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terça-feira, 17 outubro 2023 15:30

O desastre da comunicação da CNE

A CNE convocou uma conferência de imprensa, pela pessoa do seu porta-voz Paulo Cuinica, e disse que vai ser implacável contra os perpetradores de ilícitos eleitorais. Fiquei estarrecido! Eu estava convencido que a acção penal no quadro das maracutaias eleitorais fosse da alçada do judiciário. Agora surge a CNE, arvorando-se de possuir poderes de acção penal. 

 

A noção de implacabilidade remete para sectores com poderes de repressão, constitucionalmente plasmados. A Polícia, na repressão ao crime. Os tribunais na aplicação intolerável da lei penal. 

 

A CNE onde entra? Em lado nenhum. Ela, que devia ter agido à montante das ilicitudes eleitorais, vem agora querer devolver ao processo um certo retoque de integridade. Agora que alguns tribunais distritais se mostram implacáveis contra os ilícitos eleitorais denunciados pelos partidos políticos (por exemplo, a Renamo em Cuamba, e a Nova Democracia no Chokwe) vem a CNE fingir navegar na mesma onda dessa implacabilidade. 

 

E quando? Quando o apuramento distrital e a centralização provincial dos dados já foram concluídos, restando à CNE fazer o apuramento geral.

 

Compreende-se que a CNE tivesse alguma urgência de comunicar. Sua reputação está nas ruas da amargura. Ninguém lhe dá crédito. Nem os partidos nem a sociedade civil. A CNE parece uma engrenagem movida por uma batuta nas mãos da Frelimo. Então, era preciso dizer algo, mostrar à sociedade que seu trabalho também é independente. 

 

E até calhava bem. Com os tribunais agindo sobre os ilícitos eleitorais ao nível local e a Frelimo a dizer, pela voz trêmula e insegura do Roque Silva, que o partido irá acolher as decisões dos tribunais (mais o “big brother” do gringos, que estão a meter 500 milhões de USD na Zambézia, que vão novamemte beneficiar a indústria da corrupção, torcendo o nariz sobre o processo), a CNE acertaria na "mouche" com um discurso sobre implacabilidade. Mas deu errado!

 

O que a CNE devia dizer era que seria implacável contra a fraude, em sede do apuramento geral, corrigindo toda a manipulação do apuramento distrital. Era isso que devia ser dito, para renovar a esperança dos moçambicanos e dos partidos políticos, demovendo as perspectivas sombrias de violência política. 

 

Mas veio um desastre de comunicação, demonstrativo de uma CNE completamente à deriva, insegura de si, que acusou profundamente o toque do descrédito. Agora, a única forma de reparar sua monumental ‘gaffe” é mesmo através da implacabilidade contra a fraude em sede de apuramento geral. Não tem como! Deixem as ilicitudes eleitorais para o judiciário!

Por mais que tenha conquistado Nampula, e também Quelimane, embora haja forte contestação e com seus opositores alegando fraude, a Frelimo perdeu estas eleições. Por mais que tenha ganho a maioria das autarquias - e ainda a dúvida subsiste quanto a Matola e Maputo, a Frelimo perdeu em toda a linha. 

 

A fasquia da pré-campanha era ganhar tudo. Uma fasquia arrogante de quem há muito se desligou da sociedade. Aliás, o principal fenómeno na ressaca eleitoral é a comprovação de um fosso cada vez enorme entre o partido e a sociedade. O choque traumático nas hostes é de tal ordem que até os “betinhos” da Frelimo sentiram finalmente um abanão derrubando sua árvore das patacas. 

 

Em condições normais, tal como na revanche anti-Azagaia, o jota Frel teria saído ontem (13 de Outubro) à rua para mostrar ao "venancismo" que, no campeonato do barulho, também ela podia expelir decibéis também ruidosos na mesma ou em escala mais alta. Mas a turma Frelimista recolheu-se toda ela no divã (ou esteira?) do Sofrimento Ningore, para expurgar seus fantasmas e jogar às cartas do Tarot (ou búzios) tentando perceber o futuro. Como estreitar novamente o fosso? E não sucumbir em 2024?

