Há 40 dias que Maputo-Cidade e Nampula, mais algumas urbes municipais do país, “consomem o mesmo pão nosso de cada dia que o diabo amassou” nos últimos sete anos em vilas e vilarejos recônditos, antes desconhecidos da geografia das notícias, no extremo norte de Cabo Delgado: a barbárie. Da guerra.
Sim, da guerra urbana qual prolongamento em novas nuances da guerra rural em Cabo Delgado, desde que Elvino Dias, advogado e mandatário do candidato presidencial Venâncio Mondlane, e Paulo Guambe, mandatário nacional do partido PODEMOS foram bárbara e cobardemente assassinados na Avenida Joaquim Chissano, em Maputo, na madrugada do passado 19 de Outubro, dia em que Samora Machel morria há 36 anos após despenhamento do Tupolev Tu-34 presidencial, nas colinas de Mbuzini.
Um BTR em velocidade furiosa
Na última quarta-feira, no coração da Avenida Eduardo Mondlane na capital do país, um BTR do exército em velocidade furiosa atropelou e abalroou a jovem Maria Madalena em plena luz do dia, sob olhares estupefactos e câmeras de telemóveis de cidadãos comuns que se diligenciaram em capturar vídeos do barbárico momento, quais repórteres das vidas em directo na ''sociedade viral'' que mantém em cativeiro um país no ciclo “vertiginoticioso” de 24 sobre 24 horas de partilhas de notícias, comentários e “fake news” nos WhatsApp e Facebook.
Em enredo semelhante ao da ex-anónima e hoje esquecida Adássia Macuácua, sobrevivente da matança de Elvino Dias e Paulo Guambe, Maria Madalena foi atravessada por uma máquina de guerra das Forças de Defesa e Segurança de Moçambique, escapou milagrosamente com vida da tentativa de assassinato e de boatos e rumores de sua morte, “viralizados” nas redes sociais ao cair da tarde e nascer da noite de quarta-feira.
Adássia Macuácua voltou à sua pacata vida, vítima da amnésia colectiva e da anestesia geral que paralisa o curso normal das actividades nas principais cidades do país nos últimos 40 dias, desde que o candidato presidencial Venâncio Mondlane convocou manifestações populares contra a fraude eleitoral, em protesto contra o assassinato bárbaro de seus correligionários Elvino Dias e Paulo Guambe (crivados de 25 balas) e em repúdio ao que chama de “assassinato do povo Moçambicano” pelo regime da Frelimo que governa Moçambique há 49 anos, desde a proclamação da independência nacional.
O calvário de Maria Madalena
Maria Madalena Matusse, de 29 anos de idade, natural de Kalanga (Manhiça), residente no bairro de Maxaquene, é a nova sobrevivente da barbárie, que desta vez tem pelo menos face institucional visível: um BTR da Polícia Militar.
Julião Silvestre Chihugule, esposo de Maria Madalena, contou à “Carta” que naquele dia ela saiu de casa, como habitualmente, para o trabalho, de diarista numa empresa localizada na esquina entre as Avenidas 24 de Julho e Filipe Samuel Magaia, no Bairro Central. O local onde acabou vítima daquela máquina de guerra, entroncamento entre as Avenidas Eduardo Mondlane e Guerra Popular, dista a cerca de um quilómetro do seu posto de trabalho. Apanhada no percurso de regresso do trabalho, viu-se manifestante e, refugiada por detrás de uma barricada improvisada por populares, acabou atropelada pelo furioso blindado, ainda era manhã de quarta-feira.
Depois de uma noite longa de agitação em torno de sua esposa, sob cuidados intensivos na Urgência do Hospital Central de Maputo, na manhã de quinta-feira, o marido relatou o calvário de Maria Madalena. "Ela sofreu muito na cabeça, devido à forma como caiu. Quando passou o efeito da anestesia, ela começou a queixar-se de muita dor de cabeça. Neste momento, ela tem dificuldades para comer, por isso a nossa preocupação é oferecer alimentos leves, como sopas, papas e sumos", contou.
