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Nas entrelinhas das notícias da última noite, parece não restarem dúvidas de que Moçambique conhecerá, hoje, sábado, ou nas primeiras horas de amanhã, domingo, o candidato presidencial dito do partido Frelimo, mas que será, na verdade, de uma amostra representativa dos moçambicanos, e não necessariamente da associação privada denominada Frelimo.

 

Por conta do acima, a escolha ou eleição de candidados presidenciais pelos partidos políticos é um tema suprapartidário. 

 

Mas por que é ou será assim? 

 

A norma da alínea d) do n.⁰ 2 do artigo 146 da Constituição da República de Moçambique (CRM) é, de facto, clara quanto ao facto de a candidatura ser dos eleitores (um grupo destes) e não dos partidos políticos. O papel destes é, em bom rigor, de organizar os eleitores. 

 

De contrário, bastava cada partido político interessado confirmar que tem 10 mil membros e submeter a candidatura, mas não é esse o caso. Cada cidadão deve assinar individualmente o apoio à candidatura. Logo, as candidaturas presidenciais são suportadas pelos eleitores e não necessariamente pelos partidos políticos. 

 

Aliás, é exactamente por isso que o nosso regime admite candaturas sem partido, as ditas candidaturas independentes, que já as tivemos. Até porque não seria exagerado arguir que todo o candidato a Presidente da República (PR), ainda que apoiado por um ou outro partido político, deveria ser tido como formalmente independente dos partidos políticos.

 

Numa perspectiva progressista, até faria sentido que o processo da escolha dos candidatos a PR fosse em eleições primárias abertas a não membros…

(Ericino de Salema)

segunda-feira, 01 abril 2024 07:00

MIGUEL BUENDIA, 80 ANOS

A 20 de Fevereiro de 1973, Miguel Buendia, aos 28 anos, expulso de Moçambique, consegue, dissimulado no casaco, levar para fora do país o relatório que estaria na origem da vigorosa denúncia empreendida por Adrian Hastings sobre o tenebroso massacre de Wiriamu, ocorrido na província de Tete a 16 de Dezembro de 1972, cometido por tropas portuguesas, um dos mais hediondos da história da humanidade. A polícia da DGS interpelou-o. Ele trazia dois livros sobre a teologia da libertação, que foram cuidadosamente revistados, página a página.  Levava o relatório no bolso do casaco, a polícia não teve coragem de revistar a sua roupa do corpo. Como emagrecera muito desde que chegara a Moçambique, ainda temeu a possibilidade de lhe descobrirem o manuscrito explosivo. Quando lhe perguntaram: “Tem alguma coisa a declarar?” Foi seco na resposta: “Não!”, olhando o agente, olhos nos olhos. O relatório não incluía as vítimas de Chaworha. Provavelmente, na pressa de fazer sair aqueles documentos, se tenha optado por um deles.

 

Miguel Buendia e Júlio Moure, ambos da congregação Padres de Burgos, tinham ordens para abandonar Moçambique, em duas semanas, desde 6 de Fevereiro. Na véspera da partida pernoitaram na casa da ordem na Beira e no dia 20, uma terça-feira, quando estavam prontos para seguir para o aeroporto, o padre José Camba, da mesma congregação, que fizera duzentos quilómetros desde a missão de Chimoio, para se despedir deles, entrega a Miguel Buendia o relatório Wiriamu.

 

Adrian Hastings (1929-2001), padre, historiador e proeminente autor inglês, conseguiu, em Julho de 1973, honras de primeira página no “The Times”, de Londres, e faz a intrépida denúncia. “Um paranoico com a mania de escândalo” disse dele o “A Época”, um órgão afecto à Acção Nacional Popular, em Portugal. Hastings, que mais tarde romperia com a Igreja Católica, não via na liderança da mesma vontade e capacidade de esta estar à altura da renovação do Concílio Vaticano II. Tinha vários anos de experiência em África. “A Igreja Católica em Moçambique está hoje agonizante, não só devido ao carácter altamente opressivo do governo português como também à Concordata. “É preciso que os cristãos de todo o mundo e de todas as igrejas saibam o que se passa”, escreverá Hastings no seu pungente livro “Wiriyamu” (1974).

