Estes dias de canícula pós-eleitoral veio-me à memória o Professor José Negrão, falecido académico e proeminente activista social moçambicano. A memória em questão não se prende com assuntos eleitorais, mas sim com a habilidade de pensar e agir estrategicamente, sobretudo na criação e gestão das condições necessárias para que um determinado propósito siga com tranquilidade o curso previsto, quer anulando ou mitigando, antecipadamente, as potenciais ameaças, quer capitalizando oportunidades para a respectiva viabilização.
Nesta linha, partilho um episódio por mim vivenciado, enquanto membro de um grupo de trabalho, em 2003-2004, quando foi do processo de participação da sociedade civil na monitoria do plano governamental de redução da pobreza absoluta, cuja liderança – da coligação da sociedade civil, denominada G20, que fora criada para o efeito, envolvendo vários segmentos da sociedade, incluindo o sector privado, sindicatos, academia e confissões religiosas, fora as tradicionais ONGs – esteve à cargo do Professor Negrão.
Nessa altura, o país ainda vivia a ressaca da tensão pós-eleitoral das eleições de 1999, as consequências das cheias de 2000 bem como o habitual frenesim da proximidade e realização das eleições, no caso das autárquicas de 2003 e as gerais de 2004, contando estas últimas com a emergência de Armando Guebuza como o candidato antecipado do partido Frelimo, então assumindo o cargo de Secretário-geral do seu partido.
Ainda nessa altura, destacavam-se na influência da opinião pública, entre outras figuras: o jornalista Machado da Graça com a sua ''Talhe de Foice'' no Jornal Savana; o jornalista Salomão Moiana com os seus editoriais no Jornal Zambeze; e o músico José Mucavele que, repetidamente, na imprensa, alertava sobre o potencial (neo)colonialismo nos processos de governação nacionais, tendo sido, nesta linha, crítico da candidatura do Doutor Gagnaux , um moçambicano de raça branca e de ascendência suíça, para edil da capital do país.
O ponto: numa das reuniões do grupo de trabalho de preparação para um encontro da cúpula do G20, o Professor Negrão sugeriu que convidássemos as três figuras acima para começarem a participar na reunião da cúpula. Nas reuniões os três não falavam. O Machado da Graça até passava o tempo a desenhar. Numa das reuniões de balanço do grupo de trabalho acabei por perguntar ao Professor Negrão qual era a mais-valia em ter os três nas reuniões do G20.
Em resposta, o Professor Negrão disse que era estratégico tê-los próximos e mesmo calados do que distante e a hostilizarem. O argumento: para o Professor Negrão uma ''Talhe e Foice'' de Machado da Graça a questionar se o G20 não seria mais uma encomenda ou organização de quadros do partido Frelimo, um editorial do Salomão Moiana a questionar a transparência e integridade da iniciativa, e uma entrevista de José Mucavele, a acusar que se estava diante de mais uma iniciativa neocolonial ocidental (sublinhar que o Professor Negrão era de raça branca), seriam mais do que suficientes para derrubar as boas intenções do G20.
Dito isto, e embora tenha mencionado no início de que a memória que me acossara não estava directamente relacionada com assuntos eleitorais, mesmo os decorrentes da actual tensão pós-eleitoral, agora percebo que tem, e tem muito. Mas, como diz um outro professor e académico, Elísio Macamo: ''Pensar dói!''. E ''Pensar e agir estrategicamente'' deve doer ainda mais, tal a ausência generalizada na política da Pérola do Índico.
Nos primórdios do século em curso, um grupo de cidadãos, representando os mais variados sectores da sociedade, elaboraram, de forma independente, apartidária e profissional, um documento, que mereceu a aprovação parlamentar por consenso, com o propósito de os governados, governantes, profissionais, diversas organizações da sociedade civil e, em suma, de toda a Nação e dos parceiros de cooperação que servisse de referência ou guião para o desenvolvimento de Moçambique até ao ano de 2025.
Segundo este documento, que foi intitulado de Agenda 2025, o seu principal objectivo era o de estabelecer novos caminhos para impulsionar o desenvolvimento de Moçambique cujos resultados, no ano 2025, os 50 anos da independência do País, os moçambicanos, em Paz, Harmonia e Solidariedade, celebrariam (ou não) em contínuo progresso económico e social.