"Até agora, não consigo explicar exactamente o que aconteceu com ela. Eu mesmo fiquei surpreso quando recebi uma chamada informando o que havia acontecido, e, momentos depois, comecei a ver os vídeos do atropelamento circulando nas redes sociais, o que aumentou o choque. Ainda não consegui ouvir dela como tudo ocorreu, porque até agora ela não conseguiu compreender totalmente o que aconteceu e não fala de forma coerente, o que indica que está com algum problema de memória", frisou.
Chihugule afirmou que a sua esposa está fora de perigo desde a noite de quarta-feira. Os médicos conseguiram estabilizar a sua situação, mas ele acredita que foi muita sorte que o BTR tenha passado por ela sem causar danos mais graves. "Maria Madalena é uma jovem alegre e acredito que tudo vai ficar bem. Espero que ela se recupere o mais rápido possível”, manifestou um esposo optimista, assegurando que “ela não estava nas manifestações, acredito que tenha ido parar naquele lugar tentando uma forma de chegar em casa, após o trabalho.”
O desassossego do esposo de Maria Madalena
Durante a presença da repórter da “Carta”, Marta Afonso, no Hospital Central de Maputo, Maria Madalena recebeu por três vezes visitas de militares. "Logo cedo, eles estiveram aqui para trazer o café da manhã para a minha esposa, sem antes procurar saber sobre o seu estado de saúde. Trouxeram uma comida seca, mas infelizmente ela não pode comer. Algumas horas depois, um outro grupo de militares apareceu e quis fazer algumas fotos da minha esposa, alegando que era para algum trabalho, mas eu não permiti. E por volta das 12h00, outro grupo de quatro militares veio entregar o almoço, desta vez uma refeição mais leve, já que ela tem dificuldades para mastigar”, revelou Chihugule.
O marido de Maria Madalena reconheceu que até aqui “eles estão a prestar uma boa assistência, só não sei até onde isso vai.” Manifestou, no entanto, alguma apreensão com alguns movimentos de solidariedade para com sua esposa. “Um facto curioso é que recebi uma ligação estranha de pessoas que alegaram ser do Departamento de Justiça e Direitos Humanos. Não sei o que querem tratar, mas não estou muito tranquilo com o facto de minha esposa estar atraindo muita atenção, inclusive de pessoas que têm pedido apoio em seu nome e até partilhado um número desconhecido para a canalização deste apoio”, protestou.
"Minha preocupação é que ela não veja aquele vídeo agora, porque acredito que isso pode causar um trauma psicológico. Mesmo agora já é possível perceber que ela não está bem, especialmente na parte da cabeça, e nem quero imaginar o choque quando ela ver o vídeo”, confessou Chihugule.
O director do Serviço de Urgência do Hospital Central de Maputo, Dino Lopes, garantiu à nossa equipa de reportagem que Maria Madalena está fora de perigo, mas permanecerá internada por alguns dias antes de receber alta. "A jovem entrou em estado grave devido à diminuição do nível de consciência e teve lesões na cabeça, segundo os exames de Tomografia Computadorizada (TAC). Mas não foi necessário realizar nenhuma intervenção cirúrgica. Provavelmente, dentro de uma semana, ela poderá receber alta", informou o médico.
Nampula: um faroeste em Waresta
É, sim, de barbárie da guerra urbana que vive o país, qual prolongamento com novas nuances do conflito no extremo norte rural de Cabo Delgado, com máquinas de guerra a povoarem as artérias das cidades, a confrontação entre agentes da polícia e militares que atiram a matar e manifestantes destemidos que montam barricadas, queimam pneus nas vias públicas, vandalizam, queimam e destroem propriedades privadas (sedes do partido Frelimo, viaturas de particulares, infra-estruturas de empresas) e bens públicos (esquadras de polícia).
Na cidade de Nampula, depois do massacre de Namicopo há duas semanas, a morte cruel reclamou mais três vidas. Três jovens manifestantes tombaram por balas desferidas por agentes da Polícia da República de Moçambique (PRM), na zona da Faina (mercado Waresta), numa quarta-feira disfarçada de um faroeste na capital do Norte.
Ao excruciante som de tiros em série e tóxicas cortinas de fumaça das cápsulas de gás lacrimogéneo atiradas por elementos da Unidade de Intervenção Rápida (UIR), sobre os manifestantes que queimavam pneus e barricavam as principais vias de acesso à cidade a partir de quase todos os bairros periféricos.
