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Carta do Fim do Mundo

 

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Os “homens” do Presidente Chapo

 

O perfil dos 12 novos ministros até agora anunciados e hoje empossados pelo Presidente da República, Daniel Francisco Chapo, pode denotar uma solução de compromisso com o seu antecessor Filipe Nyusi.

 

A transição para o novo executivo de quadros que integraram o elenco de Nyusi, como a nova primeira-ministra, Benvinda Levy, uma magistrada tecnocrata sem uma colagem apologética a nenhuma ala da Frelimo, é um sinal de que Nyusi propôs para o cargo uma figura que Daniel Chapo aceitaria sem resistências.

 

Discreta, Levy cairia facilmente no “goto” de Chapo, até por ser jurista e graduada pela Universidade Eduardo Mondlane (UEM), onde o novo chefe de Estado também fez Direito. Levy é uma espécie de guardiã e veia transmissora de uma uma memória institucional e repositório do ''disco duro'' de toda uma sorte de dossiers, legislação e políticas públicas tanto aprovadas como as discutidas e que ficaram na gaveta, do bastante promissor e no fim moribundo consulado de Guebuza (em que foi Ministra da Justiça) e do sinistro e desastroso regime de Nyusi (em que foi sua a principal assessora jurídica no super ministério da Presidência).

 

Com uma dilacerante guerra em Cabo Delgado e com a polarizante presença das tropas ruandesas no combate à insurgência, os dois dirigentes devem ter-se entendido com relativa facilidade para a necessidade de manter Cristóvão Chume no cargo de ministro da Defesa, cargo que vem ocupando desde a administração anterior.

 

A “juventude” de Daniel Chapo, o primeiro Presidente moçambicano nascido depois da independência do país – veio ao mundo em 06 de Janeiro de 1977 –, também terá favorecido a escolha de Basílio Zefanias Muhate, para ministro da nova pasta da Economia.

 

Muhate foi secretário-geral da Organização da Juventude Moçambicana (OJM), o braço juvenil da Frelimo, presumindo-se, por isso, que está “equipado” com uma maior sensibilidade para as causas da revolta dos jovens que “foram carne para canhão”, nas manifestações promovidas por Venâncio Mondlane contra os resultados das eleições gerais de 09 de Outubro.

 

Quadro apagado no Banco de Moçambique sob a égide do “Xerife” Rogério Zandamela, Muhate é um economista low key embora amante do debate político e económico, conciliador e bom gestor de networks e de bases de dados (fundou e moderou durante mais de uma década no furor da sua juventude a plataforma de debate e partilha de informação Moçambique Online nos fóruns Yahoo! Grupos). Foi um apparatchick do Guebuzismo, embora tenha tido um fallout com AEG quando este era o todo poderoso Presidente da Frelimo e da República e a “Jota” de Basílio ensaiou laivos de rebeldia, inspirada em ideias e indumentária “revú” das boinas vermelhas do Economic Freedom Fighters (EFF) de Julius Sello Malema, antigo líder da “Jota” e dissidente do ANC (ANCYL). Bloguista, no auge da blogosfera em Moçambique, coincidentemente no primeiro mandato de Guebuza ao leme do país, espera-se que implemente algumas das ideias progressistas e reformistas económicas, que discretamente foi veiculando no activismo bloguista.

 

Uma outra figura que, pelo percurso que até agora fez, não é foco de dissensos entre alas na Frelimo é a nova ministra das Finanças, Carla Louveira. Sem uma militância activa e conhecida, Louveira, Vice-Ministra das Finanças no recém findo consulado de Nyusi, escapa à inevitável associação a uma das cliques do partido no poder e é tida como competente com lisura e mesura na gestão do erário público. Sem golpes de asa filosóficos, é uma tecnocrata em crescendo.

 

Até por ser filha de Rosário Fernandes, antigo presidente da Autoridade Tributária (AT) e do Instituto Nacional de Estatísticas (INE), conhecido pela sua frontalidade e integridade.