No documento foram definidos quatros cenários possíveis, que dependendo do que seria o desempenho do país, um deles seria alcançado. Os quatro cenários previstos foram denominados de i) Cabrito, ii) Caranguejo, iii) Cágado e iv) Abelha, ambos a traduziram o conhecimento popular sobre o comportamento destes animais. Segundo a Agenda 2025:
i) O Cenário do Cabrito compreende “o aumento da corrupção, da intolerância, da exclusão social e do eventual retorno da guerra”, consubstanciado na deterioração das condições que envolvem a variável determinante Paz, Estabilidade Política e Social. Historicamente, a exclusão social sistemática a que os moçambicanos foram votados durante o regime colonial provocou uma revolta colectiva que, facilmente, se transformou na luta armada para a Independência de Moçambique.
ii) O Cenário do Caranguejo caracteriza-se por zigue-zagues, em que cada actor anda tão depressa para a frente como retrocede, provocando crises cíclicas, seguidas de momentos de recuperação lenta e ténue devido à desestruturação causada pelas crises, cujas alterações afectam significativamente na variável determinante Democracia e Participação. Historicamente, em Moçambique a tendência para a contínua falta de diálogo construtivo na vida social e política do País contribui para este cenário.
iii) O Cenário do Cágado, e tal como acontece com o cágado que chega longe mas vai muito devagar e age sozinho, o país pode chegar longe mas devagar e haverá grandes assimetrias e desigualdades. Neste cenário, impera a primazia de interesses individuais ou de grupo sobre os interesses colectivos, embora ocorra uma melhoria significativa da variável determinante Competitividade e Transformação Tecnológica e tudo que a ela diga respeito, independentemente da qualidade de vida da maioria dos cidadãos.
iv) O Cenário da Abelha, que faz jus a própria abelha que é trabalhadora, forte, persistente e empreendedora, caracteriza-se pela inclusão, a unidade, a tolerância, o máximo uso das capacidades de cada actor, a harmonia e o crescimento consistente. Um cenário em que se verifica um crescimento significativo nas variáveis do Capital Humano e do Capital Social decorrente do desempenho positivo das variáveis determinantes Paz e Estabilidade Social, Democracia e Participação e Competitividade e Transformação Tecnológica.
Exposto, em linhas gerais, os cenários da Agenda 2025, e tendo em conta que se está a escassos dias do ano de 2025, fica a pergunta: Habemus Cabrito, Caranguejo, Cágado ou Abelha?
PS: consta que na terra de origem do actual Presidente da República, o significado ou tradução do seu apelido é Abelha. Caso para dizer que incentivos, até de fórum sociológico e antropológico, não faltaram para que o país, em 2025, celebrasse em apoteose o cenário desejável: o Cenário Abelha!
Na primeira metade da década de 2000, um antigo Governador do Banco de Moçambique, Parakash Ratilal, disse uma vez, numa palestra sobre o impacto da adesão de Moçambique como membro das Instituições de Bretton Woods (IBWs), O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), em 1984, que um dos ganhos do país ao aderir a estas instituições foi a estruturação e rigor burocrático que passou a ter na gestão da coisa pública, sobretudo das finanças públicas.
Chamado pela plateia a exemplificar, Ratilal fez referência ao processo de prestação de contas com estas instituições que se materializava(m) através da realização periódica de reuniões e da elaboração de documentação dentro do quadro referencial previamente acordado e religiosamente submetida dentro do prazo.
Nas visitas ou missões anuais do FMI ao país nota-se essa lógica. E como simples exemplo é a informação que se partilha para o conhecimento público. Religiosamente o público fica a saber através de um comunicado de imprensa que se realizará uma visita ou missão do FMI de avaliação, a sua duração, objetivos e agenda, entre outra informação pertinente. No final da visita um novo comunicado público a debruçar sobre os resultados e passos seguintes.
Em rigor, e dentro desta previsibilidade, a partir do comunicado inicial o leitor decide ou não acompanhar o decurso da missão e/ou esperar pelos resultados e respectivos passos seguintes a serem partilhados no comunicado de imprensa final.