 

O nível de desnorte é tão grande que Venâncio fez sua passeata pela Guerra Popular (12 de Outubro) sob a aquiescência tácita do sector castrense do regime. A trama está patente. Seu indicador, nada latente, é a constatação desse fosso. Nunca a Frelimo sentiu na pele toda uma sociedade lhe dando costas, reprovando a conduta dos seus dirigentes. Nunca a Renamo passeou sua gritaria, agora com algum respaldo intelectual, no coração da capital. 

 

A Frelimo perdeu e, dentro dela, o Nyussismo saiu derrotado: sua tendência autocrática foi reprovada, incluindo entre as hostes, onde a imposição centralizada de cabeças-de-lista terá demovido até militantes. 

 

A Frelimo perdeu na canibalização do eleitorado, hoje composto por grupos demográficos que já não têm medo do desconhecido (o correspondente a escolher um Muchanga para a Matola), mas que não têm medo de penalizar quem não lhes têm dado pão, emprego, educação e saúde. Quem lhes reprime nas ruas de Maputo e permite tamanha extorsão ao pouco que têm para vender e comer.

 

A Frelimo está a sentir hoje o que o colonialismo sentiu em 1974. Na altura, o povo abraçou uma Frelimo desconhecida, reprovando o monstro da repressão e das políticas desigualitárias do colonialismo. Os novos grupos demográficos olham a Frelimo como um símbolo da repressão, tal como foi na saga fúnebre do "rapper" martirizado.

 

Mas o principal responsável pela derrota da Frelimo foi mesmo Filipe Nyusi. Ele conduziu o partido para um estágio nunca visto, fazendo vigorar o culto da sua personalidade, aniquilando a discussão interna, a crítica e a autocrítica, e impondo aos cabeças-de-lista um comportamento de seguidismo, em que eles não podia ter ideias próprias porque não eram candidatos, mas apenas cabeças-de-lista, totalmente dependentes de uma máquina partidária amorfa, aversa ao debate de ideias.

 

Em Maputo, isso ajudou o discurso inflamado do "venancismo", que procurou vender uma aura de super-homem num palco onde ele não teve opositor no debate de ideias. A Frelimo continua a viver das glórias do passado, tipo sua camisola vence qualquer despique, vista-a o pequenote de Namicopo ou qualquer outra figura resgatada das catacumbas da irrelevância política. 

 

Maputo precisava de ouvir mais do Razaque Manhique é isso foi recusado. Os eleitores de Maputo precisavam de ouvir propostas concretas e isso foi considerado uma heresia no tom monocórdico do Nyussismo.

 

O mapa eleitoral está ainda por definir. Algumas ilações podem ser feitas. Na Beira, parece claro que o MDM deu uma goleada. Se isso se comprovar, é mais uma derrota do Nyussismo, aqui pela interposta pessoa do seu Secretário Geral, Roque Silva, que apostou todas as suas fichas no Chiveve. A derrota da Frelimo na Beira demonstra todo o improviso de uma campanha sem propostas concretas para os beirenses, dominada por forasteiros étnicos quando se sabe da aversão local por tudo quanto é de fora. 

 

Nampula também suscita alguns ângulos de leitura. A Frelimo canta vitória em todas as autarquias da província. Na capital nortenha parece indubitável a vitória do celsismo (CC). Embora haja evidências de mesas com mais votos que o número de inscritos, também parece claro que não houve, como se propalou, um enchimento massivo das urnas a favor da Frelimo e isso se pode demonstrar factualmente. Basta comparar as eleições de 2023 com as anteriores, de 2018. 

 

Em termos comparativos com 2018, constata-se que nestas eleições (2023), em Nampula, a Renamo obteve apenas 65 mil votos (41%); em 2018 havia ganho com 116 mil votos (61%). Quanto à Frelimo, em 2018, o partido obtivera apenas 63 mil votos (33%), mas nestas eleições sua performance subiu para 82 mil vistos (51%).  Os dados mostram que a Renamo perdeu eleitores (ou houve um desenchimento?!) e que a Frelimo obteve apenas mais 20 mil votos que em 2018.

