“O Debate dentro da Frelimo sobre a separação das funções entre a figura do Chefe do Estado e do Presidente da Frelimo não deve ser visto como visando o actual candidato da Frelimo à Ponta Vermelha. Deve entender-se como forma de estruturação da sociedade para melhor servir os interesses do Povo, até porque esse debate remonta a 2010. Infelizmente, nessa altura, como disse o próprio Dr. Óscar Monteiro, não esteve “atento” e as coisas chegaram ao que estamos hoje. Vale recordar que antes tarde do que nunca, ou a Monocefalia terá produzido vítimas!”
AB
“1. Condição do que tem duas cabeças, do que é bicéfalo: DICEFALIA
"Bicefalia", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2024, https://dicionario.priberam.org/bicefalia.
“Eu penso que bicefalismo nem sempre é a melhor coisa do mundo. A unidade de direcção elimina as contradições de direcção. E assim sempre foi. Mas isso é melhor explicado por quem propõe (Filipe Chimoio Paúnde). Nós tivemos até há bem pouco tempo o camarada presidente Joaquim Chissano, que saiu da liderança do partido, e o camarada Armando Guebuza ficou presidente do partido e já era presidente da República. Posso crer que muitas vezes essa preocupação conta com muitas outras preocupações que não têm nada a ver com o camarada Guebuza”.
In Canal de Moçambique, Sérgio Vieira, 02/09/2012
“O Partido Frelimo tem estado a reboque dos Presidentes da República e dos acidentes da sua governação, em detrimento do seu papel insubstituível de defensor das causas nobres, da igualdade dos homens e mulheres e, sobretudo, de defensor dos mais pobres, das largas massas, para usar uma palavra abandonada senão proscrita. Sim, precisamos de empresariado nacional, de organizadores de processos produtivos, a industrialização é uma exigência que não está a ser levada suficientemente a sério. Eles devem ter a consideração social que corresponde ao seu papel patriótico e a remuneração justa da sua criatividade, imaginação e iniciativa. Mas os Partidos como o nosso, o Partido de Mondlane, Samora e Marcelino existem para reequilibrar a sociedade e defender os mais fracos”.
In o País, de 30 de Set. 2024
Caso para se dizer: mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. A questão trazida, em carta, pelo Jurista e Político Óscar Monteiro não é de hoje, vem a ser debatida desde 2010, por vários actores da sociedade, no entanto, muitos intelectuais dentro da Frelimo defenderam o princípio de “não Bicefalismo” e, segundo estes, não era a melhor forma de dirigir. Hoje, o Jurista Óscar Monteiro diz de forma taxativa que “não esteve atento”, que estranho!
Pessoalmente, já defendi este princípio, aquando, salvo erro, do X Congresso do Partido Frelimo. A reacção, na altura, foi muito boa e a reflexão foi publicada na Rubrica “Olho Aberto” do Correio da Manhã, jornal electrónico sob direcção de Refinaldo Chilengue. Mas porque as pessoas que tomam decisão viam-se numa situação de ter que aceitar uma ideia estruturante de grande impacto, vinda de outras pessoas, decidiram encontrar várias formas de dizer “NÃO” e a situação prevaleceu. Hoje, decorridos 14 anos depois de se levantar a questão, já é assunto para se debater.
Eu recordo-me que, na altura, defendia que a Frelimo tinha muitos jovens preparados para a Governação Moderna do Estado, mas que não eram detentores de capital político para dirigirem o Partido e, para que o partido não caísse numa situação de semiabandono e sem clareza nas suas funções, dever-se-ia ter um Presidente da República que fosse da época moderna e um Presidente do partido que tivesse um capital político para dirigir a Frelimo.
A questão nem se punha em termos de utilidade deste em relação ao partido ou outras questões que hoje se colocam. Se calhar, a velha guarda pensasse que não chegaria a vez de ser rendida, sendo que a experiência mostra que o partido Frelimo, de facto e de direito, está a reboque dos Presidentes. O que é pior, na minha opinião, é que todas as organizações sociais, à excepção da OJM, dependem da família Presidencial. Só hoje é que os grandes pensadores da Frelimo se apercebem disto? Se sim, é caso para dizer que andaram bastante distraídos e por muito tempo.
Por exemplo, a OMM - Organização da Mulher Moçambicana é, automaticamente e por inerência de casamento, dirigida pela esposa do Presidente da Frelimo. Isto faz sentido, nos dias que correm? Penso que não, não faz nenhum sentido, até porque, hoje em dia e no gozo das liberdades, nem sempre as mulheres alinham com o pensamento político do marido, contudo, se assumes o cargo de Presidente, a mulher se torna Presidente da OMM e vai dirigir mulheres que militam na organização há anos. Não será isto desmotivador?
Oportunidade do debate devido às eleições
Numa reflexão, com o título “Frelimo: Daniel Chapo mais próximo do povo”, voltei a este debate, não porque o candidato da Frelimo se chama Daniel Francisco Chapo, mas porque, na minha opinião, o Chefe do Estado estaria ocupado com os assuntos do Estado que jurou servir através da Constituição da República, enquanto o partido continuaria a prosseguir seus objectivos e focando-se na defesa e promoção do bem social e económico da população. No fim do dia, tanto as acções do Chefe do Estado como as do partido iriam concorrer e sem conflituar para o bem do cidadão moçambicano.