 

Recordar que Fernandes foi afastado do INE por se ter distanciado do recenseamento eleitoral na província de Gaza, que dava como apto para votar nas eleições gerais de 2019 um número de eleitores que aquele ponto do país só terá em 2040.

 

Diplomata de carreira, a nova ministra dos Negócios Estrangeiros, Maria Lucas, também pode ter oferecido garantias de consenso, até porque não se lhe conhece uma ligação subserviente a nenhum dos “clãs” preval_ecentes na Frelimo. Antiga Embaixadora de Moçambique na União Europeia, em Bruxelas, é tida como uma excelente negociadora, mestre dos bastidores e broker na diplomacia internacional, alérgica ao protagonismo e abnegada exploradora de corredores.

 

''Resgate'' do veterano Pale e do ''crânio''

 

Muchanga perdido na aviação

 

Muito aplaudido pelos quadros da Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (PCA), quando saiu do cargo de PCA do braço empresarial do Estado nos projectos de hidrocarbonetos, a aura “low profile” de Estêvão Tomás Rafael Pale terá ajudado na convergência das partes sobre a escolha para novo ministro dos Recursos Minerais e Energia. Um conhecedor do sector, como gestor técnico carreirista no ministério, como representante e gestor de negócios de multinacionais exploradoras de minérios no país, bem assim como gestor sénior das empresas públicas e ou participadas pelo Estado no sector dos hidrocarbonetos. É um defensor acérrimo do conteúdo local e do imposto em espécie (royalties), a ser pago pelas petrolíferas concessionárias da “parte do leão” na exploração do gás na Bacia do Rovuma, para alavancar o sector industrial nacional ancorado ou não à exploração mineira e ao oil & gas.

 

Uma inovação que anunciou no seu discurso de tomada de posse, no dia 15, é crível que Daniel Chapo tenha sido decisivo na escolha de Américo Muchanga, para ministro das Comunicações e Transformação Digital. O novo ministro é um especialista do sector e estava perdido na aviação (primeiro na Aeroportos de Moçambique e até sexta-feira na LAM).

 

Até última quinta-feira igualmente um Administrador Não-Executivo Independente, no Standard Bank, S.A, e Assessor do Conselho de Administração da MCNet, Américo Muchanga é um executivo visionário com 29 anos de experiência de gestão em posições de liderança sénior. Doutorado (PhD) em Telecomunicações pelo The Royal Institute of Technology (2006) e Licenciado em Engenharia Electrónica pela Universidade Eduardo Mondlane (1992), foi PCA e Director-Geral da Autoridade Reguladora das Comunicações de Moçambique (ARECOM/INCM).  Foi igualmente Director-Geral do Instituto Nacional de Meteorologia (INAM) e ocupou cargos como Membro do Conselho de Administração do Instituto Nacional de Comunicações (INCM), Presidente do Comité Executivo da Associação de Reguladores de Comunicações da África Austral (CRASA) e Presidente da Comissão Nacional para a Migração da Televisão Digital.

 

Nestes cargos, desempenhou papéis fundamentais na transformação da entidade reguladora das comunicações numa autoridade autónoma, na coordenação de questões regulamentares em matéria de telecomunicações, serviços postais e digitais e na implementação de projectos de infra-estruturas digitais e de TIC em grande escala.

 

Tendo vincado o acento tónico na separação de competências entre os secretários de Estado e os governadores provinciais – até porque sentiu na pele as colisões de tarefas entre as duas figuras, por ter sido governador -, Chapo deve ter visto com simpatia a indicação de Inocêncio Impissa para novo ministro da Administração Estatal e Função Pública. Impissa é quadro da área, tendo ali exercido várias funções.