Foi dentro desta lógica de governação e fazendo fé nas palavras de Parakash Ratilal sobre os ganhos de Moçambique por ter aderido às IBWs que estive expectante em relação ao recente e fracassado encontro entre os candidatos presidenciais com o Presidente da República e por este organizado no contexto da tensão pós-eleitoral.
Mas, e mais uma vez, será que se está diante de mais um fracasso do Banco Mundial e FMI em Moçambique?
PS. A propósito do título (Agenda): numa certa coligação ou fórum da sociedade civil em que participei dei-me conta que em certas reuniões compareciam “dinossauros” que no grosso das reuniões não se faziam presente ou mandavam pessoal júnior. Curioso, um dia pergunto a um dos “dinossauros” sobre o que determinava que viesse a uma reunião. A “Agenda” foi a pronta resposta.
Por conta recorrente da ocorrência do fenómeno de enchimento de votos na urna em cada pleito eleitoral moçambicano trago à mesa para reflexão um episódio longínquo e interessante de enchimento ocorrido na altura em que frequentei o ensino primário. Sublinho que o interessante foi o desfecho.
Corriam os anos oitenta de Samora Machel. Na turma, quarta classe, entre os colegas havia uma competição acirrada pelo pódio das notas que era sempre disputado por três alunos em cada teste ou prova. Entre estes despontava e levava sempre a melhor nota a colega Eduarda cujo pai, que nunca soubemos o nome, o tratávamos carinhosamente por ῎Pai da Eduarda῎.
O ῎Pai da Eduarda῎ era praticamente nosso colega. Era muito presente e de fazer inveja aos ῎Pais Turma῎ de hoje. No seu velho Peugeot trazia a sua filha e a levava de volta à casa no final da jornada estudantil. Ele fazia o mesmo quando a levasse ao clube e quase sempre ficava para acompanhar os treinos, incluindo em dias de competição.
O ῎deixar e pegar depois῎ ou ῎deixar, ficar e juntos regressarem῎ era a regra para todas as saídas de casa. Umas vezes apenas os dois e outras tantas os três: a Eduarda, o pai e a mãe. Uma bela imagem e marca que amiúde ocorre-me quando o papo são as saudades em encontros ocasionais ou não com colegas da altura da escola primária.
Porque o país vive mais uma turbulência pós-eleitoral veio mais uma vez à ribalta o ῎Pai da Eduarda῎ num encontro recente que tive com um colega da primária, por sinal também da mesma turma da quarta classe. Entre lembranças da altura, a do desfecho dado pelo ῎Pai da Eduarda῎ a um fenómeno de enchimento então ocorrido. Foi assim:
Numa certa prova a Eduarda teve a melhor nota e era a máxima, 20 valores. No dia seguinte o ῎Pai da Eduarda῎ não só deixou a filha como foi até a sala com ela. O assunto era a nota, pois na contagem paralela feita por ele a sua filha tinha apenas 16 Valores.
Tenho até hoje a nítida memória do momento em que o ῎Pai da Eduarda῎, diante do professor e perante toda a turma reclamava e exigia ao professor que repusesse a verdade. Feita a recontagem, confirmou-se a nota de 16 e no pódio da prova a Eduarda teve a terceira melhor nota da turma.
Lembro-me que no final da solenidade da reposição da verdade - que foi o momento em que o professor alterava a nota - e diante de sorrisos de satisfação do ῎Pai da Eduarda῎ e da sua filha, a turma aclamou o instante com uma longa e estrondosa salva de palmas. Foi bonito e recomenda-se.
PS: Em anteriores lembranças deste episódio, incluindo a última acima, sempre fica uma dúvida ou falta de consenso em relação ao enchimento feito pelo professor. Terá sido por mero engano ou propositado? Seja o que for, o facto é que o desfecho foi solenemente aplaudido e celebrado por todos.
O Movimento Manifesto Cidadão, que congrega uma nata de académicos, intelectuais e activistas cívicos, apela para a realização de uma conferência nacional cujo mote é a refundação do Estado para fazer face à crise pós-eleitoral do pleito de 09 de Outubro. Na senda deste propósito, espero ler na imprensa nacional e estrangeira do dia 24 de Junho de 2025, a um dia da celebração dos 50 anos de independência nacional, o citado abaixo:
῎Após a Crise Eleitoral das Eleições do dia 9 de Outubro de 2024, O Movimento Manifesto Cidadão definiu a refundação do Estado moçambicano como uma das medidas fundamentais de um roteiro para “(re)fazermos Moçambique como um País seguro para a cidadania” alicerçado num sistema político que se renove e exalte continuamente o compromisso com ”a promoção do princípio da cidadania como garante do valor da nossa dignidade como nação soberana e independente”.
