No balanço do seu consulado de 10 anos, Filipe Nyusi vai debitar uma narrativa de sucesso de governação, tal como ele pontuou seus discursos de Estado da Nação ao longo destes anos segurando a batuta da Ponta Vermelha.
Mas ele vai dizer que não fez muito porque encontrou o país já de tangas e um Tesouro de cofres vazios, herdados do calote guebuzista. Seu governo fez muito para reverter o cenário sombrio das finanças públicas - negociando com os credores e litigando contra a Privinvest e companhia (cujo desfecho foi conhecido na semana passada) - mas nenhum esforço serviu para recuperar a confiança dos mercados externos, resultando num endividamento interno quase insustentável, estimado agora em 14 mil milhões de USD.
Ou seja, Nyusi vai também deixar um legado perverso, uma espiral de endividamento que manterá o país na cauda da pobreza. A questão central então é: ele não podia ter feito melhor? Talvez sim!
Mas sua governação foi um recorte de remendos mal urdidos, um despesismo ocioso e corruptivo e uma contradição insana entre princípios de políticas públicas e a prática no terreno (discurso e prática), como no caso da conservação ambiental, onde ninguém percebeu como é que o Governo aprovou a invasão da mineração de areias pesadas na costa sul de Moçambique em detrimento do turismo; muito menos a ressurreição do monstro obsoleto de Techobanine no meio de um santuário de preservação ecológica no sul de Maputo.
Filipe Nyusi vai certamente engasgar-se no seu discurso. Na verdade, ele não tem nada para celebrar. A Educação está uma lástima e a Saúde pior. As crianças moçambicanas continuam sentadas no chão e a madeira nacional é exportada para o benefício de uma elite rendeira. Os hospitais não têm compressas. Médicos, enfermeiros e professores estão em constantes reivindicações, a começar pelas condições de trabalho.
Nyusi vai citar o Sustenta, mas o desafio a longo prazo da agricultura e da segurança alimentar continuam intactos. Nyusi vai citar seu programa Um Tribunal Um Distrito, mas há cada vez mais moçambicanos detidos em cadeias precárias, com fome e doenças. Esse programa foi mais uma justificativa para a drenagem de fundos do Tesouro e nada que tivesse a ver com a humanização da Justiça em Moçambique.
O mesmo se pode dizer do programa Um Hospital Um Distrito, que essencialmente visava expandir os negócios do seu amigo da Moçambique Holdings, José Parayukem, na sua relação com o Estado.
O que mais dizer?
Ah, Cabo Delgado. Nyusi vai deixar as armas da guerra troando. Seu governo foi uma lástima neste quesito. Andou de negação em negação ao longo dos anos, depois instrumentalizou o conflito para criar oportunidades de renda através do procurement militar e no fim foi se ajoelhar no espertalhão do Kagame, que abraçou a protecção da TotalEnergies como bandeira da sua relevância na geopolítica da segurança a sul do mundo.
Mas onde está o gás? Nada!
“Carta” sabe que o projecto controlado pela TotalEnergies está retomando gradualmente suas operações, agora com uma componente humanitária mais consistente, mas nada indica que Nyusi assistirá ao levantamento da “força maior”. Um grande fracasso político, também neste sentido.
O país de Nyusi é um país de desesperança. A pobreza urbana é tremenda. A qualidade dos serviços públicos vem se degradando velozmente. O nepotismo impera. E o propalado combate à corrupção continua ainda nas boas intenções, tal como mostrou ontem o GCCC, que se agarra em estatística processual de casos ainda não transitados nem julgados para querer mostrar trabalho e sucesso.
Nyusi vai cantar hosanas à recente avalanche da PGR contra o branqueamento de dinheiro, mas esta reação penal decorre da demanda externa e não tem nada a ver com vontade endógena. De resto, como noutros casos, a PGR montou uma máquina de comunicação para mostrar o impacto da ofensiva, mas ninguém ainda foi julgado nem condenado. E a presunção da inocência é uma instância a considerar antes de qualquer vitória.
Combate à corrupção? Não, ninguém está interessado. O Governo de Nyusi foi claro nisso, quando recusou ostensivamente a distinção operacional entre pequena e grande corrupção, dizendo que essa distinção não fazia sentido. Só não faz sentido para quem não pretende reformas. Não se combate a corrupção de enfermeiro com a mesma pílula destinada ao lobista de colarinho branco, que controla toda a traficância do colarinho branco.
O próximo incumbente tem muito a fazer neste campo, mas ainda não vimos ideias sólidas sobre como reverter o problema. Mas este é tema para outro debate. Os dez anos de Filipe Nyusi foram um fracasso. Ele fracassou!
Simplesmente isso! Para sustentar nosso argumento do fracasso nyusista podemos elencar vários indicadores. Aliás, já o fizemos nas linhas traseiras. Faltou mencionar a evidência mais pungente: os raptos. Aqui você foi uma desilusão total, Senhor Presidente, um autêntico logro!