 

Miguel Buendia tinha igualmente convicções que se reviam nas ideias defendidas pelo Concílio Vaticano II sobre a função socialmente transformadora da Igreja, sobretudo nas sociedades em desenvolvimento. Não compreendia nem aceitava o silêncio da hierarquia do clero perante a violência sobre os moçambicanos. Escolheu o lado certo da História e combateu, sobretudo nas reuniões sinodais, mas também no apoio material e clandestino aos combatentes e aos jovens que se juntariam à Frente de Libertação de Moçambique. “Buendia era um padre de acção”, afirmará Mustafah Dhada, no seu impressionante livro “O Massacre Português de Wiriamu – Moçambique, 1972” (2016).

 

Buendia nascera numa Espanha sob o jugo de Francisco Franco, um general que havia liderado as forças nacionalistas na Guerra Civil Espanhola. Os nacionalistas opunham-se aos republicanos, leais à Segunda República progressista, e aglutinavam falangistas, monárquicos e católicos. Os nacionalistas  de Franco venceram a guerra e governaram a Espanha a partir de 1939 até à morte do caudilho em 1975.  

 

Foi num clima de acirrada política ultra-nacionalista e autoritária, que inibia liberdades políticas, que deserdara a Espanha de qualquer possibilidade de democracia com base em eleições, que o jovem Miguel haveria de crescer. Aos 16 anos, Buendia descobriu o que tinha sido a Guerra Civil e começa a distanciar-se e a conviver com uma outra Espanha que dissentia da Espanha fascista. A sua trajectória, ligada à religião cristã, faz-se através do distanciamento da ditadura de Franco. A sua fé, como crente primeiro, mais tarde como sacerdote, arreigada numa fé em Deus, opunha-o à falta de liberdade, à opressão e à exploração do homem pelo homem, à ausência de democracia e de justiça.

 

Em Dezembro de 1970 chega a Moçambique aos 26 anos. Chega ao país, ao seu novo país, como padre da congregação dos Padres de Burgos. Encontra Moçambique mergulhado na guerra. Os nacionalistas moçambicanos lutam pela independência. Os soldados  portugueses fazem a guerra colonial. A guerra, nessa época, descia em direcção ao centro de Moçambique. Miguel Buendia defronta-se, de novo, com uma sociedade desigual: país colonizado por um país em ditadura, igualmente fascista, regime profundamente injusto. Não tem dúvida quando escolhe o seu lado. A Igreja e a hierarquia estavam na ala do regime. Buendia do lado da liberdade e do direito dos moçambicanos à independência.

 

A sua acção cristã faz-se nessa pedagogia pela liberdade. Será, como é óbvio, em grande parte, uma acção clandestina. Para ele, como para muitos dos padres da sua geração, Deus não estava em contradição em relação à liberdade do povo moçambicano. Buendia apoia a Frente de Libertação de Moçambique. Estava em Murraça, na província de Sofala. Um grupo de jovens, interceptados pela DGS, quando se dirigiam ao Malawi, confessam, sob tortura, que tinham estado em casa do padre Buendia e que tinham tido o apoio deste, que os ajudara e facilitara no seu empreendimento e fuga. Miguel Buendia, que apoiara não só estes jovens, como apoiara a Frente e os combatentes, recebe ordem de expulsão.

 

A Igreja em Moçambique vivia também uma situação complexa. Na Beira, depois de um longo período de pontificado, por assim dizer, do Bispo D. Sebastião Soares de Resende, que sempre que interpusera a favor dos moçambicanos e da liberdade e da justiça, tinha ao leme um bispo vacilante e cobarde. Dom Sebastião morrera a 25 de Janeiro de 1967.

 

A Concordata de 1940 esteve na origem do aumento de missionários católicos em Moçambique. Chegam ao país companhias missionárias, que trabalhavam há muito em África, como o caso dos Padres de Verona, os Padres de Consolata (ambos italianos na sua maioria), Padres Brancos (que se espalhavam pelo mundo) e os Padres de Burgos. Muitas destas congregações e missões tinham na sua prática missionária a aprendizagem e o conhecimento das línguas africanas, criação de escolas e desenvolvimento local.

