Ontem de manhã, com uma das salas das Torres Radisson abarrotada e rasgando-se pelas costuras, a antiga Primeira Ministra Luísa Diogo (actual CEO do ABSA em Moçambique), aproveitou um evento de carácter motivacional para testar sua... motivação presidencialista...ou, invertendo a equação, verificar se ela consegue motivar as mulheres moçambicanas das elites políticas e burocráticas de Maputo o suficiente para dar corpo a uma putativa candidatura presidencial pela onda vermelha.
Ela passou nesse teste, diga-se. Se aquela plateia de mais de 200 mulheres fosse o conclave do partido, Luísa Diogo teria passado vitoriosamente pelo crivo dos seus pares.
Mas tratava-se de um simpósio de mulheres, organizado por Augusto Pelembe. Chamaram-lhe de Executive Master Classe. A ideia era uma plateia de mulheres executivas, muitas delas nadas e feitas no respaldo da Frelimo, nos percursos ascendentes da burocracia entre partido e o Estado. Nada das mamanas da OMM. Uma adesão em massa, fazendo jus à semana da mulher. A partir das 9 horas.
No púlpito há três mulheres que se encaixam bem nesse perfil, escolhidas a dedo para darem seu testemunho. Mody Maleiane, filha de Adriano Maleiane; e Esperança Mandlaze, mulher Mário Mangaze, durante largos anos Presidente do Tribunal Supremo (ainda continua lá como assessor) e...a incontornavel Luisa Diogo, que hoje dirige o ABSA, anos depois ter arbitrado a reprivatização do antigo Banco Austral a favor do...ABSA.
Nada das Ivones Soares desta vida! Tudo gente da "situação", do politicamente correcto.
A intervenção de Luísa era a mais esperada. Ela discorreu sua espiral de inspiração para o sucesso ao longo dos anos, seu percurso triunfante, onde a disciplina e foco foram a marca d'água duma personalidade lutadora, que nunca deu o braço a torcer.
Falou da escadaria dessa caminhada e seus espinhos, mostrando que não queimou etapas, que subiu degrau a degrau até chegar a Primeira Ministra. (Desde o Banco Mundial até à entrada para o Governo como Ministra do Plano e Finanças entre 1999 e 2005 e, a partir de fevereiro de 2004 com a saída Pascoal Mucumbi, acumulando com a pasta de Primeira Ministra, donde do saiu em Janeiro de 2010, quando Guebuza, reeleito, a substituiu por Aires Ali).
Um percurso que inspira muitas mulheres, como se viu hoje. Luísa Diogo mostrou que era possível. E a plateia, que escutava atentamente, vibrou. Mas vibrou mais quando Luísa, já como remate final, declarou: já fiz tudo desde baixo até o topo, já assumi as funções de Primeira Ministra, o que é que me falta?
Em uníssono, a plateia devolveu: ser Presidente da República.
E depois veio um aplauso de minutos, ininterruptos, que encerraram o evento já depois das 12 horas. Na tez, nas mentes, no imaginário de todos, a imagem de uma Luísa Diogo na Ponta Vermelha.
E houve quem mesmo lhe perguntasse: É isso?
Ela não abriu o jogo, deixando no ar as dúvidas sobre quem, de vez em quando, vem testando sua aceitação pública (urbana, entre as elites) para Presidência da República de Moçambique.
Luisa, Presidenta? A ver vamos!
A VP de Joe Biden terminou ontem uma visita a Zâmbia. Kamala Harris deve ter engolido em seco várias vezes durante um evento público em que o líder da oposição zambiana Fred M’membe denunciou a postura imperialista americana em África. O discurso de Fred é cáustico, viperino. A América não tem credenciais para ensinar democracia aos africanos. Etc. E perante Harris, o político recordou as partes mais negras da política americana em África. Ouçam! Um resumo escrito foi circulado várias vezes.
Fred M’membe, para quem não o conhecia, não é político de ocasião. É um político por vocação, no sentido de Weber. Mas um político que se fez na escola do jornalismo. Aliás, ele é um jornalista independente, premiado no estrangeiro, editor do príncipal semanário independente da Zâmbia, o The Post. Isso explica seu discurso, sua eloquência, sem cábulas nem rascunhos, perante uma plateia resvalando entre a hesitação e o cinismo.
É um jornalista habituado a lidar com a verdade, expondo-a nua e cruamente. Alguém que os tem no lugar. Kamala esperava um discurso de hosanas ao sonho americano? Talvez não! Mas saiu da Zâmbia com o nome de M’membe bem gravado na memória. Tufa!
A solidariedade para com as gentes de Zambézia afectadas pela virulência do ciclone FREDDY acontece a dois níveis. Como sempre os movimentos de solidariedade nascem das raízes humanas, das pequenas elites tomando iniciativa na ausência do Estado, comum em Moçambique.
Na Beira do IDAI foram pequenos grupos de convivas de café no Chamuari que puseram mãos à obra. A solidariedade no IDAI foi um marco indelével: o país mexeu-se e da capital zarpou um navio cheio de mantimentos, chegando a tempo de serem distribuídos enquanto era necessário.
O que está a acontecer com a Zambézia neste campo da solidariedade civil!?
Eis o que apurei:
Há dois grupos no terreno, cujos membros e coordenação confluem na rede social Whatsapp. O "Zambézia no Coração" é malta de origem espalhada pelo país, seus amigos conectados nessa rede, através da qual fundos são angariados e ajuda em espécie, de não perecíveis, idem.