Mangungumete do gás e petróleo da Sasol
Satungira entrou para a geografia das notícias por causa de um conflito militar pós-eleitoral, quando o finado líder da Renamo Afonso Dhlakama decidiu retomar a sua luta pela democracia a partir das matas. Pundanhar emergiu para a geopolítica das manchetes internacionais, com o conflito no extremo norte de Cabo Delgado. Nesta quinta-feira, Mangungumete re-emergiu da sua pacatez para as notícias, quando nesta vila do distrito de Inhassoro, na província de Inhambane, um agente da UIR foi morto e um Posto Policial local foi destruído por manifestantes, que ainda se apoderaram de pelo menos quatro armas de fogo, do tipo AK-47.
Segundo relatos colhidos pelo jornalista da “Carta” Abílio Maolela, a confrontação deu-se quando a Polícia tentou desmantelar uma barricada sobre a Estrada Nacional Nº1, num cruzamento de acesso à unidade de exploração de gás natural da petroquímica sul-africana Sasol. A unidade da UIR atirou gás lacrimogéneo e disparou balas verdadeiras contra os manifestantes, matando pelo menos duas pessoas e enfurecendo a população, que decidiu atacar o Posto Policial.
A fúria popular foi tal que a Polícia abandonou o local e os manifestantes vandalizaram o Posto Policial, apoderando-se de pelo menos quatro armas de fogo (AK-47), algumas posteriormente queimadas. Fontes locais da “Carta” relatam o assassínio de um agente da Polícia, à pedrada, pelos manifestantes. Cenário de guerra característico de zonas há sete anos sob conflito em Cabo Delgado, fotografias e vídeos amadores ilustram manifestantes a atirarem pedras contra um corpo, de um agente da polícia, enquanto outros exibiam armas de fogo.
Mangungumete é uma das localidades mais propensas à violência, devido ao descontentamento dos jovens por falta de oportunidades de emprego na petroquímica sul-africana, Sasol. A localidade tem registado, ciclicamente, situações de bloqueio da estrada, um dos últimos casos registado em Agosto de 2021, segundo o registo nos ficheiros de memória do jornalista Maolela. (Carta da Semana)
Um autêntico cenário de guerra, escaramuças, tumultos, pneus em chamas e barricadas, actos de vandalismo e destruição de infra-estruturas, assassinatos e violações grosseiras de direitos humanos pelas forças policiais. São algumas das inúmeras palavras-chave e caracterizações dissonantes que os anais da história associarão à Moçambique, nas páginas sobre a primeira semana de Novembro de 2024. A violência nas ruas de Maputo-cidade e província e de Inharrime em Inhambane marcaram as manifestações dominadas por uma geração que não viveu os horrores da guerra civil, enquanto grupos de intelectuais tentam promover iniciativas de diálogo e reconciliação para o alcance da Paz, a mesma Paz que já foi interrompida por uma mão cheia de ocasiões em 30 anos de democracia multipartidária. A Paz, aliás, que a dilacerada província de Cabo Delgado almeja.
Carros queimados, estabelecimentos comerciais vandalizados, vias bloqueadas por pedras, troncos, restos de pneus queimados e contentores de lixo são alguns dos restos e resquícios da guerrilha urbana que assaltou Maputo a 7 de Novembro. Nos hospitais, contabilizam-se as mortes (ainda em número inferior a 10, oficialmente), tratam-se os feridos nas várias especialidades clínicas, e nos corredores da política, da sociedade civil e da academia envidam-se esforços para aproximar as partes... enquanto o país e o mundo aguardam ansiosamente que o Conselho Constitucional delibere e anuncie o veredicto sobre as mais contestadas e descredibilizadas eleições em 30 anos de pluralismo democrático.
Na contramão, o Presidente da República cessante se esmera em acrobacias de relações públicas, para ficar bem na memória fotográfica onde lhe falta discernimento para tomar decisões que garantam uma transição sem crises para uma nova administração na Ponta Vermelha depois de 10 anos de uma desastrosa governação.