 

Dom Sebastião Soares de Resende acolheu, na diocese da Beira, os Padres Brancos e outros missionários. Para além da sua acção eclesiástica dirigia o jornal “Diário de Moçambique” e tinha à sua volta o apoio de padres que o coadjuvavam nesta acção a favor dos moçambicanos, entre os quais Soares Martins, que se revelaria um dos mais notáveis historiadores sobre o império negreiro em Moçambique – José Capela.

 

Quando morre o famoso Bispo da Beira, a diocese entra num período turbulento. D. Manuel Ferreira Cabral, nomeado para o substituir, é manifestamente incompetente e tem posições dúbias. Os padres não têm apoio do bispo na denúncia das iniquidades do regime, das prisões arbitrárias, torturas e outras injustiças que são praticadas contra os moçambicanos. Os Padres Brancos vivem mergulhados nesta ambiguidade. Querem uma clarificação da hierarquia, mas esta não se desfaz das ambiguidades nem do apoio velado às iniquidades do regime. Confrontados com esta situação, denunciam a situação. Serão expulsos, em Maio de 1971.

 

Entretanto, o bispo não resiste. Demite-se. É substituído por um bispo de origem goesa, oriundo da então Sá de Bandeira, actual Lubango, em Angola: D. Altino Ribeiro de Santana. É designado Bispo da Beira em 19 de Fevereiro de 1972. Não resistiu um ano. Morre a 27 de Fevereiro de 1973 de ataque cardíaco. Isto na sequência do julgamento de dois padres e da expulsão de Miguel Buendia e Júlio Moure. A pressão era grande.

 

A retirada dos Padres Brancos coincide, no entanto, com o recrudescer da guerra na província de Tete. A luta avançava para sul, atravessando o rio Zambeze. Entre Maio de 1971 e Dezembro de 1972 ocorrem, na região, um conjunto de abomináveis atrocidades. Mucumbura foi dos primeiros  actos e dois padres de Burgos (Alfonso Valverde e Martin Hernandez) fazem a denúncia junto das autoridades políticas e eclesiásticas. Para além dos massacres, há prisões e torturas, destruição de aldeias, matanças indiscriminadas. Os missionários colocam-se em defesa das populações. Alguns são interrogados. É o caso, entre outros, do padre Vicente Berenguer, ou do padre Domingos Ferrão. Entretanto, Alfonso Valverde e Martin Hernandez são presos na então Rodésia (estavam de visita familiar) e enviados para Lourenço Marques. Nada os intimida.

 

Para o governo, os missionários são testemunhos indesejáveis em algumas zonas. O massacre de Wiriamu foi uma atrocidade brutal. Como noutros casos, serão os missionários a juntar informação, fazer o relatório para a denúncia junto do Bispo e da Conferência Episcopal. Os protestos junto do governador não surtiram efeito. Nem dos massacres anteriores, nem deste que era de maior envergadura. Os relatórios que corriam no país fora sendo copiados. Com o tempo se percebeu que não haveria localmente acção alguma. Era preciso passar para fora do país esses relatórios e essa informação, mas tal coisa não era fácil.

 

Adrian Hastings narra, no seu livro “Wiriyamu” como teve conhecimento destes documentos entregues por Miguel Buendia aos Superiores dos Padres de Burgos. Coube-lhe o papel histórico de fazer a denúncia no importante jornal inglês “The London Times”. Marcello Caetano, na sua visita a Londres em Julho de 1973, é confrontado com esta denúncia e com arrojadas manifestações. Hastings (“um inimigo declarado de Portugal”, epíteto dado por porta-vozes de Caetano), foi até às Nações Unidas e a sua incriminação ajudou, de algum modo, a desmascarar o regime que tentou descredibilizá-lo. O Secretário-Geral é Kurt Waldheim. Recebe Adrian Hastings em audiência e ouve-o atentamente. O Conselho de Segurança e a Comissão dos 24 aprovam numerosas resoluções solicitando que o governo português cesse “todos os actos de repressão”. A denúncia de Hastings perante a Comissão é enérgica, persuasiva, eloquente. Marcelino dos Santos está presente em Nova Iorque e fala a seguir ao depoimento de Adrian Hastings. O abraço entre ambos no final da sessão é caloroso.