 

A onda vermelha não conseguiu uma vitória retumbante na capital nortenha, mas obteve maioria estável. A vitória da Frelimo em todas as autarquias da província de Nampula, em terreno da oposição, é também uma vitória pessoal de Celso Correia. Do mesmo modo que a Renamo conseguiu arregimentar uma boa franja do eleitorado maputense, a Frelimo também mostrou que pode ser alternância do norte.

 

No mapa eleitoral, subsistem as incógnitas de Maputo e Matola. É óbvio que a CNE e o STAE se mostram mais uma vez capturadas. Na passada quarta-feira, e depois de um grande silêncio quanto às gravíssimas incidências da campanha eleitoral e do dia da votação, a TVM começou a divulgar resultados distritais de Maputo, completamente disparatados. Sua fonte exclusiva era o STAE, que fornecia à estação pública mapas distorcidos, martelados nos recantos secretos de suas instalações.

 

O que vai acontecer em Maputo e Matola ainda é uma incógnita. A Frelimo vai esticar longamente a sua corda para se manter controlando o capim, revelando a actual propensão autocrática, menos democrática. Eventualmente, uma crise política nacional será resolvida por via de uma negociação, como Chissano fez com Dhlakama quando a Frelimo perdeu em 1999. A questão que se coloca é:  até que ponto o "venancismo" está disposto aceitar um “quid pro quo” para abafar suas reivindicações?

 

Seja como for, é esperado que a Frelimo não insista no erro da sua cartilha repressiva e comece a captar a mensagem do eleitorado. Ao invés da táctica da avestruz, a Frelimo pode começar a ouvir o que realmente os novos grupos demográficos anseiam. Não fazê-lo pode representar o caos final em 2024. O fosso é grande e o partido deve fazer cedências e leituras (a repressão de Comiche contra os informais foi fatal) corajosas, admitindo os erros.

 

Apostar na repressão e na arrogância subjacente vai causar uma resposta: a revolta, a desobediência e a resistência. Sim. Tal como escreveram Severino Ngoenha e Filomeno Lopes no seu último ensaio:

 

“Revoltar-se (Albert Camus), resistir (Eboussi Boulaga), desobedecer (Henry Thoreau) a regimes e instituições político-económicas que legitimam a injustiça não é só um direito: é um dever.”

 

Esse dever está a ser assumido em Moçambique contra um partido elitista, capturado por famílias que partilham entre si a riqueza nacional, deixando milhares na pobreza. (Marcelo Mosse)

quinta-feira, 12 outubro 2023 17:53

Educação

É o acto de transmitir conhecimento natural dos progenitores e genitores, aos seus infantes, antes que estes atinjam a maturidade.

 

Para o efeito, os progenitores não precisam de formação específica, é conhecimento inato, ou seja, natural. Quem ensina o cabritinho, passarinho, o pinto, acabado de nascer, a comer, andar, berrar ou a piar respectivamente?

 

Da mesma maneira que os animais na selva ou no mar sabem que não devem interferir nos territórios e na alimentação uns dos outros, independentemente do seu volume, força ou capacidade.

 

Se Deus diz nos Livros Sagrados que fez o ser humano à sua semelhança, dotando-o de competências racionais e de livre-arbítrio, só podemos esperar dos seres humanos uma responsabilidade maior na educação dos seus descendentes, comparativamente com os animais ditos irracionais.

 

A Escola era originalmente o local onde os cidadãos, durante o ócio, conversavam, discutiam, trocavam ideias e experiências, cultivando-se mutuamente.

 

Pela sua relevância, decidiu-se institucionalizar a Escola de forma a maximizar a transmissão de conhecimento como forma de dotar os infantes de competências para saber fazer. Para o efeito, seleccionavam-se os melhores missionários entre os cidadãos para se encarregar dessa tão nobre tarefa.

 

Em todas as sociedades do mundo, o professor foi sempre considerado um cidadão Nobre, Digno e Admirado. As virtudes do professor não se limitavam no conhecimento, aliás, na modernidade, os professores estão muito dependentes do programa de ensino oficial.

