Quando se der o epílogo de 2024 o nome de Venâncio Mondlane ou VM7 como ele gosta de ser tratado, deverá reunir consensos como a figura política do ano que vai encerrar no mês que se segue.
Sem margem para dúvidas, VM7 é um fenómeno meteórico que será sempre lembrado por ter desafiado o status quo através de lives que provocaram tosses à economia do país afectando-a com assomos de paralisação momentânea do país, e que levaram a soberba arrogância do poder a contrapor com apagões de internet e com o uso indiscriminado da força com balas verdadeiras e do gás lacrimogéneo fora do prazo.
Num ano frenético e atípico, VM7 deu lições de cidadania activa que baste na política nacional. Defendeu com unhas e dentes os seus direitos enquanto membro da Renamo; bateu-se com galhardia para a reposição dos mesmos, e, quando se apercebeu que a lei e a justiça não eram suficientes para demover a liderança do partido que reclama a “paternidade da Democracia” a aceitar as suas, legítimas, pretensões de levar a Perdiz à Ponta Vermelha, bateu com as portas que Afonso Dhlakama lhe abriu e foi à procura de uma nova.
Aberta a porta da candidatura independente para o mais apetecível cargo do estado moçambicano, VM7 continuou a sua jornada a solo a que atrelou a pálida Coligação para Aliança Democrática (CAD) na sua cruzada e no seu portfólio político, mas porque os seus rugidos faziam eco na sociedade, esse sonho foi desfeito por obra de doutores da lei na mesa da (dís)paridade nacional que chumbaram a coligação com alegações com cheiro e sabor a perseguição política movidas pela dupla de amantes FRENAMO.
Refeito desse revés, VM7 olhou para as cores do mapa dos partidos existentes e se fez em núpcias com o Partido Optimista para Desenvolvimento de Moçambique (PODEMOS) e foi às eleições num processo ensombrado desde a fase do recenseamento eleitoral (qual mal parido à nascença).
Com os criminosos eleitorais em ação, VM7 não quis esperar pelos anúncios das contagens prenhes de discrepância da famigerada Comissão Nacional de Eleições (CNE) e saiu para as ruas hasteando um discurso de vitória, facto que exacerbou as tensões na já tensa e nervosa esfera pública.
A declaração do VM7 fez ranger as estruturas do edifício do esterco e, do degredo das neblinas do poder e com os dentes crocodilados de raiva, foram acionados os marginais do regime que dispararam 25 vezes as mortes de Elvino Dias e Paulo Guambe.
Aí o caldo entornou e até hoje o impasse dorme connosco numa relação extraconjugal e estamos na montra do concerto das nações pelos piores motivos. Somos descritos como uma nação em crise pós-eleitoral onde a violência desproporcional do estado impera e é míster e morre-se por se exigir a reposição da verdade.
VM7 teve que se resguardar porque o arcebispo e os acólitos deste poder que pretende ir até às últimas consequências quer, supostamente, apagá-lo, pela ousadia de os ter desafiado no cume do planalto que já não emanam as causas justas e puras dos versos da libertação.
E agora?
O que é que o candidato presidencial da oposição VM7 vai fazer a seguir?
Mais tarde ou mais cedo, aos solavancos ou de forma permanente, o quotidiano, rasgado pelas convulsões políticas terá que regressar lentamente à normalidade em Moçambique. Após os protestos que Venâncio Mondlane orquestrou na semana passada por causa da contestação dos resultados eleitorais, embora admita que ainda não terminou a sua luta (manifestações pacíficas), anunciou uma “quarta fase” mais dura e radical das manifestações.
Até à data, os protestos provocaram o encerramento de empresas, o esvaziamento de escolas. Os mercados estão desertos e os funcionários públicos não se deslocam aos edifícios dos seus ministérios. O presente “Chamado” de VM7, que na quarta-feira iniciou com a paralisação prevista para durar três dias, tem impactos económicos que já começam a ser sentidos, conforme nos dizem agentes ligados à economia, com as estimativas de perdas financeiras que podem ultrapassar os 300 milhões de dólares, cerca de 18,4 mil milhões de meticais. As receitas fiscais serão, sem dúvida, afectadas.
Quem anda pela cidade de Maputo, já andou pelos mercados, pelos centros comerciais, verifica que a cidade depende muito da economia sul-africana. Então vamos ter muitas famílias em dificuldade, e os mais pobres a rangerem de aflição.
O Centro de Integridade Pública (CIP) estima que Moçambique perdeu 24,5 mil milhões de meticais (360 milhões de euros) em dez dias de paralisações de contestação dos resultados eleitorais.
“A perda total estimada para a economia em dez dias de manifestação é de 24,5 mil milhões de meticais, o que representa 2% do PIB [Produto Interno Bruto] total estimado para 2024”, lê-se num artigo do CIP.
Ao ampliar nas suas lives a indignação sobre o cardápio do que se tornou parte da Frelimo e dos seus membros, VM7 parece estar ressabiado, o que rouba o discernimento do revolucionário que muitos esperam, mas se não mudar o foco da sua acção, tal como Moisés, corre o risco de ver a terra prometida e não entrar.