 

Da denúncia do massacre à queda do regime passaram nove meses. Entretanto, Miguel Buendia não queria ficar em Espanha. Descoloca-se a Inglaterra para estudar inglês com o intuito de, mais tarde, ir para a Zâmbia. Encontra-se em Fevereiro de 1974 com Óscar Monteiro. Escrevem, ele e outros padres, ao Presidente Samora e contam a sua experiência e falam dos seus propósitos futuros. A resposta de Samora é comovente. Convida-os a juntarem-se à Frelimo. José Maria, Miguel Buendia e Vicente Berenguer escolhem, então, ir para Dar-es-Salaam.

 

Eclode, entretanto, o 25 de Abril e a história acelera. Os padres estavam divididos, entre a contradição da sua inequívoca solidariedade ao povo e à sua emancipação e a posição dúbia da Igreja. Escrevem a “carta dos Padres de Burgos”. Declararam-se cristãos e marxistas, afirmam que não utilizariam o Evangelho contra o povo e os seus interesses. Roma reage, demite a direcção dos Padres de Burgos. A posição do Vaticano provoca a ruptura de alguns destes padres. Os que estavam em Moçambique deixam a Igreja.

 

Junto dos camponeses de Chimoio, nas aldeias comunais, Miguel Buendia participa do nascimento da nova Nação. Vai dar aulas para uma escola secundária. A educação sempre fora o seu escopo, o seu desígnio, o sentido e o propósito da sua vida. Mais tarde embrenha-se na educação à distância. Homem do sector educativo, estuda-o e doutora-se na área. É autor de “Educação moçambicana – a história de um processo: 1962-1984” (1993). Nele faz o excurso crítico da educação num contexto colonial e do seu processo político e ideológico libertador no tempo ulterior, o da independência.

 

Miguel Buendia é um homem compassivo e intelectualmente honesto. Impressiona a sua imensa humanidade e a sua espantosa humildade. Chega a ser comovente como ele é humilde, como se esquiva quando lhe é perguntado sobre o seu papel na História deste país, atribuindo a outros a importância que ele também tem, como libertador. A amnésia e a ignorância e a incultura, entre nós, estão na origem de muitas injustiças que praticamos sobre muitos daqueles que, corajosamente, lutaram por nós e que são nosso inequívoco património histórico. Quando pensamos em heróis somos maniqueístas e atribuímos este distintivo apenas a uns. Miguel Buendia e os seus companheiros, Padres de Burgos, lutaram por este país e são nossos heróis e merecem a nossa homenagem e o nosso preito.

 

Miguel Buendia é um ser humano superior, de elevadas qualidades humanas, intelectualmente comprometido pelo nosso destino e pelo devir moçambicano. Mesmo nos momentos sombrios – e estes são cada vez mais impressivos – vejo, sobretudo no seu vívido olhar e na sua alocução apaixonada, um amor declarado ao futuro e a este país. 

 

Ao longo destes muitos anos, de convívio e amizade, de irmandade, de camaradagem e de fraternidade, nunca vi o Miguel Buendia reivindicar o seu papel – corajoso, sublinho eu! –  na história de Moçambique. A sua humildade é desarmante. Conheci, através dele, o padre Vicente Berenguer, outra grande personagem e tive pena quando este, há seis anos, foi embora de Moçambique, sem haver, oficialmente, um reconhecimento da sua acção e luta. Berenguer falou-me com ternura infinita de Buendia e da sua figura, carisma e grandiosidade. Viviam, Sara e Miguel, vivíamos todos nós, familiares e amigos, a dilacerante partida do filho Mike.

 

Neste testemunho, necessariamente breve, queria celebrar a vida deste homem livre e lutador pela liberdade, este homem que viveu para a educação, que quis aprender sempre, este homem de uma imensa sabedoria e de uma imensa humanidade, este homem de um coração enorme e de uma bondade incomensurável, este moçambicano sem favor de ninguém, este herói que nos merece todos os preitos, que soube escrever, com os seus companheiros, uma página nobre na história deste país – Moçambique.

 

Devemos-lhe um tributo, todos os tributos. Devemos um tributo aos Padres de Burgos e a todos os que se interpuseram contra as perversidades, crueldades, injustiças, iniquidades do colonialismo e do seu sistema brutal, feroz e atroz.  A todos os que lutaram por este país. Miguel Buendia é um dos nossos melhores. É daqueles que souberam libertar-nos. Nós temos que saber reconhecer isso. Nós merecemos estar à altura da sua imensidão, da sua grandeza, da sua humanidade – da sua compassiva humanidade. A nossa história também tem o brio destas personagens.