 

O professor era o Modelo de cidadão a copiar, pelos seus princípios e valores. Através do exemplo de ser e estar, o senhor professor tinha autoridade Ética, Social e Profissional. Os seus alunos estar-lhes-iam gratos pelo resto da vida.

 

Comemoramos a Semana do Professor, com discursos politicamente correctos pela ocasião, numa altura em que o País despertou, de um sonho ilusório, de que bastava tornar a educação obrigatória e acessível, que os cidadãos aprenderiam nas escolas e seríamos uma sociedade a caminho do desenvolvimento. Paradoxalmente, ficamos a saber que, no Ministério da Educação, os responsáveis pela elaboração dos livros e manuais não os liam, nem antes, nem depois da sua produção, confiando as respectivas tarefas a entidades contratadas.

 

Mais grave é que os professores também não leram, de tal forma que alguns erros graves prevaleceram anos.

 

Como foi possível, já que existem dezenas milhares de professores que consomem a maior fatia do OGE. Será que os nossos professores também são iletrados? (sabem ler e escrever, mas não sabem interpretar), ou não cumprem com os requisitos básicos para instruir infantes, nomeadamente Princípios, Valores, Ética e Conhecimento.

 

“Ninguém dá o que não tem, nem mais do que tem”.

 

Como é possível haver inúmeros alunos na sétima classe que não sabem escrever o seu próprio nome?

 

Parafraseando ilustres professores e profissionais de ensino superior, “muitos alunos chegam às universidades iletrados”, de tal sorte que o ensino superior não pode fazer milagres, ou seja, as universidades não podem corrigir as anomalias consequentes de um ensino primário deficiente.

 

É obvio que o professor não é o único responsável nesta calamidade. Os professores ou alguns professores (muitos) são o elo mais fraco desta cadeia da suposta transmissão de Valores, Princípios e Conhecimento de saber fazer. Em última análise, quem gere o Sistema Nacional de Educação é o Governo, cuja maior herança degradativa foi dos Governos após o multipartidarismo.

 

Porque será que as instituições do Estado estão a comportar-se de forma irresponsável?

 

“Quem não sabe é como quem não vê”.

 

Os nossos gestores públicos, apesar de terem licenciaturas, não devem ter princípios, nem valores e muito menos conhecimento para compreenderem a destruição social e económica dos moçambicanos, incluindo os seus próprios filhos.

 

Porque será?

 

Os nossos supostos líderes, governantes, gestores do aparelho estatal, professores, forças de defesa e segurança, magistratura, políticos e, de forma geral, os moçambicanos não são extraterrestres, nasceram numa família.

 

Desde 1994, com as eleições multipartidárias, o engajamento político-ideológico dos nossos governos no Neoliberalismo, cujos promotores (Banco Mundial, FMI e ONU) convenceram-nos que desde que houvesse dinheiro o desenvolvimento estaria garantido.

 

Despejaram (endividando-nos) centenas de milhões de dólares americanos, corromperam os nossos princípios e valores, convenceram-nos para cumprirmos com os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (2000-2015), a passagem obrigatória na educação primária (apelidaram de acesso à educação) traria a base para uma sociedade evoluída.

 

Resultado: construímos uma sociedade medíocre, de cima para baixo.

 

As nossas famílias ensinam-nos que é preciso termos dinheiro, não importa como, se o conseguirmos, um futuro risonho aguarda-nos.

 

Consequências?

 

Somos cada vez mais empobrecidos e dependentes.

 

Ninguém é responsável, as famílias responsabilizam as escolas, as escolas os professores, os professores o governo e vice-versa, tipo “pescadinha com rabo na boca”.

 

Gostaria de ter escrito um artigo diferente, enaltecer, reconhecer e agradecer os professores, pela Honrosa Missão de educar os nossos filhos, netos e bisnetos, mas esta é a realidade lamentavelmente.