Se na cidade de Maputo, a confrontação entre grupos de manifestantes e forças policiais, e a pilhagem de lojas e um supermercado são os recortes do impacto imediato interno dos protestos durante a semana que hoje finda, a destruição das instalações das Alfândegas no posto de fronteira em Ressano Garcia e encerramento por um dia da fronteira sul-africana de Lebombo no mesmo ponto constituem a imagem do efeito directo na economia da região.
O drama humano no Hospital Central
Três óbitos e 66 feridos é o número de vítimas reportado pelos Serviços de Urgência do Hospital Central de Maputo, que resultam das manifestações de quinta-feira (07) convocadas pelo candidato do partido Povo Optimista pelo Desenvolvimento de Moçambique (PODEMOS), Venâncio Mondlane.
Segundo o porta voz do Serviços de Urgências do HCM, Dino Lopes, um paciente perdeu a vida no hospital e os restantes deram entrada como óbito e presume-se que tenham sido baleadas.
“Dos 66 pacientes, 57 foram vítimas de lesões, possivelmente por feridas, arma de fogo, tivemos quatro agressões físicas, um por queda e dois por arma branca, como é o caso de esfaqueamento e outros objectos, há um outro paciente que foi operado, mas está numa situação crítica”, Lopes.
Os feridos incluem 15 pacientes internados nos diferentes serviços do HCM, dos quais, quatro casos graves e dois pacientes beneficiaram de grande cirurgia, outro encontra -se na unidade dos cuidados intensivos.
Até quinta-feira o HCM notificou a entrada de 138 pacientes, sendo oito na urgência de pediatria, maternidade e ginecologia (29) e um cumulativo de 101 na urgência de adultos.
O Hospital Central de Maputo, recebeu igualmente quarenta (40), transferências provenientes de outras unidades sanitárias periféricas e outros que vinham por conta própria.
O porta-voz explica que é difícil apurar as causas dos dois óbitos ocorridos na Missão São Roque, pelo facto de os óbitos terem sido declarados na medicina legal, mas a fonte garante que os dados indicam estarem associados às manifestações.
O HCM afirma que conseguiu dar vazão a demanda, graças ao apoio de voluntários, estudantes da Faculdade de Medicina, médicos de clínica geral de algumas organizações não governamentais.
Escritores pedem “encontro
urgente” entre Mondlane e Chapo
A Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO) pediu um “encontro urgente” entre os candidatos presidenciais Daniel Chapo e Venâncio Mondlane, para discutir a constituição de um Governo de “inclusão efectiva” e acabar com as manifestações. Os escritores pedem, na carta que a Lusa teve hoje acesso, que os dois candidatos presidenciais mais votados, segundo dados divulgados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE), realizem um encontro visando o alcance de um acordo para “terminar” com o que consideram de clima de instabilidade e violência, perda de vidas e destruição de infra-estruturas.
Segundo os escritores, Venâncio Mondlane e Daniel Chapo devem encontrar-se para assumir um compromisso “sério e verdadeiro”, fazendo “cedências mútuas", sem se pautarem por “arrogância ou posições radicais”.
“Iniciar o processo negocial para a criação de uma plataforma de entendimento que inclua a constituição de um Governo de inclusão efectiva, com vista a abrir portas para um processo de reforma profunda do Estado, envolvendo e beneficiando toda a Sociedade, sem exclusão, com particular realce para a camada jovem”, lê-se no documento da AEMO.
O mesmo documento pede igualmente a aparição pública dos dois candidatos para um comprometimento com a paz, a estabilidade e o desenvolvimento do país, ultrapassando “expressões de ódio e outras que incitem à violência”.
O coletivo apela à “constituição de um Comité de Sábios, para desenhar a arquitectura do diálogo entre os dois candidatos presidenciais mais votados, fazer a moderação dos encontros entre ambos e comunicar ao povo sobre o seu progresso”, acrescenta-se no documento.
Nyusi em novas acrobacias de relações públicas
Na sexta-feira, no que já virou sua imagem de marca, o chefe de Estado moçambicano, Filipe Nyusi, voltou a ensaiar suas acrobacias de relações públicas: visitou os feridos das manifestações de quinta-feira que se encontram internados no Hospital Central de Maputo (MCM).
“A minha grande preocupação imediata foi ir ver os feridos. Então fui ao Hospital Central onde estão jovens feridos que estiveram envolvidos na manifestação, considerada violenta”, disse Nyusi.