Uma etapa importante do roteiro será amanhã, 25 de Junho de 2025, com a realização da Assembleia Constituinte cujo mandato será a elaboração e aprovação de uma nova Constituição da República de Moçambique, no prazo de 06 meses, e da lei eleitoral específica para a realização de novas eleições no quadro do figurino orgânico definido na nova Constituição, e a terem lugar em Outubro de 2025.
Esta Assembleia Constituinte resulta de um referendo nacional realizado em Abril passado e foi concebido para a aprovação de uma lista de 50 deputados e do respectivo Presidente, o académico e empresário Lourenço do Rosário, bem como a cronologia das etapas principais até a tomada de posse dos novos órgãos sufragados.
A Assembleia Constituinte, que não terá funções legislativas ou de fiscalização, será dissolvida no mês de Janeiro de 2026 no quadro da tomada de posse dos novos órgãos sufragados sob os auspícios da nova Constituição.
Lembrar que a normalidade funcional do país é assegurado por um Governo de Transição cujo Primeiro-ministro, Rosário Fernandes, na qualidade de Chefe do Governo, resultou da aprovação por consenso e unanimidade da Assembleia da República sob proposta do Movimento Manifesto Cidadão.
Por sua vez, a chefia do Estado e com funções especiais acrescidas para a ratificação e promulgação dos instrumentos governamentais e fiscalização governativa, cabe a um Triunvirato-presidencial também aprovado por consenso e unanimidade pela Assembleia da República sob proposta do Movimento Manifesto Cidadão.
O Triunvirato-presidencial e o Primeiro-ministro foram empossados no passado mês de Janeiro de 2025 perante o Conselho Constitucional, actos que também marcaram o fim do mandato do quarto presidente da República de Moçambique bem como da nona legislatura, das assembleias e governadores provinciais, ambos saídos do pleito eleitoral de 2019.
Nos termos das regras definidas para o período de transição de doze meses, os titulares e membros dos órgãos da transição ficam vedados de concorrerem ou participarem no quadro dos órgãos que saírem das eleições de Outubro de 2025῎. ….Fim da citação.
De regresso aos dias que correm, e no contexto da crise pós-eleitoral do pleito de 09 de Outubro, a esperança de que não seja o único a sonhar por um roteiro para a refundação do Estado no quadro dos propósitos do Movimento Manifesto Cidadão, e em prol da contínua procura para “(re)fazermos Moçambique como um País seguro para a cidadania”.
Uma saída para a actual tensão pós-eleitoral talvez passe por uma linha de comunicação directa à semelhança dos tempos do auge da Guerra-Fria, na década de 1960, entre o Ocidente, liderado pelos Estados Unidos da América, e o Leste, liderado pela então União das Repúblicas Socialistas Soviética.
Esta linha de comunicação foi conhecida como ῎Telefone Vermelho῎ e foi criada para aproximar as partes desavindas e evitar a escalada de conflitos. Pelo mesmo propósito devia ser estabelecido um ῎Telefone Vermelho῎ entre os principais antagonistas da actual crise pós-eleitoral em Moçambique e não seria a primeira vez na Pérola do Índico.
Há cinquenta anos, nos acontecimentos do ῎7 de Setembro de 1974῎ na então Lourenço Marques, ora Maputo, o ῎Telefone Vermelho῎ foi a elite africana urbana (assimilados) estabelecida nos subúrbios da cidade. Esta elite criou um grupo que articulou a resistência urbana e foi determinante para o fim da violência que se instalara em Lourenço Marques com a tomada da Rádio Moçambique, entre outras acções, incluindo violentas, perpetradas por grupos da população branca que estavam contra o desfecho dos Acordos de Lusaka, assinados entre Portugal e a FRELIMO.