 

Miguel Buendia Gomez nasceu a 1 de Abril de 1944 numa Espanha opressiva e ominosa que vivia mergulhada no nacional fascismo. Nasceu depois em Murraça, quando chegou a Moçambique, aos 26 anos. Nasceu quando foi expulso e levou consigo o relatório que denunciou o tenebroso massacre de Wiriamu a 20 de Fevereiro de 1973. Nasceu quando, na carta dos Padres de Burgos, foi contra o silêncio e a tibieza da Igreja em relação aos povos e abandonou o sacerdócio. Nasceu com a nossa independência. Nasceu depois nas aldeias comunais. Nasceu em Chimoio. Nasceu no ensino à distância. Nasceu quando pensou, reflectiu e escreveu sobre a experiência da educação. Nasceu com a Sara. Nasceu com o Mike. Nasceu no tremendo dia 26 de Outubro de 2003. Miguel Buendia nasce todos os dias com toda a sua imensa humanidade. Hoje, 1 de Abril de 2024, ele nasce aos 80 anos.

 

KaMpfumo, 1 de Abril de 2024

quinta-feira, 28 março 2024 07:03

No Paraíso das canções da eternidade

Há quem reclame quando se pinta de horror a postura dos moçambicanos lá fora. Quando seus defeitos são extrapolados e suas qualidades espezinhada. 

 

Mas há defeitos de incompetência e laxismo que vale a pena denunciar. 

 

Como esta dos cartões de pagamento. 

 

Você vai à África do Sul, seja por razões médicas ou simples compras, faz o booking do hotel, ou obras na viatura, e, quando chega o momento de pagar, a POS rejeita o cartão: declined. 

 

Ontem foi assim em toda a  África do Sul. Ainda pensei que a experiência fosse particular. 

 

Mas hoje na fronteira a partilha da zanga e da frustração era maior. Ontem o meu banco dizia-me que o cartão não tinha qualquer problema, vai tentando, experimenta uma ATM, mas, afinal, era todo um sistema financeiro sul africano rejeitando nossos cartões Visa. 

 

O vexame é terrível. Olham-nos com desdém, desconfiados, crápula de moçambicano, acha que me vai burlar? 

 

E se a obra é da viatura ao sábado, lixa-te: as 15 horas estão fechando, como no liquor shop. 

 

E somos empurrados para custos adicionais. Atrasos de agenda médica. 

 

Mas e depois: quem é o responsável por esse recorrente “bug”.

 

Ninguém aparece dando a cara, ninguém diz nada, e os sumptuosos administradores do Banco de Moçambique assobiando para o ar em seu novo-riquismo torpe. 

 

Pois é: este é um defeito que deve ser combatido por todos.  Este não deve passar sem menção, pelas piores razões. 

 

CO problema é que a incompetência está carcomendo as instituições públicas e privadas como uma metástase. Por amor de Deus! Quo vadis Moçambique?

sexta-feira, 08 março 2024 14:46

O Vinho e o Sangue de 4 de Março

Por: Jorge Ferrão[1]

 

O planalto de Mueda, Cristóvão Colombo e o Destacamento Feminino não se relacionam, nem têm nenhuma interconexão. Todavia, são locais e figuras místicas, quase incontornáveis, plenas de indagações, espaços e leitos por onde se estendem outros e tantos segredos.

 

Cristóvão Colombo, esse explorador cuja pátria tantas terras cobiçam, retornou à Lisboa abraçado pela caravela Niña a 4 de Março. Entre a bravura e heroicidade que o caracterizam, Colombo baptizava as suas embarcações com nomes femininos. Tal gesto não era mera fantasia, mas simbolizava o enigma de outros segredos, intenções ocultas, e tesouros insondáveis que, como efémeros raios de Março, almejavam ressurgir à humanidade. Afinal, ele acabara de desvendar os horizontes da América. A 4 de Março também se celebra o Dia do Destacamento Feminino.