Disse que num contacto estabelecido com os jovens feridos apurou que alguns são vendedores, pedreiros ou desempregados. ''Conversei com eles pois ia lá mais para me solidarizar. Na mesma enfermaria de Ortopedia encontrei também um membro da polícia. Ele sofreu muito com alguma gravidade no pé. Fez a primeira cirurgia de resolução e depois vai fazer a segunda de destabilização”, acrescentou.
Nyusi insistiu que se deslocou ao hospital para manifestar a sua solidariedade com os jovens feridos e não para fazer um julgamento porque esse é um papel que cabe as autoridades.
Depois do HCM, o chefe de Estado deslocou-se ao centro comercial Shoprite para se inteirar da destruição causada por actos de vandalismo.
“É aqui onde a mensagem da violência se reflecte”, disse Nyusi, explicando que mesmo que alguém queira distorcer os acontecimentos as imagens falam por si.
Para ficar bem na fotografia, Filipe Nyusi manteve ontem um encontro de cortesia com o dono da Igreja Ministério Divina Esperança, Apóstolo Luís Fole, considerado líder do espiritual do candidato presidencial do PODEMOS, Venâncio Mondlane.
O encontro, que teve lugar no seu gabinete de trabalho foi divulgado pelo Chefe do Estado, na sua página oficial da rede social Facebook. Referiu que serviu para a troca de impressões sobre a actual situação política em Moçambique marcada por tensão pós-eleitoral.
A Igreja Ministério Divina Esperança, liderada por Fole, tem vindo a ganhar expressão a nível da cidade de Maputo. Aliás, foi o próprio apóstolo Luís Fole que colocou Venâncio Mondlane como pastor da sua congregação religiosa. Também apadrinhou os seus primeiros passos como servo de Deus.
Mondlane remete para 2.ª feira
anúncio de "medidas dolorosas"
O candidato presidencial moçambicano Venâncio Mondlane, que não reconhece os resultados anunciados das eleições gerais de 09 de outubro em Moçambique, disse ontem que na próxima segunda-feira revelará a 4.ª fase de contestação que, garantiu, “será extremamente dolorosa”.
“A quarta fase vai ser extremamente dolorosa, porque notamos que o regime está a querer fazer um braço de ferro com o povo. O regime quer usar a força das armas contra o povo. Usar a força policial e balas verdadeiras”, afirmou Venâncio Mondlane, que disse que são já 40 o número de mortos em consequência da reação do poder às manifestações por si convocadas.
Venâncio Mondlane anunciou na quinta-feira que as manifestações de protesto são para manter até que seja reposta a verdade eleitoral. Ontem Mondlane, que falava numa ‘live’ na rede social Facebook - “a partir de parte incerta”, como destacou -, disse que os moçambicanos se devem preparar “porque a economia [moçambicana] vai ser apanhada de forma severa”.
“Vai haver danos muito severos na economia de Moçambique. Tenho que ser sincero, porque as medidas vão ser pesadas e duras”, limitou-se a dizer e agendando para segunda-feira, dia 11 de novembro, o anúncio de quais serão essas medidas e, sobretudo, quando é que começarão a ser postas em prática.
Venâncio Mondlane garantiu que a 4.ª fase “será a última das manifestações em Moçambique”. “Não vamos vacilar”, garantiu.
Relativamente aos protestos ocorridos quinta-feira em Maputo, Venâncio Mondlane assegurou que estiveram nas ruas da capital 1,5 milhões de pessoas. Até segunda-feira, pediu que continuem apenas os chamados “panelaços”, ruidosas pancadas em objectos metálicos que ecoam durante a noite.
“Temos pessoas que têm de ter tratamento médico, pessoas que têm de ser enterradas. Sexta-feira, sábado e domingo a única coisa que vamos fazer nesses dias é continuar com a manifestação das panelas”, defendeu.
“Ontem (quinta-feira) foi o dia da libertação de Moçambique, que seria o dia que encerraria a 3.ª etapa das manifestações para reposição da verdade eleitoral, para salvar a nossa democracia e acabar com a ditadura em Moçambique”, salientou.