 

Não desanimem senhores professores, vocês são a nossa última esperança, comecem por educar os vossos filhos, eduquem os pais dos vossos alunos que devem cuidar dos seus filhos em casa, partilhem esses ensinamentos com os vossos superiores no Sistema Nacional de Educação e no Governo.

 

Se forem competentes e persistentes, resultados estarão visíveis na campanha eleitoral de 2043, em que teremos candidatos e eleitores letrados, uma oportunidade para invertemos o actual rumo ao abismo.

 

A Luta Continua!

 

Amade camal

sexta-feira, 29 setembro 2023 06:43

Salteadores do sepulcro

I

 

John Mac Gavin, director da mina de ouro de “Stanford Mine” na periferia de Joanesburgo estava transtornado com os resultados de produção dos últimos meses que não justificavam os investimentos por ele solicitados aos  em Londres e na cidade de Luxemburgo.

 

A mina já existia há mais de vinte anos e grande parte dos mineiros eram provenientes do país vizinho, Moçambique.

 

Desesperado, o director decidiu marcar uma reunião com os mineiros para explicar a grave situação que enfrentavam e que corriam riscos de perderem os seus empregos.

 

Carlos Mulungo, um experimentado mineiro moçambicano, trabalhava na Stanford Mine há mais de dez anos, saiu da sua terra natal, Manhiça, no sul de Moçambique na companhia de seu amigo de infância António Cossa para o eldorado em busca de melhores condições para si e suas famílias, aliás ele, era a quinta geração de mineiros da família.

 

António perdera a vida num incidente no interior da mina, não resistiu aos ferimentos causados pela queda de uma rocha na sua cabeça, o seu corpo foi transladado para sua terra natal, passaram-se seis meses desde do fatal incidente.

 

No final da tarde de uma sexta-feira decorreu uma reunião no pátio do escritório, estavam todos apreensivos sobre a decisão que a direcção tomaria, pois era sabido pelos mineiros que muitas minas que não geravam lucros acabam encerradas.

 

Estavam todos capturados pela fala do director, que se lamentava pelo rumo que a mina tomava, que certamente acabaria no descalabro.

 

Mas ele tinha interesse em salvaguardar o interesse de todos, dele inclusive, por isso pediu maior empenho na prospecção.

 

- Sei qual é o problema que acontece na mina. – manifestou inesperadamente Carlos.

 

Uma estupefectação colectiva apreendeu a atenção de todos, olharam-se num misto de admiração e desconfiança.

 

O pretenso salvador levantou-se, suspirou e pausadamente iniciou a sua fala:

 

- Temos que levar o espírito de António para casa, – afirmou convicto – Ele tem que voltar para a terra. – reafirmou sereno.

 

Depois de sua firme afirmação, um silêncio envolvente habitou o local, durou o tempo suficiente para a memória do falecido revisitar a mente dos presentes.

 

Mac Gavin largou um sorriso sarcástico influenciado pela erudição que herdara dos ensinamentos dos seus anos na Universidade de Oxford.

 

A visão místico-espiritual do mineiro não se compactuava com a sua percepção intelectual.

 

- Não me deixo corromper por atitudes pagãs. – afirmou o director seguro de si.

 

Formaram-se pequenas assembleias onde se debatia a proposta de Carlos para solucionar o problema que enfrentavam.

 

John Mac Gavin não tinha uma contraproposta convincente, por isso decidiu por um sufrágio para acalentar o mal-estar que se tinha gerado. O resultado do sufrágio foi apoio para execução do ritual para levar o espírito de António para sua terra natal.

 

24h após a realização  da votação e aceitação dos resultados, um mineiro da ala leste descobriu um filão de ouro.

 

O cepticismo do director foi suplantado pelo poder dos deuses.

 

Agora Carlos tinha por missão dar continuidade a cerimónia, precisava terminar o ritual na terra do falecido.

 

Todas as condições para efectuar a viagem foram criadas e ele partiu. No dia seguinte, chegou a Manhiça, não demorou, procurou os familiares do falecido para  efectuar-se a cerimónia de entrega do espírito.

 

Depois do intróito de apresentação dos espíritos dos antepassados da família do falecido, iniciaram o ritual com o “nyanga” a dirigir as cerimónias.