Nos últimos tempos estamos a ser, literal e sistematicamente, inundados com a figura de Daniel Chapo, o candidato presidencial da Frelimo às eleições de Outubro próximo. Chapo é já uma vírgula nacional. Nascido em Inhaminga, distrito de Cheringoma, Sofala. Chapo chegou a este vale de lágrimas no ano em que organização que o endossa, se assumia em congresso (o Terceiro) de orientação marxista-leninista, abraçando o doce socialismo científico, na esperança certa de instalar o homem e uma sociedade novas onde cada qual viveria conforme as suas capacidades e cada qual segundo as suas necessidades. Curiosamente, o ano do início da guerra entre os moçambicanos.
Em 1994 quando Moçambique realizava as suas primeiras eleições gerais e multipartidárias, Chapo navegava ainda nas turbulentas e doces águas da puberdade, ainda não podia votar. Hoje 30 anos se passam da única eleição que ele não terá votado, e o bebé de 1977, já adulto e senhor, é um dos em quem se espera votar e, para sua felicidade, que a maioria o confie e escolha.
Na eventualidade de ser eleito, será de facto o marco da propalada transição geracional na Frelimo e no estado moçambicano. O primeiro, que vive os seus momentos mais moribundos da sua existência; sem ideologia, sem valores e o segundo, arrastado pela indefinição e incapacidade agravada pelo recuo tribalista de um partido que se diz de “massas”. “A Frelimo é o Povo!” gritava Samora, mas que guarda as ma$$as para um grupo cada vez mais reduzido.
A utopia que pairava no ar quando Chapo viu a luz do dia no agora longínquo ano é uma doce recordação de um país martirizado por um liberalismo bandido, pela consagração de uma burguesia prostituída aos sabores e encantos de grupos criminosos internacionais e pela cada vez mais ousada e desavergonhada malandragem local.
A burguesia, outrora combatida num hino “Avante operários camponeses/ na luta contra a exploração (...) Somos soldados do povo marchando em frente na luta contra a burguesia”. Hoje o revolucionário refrão foi substituído pelo liberal “pela paz, pelo progresso” vincando uma união quase incestuosa numa Frelimo bipolar onde Chapo não é nenhum extraterrestre nas metamorfoses que atravessam a história do partido e do país.
Aliás, Bob Dylan anunciara nas vésperas da queda do murro de Berlim que “the times are changing” e a Guerra Fria hoje decorre sob outros prismas e em pequenos tamanhos, onde a economia é campo fértil. Chapo pode agarrar o ceptro mas o consulado de Nyusi pode deixar-lhe de herança, tal como Guebuza deixou a Nyusi, uma realidade minada e múltiplos barris de pólvora com os rastilhos acendidos:
1.) as Dívidas Ocultas: apesar das boas notícias recentes;
2.) Cabo Delgado: onde ainda se escondem na noite os feiticeiros da estranha guerra que martiriza inocentes e fortalece um grupo específico que ainda esconde-se nas sombras; e
3.) o tráfico de drogas: que ganha mais terreno na nossa sociedade que assaltou muitas instituições e já gangrena o país.
As notícias falam de um Nyusi que levou Chapo pelas mãos para Kigali para o chancelar junto ao General Paul Kagamé, (O Mau) o verdadeiro Comandante em chefe da luta contra o terrorismo e da protecção dos interesses gauleses na região Austral de África. Uma iniciação que pode custar muito caro a Chapo.
Chapo é um dos “quadros” saídos dos bancos da Faculdade de Direito da maior e mais importante universidade pública moçambicana. Certamente, aprendeu dos seus professores e mestres, conhecimentos sólidos sobre as múltiplas dimensões da natureza do Estado de Direito democrático, do primado da lei e dos riscos da sua subversão. Não é de todo desavisado.
Outro dinamismo que nos é dado a assistir é a romaria do entrosamento apressado, nos círculos partidários de um Chapo (já) Presidente e da repetição da entronização do líder visionário no movimento associativo de “Amigos de Chapo”, “Família de Chapo”, “Tias de Chapo”, “Colegas de Chapo”, “Vizninhos de Chapo”. Tal como aconteceu com Nyusi, mas na versão exagerada da então Anyusi. Sendo, sempre, os seus mentores movidos por muito boas intenções, as tais que enchem o inferno e a terra infernizando a nossa já mísera vida.
Assiste-se nas televisões ou em leaks imprudentes, um Chapo bastante ocupado ou uma multidão bastante agitada em tê-lo como seu, ou à espera da sua atenção. Empresários, académicos, políticos, músicos, homens, mulheres e crianças, santos e pecadores. Todos estão à espera do Mano Chapo para lhe renderem as vénias e o colocarem no panteão de líder visionário e colherem os frutos dessa entronização enganadora para anos depois falarem mal dele e o acusarem de não ouvir ou de ser alguma coisa até incapaz e ambicioso.
Numa organização já assumidamente assaltada, falta apenas assaltar o próximo timoneiro e tudo está a ser feito nesse sentido. Deste lado, pedimos e alertamos, Mano Chapo, que ponha a família de lado e acima de tudo proteja os seus filhos das tóxicas poeiras do castelo do poder quando escolher seguir esses grupos de malandros e abandonar os desejos e vontades adiadas de um país e um povo que até aqui, quando não faz guerra, só tem vivido de bichas, reuniões e promessas.
Esperamos, rezamos e esperamos que seja finalmente o tão esperado Pagador de Promessas.