(Carta da Semana/AIM/Lusa)
Ao segundo segundo dia de paralisação geral, manifestações e confrontos entre populares e as unidades de Intervenção Rápida (UIR) e de protecção da Polícia da República de Moçambique - Maputo, Matola e outras cidades capitais do país sofreram um apagão no serviço de internet móvel. O apagão ocorreu ao princípio da tarde de ontem, sexta-feira (25), e prevaleceu para além das primeiras horas de hoje, sábado, no fecho desta edição. O serviço foi restabelecido ao nascer de um tímido sol desta esta manhã. Subitamente. Tal qual foi desligado, por ordem política.
Os suspeitos do costume voltaram a dominar as eleições gerais em Moçambique. Em primeiro lugar, a abstenção, a beirar os 60 por cento; em segundo, a tinta indelével da fraude, qualificada pelo Director do Centro de Integridade Pública (CIP) e presidente do consórcio nacional de observação eleitoral ''Mais Integridade'' como magia que ocorre da noite para o dia; e, resultado final, a Frelimo e seu candidato presidencial Daniel Chapo são os virtuais vencedores, com maioria qualificada que lhes confere poder executivo e parlamentar absoluto na legislatura 2025 - 2029.
O repórter e redactor da ''Carta de Moçambique'', Abílio Maolela, compulsou os editais de apuramento intermédio das 11 províncias do país (incluindo Maputo-Cidade). Bravado, o coordenador da edição diária da ''Carta'' aplicou uma visão de túnel sobre o substantivo feminino abstenção, esse (não) ser intocável pela mão humana; imanipulável pela inteligência artificial; insípido ao palato humano todavia demolidor como um soco do ''smoking'' Joe Frazier, no estômago de um sonhador e pacato cidadão; e invisível a olho nu mas capturável pela ''lupa'' de uma máquina calculadora.
Nao foi um agradável passeio no parque da aritmética e estatística, pois os dados que Maolela apurou derrubam todas as narrativas optimistas e sonhos de uma votação massiva.
As sétimas eleições gerais (presidenciais e legislativas) e quartas das assembleias provinciais (incluindo dos governadores), realizadas na quarta-feira, 9 de Outubro, foram ensombradas pelo elevado índice de abstenção. Mais uma vez!
Mai de mais de nove milhões e 500 mil (9.549.879) eleitores não foram às urnas escolher o novo Presidente da República. Tal se traduz numa maioria de 56,74% do total de cidadãos eleitores inscritos em todo o território nacional, acima de dezasseis milhões e oitocentas mil pessoas (16.829.847).
Vale lembrar que os órgãos eleitorais recensearam, para estas eleições, um total de 17.163.686 eleitores, 333.839 deles inscritos no estrangeiro.
O vento sopra do Norte
Na província de Maputo, os editais do apuramento provincial denunciam que mais de dois milhões de eleitores (2.338.886) não foram votar. O maior círculo eleitoral do país recenseou um total de 3 milhões e 200 mil eleitores (3.265.572). Ou seja, 71,59% destes gazetaram às urnas, tornando-se na maior taxa de abstenção destas eleições gerais e das assembleias provinciais.
Os eleitores da Zambézia, o segundo maior círculo eleitoral do país, aliaram-se aos de Nampula, influenciando a negaão geral ao voto. Quase dois milhões de eleitores (exactamente 1.906.550) não foram votar, o que representa uma taxa de abstenção de 66,59%, em relação ao total de inscritos. Na segunda província mais populosa de Moçambique, os órgãos eleitorais haviam recenseado quase três milhões (2.862.978) de eleitores.
Na martirizada província de Cabo Delgado, os órgãos eleitorais reportaram a ausência, nas urnas, de 925.570 pessoas, correspondentes a 65,79%, de um total de 1.403.554 eleitores recenseados para o escrutínio de 9 de Outubro.
No Niassa, 585.070 eleitores (67,08%) decidiram ficar em casa, de um conjunto de 872.186 recenseados para votar. Enquanto em Inhambane a abstenção foi de 56,80%, com 569.504 eleitores a optarem por outras actividades que ir escolher o novo Chefe de Estado. Nesta província foram recenseados 1.002.723 eleitores.
