e é assertivo nas suas decisões quando as comunica aos directamente interessados –  mas o Tribunal Superior de Londres, dizia, não está a ser transparente para a sociedade moçambicana, a principal vítima do calote de 2 mil milhões de USD – com custos estimados para Moçambique na ordem dos 11 mil milhões de USD (ver Custos e Consequências das Dívidas Ocultas para Moçambique Edson Cortês, Aslak Orre, et. al – 2021- Bergen & Maputo: Chr. Michelsen Institute/CIP).


Os efeitos colaterais do calote podem ter custado a Moçambique USD 11 biliões – quase todo o PIB do país em 2016 – e quase 2 milhões de pessoas foram empurradas para a pobreza, diz o estudo.


O que está em causa em Londres são os interesses (e o futuro) de milhões e milhões de moçambicanos, e não apenas os interesses e o futuro de uma meia dúzia das elites políticas locais envolvidas na trama. E, em certa medida, os interesses da sociedade moçambicana não estão representados em Londres. 


O juiz Knowles devia saber que nem sempre os interesses imediatos dos representantes do nosso Estado correspondem aos interesses estruturantes da sociedade moçambicana. Há um desfasamento entre Sociedade e Estado. O Estado representa, muitas das vezes, uma pequena minoria elitista virada para a acumulação e enriquecimento à custa da sociedade. Foi o que aconteceu com o calote.

 

De como que a sociedade moçambicana não está necessariamente representada em Londres. 


A nossa PGR ainda precisa de mostrar que pratica a transparência, pois a mesma PGR que convocou uma conferência de imprensa há dias, onde disse quanto já gastou com escritórios de advogados em Londres, nunca convocou uma conferência de imprensa para dizer quanto gastou com o escritório Mabunda Inc. em Joanesburgo, para tentar trazer Manuel Chang para Moçambique. Quanto foi? 


A PGR foi assertiva quando anunciou o acordo entre o Estado e o Credit Suisse (UBS), mas agora parece que voltou a cobrir-se do mesmo véu de secretismo que sempre vestiu. 


Ontem, de Londres chegou um despacho da Reuters dizendo que Moçambique desistiu de uma parte significativa da sua reclamação contra o construtor naval franco-libanês, Privinvest, citando o advogado Jonathan Adkin (Serie Court), que representa a PGR no caso contra a turma do Iskandar Safa. Jonathan Adkin disse que Moçambique desistia da reivindicação de mais de 800 milhões de USD da Privinvest por “perdas macroeconómicas”. 

 

Mas Moçambique abdicou porquê mesmo? Qual foi o racional? Quais os ganhos? No caso do Credit Suisse, o ganho foi um extensivo cancelamento da dívida, de cerca de 600 milhões de USD. E no caso vertente? Qual foi o quid pro quo? Isto não foi ainda explicado detalhadamente nem por Adkin e muito menos pela nossa PGR.

 

A Reuters citava, também ontem, o advogado da Privinvest, Duncan Matthews, dizendo que Moçambique abandonou o caso contra a Privinvest porque era "inútil" e teria levado a um interrogatório "profundamente embaraçoso" das testemunhas arroladas pela PGR.

 

Quem são as testemunhas de Moçambique no caso contra a Privinvest?

 

Das incidências de ontem, o mais espantoso foi o que veio vertido num despacho da Lusa, que rezava assim: o grupo naval Privinvest prescinde de chamar o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, como testemunha no julgamento sobre o caso das dívidas ocultas de Moçambique no Tribunal Comercial de Londres. “Concluímos que não vamos envolver o Presidente Nyusi”, afirmou Duncan Matthews, advogado da Privinvest, falando ao Tribunal.

 

O que se está a passar em Londres? Moçambique prescinde da Privinvest e esta prescinde da sua obsessão de arrastar o Presidente Nyusi? Como assim? Há um acordo secreto em curso entre a PGR e a Privinvest? Se há, onde é que ficam os interesses da sociedade nesse eventual acordo? Este acordo é uma consequência directa do acordo com o Credit Suisse? Terá o Credit Suisse exigido que assim fosse?

