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domingo, 10 novembro 2024 11:04

O Conselho Constitucional deve contribuir para a paz social – Rui Baltazar*

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Depois que foi estabelecido em 2003 sob a batuta do jurista Rui Baltazar, que morreu em Julho passado aos 91 anos, o Conselho Constitucional (CC) tornou-se rapidamente num sólido pilar dentro do nosso precário sistema de integridade. Apesar de ser composto na base de uma proporção guiada pela representatividade parlamentar dos partidos políticos, cabendo à maioria da Frelimo indicar a maioria dos juízes, suas decisões eram unicamente baseadas nos ditames da Lei e do bom senso, em defesa da Constituição contra quaisquer desvios de inclinação partidária.

 

Em 2007, o CC chumbou ostensivamente uma norma estabelecida no consulado inicial de Armando Guebuza, que obrigava ao uso da expressão “decisão tomada, decisão cumprida” no fecho da correspondência oficial no Estado. Na altura, Rui Baltazar tinha como pares juristas de gabarito inquestionável como Teodato Hunguana e Orlando Graça (este oriundo da Renamo). Seus acórdãos e deliberações eram escritos de forma assertiva e pedagógica, com um registo irrepreensível de jurisprudência. O CC era uma escola. E havia se consolidado como um importante contrapeso do poder. Dentro do nosso sistema político, era a única entidade que mantinha ainda uma grande dose de respeitabilidade na sociedade.

 

Quando Rui Baltazar saiu em 2009, pensou-se que ele levara consigo esse perfil de integridade raramente beliscado. Mas não! O CC manteve-se no mesmo registo. Assertivo, evitando cair na esparrela do juridiquês barato como agora está a suceder - apesar da desconfiança gerada com a chegada de Hermenegildo Gamito, em 2011, no início do segundo mandato de Armando Guebuza. Juízes como Orlando Graça e José Norberto Carrilho garantiriam a qualidade e a independência, mas isso começou a desmoronar quando os dois saíram em 2014. 

 

Gamito foi uma escolha pessoal de Armando Guebuza. Foi reconduzido por Filipe Nyusi em 2016. Mas suas credenciais de isenção foram sempre suspeitas. Ele conduziu o CC de uma forma claramente favorável ao regime da Frelimo, como ficou provado nas eleições autárquicas de 2018, quando o CC a se destacar pela negativa, fazendo tábua rasa das irregularidades e ilegalidades praticadas pela CNE em prejuízo do grupo apoiante de Samora Júnior, o então AJUDEM, que viria a transformar-se no actual Podemos.

 

Depois veio Lúcia Ribeiro, cujos trabalhos nas eleições autárquicas de 2023 vieram a confirmar que o CC perdera definitivamente a aura inicial de integridade e isenção. No dia 24 de Novembro do ano passado, o Conselho Constitucional, anunciou a versão final dos resultados das eleições autárquicas realizadas no dia 11 de Outubro, reforçando a percepção de que o órgão era tendencioso a favor do partido no poder, a Frelimo.

 

O CC fez pouca referência a irregularidades durante o processo de votação e contagem de votos, ou nas eleições como um todo, dizendo que estas questões não influenciaram os resultados globais. Os resultados apresentados pelo CC foram entendidos como fruto de compromisso, pelo menos entre a liderança da Renamo – partido que originalmente reivindicou a vitória em 21 municípios – e a Frelimo, levando a percepção generalizada de que a decisão do Conselho Constitucional (cujos vários juízes são nomeados pelo presidente e por membros do parlamento dominado pela Frelimo) foi fortemente influenciada pelos desejos da Frelimo. Por outro lado, o facto de os resultados eleitorais demorarem demasiado tempo a ser anunciados levantou suspeitas sobre todo o processo.

 

Um dos principais afectados pelas decisões do Supremo em 2023 foi Venâncio Mondlane, que concorreu pela Renamo para a presidência do Conselho Autárquico de Maputo. Furiosos com o CC, seus manifestantes haviam iniciado em Maputo uma série de manifestações, reivindicando justiça social. As “manifs” apenas perderam fôlego porque a Renamo retirou seu apoio à então revolta venancista, que tinha fortes condimentos para afectar a “paz social”, pelo menos na cidade de Maputo. 

 

Foi como que a alertar para esse efeito perverso de um CC tendencioso que Rui Baltazar fez sua derradeira chamada de atenção aos juízes do conselho, que aqui transcrevemos, pois, mais do que em 2023, hoje em 2024, nas actuais eleições gerais, é esperado que o veredicto daquele órgão seja isento e respeite a vontade dos eleitores, sob pena de Moçambique viver dias negros de tumultos pós-eleitorais nunca vistos no passado. 

 

 O Conselho Constitucional vai, no futuro próximo, ter de tomar graves decisões, com grande impacto na sociedade moçambicana, e deve estar preparado para tal, contribuindo através da sua independência e da aplicação intransigente, correcta e exemplar da Constituição e das leis, para a paz social, para o melhoramento da democracia e para que se faça justiça a cada cidadão;

 

— Os desafios a que terá de responder o Conselho Constitucional em Moçambique pouco têm a ver com o risco de se instalar um governo de juízes, mas sim com a necessidade de controlar os excessos no exercício dos poderes, o seu equilíbrio, salvaguardar e reforçar a ordem democrática e constitucional, a separação e interdependência dos poderes do Estado e garantir os direitos e liberdades de todos os cidadãos.

 

*BALTAZAR, Rui. “Lastimável estado do Estado de Direito Moçambicano”, O Guardião, Revista do Conselho Constitucional de Moçambique, Volume IV, 2023, Pág. 290.

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