Gazetas até no ''Frelimistão''
Na província de Manica, de um total de 1.128.189 inscritos, 557.625 eleitores (49,43%) escolheram não foram votar. Na província de Gaza, considerada “bastião” da Frelimo, ficaram em casa 595.922 eleitores (49,73%), de um total de 1.198.262 eleitores.
Gaza tem sido uma das províncias que a narrativa jornalística cognominou de ''Frelimistão'', por se registar (a)normalmente votação acima dos 90% em favor do partido da cor vermelha, números largamente contestados pela oposição e pela sociedade civil, que consideram ser fabricação dos órgãos eleitorais para beneficiar o partido no poder.
A província de Tete é também parte do Frelimistão''. Desta vez, 633.982 eleitores (40,72%) não se deslocaram às Assembleias de Voto, de um total de 1.556.938 eleitores recenseados. Reduto tradicional da oposição mas que a onda vermelha tem erodido nos pleitos eleitorais recentes, em Sofala 622.556 eleitores (48,14%) também decidiram ficar em casa, de um universo de 1.293.158 recenseados.
A excepção chamada Maputo
As taxas mais baixas de abstenção das eleições de quarta-feira, de acordo com os editais de apuramento provincial, registam-se na província e Cidade de Maputo. Na Cidade de Maputo, a taxa de abstenção fixou-se em 37% e, na província de Maputo em 35,92%. Na capital do país, estavam inscritos 676.757 eleitores, e apenas 250.366 eleitores não foram votar. Na província de Maputo, os órgãos eleitorais recensearam 1.569.530 pessoas, mas somente 563.848 não foram votar.
Depois de se fatigar nos editais de apuramento intermédio destas eleições, Abílio Maolela foi aos arquivos mais frescos da história eleitoral de Moçambique. Estes reavivaram-lhe à memória que a taxa de abstenção foi de 48,6% em 2019, nas sextas eleições presidenciais e legislativas e terceiras das assembleias provinciais (as primeiras que elegeram os governadores das províncias). Naquele ano, apurou, estavam inscritos 13.162.291 eleitores, mas somente 6.766.416 foram votar.
Apesar de não termos tido acesso aos editais do apuramento na diáspora, os seus números e estatísticas são insignificantes para mudar esta esmagadora verdade: o fantasmagórico ''partido da abstenção'' mantém sua hegemonia.
Um ''pornográfico'' relatório preliminar
Em Relatório Preliminar sobre a votação, divulgado na quarta-feira, o Consórcio Eleitoral Mais Integridade conta uma história digna de um filme de terror, caraterizado por actos de roubo, inutilização e compra de votos de candidatos e partidos da oposição (PODEMOS, Renamo e MDM) a favor da Frelimo e seu candidato Daniel Francisco Chapo, tendo como protagonistas os Membros das Mesas de Votos.
Segundo o “Mais Integridade”, na noite eleitoral de 09 de Outubro de 2024, para além dos já conhecidos e famosos casos de enchimento de urnas, houve também anulamento de votos pelos Presidentes das Mesas, sendo que os casos mais significativos registaram-se nas províncias de Sofala, Zambézia, Nampula e Tete.
Por exemplo, na EPC Josina Machel, no distrito de Marromeu, província de Sofala, a delegada do PODEMOS encontrou mais de sete votos em branco e mais de quatro votos do candidato Venâncio Mondlane, que tinham sido qualificados a favor do candidato do partido Frelimo, Daniel Chapo.
Na EPC 10 de Maio, no mesmo distrito, o “Mais Integridade” afirma que um dos presidentes de Mesa usou, de forma sistemática, tinta de carimbo para anular os votos a favor candidato Venâncio Mondlane, enquanto na EPC de Mazi Ntunga, um dos presidentes da Mesa agrediu fisicamente o secretário e um dos escrutinadores por reclamarem o facto de o presidente estar a anular os votos a favor dos partidos da oposição.
“Na EPC Nhamiasse (Morrumbala-Zambézia), para além dos MMV terem votado mais de uma vez, durante a contagem nem sempre marcavam no quadro negro os votos atribuídos ao PODEMOS e à Renamo. Na EP1 Napote, (Gilé - Zambézia), votos considerados nulos foram transformados em votos a favor do partido Frelimo”, narra o Relatório.