 

Inadvertidamente pelas cordas vocais do nyanga” fez-se ouvir:

 

- Obrigado por me trazeres a casa – afirmou António pelas cordas vocais do “nyanga”, mas ao som da sua voz.

 

Os desavisados alarmaram-se pelo “Kufemba” exercida pelo “nyanga”, o próprio curandeiro há muito que não era visitado por esse poder.

 

O possesso ainda confessou uma última vontade do espírito e depois cessou a sua mediunidade.

 

II

 

Dois petizes, Mário o mais velho e Benedito órfãos de pais haviam abandonado a escola para se dedicar ao serviço de tratadores de campa, para que com os ganhos adquiridos ajudarem as suas mães e irmãos.

 

Honravam contratos verbais que tinham com os seus clientes de cuidar de campas dos familiares e amigos destes.

 

Um recente túmulo devidamente ornamentado que desconheciam os seus representantes chamou-lhes atenção.

 

Um reflexo luminoso advindo de um dos objectos que ficavam na sepultura chamou atenção de Mário, movido pela curiosidade convocou o companheiro para darem uma vista de olhos.

 

O que descobriram encheu os seus quatro olhos e aguçou-lhes a ganância, retiraram os 1000 rands que estavam depositados numa chávena, Mário como o mais velho, por ter descoberto ficou com a maior fasquia e o restante para o colega.

 

Empolgados com a sua aquisição rumaram apressadamente para a loja do “monhé” na sede da vila da Manhiça para procederem o câmbio para a moeda nacional. Ali mesmo fizeram as primeiras compras, arroz, açúcar, sabão entre outros produtos.

 

Cada um foi recebido nas suas casas como benfeitor, Mário foi quem mais compras fez, e na noite desse mesmo dia preparou-se um banquete.

 

Mário apareceu para o festim junto da sua família todo bem aprumado, usava tudo novo, uma camisa colorida, calças de caqui e sapatilhas que havia comprado na loja mais concorrida da vila.

 

O frenesim inicial extinguiu-se quando o patrocinador da banga se retirou para o seu quarto movido pelo embriaguez e cansaço. Logo que se descalçou atirou-se para a cama, não demorou para começar a ressonar, sua mãe e irmão ainda riram quando o ouviram.

 

Cântico dos xiricos que debicavam restos de comida do festim da noite passada, anunciavam  a manhã que acabava de nascer.

 

Quando os raios solares adentravam pela janela, dona Ana, mãe de Mário, a muito custo despertou, saiu para varrer o quintal, os xiricos agora, num número considerável cantavam e debicavam a comida.

 

Fez-se silêncio, os pássaros  calaram-se, o som do vento leve que sacudia a ramagem das árvores também cessou, instantes depois o mesmo gemido sofrido voltou a fazer-se ouvir.

 

O instinto materno de dona Ana fez com que ela corresse para o quarto de seu filho Mário, encontrou o corpo desmedido ocupando toda a extensão da cama, as roupas romperam-se, banhas de carne extravasavam a borda da cama. O corpo franzino estava completamente inchado.

 

Ela soltou um grito, depois lágrimas banharam-lhe o rosto, soluçava enquanto chorava. De repente pela boca do moribundo saiam larvas, não se aguentou, vomitou, vomitou incessantemente.

 

O filho mais novo ouviu os gritos da mãe e correu para acudir, quando deparou com os factos pôs-se logo a vomitar.

 

O inchaço de Mário incrementava-se rapidamente enquanto sua mãe e irmão continuavam a vomitar enchendo o chão de uma amalgama malcheiroso. 

 

Pum, um estrondo fez-se ouvir, a barriga do moribundo abriu-se e as entranhas ficaram expostas, os intestinos mergulharam no vómito.

 

Dona Ana e o filho empreenderam uma correria desenfreada pelas ruas da vila, ora gritavam ora choravam. 

 

A loja do “monhé” foi fustigada por uma praga de ratos e quase todos os produtos ficaram contaminados, sem dinheiro para um novo investimento acabou arruinado.