 

Pelo planalto de Mueda, e na história do célebre “Primeiro Tiro”, encaixam-se vozes, simultaneamente, tão silenciosas e tão estridentes. Por aqueles montes e vales sobressai o belo e o aprazador, o medo e o aterrorizante. Os silêncios. Uma ressignificação do que deve ser visto e escutado entre as abruptas depressões e o cume de cada montanha por onde se observam as restantes aldeias e povoações.

 

Numa dessas aldeias nasceu Marina Mangedye que, como qualquer criança da sua idade, viveu a epopeia de uma libertação que faria mais tarde um país. Uma nação. Resgatar os relatos de Marina é abrir os alçapões de episódios não arquivados, mas que se entrelaçam a cada jornada, e a cada 4 de Março, quando o seu Destacamento foi, oficialmente, estabelecido.

 

Muito antes de 1967, Marina Mangedye e algumas amigas foram emboscadas por um grupo de soldados portugueses. Sem que tivesse ainda entendido o sentido de uma guerra, ela foi testemunha da primeira vítima da brutalidade de um exército que atacava, também, para se defender. A sua amiga, Nina, foi mortalmente alvejada. Um tiro para o centro da cabeça e o sangue que jorrou, eternamente, por detrás de um crime que nenhuma história consegue explicar.

 

Marina foi levada pelos soldados para o quartel mais próximo, sendo, depois, interrogada e submetida à tortura psicológica. O seu estado de choque a impedia de pensar e de balbuciar fosse o que fosse. Como forma de sacar uma confissão, os soldados portugueses colocaram vinho numa caneca de um azeite de oliveira, já muito usada, e forçaram-na a beber. Marina não só não bebeu como se manteve silenciosa. O vinho irrompia nos seus pensamentos. Era a lembrança do sangue da sua amiga. Ela não revelou qualquer segredo que conhecia.  Nem sequer os tinha, mas já pensava na liberdade e independência.

 

Anos mais tarde, ela juntou-se ao Destacamento Feminino e fez parte do grupo das primeiras 20 mulheres de Cabo Delgado que tiveram treino militar ainda no interior de Moçambique e, mais tarde, em Nachingwea. Este episódio faz-nos recordar da história “vinho e sangue”, que remonta de outros tempos onde a apreciação do vinho era, intimamente, ligada a rituais religiosos e culturais. A humanidade sempre recorreu ao vinho, e outras bebidas alcoólicas, para as celebrações e, por conseguinte, o vinho ganhou um estatuto especial e simbólico.

 

A associação entre o vinho e o sangue pode parecer um tanto enigmática, porque o catolicismo faz a representação do vinho com o sangue de Cristo, como o símbolo da vida, da comunhão e da renovação. Marina aprendeu a lição do vinho e sangue no mesmo momento e, jamais, como celebração de uma festividade, mas como o final de um percurso.

 

Assim, ela carregava consigo essa herança que, sem ser festiva, engendraria a semente da revolta e que serviria de catalisador de memórias negativas para o resto da sua vida. Essa vida ensinou-lhe que o brinde tanto pode ser da magia de degustar um bom vinho, como da nostalgia de perder alguém tão próximo que não provou o vinho, mas fertilizou a terra que o mundo descobriu como Moçambique e não Portugal Ultramarino.

 

Não existem dúvidas de que, em Moçambique, muitas das iniciativas anticoloniais foram, também, conduzidas por mulheres, particularmente, nas zonas rurais e nas cidades, através de actividades clandestinas que configuraram o próprio processo da independência, a partir do despertar da compreensão política da luta de libertação até à adesão ao movimento, sem nos esquecermos da mobilização da população e no auxílio alimentar aos combatentes.

 

Os 4 de Março que celebramos, algumas vezes de forma tímida e outras mais exuberantes, são uma homenagem a todo o movimento que antecedeu ao início da luta armada e que juntou estudantes do Núcleo dos Estudantes Secundários Africanos de Moçambique (NESAM), que mais tarde foram os quadros que estiveram na base do processo de unificação dos movimentos de libertação.

 

Mas este 4 de Março é, igualmente, a retoma da Liga Feminina de Moçambique (LIFEMO), cujo pressuposto assentava em apoiar as famílias dos combatentes e divulgar os princípios da Frente de Libertação. O Destacamento Feminino, já composto por guerrilheiras, tem que ser assumido como uma iniciativa das próprias mulheres diante da necessidade de defesa e mobilização das zonas libertadas no interior da província de Cabo Delgado. 