A conta bancária para a recepção de dinheiro é de Edna Namitete, escolhida a dedo por causa de sua alegada idoneidade. O conceituado jurista Abdul Carimo Issa, o Buda, é uma das faces mais visíveis deste grupo, que já tem estado a transferir dinheiro para Quelimane. O movimento está a coletar bens em Maputo mas o dilema será mesmo como transportar para a Zambézia.
Para além da "Zambézia no Coração" existe o grupo "Todos pela Zambézia", baseado em Quelimane. Este grupo está a distribuir comida a quem não tem o que comer. São milhares não só em Quelimane e arredores mas também em Mocuba e na isolada Maganja da Costa. O que as pessoas precisam é de comida.
Reporta-se que o IGND está a distribuir bens alimentares não confeccionados mas o que as pessoas precisam é de comida, frise-se. De acordo com o INGD na Zambézia, 211.784 encontram-se deslocadas. Cerca de 50 mil pessoas foram recolhidas para em 49 centros de acomodação, onde estão a receber ajuda.
O paradoxo é esse mesmo: o grupo "Todos pela Zambézia" serve comida quente e o INGD oferece produtos não confeccionados a pessoas que não têm utensílios para transformar esses bens em comida.
O transporte de eventuais ajudas colectadas em Maputo vai ser um problema. Mas a grande dúvida é se a solidariedade maputense vai ser espontânea e robusta como foi com o IDAI. Na altura, março de 2019, o Porto do Maputo abriu dois armazéns que receberam víveres e roupas, que foram enviadas para a Beira através do “Border”, um “combo vessel”, que também tem capacidade para 400 contentores.
Os efeitos do Freddy na Zambézia ainda não despoletaram semelhante onda. Dúvida-se que isso venha acontecer, a nao ser que a mobilização reforce sua comunicação.. Há poucas semanas, as cheias no sul de Maputo mobilizaram a solidariedade local, com suas pontes de afectos.
Mas os afectos pela Zambézia ainda nao surgiram como uma onda rasgando a indiferença. O facto é que as pessoas estão cansadas. Sobretudo quando não vêm da parte do Estado uma resposta firme.
O Porto do Maputo está de plantão à espera...Mas para além dos grupos zambezianos, pouco se vê. Em Maputo, parece que as pessoas estão concentradas no pós-morte do artista com suas azagaias empunhadas.
O dilema de transportar o grupo Zambézia no Coração é real. Uma companhia de telefonia terá oferecido 10 toneladas de produtos diversos. Como se trata de emergência, essa oferta devia já estar a caminho da Zambézia, e o ideal seria por via aérea. Há quem sugeriu que a LAM pudesse fazê-lo de noite, com seus aviões comerciais. Mas para isso é preciso que a decisão política saia dos gabinetes. (Marcelo Mosse)
Nenhum moçambicano, depois de Mondlane e Samora, viu seu ideário de combate político, de verticalidade e cidadania, ser reconhecido em Moçambique e no estrangeiro, tornando-se fonte de inspiração de novas lutas contra a opressão e a marginalização dos povos. Só Azagaia! Ele tornou-se no terceiro grande símbolo da mocambicanidade. Quando a História deste país for reescrita, esta verdade será registada.
Se os factos constantes na “exposé” sobre o Tribunal Administrativo, que já circula nas redes sociais, forem confirmados, estamos perante o descalabro de uma instituição que era tida como credível. A denúncia, anónima, mas bem documentada, expõe um cenário de práticas de corrupção, peculato, nepotismo compadrio dentro do TA. Não é uma denúncia de má-fé. Ela está bem documentada é isso dá-lhe credibilidade.
O TA é o Auditor Externo do Governo, um pilar de relevo no sistema de integridade nacional. É um pilar central do ciclo orçamental do Governo, cabendo-lhe velar pela qualidade da despesa pública, essencial para a prossecução de um Estado Democrático.
Esta instituição, pela sua natureza, devia ser gerida com altos padrões de transparência e probidade. Mas a denúncia revela uma instituição capturada por interesses e até politicamente controlada, designadamente quando menciona que há instruções para não se fazer auditorias às nossas embaixadas por causa do risco de se expor a má gestão financeira das nossas missões no estrangeiro (lembrem-se que há dois antigos embaixadores, altos quadros da Frelimo, condenados por corrupção em primeira instância).
A denúncia é bem-vinda. Ela mostra uma podridão escondida, um padrão de improbidade que se replica nas nossas instituições. Até que enfim apareceu um whistleblower colocando a boca no trombone. Fez bem!
O recurso ao anonimato também é correcto, para sua protecção. O risco de vingança e retaliação contra ele seria maior. Às vezes, é o próprio Estado que retalia, quando está em causa a sua imagem (ver caso Julian Assange).
Esta denúncia põe a nu a credibilidade do nosso Estado. Aquando do início da transição democrática em Moçambique, o TA recebeu muito apoio técnico e financeiro dos doadores, destacando-se a Embaixada da Suécia. Ao longo dos anos, o TA cresceu em capacidade e integridade, sob a liderança do Dr. António Pale. Depois veio o que veio. É um cenário lastimoso. Se o TA perde credibilidade o que dizer do seu trabalho. E há quem diga que a denúncia em causa é apenas a ponta do iceberg.
Os detalhes constantes no documento são suficientes para se dar início a um inquérito judicial. Só espero que não tapem o sol com peneira. Os moçambicanos precisam de um TA forte e íntegro.
Nossos deputados na AR têm aqui um trabalho de verdade. Uma verdadeira Comissão de Inquérito precisa-se. Não aquela passeata turística a Macuse. (Marcelo Mosse)