 

A Privinvest confessou ter subornado (se bem que eles falem em taxa de sucesso) funcionários do Estado moçambicano e do Credit Suisse (estes confessaram em sede de justiça americana que receberam subornos). Ou seja, a Privinvest esteve no centro do calote. Ora, ao abdicar do processo contra a Privinvest, não estaria a PGR também retirando toda a substância ao caso local das “Dívidas Ocultas”?

 

Se o principal caloteiro, corruptor activo, é perdoado por Moçambique, por que razão quem recebeu suborno, esteve na planilha do Boustani, comprou carros e casas, vai ser mantido em prisão? Falo dos Ndambis, dos Nhangumeles desta vida e companhia.

 

Ou, depois das eleições autárquicas, vai todo o mundo ser liberto por seus prazos de prisão preventiva estarem precludidos há demasiado tempo? E de repente fica todo o mundo impune, mas nada muda na vida dos milhões de moçambicanos que foram as principais vítimas deste calote. Abdicamos de cobrar a Privinvest, mas continuaremos a pagar milhões e milhões de uma dívida odiosa. Será este o nosso fim? Afinal, o que está a acontecer em Londres?

Várias notícias avançaram na semana passada que está a ser negociado um acordo extrajudicial para Moçambique deixar cair o caso contra o Credit Suisse que poderá envolver uma compensação de cerca de 100 milhões de dólares.

 

Um comunicado conjunto emitido hoje pelo Ministério da Economia e Finanças (MEF) e a Procuradoria Geral da República (PGR) anunciou uma conferência de imprensa para amanhã, para se falar "sobre o processo do Estado moçambicano em Londres, envolvendo o Credit Suisse (CS)”.

 

De acordo com a imprensa estrangeira, as negociações em curso envolvem a PGR e o banco suíço UBS. Recorde-se, este banco adquiriu o CS em Março deste ano e, em Agosto, decidiu integrá-lo totalmente, e o CS vai desaparecer como marca de banco de retalho até 2025.

 

O CS, que se debatia com graves problemas financeiros, foi vendido por 2,8 mil milhões de USD ao UBS em Março, quando na bolsa de valores suíça valia mais de sete mil milhões de USD. O UBS herdou os processos judiciais do Credit Suisse, incluindo a exigência de Moçambique de que as garantias dos empréstimos fossem declaradas nulas e sem efeito, e que o Credit Suisse pagasse uma compensação.

 

Até muito bem recentemente, nomeadamente em Junho, o CS ainda tentou convencer a secção comercial do processo do Tribunal Supremo de Londres para que o caso fosse arquivado, alegando que a falha do governo moçambicano em divulgar documentos significava que não podia haver um julgamento justo. 

 

Como o Tribunal recusou essa alegação e marcou o julgamento para iniciar na terça-feira, 3 de Outubro, o UBS parece ter mudado de abordagem e quer evitar um despique nas barras com o potencial de perder, mas também com o risco de danos reputacionais de grande monta.

 

A cifra de 100 milhões de USD foi avançada por fontes do UBS à imprensa internacional como um dado adquirido. Os advogados do UBS estão empenhados em evitar que a disputa vá a julgamento e pressionam por um acordo, escreveu o londrino Financial Times, na sua edição de 27 de Setembro. Amanhã, ficaremos a saber se o Estado moçambicano aceita esse valor e decide abandonar a acção em Londres. Para já, consta que os advogados da PGR estão de mangas arregaçadas para o julgamento.

 

Mas 100 milhões de USD para o caso vertente parecem amendoins. Aceitar isso seria mais um calote. Eis as razões:

 

Para “Carta”, 100 milhões de USD é um valor insignificante relativamente aos danos de reputação que o banco poderá sofrer durante 13 semanas longas de julgamento, em que vão ser expostas as fragilidades gravosas da "compliance" do Credit Suisse. 

 

A confissão dos três banqueiros do CS (Andrew Pearse, Detelina Subeva e Surja Singh envolvidos no calote) em sede da justiça americana mostra que a possibilidade de sucesso da PGR é grande, também porque Jean Boustani confessou nos EUA ter pago subornos a funcionários moçambicanos. Neste sentido, a anulação das garantias soberanas pode ser conseguida por parte de Moçambique. Aliás, a oferta do UBS é também um reconhecimento de culpa.