 

57 anos depois, muitas destas mulheres permanecem no nosso seio e Marina, do vinho e do sangue, continuava tão activa como era em 1965, quando ela própria e as suas amigas solicitaram treinamento militar. Elas ocuparam, por seu próprio mérito, um espaço reservado aos homens e provocaram a maior revolução que a história da luta precisa de retomar, pois, a coragem destas jovens delimitou o poder e o controlo que os combatentes exerciam sobre a função reprodutiva das mulheres e da produção alimentar.

 

Neste 57º aniversário, as combatentes se reencontraram e recordaram a frase que mais caracterizou a descrença e o descrédito dos combatentes homens: “aproximar o fogo ao capim”. Este foi o pensamento dominante também dos chefes de família, na altura, que sempre recearam que o envio das suas filhas para a luta de libertação equivaleria a ameaça à tutela paternal e que levantaria divergências internas insanáveis no seio revolucionário.

 

Tanto Eduardo Mondlane e Samora Machel, quanto Paulo Samuel Kankhomba e Filipe Samuel Magaia, foram uma referência importante na noção e no discurso sobre a emancipação feminina – esta mesma emancipação que esteve presente nos discursos socialistas, no envolvente momento multipartidário e até em épocas do liberalismo e do neoliberalismo.

 

Marina casou mais tarde com Raimundo Pachinuapa. Virou Marina Pachinuapa. Até hoje, ela não bebe vinho e continua ciente de que a emancipação consistirá em igualar homens e mulheres, e que nem os propósitos da libertação colocaram em risco o decorrer da própria luta.

 

Estas foram as concepções que atingiram o coração de cada moçambicano e que valorizam, hoje, a equidade e essa essência que criou a Organização da Mulher Moçambicana (OMM), da qual o tempo e o futuro farão, um dia, essa supra-organização que se sobrepõe aos interesses partidários e que terão como substracto a edificação de uma filosofia que cuidará das crianças, da erradicação dos casamentos prematuros, de uma modernização dos rituais de iniciação e, sobretudo, de uma modernização das estruturas patriarcais que perpetuam a violência doméstica e todos os males associados.

 

[1] Reitor da Universidade Pedagógica de Maputo.

“O continente africano e seus dirigentes devem saber tirar dividendos das suas revoluções. África travou a luta para a independência, mas parece que nada mudou para o povo e o Ocidente cada vez mais se beneficia dos recursos africanos, desta feita, via nossos dirigentes. A questão que se coloca é: porque fizeram a revolução? Foi para serem servidos na “cozinha” enquanto o povo mingua! Mais, o Ocidente está numa fase difícil no que diz respeito à matéria-prima para a sua indústria. África é detentora dessas matérias-primas, mas que valor acrescentado tiramos dessa realidade! Reiterem solidariedade ao Presidente do Zimbabwe, não sejam cobardes. Amanhã sois vós”.

 

AB

 

“Sanção jurídica deve ser compreendida, modernamente, como uma reacção ou retribuição prevista no ordenamento normativo, blindando-se esta contraprestação de uma feição premial (sanção premial), quando o agente adopta a conduta aprovada ou esperada, ou um carácter punitivo (sanção negativa), quando o acto praticado é indesejado ou dissonante. Diante dessa nova realidade, da mutabilidade e da abertura das regras jurídicas ao progresso e à mudança social, imperioso reformular-se o vetusto e arraigado pensamento jurídico, a fim de abrir-se espaço para a existência e aceitação doutrinária da sanção premial.

 

Tanto Pape quanto Porter (1978) definem as sanções económicas como um mecanismo que busca reduzir o bem-estar económico geral do país sancionado através da imposição de restrições à actividade económica e ao comércio internacional do país para forçar uma mudança de comportamento político do governo alvo. As sanções podem assumir diversas formas, como proibições de viagens, congelamento de bens, embargos de armas, restrições de capital, reduções de ajuda estrangeira e restrições comerciais.”