 

Há marcadamente caras que serão mais associadas ao séquito de Filipe Nyusi, como o novo ministro do Interior, Paulo Chachine, um aliado do actual comandante-geral da Polícia da República de Moçambique, Bernardino Rafael, apaniguado e membro da mesma etnia do antigo Presidente da República. Há indicações de que Nyusi não quer abrir mão de Rafael no cargo que ocupa.

 

Dessa “entourage” e como flagrante solução de compromisso, pode incluir-se o novo ministro para a Planificação e Desenvolvimento, Salim Cripton Valá, que antes de ir para presidente da Bolsa de Valores de Moçambique (BVM) foi conselheiro de Filipe Nyusi, no primeiro mandato deste na Presidência da República.

 

Da promessa eleitoral de Governo inclusivo...

 

A “exumação” do Ministério da Planificação e Desenvolvimento deve ter sido recebida de sorriso rasgado pelo sector afecto a Armando Guebuza, dado que foi no primeiro mandato do antigo Presidente da República que se instituiu este pelouro, ocupado por Aiuba Cuereneia.

 

A nomeação de caras pouco conhecidas na política activa e na hierarquia do Estado, como o novo ministro da Agricultura, Ambiente e Pescas, Roberto Mito Albino, ou João Matlombe, para o novo Ministério dos Transportes e Logística, pode igualmente ter sido uma táctica para mitigar a ideia de vencedores e vencidos nas novas escolhas, ficando cada uma das alas no partido com a sensação de “menos mal”.

 

As limitações do poder de Daniel Chapo e o peso que o “nyussismo” ainda conserva serão medidos quando a formação do novo elenco governamental for concluída, nomeadamente, através do perfil dos novos titulares das pastas que faltam preencher.

 

Tradicional e estatutariamente, a formação do governo na Frelimo resulta de intensas consultas entre o chefe do Governo, que foi sempre daquele partido desde a independência do país, há mais de 49 anos, e a Comissão Política, órgão que orienta e dirige a força política no poder no intervalo das sessões do Comité Central.

 

Durante o período de transição, a Comissão Política tem sido dirigida pelo chefe de Estado cessante, por força da acumulação desse posto com o de presidente da Frelimo, até que o novo “homem forte” assuma este posto.

 

Para já, está notoriamente adiada a satisfação de um governo inclusivo, com figuras fora da órbita do aparelho partidário da Frelimo e integração de personalidades independentes.

 

Esse seria visto por várias correntes como um passo para a diluição da grave crise política pós-eleitoral, marcada por manifestações pontuadas por violência, brutalidade policial, saques e destruição de bens públicos e privados. (Carta da Semana)

segunda-feira, 23 dezembro 2024 18:34

Moçambique, uma revolução sem revolucionários

 RevoProt

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Não seria caso para manchete de jornal, não fosse a suspeita generalizada nos últimos anos na opinião pública de que o actual Presidente, Filipe Nyusi, teria pretensões de se prolongar no poder. Nyusi está finalmente a conformar-se com a sua saída de cena. Há cerca de duas semanas, ele começou a “despedir-se” dos amigos. No seu inner circle, o Presidente anda a dizer que seu último dia na Presidência será 15 de Janeiro, quando passar o martelo ao novo incumbente saído das eleições de 09 de Outubro, cuja identidade ainda é desconhecida, pois o CC ainda não validou e nem proclamou os resultados anunciados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) que deram vitória ao candidato da Frelimo, Daniel Chapo.

 

Na passada quarta-feira, Filipe Nyusi manteve um encontro no seu gabinete com reitores de universidades públicas e privadas, alguns directores de institutos de educação e entidades afins. Estiveram também sete ministros do seu Governo, entre os quais o da Defesa e o do Interior. 

 

A tónica do encontro centrou-se nas possibilidades reais de um verdadeiro diálogo político com a oposição no quadro da actual tensão pós-eleitoral. Os reitores também sugeriram ao Presidente que um diálogo com Venâncio Mondlane seria incontornável para se apaziguar a tensão. 