 

Ora, o calote adiou a vida de milhões de moçambicanos, afugentou os doadores do apoio orçamental e a nossa economia nunca recuperou desde então. Por isso, 100 milhões de USD parecem-me insultuosos. 

 

A PGR nunca revelou o valor da sua acção em Londres. O que sabemos é o que a imprensa internacional tem revelado, ela que tem acesso aos advogados londrinos da PGR. No passado dia 28 de Setembro, o The Wall Street Journal, de Nova Iorque, escreveu o seguinte: “UBS Poised to Settle Mozambique’s ‘Tuna Bonds’ Lawsuit Against Credit Suisse/The southern African nation had sought as much as $2.5 billion By Margot Patrick Updated Sept. 28, 2023 2:50 pm ET)”.

 

Ou seja, para além da anulação das garantias soberanas ilegais, Moçambique exige uma compensação de 2.5 mil milhões de USD.

 

Por sua vez, a 27 de Setembro, o jornal Financial Times, de Londres, escrevia que “além dos danos pelos alegados subornos, a reclamação de Moçambique incluía mais de 1000 milhões de USD pela retirada do apoio financeiro internacional (apoio internacional dos doadores), mais de 260 milhões de USD por custos de dívida mais elevados e cerca de 100 milhões de USD em taxas sobre os empréstimos”, citando um documento do Supremo Tribunal do Reino Unido.

 

Qualquer um destes valores coloca como irrelevante a oferta do UBS, uma oferta de certa forma arrogante e desprezível se tivermos em conta os biliões de USD de lucros que o banco tem vindo a fazer, incluindo agora depois da fusão com o Credit Suisse.

 

Em finais de Agosto deste ano, o UBS anunciou um lucro líquido recorde de 29,9 mil milhões de USD, sete vezes superior ao registado no mesmo período do ano passado. O UBS disse na altura que previa poupar 10 mil milhões de dólares até ao fim de 2026, graças à fusão com o Credit Suisse.  

 

O USB nada em dinheiro e até renunciou à garantia de 9 mil milhões de USD dada pelo Governo suíço para adquirir o Credit Suisse, como afirmou várias vezes a ministra das Finanças da Suíça, Karin Keller-Sutter.

 

A oferta de 100 milhões de USD é ainda mais desprezível considerando que o credor suíço se tem concentrado em resolver disputas legais desde que concordou em assumir o controlo de seu antigo rival em Março e noutros casos está a considerar pagar compensações bilionárias.

 

Na quarta-feira, de acordo com o FT, o Tribunal Superior de França disse que daria o seu veredicto final em Novembro num caso de evasão fiscal de longa data do UBS, no qual o banco contestou uma multa de 1,8 mil milhões de euros.

 

No mês passado, o UBS concordou em pagar 1,4 bilião de USD para resolver uma investigação regulatória dos EUA sobre a suposta venda indevida de títulos hipotecários residenciais no período que antecedeu à crise financeira de 2008, encerrando o último caso remanescente movido pelo governo dos EUA contra Wall Street.

 

O banco também concordou em pagar 388 milhões de dólares aos reguladores dos EUA e do Reino Unido pelas falhas do Credit Suisse em torno do colapso da Archegos Capital, que causou uma perda comercial de 5,5 mil milhões de dólares ao credor falido e ajudou a provocar o seu desaparecimento.

 

O UBS também resolveu uma acção movida pelo Credit Suisse contra um blog popular de Zurique, Inside Paradeplatz, sobre o que alegou serem comentários de leitores abusivos e não verificados.

 

Por último, o UBS tem pouco menos de 10 biliões de USD em provisões e passivos contingentes para litígios e questões regulatórias, de acordo com estimativas do JPMorgan.

 

 

Em face de tudo isto, é óbvio que Max Tonela e Beatriz Buchile devem declinar a oferta dos 100 milhões de USD e obrigar o UBS a subir a fasquia. 100 milhões de USD? Shame on you UBS! Vergonhoso! (M.M.)

 

*Texto escrito minutos antes de recebermos o despacho da “Lusa” revelando o acordo anunciado pelo UBS.

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