Reza a narrativa dos factos que um dos elementos deste grupo de resistência, cuja sede estava no bairro da Mafalala, foi ao que é o actual Quartel-General e disse a um responsável militar do exército colonial que seria possível travar a incursão ofensiva e massiva da população negra em marcha e em direcção ao centro branco de Lourenço Marques. Para que o banho de sangue fosse evitado uma senha deveria ser difundida através da rádio, então ocupada por colonos em contramão com o desfecho de Lusaka.
Felizmente, e depois de terem sido criadas as condições, ῎Galo, galo amanheceu῎ foi a senha que foi difundida nos microfones da Rádio Clube, hoje Rádio de Moçambique, e assim foi travada a furiosa multidão às portas do centro da cidade, pondo fim a 4 dias (7-10 de Setembro de 1974) de incerteza, tensão e violência.
Infelizmente, e voltando para os actuais acontecimentos da crise pós-eleitoral cujo epicentro é o dia 7 de Novembro de 2024, ainda não se vislumbra qualquer sinal de criação das condições para uma plataforma ao estilo do ῎Telefone Vermelho῎.
Pelo rol dos acontecimentos em curso urge que seja estabelecido o ῎Telefone Vermelho῎ e deste a esperança de que saia uma nova senha ao estilo ῎Galo, galo amanheceu῎ que ponha cobro aos dias de incerteza, tensão e violência que correm, e também que sinalize para uma nova Pérola do Índico. É possível!
O número nove decorre da data das eleições, 9 de Outubro de 2024. No texto, e em jeito de contributo, algumas notas sobre o processo eleitoral do país tendo como meta eleições livres, justas e transparentes.
1. Apelos públicos: foram vistas várias personalidades de relevo a fazerem, e têm feito a cada pleito, pronunciamentos públicos a sensibilizarem o cidadão para que este se recenseie e vote. Nestes apelos, deviam dedicar algum tempo a gestores do processo eleitoral, incluindo os Membros das Mesas de Votos (MMVs), para que pactuem com a ética, transparência e integridade em todo o processo eleitoral. E que nos pronunciamentos abranjam também o apuramento e a validação dos resultados. Neste campo, as confissões religiosas, por serem um promotor e garante dos valores éticos e morais deviam ter um papel mais activo, sobretudo na sensibilização das respectivas comunidades, destacando para os seus eventuais membros que participem na gestão do processo eleitoral.
2.Campamha eleitoral: é triste a ῎sujeira eleitoral῎ feita decorrente da afixação de material de campanha nas urbes e não só. Para contornar, seria importante que se criassem regras, sobretudo quanto aos locais e materiais que devem ser usados, evitando assim que a ῎sujeira eleitoral῎ não se repita. Ademais, o financiamento para a campanha devia ser dividido em três partes, sendo a última condicionada à limpeza ou retirada da via pública do material usado na campanha pelos próprios protagonistas.
3.Horário de funcionamento das urnas: o horário oficial de 11 horas (07H00 – 18H00) de funcionamento das urnas constitui um obstáculo, incluindo o de arrastar o processo de votação e apuramento pela noite dentro e por mais de 24 horas. Seria prudente e vantajoso que fosse revisto para oito horas (06H00 – 14H00).
4.Publicação dos editais: não faz muito sentido o apelo para ῎votar e ir para casa῎ e o resultado da votação ser apenas afixado na parede da assembleia de voto do recinto de votação. A prevalecer este apelo recomenda-se o mesmo referido pela Missão de Observação da União Europeia: que a publicação dos editais também seja feito na internet e em tempo útil.
5.Acusações de incitamento à violência: a vulnerabilidade e a falta de integridade e transparência do processo eleitoral, sobretudo na sua fase crítica - a votação e apuramento de resultados - também devia constar do rol das acusações do Ministério Público como incitamento à violência. Alcançar o que dita o slogan da Comissão Nacional de Eleições - Por Eleições Livres, Justas e Transparentes – pode constituir um grande contributo para que não hajam tais acções de incitamento à violência, saindo assim do léxico eleitoral em Moçambique.