Na EPC de Tacuane (Lugela-Zambézia), antes do início da contagem, no tempo dedicado ao descanso, o presidente da Mesa foi encontrado a abrir a urna e acrescentar boletins de voto pré-marcados; e na EPC de Marrupa-Sede (Marrupa-Niassa), a contagem foi paralisada durante largos minutos pelo facto de um dos escrutinadores ter sido encontrado com mais de dois dedos pintados com tinha de carimbo, que usava para invalidar os boletins de voto favoráveis ao PODEMOS.
Um dos casos mais gritantes narrados pelo Consórcio “Mais Integridade” ocorreu na EPC de Chamissava, no Distrito Municipal de KaTembe, na Cidade de Maputo, onde, dos 230 votos que o PODEMOS tinha obtido na eleição legislativa e marcados no quadro negro, apenas um foi registado no edital oficial publicado pela Mesa.
''Magia'' da noite (eleitoral) para o dia (seguinte)
Tal qual a noite é escura e o dia é claro, as eleiões gerais em Moçambique geraram um fenómeno: há a noite eleitoral e há o dia seguinte, com(o) realidades completamente distintas. Em conferência de imprensa concedida na quarta-feira, o Director do Centro de Integridade Pública, uma das organizações da sociedade civil integrantes do consórcio, assumiu ser inexplicável o que aconteceu na noite do dia 9 de Outubro.
“Temos magia, em Moçambique, porque aquilo que a gente viu a ser contado e aquilo que os editais diziam, no dia seguinte, eram coisas totalmente diferentes. Perante esse cenário, é muito difícil o consórcio vir aqui dizer que nós fizemos contagem, baseada nos editais porque a maior parte tem resultados martelados”, defendeu Edson Cortez.
“Mais uma vez, como país, realizamos eleições fraudulentas, que não reflectem aquilo que foi a vontade dos eleitores. Em certas urnas, havia mais gente que só ia votar para as eleições presidenciais e se esquecia do boletim de voto para as eleições legislativas. Isso mostra enchimento de urnas”, sublinhou, apelando à Procuradoria-Geral da República a olhar para os vários ilícitos eleitorais, no lugar de se preocupar apenas com um candidato.
Segundo a plataforma, que contou com 1.900 observadores, distribuídos por mais de 1.500 locais de votação nos 161 distritos do país, cobrindo um total de 3.106 Mesas, a noite eleitoral foi marcada também por falta de iluminação, assim como por cortes sistemáticos de energia eléctrica.
Por exemplo, as Escolas Secundárias de Pebane (Zambézia); a EPC de Chanica (Mandimba-Niassa); a EPC de Thungo (Lago-Niassa); a Escola Básica 16 de Junho (Mecula); a Escola Secundária de Entre-lagos, (Mecanhelas,); e a EPC de Mucujua (Monapo) tinham problemas de iluminação, enquanto a EPC de Chinga (Murrupula) registava cortes frequentes de energia. “As lanternas disponibilizadas pelo STAE não ofereciam iluminação suficiente para operações de qualificação de votos, o que originou novas interrupções devido a discordâncias na qualificação dos votos”, sublinha.
O espectro da maioria absoluta
Os resultados oficiais indicam uma vitória por maioria absoluta de Daniel Chapo e da Frelimo, com mais de 60% dos votos. O PODEMOS alega que sua contagem paralela aponta para uma vitória do partido e do seu candidato Venâncio Mondlane com mais de 53% dos votos.
As últimas projeções veiculadas veiculadas por canais de televisão e viralizadas pelas redes sociais indicam um futuro parlamento, de 250 deputados, em que a Frelimo obtém maioria qualificada de 192 deputados. O PODEMOS, catapultado pela popularidade de Venâncio Mondlane, emerge como oposição oficial parlamentar, com 32 deputados; a RENAMO sofre uma hecatombe histórica passando, pela primeira vez em 30 anos de democracia multipartidária, a ser terceira bancada parlamentar, com 21 deputados; e o MDM não consegue número suficiente de parlamentares para formar bancada, com apenas três membros. Os outros dois parlamentares sao da diáspora, eleitos nos círculos eleitorais da África e de Europa e resto do mundo. Os resultados finais só serão conhecidos na próxima quinta-feira, dia 24 de Outubro. (Carta da Semana)