 

De acordo com as nossas fontes, em resposta, Nyusi disse que dialogar, para ele, não era problema, tanto mais que no passado já o tinha feito. Mas ele não deixou claro se estava, de facto, disponível a ter esse encontro com VM7, virtualmente, como este teima em insistir.

 

E já quase no fim dessa reunião, o actual PR deu a informação que todo o mundo estava à espera de ouvir em Moçambique: ele vai entregar o martelo ao próximo incumbente justamente no dia que tiver de o fazer, de acordo com o calendário constitucional. Pela primeira vez, ele deixou claro, em ambiente extra-partidário, que vai mesmo deixar a presidência já, fazendo enterrar definitivamente os rumores sobre sua alegada apetência para um terceiro mandato.

 

Sob imensa pressão dentro da Frelimo

 

Na mesma reunião com os reitores na quarta-feira, Filipe Nyusi comunicou que vai também deixar a liderança da Frelimo no mesmo dia 15 de Janeiro. Esta declaração corrobora com relatos colhidos por este jornal, segundo os quais Nyusi tem dito aos amigos mais próximos que vai também deixar a presidência do partido no mesmo dia em que entregar o martelo de inquilino da Ponta Vermelha. 

 

“Ele diz que, nesse dia, enviará ao partido sua carta de renúncia”, disse uma das nossas fontes. Esta pretensão tem uma explicação. Ela responde a uma pressão cada vez mais acérrima dentro do partido, estando agora a correr um abaixo-assinado visando a convocação de uma sessão extraordinária do Comité Central, que uma reunião recente da Comissão Política (há duas semanas) não convocou, alegando motivos de “segurança”. 

 

O Comité Central extraordinário não convocado deveria promover a saída do actual Presidente (e a ascensão de Daniel Chapo, actual Secretário-Geral Interino), a indicação de um novo Secretário-Geral e de um novo Secretariado.

 

A “recusa” da Comissão Política (controlada por Nyusi) em convocar a referida sessão extraordinária caiu mal nas hostes mais “históricas” do partido, que apontam Nyusi como a "mãe" de todos os males que assolam Moçambique, incluindo a presente tensão eleitoral, que se alega ser fruto do excessivo “martelanço” com que Nyusi manipulou os resultados eleitorais. A reacção dessa corrente foi desafiar Nyusi com um "abaixo-assinado", para forçar uma cedência, obrigando a CP a convocar a sessão extraordinária do Comitê Central para já.

 

“Carta” apurou que esse “abaixo-assinado” foi despoletado há mais de uma semana pela célula partidária "8 de Março", onde fazem parte figuras sonantes como Joaquim Chissano, Graça Machel, Jacinto Veloso, Castigo Langa, José António Chichava, Alcinda de Abreu, entre outras. Consta que o documento está a ter uma adesão favorável. Os proponentes pretendem que o CC extraordinário se realize já em Dezembro, mesmo antes de o Conselho Constitucional proclamar os resultados do pleito de Outubro.

 

É no quadro deste ambiente de hostilidade interna que Nyusi vai deixar a chefia da Frelimo. Mas, contrariando a pressão, ele tem vindo a afirmar que não quer sair antes de 15 de Janeiro, data oficial da sua saída da Ponta Vermelha. 

 

Esta resistência esbarra com a percepção generalizada, segundo a qual, se Nyusi deixasse agora a liderança da Frelimo e também abdicasse da Presidência da República, a tensão pós-eleitoral no país reduziria bastante. 

 

Qualquer que seja o cenário, um facto parece já certeza definitiva: Nyusi vai mesmo deixar a Ponta Vermelha em Janeiro, e qualquer narrativa sobre um alegado terceiro mandato só pode ser por défice de informação. Ele já está a fazer as malas...a questão mais intrincada que se coloca é: onde é que Florindos e companhia guardarão sua extensa frota de viaturas de luxo?

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segunda-feira, 25 novembro 2024 09:41

Tensão pós-eleitoral: diálogo dos surdos e mudos

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