 

Benedito o comparsa de Mário amalucou.

 

Os residentes da vila e arredores sussurravam sobre o acontecimento e temiam despertar a ira do espírito de António.

 

A vila ficou submersa num temor colectivo, as manhãs dominicais não eram mais preenchidas pelas visitas ao cemitério, os vivos coibiram-se de tal missão. Os mortos sentiram-se mais abandonados.

 

Os funerais eram realizados sob os auspícios de um curandeiro destacado para esse fim.

Uma vez li Saramago e, fiquei apaixonado pela subtilidade, realeza e profundidade da sua escrita.

 

Num dos seus escritos, escreveu: “Não se pode enxergar a ilha se não saímos da ilha. Não nos vemos se não saímos de nós”.

 

De forma analógica olhei para o nosso país, o belo e vasto Moçambique e baptizei-lhe de Ilha. Decerto, não me refiro a primeira capital do país (a majestosa e imponente Ilha de Moçambique), mas ao lugar que está entre os quatro pontos cardinais sobejamente conhecidos – O Rovuma, a Maputo, o Zumbo e o Índico.

 

Tenho estado a observar com certa minucia algumas tendências e alguns dos pronunciamentos e análises de alguns dos nossos antigos estadistas, governantes, gestores e servidores públicos sobre o estágio actual da nossa governação – sobre a ideia de governação no nosso país. Devo confessar que algumas das análises são de uma visão globalizante e de um alcance espantoso – primeiro pela coerência apresentada, e segundo pelo escalonamento lógico e alinhamento de ideias. Faz-se jus a máxima de Saramago, segundo a qual “não nos vemos se não saímos de nós”.   

 

Muitos dos que hoje fazem estas belíssimas e apaixonantes análises sobre o nosso status como país, e como deveríamos caminhar enquanto nação que ambiciona abraçar o trilho desenvolvimentista, sair da linha pobreza e que quer afirmar-se como actor relevante na região e no mundo, foram titulares de pastas e cargos de tamanha relevância em algum período do seu percurso profissional.

 

Durante sua passagem pelos meandros formais do poder, ao abono da verdade devo aqui reconhecer, que muita coisa boa foi feita e muita coisa ficou por se fazer. Quer fosse pelo contexto inóspito e adverso, quer fosse pela falta de preparo adequado e experiência, que mais tarde abriram portas para interferência e ingerência externa. A institucionalização da prática da corrupção activa - um mal que grassa e empobrece o nosso país a cada ciclo governativo também pode ser apontado como uma fragilidade na governação dentro da ilha.

 

Da conquista da independência, passando pelo período da restruturação económica e, chegando aos dias de hoje, o país passou por vários ciclos de governação; Momentos estes caracterizados por vários processos complexos e desafiantes que obrigaram a uma engenharia governativa que envolveu riscos, muita critica e poucos aplausos. Foram na verdade processos típicos de um país em construção e em busca de uma orientação governativa que pudesse responder aos anseios do povo.

 

O país experimentou também as investidas das potencias coloniais mascaradas de ajuda externa e de pacotes de incentivo para a recuperação e as imposições vários actores da arena internacional.

 

Por aqui, encontramos talvez um possível tubo de escape para justificar algumas das decisões tomadas e erros que se cometeram nas últimas décadas de governação. Muitas dessas decisões parecem ter grande influência no actual estágio e andamento da máquina estatal hoje e condicionam as reformas que tanto almejamos.

 

O processo de substituição da máquina colonial pela máquina nacional, foi desafiante e acarretou seus custos. Entre erros e acertos, muita coisa ficou como lição aprendida, ou pelo menos deveria ter ficado para que não se repetissem certas coisas.

 

Estas mudanças transformacionais e estruturais não foram apanágio apenas de Moçambique. Outros países que alcançaram as suas independências na primavera dos anos 1960 um pouco por todo continente, e conquistaram o pretenso direito à autodeterminação estiveram expostos a eventos idênticos.