6.Justiça pelas próprias mãos: os que se sentem lesados pelos resultados do apuramento eleitoral, ora acusados de recurso a meios considerados de incentivo à violência, são também parte de uma sociedade em que o cidadão comum não espera pela intervenção das autoridades diante de um acontecimento ou algo que o lese ou cause danos. As causas para o efeito são conhecidas, sendo a falta de confiança nas instituições a mais apontada. Resgatar ou criar esta confiança é um caminho.
7.Recensear e não votar: causa muita estranheza que boa parte do eleitorado se tenha recenseado e não tenha ido votar. Caso para perguntar: o que leva um cidadão a iniciar a sua participação (recenseando) e não a concluir (Indo votar)? Uma franja de analistas argumenta que estes não enxergam a utilidade e benefícios do voto. Há também quem diga que o interesse é mais o de acesso a um documento de identificação – o cartão eleitoral – e que o habilite a outros direitos ou benefícios na sociedade. Urge reflectir.
8.Nível de participação: o nível de participação/aderência dos eleitores no dia de votação constitui um forte sinal da mensagem que o eleitorado queira transmitir. Infelizmente este indicador (o nível de participação) não é manchete e nem abre o telejornal. Urge que se façam estudos sobre este assunto, o que também passa por haver desagregação de informação sobre quem vota (jovens, mulheres, adultos, idosos, etc) cuja fiabilidade dos dados requer o que tem faltado nas eleições do país: eleições livres, justas e transparentes.
9.Benefícios do direito de votar: tenho ouvido que ῎desta vez não vou votar῎ ou mesmo que ῎não vejo nenhum benefício em votar῎. Eu voto desde as primeiras eleições e não porque tenha escolhas entre os candidatos, mas, e sobretudo, porque acredito, e é um benefício, que as eleições são o meio mais justo para a conquista do Poder. Descredibilizar este processo, incluindo o não ir votar, abre espaço para que a conquista do poder seja por outros meios. Uma saída é tornar a votação massiva, sendo este desideracto, ora em falta, um ingrediente essencial para a consolidação democrática no país.
PS.Este texto foi escrito antes do bárbaro assassinato do advogado Elvino Dias, assessor jurídico do candidato presidencial Venâncio Mondlane, e do mandatário nacional do partido que o suporta, o Podemos. Junto-me às vozes que condenam o acto e no apelo que se faça a justiça e de forma célere.
Óscar Monteiro, jurista, histórico membro do partido Frelimo, e ῎Caçador de Elefantes Brancos῎, veio a terreiro afirmar que era já tempo de o Estado ser emancipado. O pronunciamento foi no quadro do debate sobre o comando constitucional que veda ao Presidente da Republica (PR) o exercício de quaisquer funções privadas.
Para Óscar Monteiro é altura para o cumprimento imediato quer a montante, conformando o partido com a constituição, quer a jusante, imperando a obrigação constitucional.
Em debate semelhante sobre a acumulação dos dois cargos, quando foi da sucessão do ex-presidente Armando Guebuza, prevaleceram argumentos estatutários e a prática da Frelimo que obrigaram Guebuza a renunciar o cargo de presidente do partido e o então novo e actual PR, Filipe Nyusi, a assumir também, cumulativamente, a presidência do partido.
Decorridos dez anos, o apelo é para que Nyusi e Daniel Chapo, o actual candidato da Frelimo, este em caso de vitória nas eleições do dia 9 de Outubro, não devem acumular as funções. Por outras palavras, Nyusi deve imediatamente deixar a presidência do partido e Chapo, uma vez PR, não deve assumir a presidência do partido.
Este enredo aviva-me um meu comentário de há duas décadas em vésperas de eleições. Na altura defendi que a prioridade central do Governo que saísse das eleições devia ser a de ῎Organizar o Estado῎. Na réplica, um dos interlocutores disse de que antes a prioridade deveria ser a de ῎Organizar as pessoas῎, tendo até citado algumas personalidades da vida política nacional que seriam os primeiros da fila.
Hoje, e do pronunciamento de Óscar Monteiro, concluo que a sua tese de ῎Emancipação do Estado῎ passa pelas duas abordagens acima, ou seja: a ῎Emancipação do Estado῎ requer que se liberte antes as mentes para depois organizar o Estado. Talvez por aqui esteja o segredo para os próximo 50 anos de independência, e que justifica uma campanha de emancipação de mentes tendo como ponto de partida os militantes do partido do batuque e da maçaroca.