 

Pesquisa Internet

 

Realmente, as relações entre países são determinadas pelo interesse que um determinado País tem para com o outro e, no caso das relações entre África e Ocidente, regra geral, conta o interesse dos ocidentais, porque África só tem de cumprir, sob pena de sofrer sanções atrás de sanções, até vergar-se aos interesses ocidentais.

 

O exemplo de Sanções Económicas mais longas é da República de Cuba, que sofre o embargo económico dos Estados Unidos da América desde Janeiro de 1961, após a Revolução Cubana, liderada por Fidel Castro. Vale recordar que, antes do triunfo da Revolução, Cuba era Governada por um regime militar dirigido por Fulgêncio Baptista, que mantinha as relações com os Estados Unidos da América, desde 1898, quando Cuba se tornou independente da Espanha, com o apoio dos EUA.

 

Com o triunfo da Revolução Cubana, em 1959, os Estados Unidos da América perderam os benefícios económicos que detinham no regime de Fulgêncio Baptista e, com o tempo, o Governo de Fidel Castro decidiu seguir o caminho Socialista, o que irritou os EUA, que seguidamente, decidiram seguir o caminho Socialista, modelo Soviético. Veja o que aconteceu no parágrafo abaixo.

 

“Em janeiro de 1961, os Estados Unidos rompem relações diplomáticas com Cuba e, em Abril do mesmo ano, um ataque contrarrevolucionário que contava com apoio da CIA foi realizado contra o governo de Fidel na Invasão da Baía dos Porcos. As tropas de Fidel Castro conseguiram neutralizar o ataque, porém, Fidel Castro alinhou Cuba à União Soviética, declarando Cuba como uma nação socialista”.

 

Mas a minha reflexão de hoje é sobre o Zimbabwe que sofre sanções económicas e financeiras desde 2001, impostas pelo Governo norte-americano e pela União Europeia. As sanções incluem restrições no apoio financeiro, banimento de viagens de determinadas personalidades zimbabueanas, de trocas comerciais de bens e serviços de defesa, bem como a suspensão de todo o apoio governamental não humanitário.

 

Em jeito de solidariedade, na 39ª Cimeira Ordinária dos Chefes de Estado e de Governo da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), realizada nos dias 17 e 18 de Agosto de 2019, em Dar-es-Salaam, na República Unida da Tanzânia, os líderes desta organização regional manifestaram a sua solidariedade para com a República do Zimbabwe, devido às sanções económicas prolongadas a este impostas pelos Estados Unidos da América e pela União Europeia, tendo apelado ao seu levantamento imediato, de modo a permitir a recuperação socioeconómica do país. Esses apelos não surtiram efeito desejado, como é óbvio.

 

A República do Zimbabwe, bem como outros países da região, estão seguindo outras vias para contornar as cada vez mais exigentes condições Ocidentais. A República da China, Índia e Brasil são os caminhos a apontar, com a entrada dos BRIC,s. Então, as coisas tendem a tomar outro rumo economicamente e o ocidente não está alheio a essas movimentações. Apercebendo-se disso, conhecido o Zimbabwe como celeiro da região, do ponto de vista de produção agrícola, os EUA, através do Presidente Joe Biden, decidem levantar o embargo ao Zimbabwe, mas decretam sanções contra o seu Presidente e pessoas próximas, ou seja, dão com uma mão e tiram com a outra!

 

Será que os líderes dos Países da SADC tiveram tempo de reflectir sobre a medida americana, que permite a entrada dos Europeus e Americanos no Zimbabwe, para fazerem negócios, mas, em contrapartida, os dirigentes daquele País não se podem deslocar para esses Países! Que relações são estas!? Quem deve zelar pelos direitos humanos do Zimbabwe não são os Zimbabueanos!? Qual é o real papel dos Americanos e Europeus nisto.

 

Os Africanos, de um modo geral, devem levantar-se contra isto, mas as lideranças africanas devem, cada vez mais, estar atentas ao desenvolvimento das economias do mundo. Os Europeus já esgotaram as suas matérias-primas, precisam da África para continuarem a laborar. África deve tirar benefício disso e não continuar com o “síndroma” de colonizados, o que, no fim do dia, é o que acontece. Portam-se como verdadeiros “moleques” do Ocidente, ainda que vos tire o dinheiro e outros bens que guardam lá. Não aprendem, que pessoas sois vós!

 

Adelino Buque

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