 

Entre o que foi feito, o que deveria ser feito e o que ficou por fazer, ficamos quase sempre pelas entrelinhas daquilo que poderia ter sido melhor. Ficamos também   pelo argumento de falta mais tempo para concluir o que se iniciou. Isto porque as vezes  perdemos de vista o tempo do mandato que nos foi dado e, com isto protelamos, esquecendo que há um horizonte temporal para nossas realizações.

 

O que se fala hoje é paradoxalmente oposto ao que se fez ontem – Até aqui, não parece haver alarme pois, os erros fazem parte de todo e qualquer percurso e, em matéria de governação é preciso sempre decidir – umas vezes acertamos e outras vezes erramos – importante mesmo é aprender com o passado e exercitar a saída da ilha para apreciá-la melhor.

 

A ideia de governação pressupõe antes de tudo a assunção de um compromisso tácito e responsabilidade. Enquanto que a prática governativa pressupõe antes de tudo liberdade, conhecimento, informação, recursos e capacidade decisão.

 

E entre a ideia e a prática encontro um ponto de interferência que muitas vezes desemboca em um erro que nos penaliza grandemente: a ausência de um plano globalizante que transcende a dimensão pessoal de governação. Parece não haver uma continuidade dos planos traçados e, a cada ciclo governativo temos uma nova ideia do país que queremos (des) construir.

 

Resgatando a velha máxima do Presidente Samora Machel, “O dever de cada um de nós é dar tudo ao povo, sermos os últimos quando se trata de benefícios, primeiros quando se trata de sacrifícios, Isso é que é servir o povo”. É preciso perceber que não somos eternos e os cargos também não o são – as pessoas vão e as instituições ficam. É preciso amar o país antes de tudo e, criar as bases para que as gerações vindouras possam ter melhores condições de nutrição, saúde, educação e mais esperança de vida.

 

Hoje, alguns dos antigos dirigentes, depois de abandonarem o tacho real (a Ilha da Governação) permitiram-se observá-la de fora e entender a sua dimensão, seus problemas e até prescrever soluções; Soluções estas que aquando da estadia na ilha não estavam visíveis. Em governação, às vezes, ou talvez sempre é importante ser povo e sentir o que o povo sente.

 

Quando dentro da ilha poucos viram sem sombras o que se passava nela. Uma vez fora da ilha quase todos recuperaram a visão, a lucidez, e veem os problemas e os defeitos de quem governa a ilha – as coisas tornam-se mais obvias e visíveis.

 

Será a ilha um monstro difícil de entender? Ou nós, enquanto dirigentes da ilha não dedicamos atenção para entendê-la e garantir que a nossa saída dela não deve alterar o seu funcionamento?

 

A reflexão que convido para se fazer é sobre a temporalidade e actualidade do nosso ser ilhéu. É também sobre a ausência de um plano continuo para que se possa governar e gerir a coisa pública de forma mais assertiva e menos danosa. É sobre saber pensar um Moçambique próspero, progressista e desenvolvido para os próximos 50 anos como fizeram países como a China, Ruanda, Malásia, Singapura, Emirados Árabes Unidos, Noruega e outros mais.

 

Não nos vemos se não saímos de nós!!!

 

terça-feira, 19 setembro 2023 07:50

Razaque Manhique deve ver o que pensa sobre Maputo

Razaque Manhique tem o direito de não comparecer aos debates televisivos mas também tem a obrigação moral de dizer o que pensa. Trump gazetou o primeiro debate para a nomeação republicana nos EUA e anunciou que não vai participar no segundo debate, agendado para 27 de Setembro em Simi Valley, na Califórnia.

 

Mas nesse dia, ele estará em Detroit cortejando os membros do sindicato United Auto Union, em greve, e em horário nobre ele vai continuar a mostrar, falando para a TV, que o candidato republicano é ele, e não os seus pares que estão debatendo também TV. Ele não debate, mas fala e diz o que pensa.

 

A directoria de campanha da Frelimo tem de pôr o Manhique a falar, nem que seja por teleponto. Não falar é um erro crasso. O eleitorado de Maputo já é demasiado adulto para votar nesse silêncio só por uma questão de manutenção do status quo! 

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