PS: Veio também a terreiro o sociólogo Elísio Macamo a defender que não via nenhuma ilegalidade/incompatibilidade entre os cargos por entender que o comando constitucional não especifica as funções privadas vedadas ao PR/Chefe de Estado. Diz este comando que ῎o Presidente da República não pode, salvo nos casos expressamente previstos na Constituição, exercer qualquer outra função pública e, em caso algum, desempenhar quaisquer funções privadas῎. Se atendermos que o PR não pode ῎desempenhar quaisquer funções privadas῎, e por isso vedá-lo a presidência do seu partido, leva-me a concluir que o impedimento deve também abarcar outras funções privadas como, por exemplo, as de Chefe de Família. Se não, não vejo nenhum impedimento, salvo melhor entendimento, para que o argumento de Elísio Macamo proceda.
Um forasteiro latino que amiúde visita em trabalho o país, numa das suas vindas, pediu ao seu habitual taxista que o arranjasse uma prostituta para o final do seu expediente laboral de serviços de consultoria. Assim feito e sido selado com a entrega do número de telemóvel da requerida ao requerente.
Uns dias depois, e já uma sexta-feira, o forasteiro ligou para ela requerendo serviços desde o jantar ao café da manhã. Feito o compromisso e sido cumprido as responsabilidades de cada um, ambos voltaram para os respectivos aposentos. Um detalhe: o forasteiro, por experiência mundana, não usou o hotel em que estava hospedado.
Por volta do meio-dia o forasteiro recebeu uma chamada da requerida. Esta depois do ῎adorei a noite῎ e de que fora ῎a primeira vez a sentir o sabor da gastronomia latina῎ expectou-o com um pedido financeiro para a compra de uma garrafa de gás, pois não tinha como cozinhar para as crianças.
Um ou dois dias depois, os pedidos não cessaram, desde o Credelec aos gastos do salão de beleza e a mensalidade escolar das crianças, que levaram o forasteiro a ligar para o taxista a reclamar, recordando-o de que ele havia pedido uma prostitua e não uma amante.
Depois de contar este episódio a um amigo, este disse que também estava numa situação semelhante em relação a escolha dos candidatos do processo eleitoral em curso. Ainda disse de que estava com inveja do forasteiro porque este ainda teve a quem reclamar, o que não era o caso dele.
Em resumo o amigo reclamava o facto de não ver nenhuma diferença entre os candidatos, pois todos eles prometem fazer a mesma coisa e do mesmo jeito. Para ele era suposto que fosse o contrário e assim ele pudesse escolher o candidato que achasse que melhor responderia aos seus propósitos e os do país.
Sobre a sorte do forasteiro por ter tido onde reclamar, o amigo concluiu que não sabia a quem telefonar e de que apenas restava-lhe meter uma queixa-crime na Procuradoria-Geral da República contra desconhecidos, alegando de que ele está a ser vítima de uma burla democrática.
(a propósito da nova estátua de Eduardo Mondlane)
Quando foi da primeira inauguração da estátua de Eduardo Mondlane, em 1989, estive no local. Lembro-me, ainda adolescente, ter acenado para os três filhos de Mondlane e sido correspondido com um sorriso da Chude Mondlane, a filha, ora falecida, do arquitecto da unidade nacional. Lembro-me ainda de ter ouvido na rádio, a propósito da inauguração da estátua, a Chude Mondlane, em deleite, dizer: “ É parecido com o Papai”.
Uns anos depois, por ai 2012 ou 2013, num encontro ocasional com a Chude Mondlane, no intervalo de uma conferência, fiz questão de lembrar a ela o aceno de 1989. Na resposta o mesmo sorriso. Um sorriso que hoje, 25 de Setembro de 2024, veio-me à memória, a propósito da inauguração da nova estátua de Mondlane, e junto a curiosidade em saber o que a Chude Mondlane, do além, terá dito para a rádio, depois de ver a nova estátua do seu pai?
Pelo que deu para ver e acompanhar da imprensa e das redes sociais, sobre a nova estátua do arquitecto da unidade nacional, tenho fé de que do além a Chude Mondlane terá dito: “Não é o Papai”. E assim fica sine-die adiado um novo aceno e um novo sorriso.