Hoje, o Chefe do Estado e o Presidente da Frelimo, por serem a mesma pessoa física, muita pouca importância se dá àquilo que é a preocupação da população. Mesmo em casos evidentes e de clamor por intervenção, nem o partido e nem o estado conseguem enxergar. Devo dizer que estas reflexões, pelo menos do meu lado, não visam o próximo Presidente da República, mas sim a regulação da nossa sociedade através duma Governação moderna e de separação de funções. Se calhar, Daniel Francisco Chapo pudesse ser diferente para melhor neste caso, mas quando se pretende organizar a sociedade, não se deve olhar para a cara de quem vai dirigir, mas no que é melhor para a sociedade.
A intervenção do Dr. Óscar Monteiro, por aquilo que é e foi, na estruturação do Estado Moçambicano, desde a sua existência, peca por ser tardia e sobretudo porque o tema em debate não é de hoje. Quando diz que “não estava atento” pode levantar outros debates desnecessários e suscetíveis de nos desviar do essencial. Entretanto, devo agradecer ao Dr. Óscar Monteiro pela reflexão, ainda que seja tardia. Provavelmente, tenha saboreado os efeitos maléficos de monocefalíssimos!
Adelino Buque
Na semana passada, mais um desses insípidos anúncios de uma adjudicação por ajuste directo veio escarrapachado no matutino incontornável, a pretexto de transparência. Tratou-se de mais uma “golpada” do conglomerado de José Parayanken, através das suas MHL Auto (concessionária da Mahindra) e FAUMIL (que detém o monopólio do fornecimento de uniformes às entidades castrenses de Moçambique).
As suas empresas gozam de um privilégio oferecido de bandeja pela UFSA. Mas seu beneficiário não é revelado nos documentos. A ligação de Parayanken com as referidas empresas é conhecida através de noticiário estrangeiro de plataformas ditas de informação classificada.
Durante muitos anos em Moçambique, beneficiários efectivos de negócios altamente lucrativos e centrados no Estado – muitos dos quais feitos a coberto da manipulação e do tráfico de influências – escondiam-se por detrás da opacidade das Sociedades Anônimas. Justamente, esse postulado legal foi revogado, agora no advento da transparência e do “follow the money”, que contempla anticorpos cada vez mais incisivos contra a lavagem de dinheiro (por favor, usem a noção de lavagem que não de branqueamento de capitais – esta última tem muito preconceito e não é assertiva.
O novo Código Comercial aprovado em 2022, e que já está em vigor desde 2023, manda que as sociedades devam ajustar os seus contratos de sociedade (Estatutos). Uma das grandes inovações deste código – em cumprimento das regras e standards da GAFI (Grupo de Acção Financeira Internacional), um órgão intergovernamental que estabelece padrões de gestão de riscos e prevenção de fraudes, bem como boas práticas no desenvolvimento de actividades relacionadas ao sector financeiro, prevenindo a lavagem de dinheiro e seu financiamento ao terrorismo – é a proibição da existência de acções ao portador. Ou seja, todas as acções das sociedades anÓnimas devem ser nominativas.
Isto significa que a falta de indicação de determinados beneficiários efectivos, nos documentos oficiais sobre contratação pública em Moçambique, como se depreende da lista da UFSA sobre os fornecedores do Estado em 2023, é uma grande afronta do nosso governo contra as regras da GAFI, depois de muito esforço feito para que possamos sair da lista cinzenta.
A questão final é: o que é que a MHL, empresa que se tornou com o nyusismo o principal fornecedor de automóveis ao Estado, incluindo veículos militares, tem a esconder? Quem a protege?
Um dos grandes desafios do futuro Governo no quadro do controlo da corrupção é justamente a remoção dos cartéis que manipulam o procurement público nos diversos sectores do Estado.
A MHL, por causa das suas ligações políticas, tornou-se no campeão do fornecimento de viaturas ao Estado, e essa dominação não decorre unicamente do “value for Money” dos seus produtos. Decorre, como disse, das suas ligações políticas e da sua capacidade de olear as máquinas corruptivas das UGEAs (Unidades de Gestão de Aquisições) sectoriais. Se a MHL domina no fornecimento de viaturas, a lista da UFSA confirma a percepção sobre uma certa cartelização do procurement público em Moçambique. Ou seja, cada sector do Estado tem o seu dono. No livro escolar, nos eleitorais, nos medicamentos e no equipamento hospitalar. Tudo tem um dono. Como reverter este cenário? Eis a questão final.
Adeus Rui de Carvalho!
PS: Morreu o jornalista Rui de Carvalho. Sua história é de alguém que, antes de ser jornalista, era uma fonte de informação. Depois foi arregimentado para uma redação. Pelas mãos do Carlos Cardoso. Creio que o Rui juntou-se à pequena equipa do mediaFAX em 1995. Eu tinha vindo de Inhambane em 1994 (onde fazia reportagem na RM) e na redacção já estavam o saudoso Orlando Muchanga e o Arnaldo Abílio (que cursou Direito e hoje exerce como Magistrado do Ministério Público). O Rui era uma fonte do CC no conturbado contexto da desmobilização depois do AGP em 1992. Ele fornecia informações sensíveis sobre os desmandos do exército, incluindo na gestão financeira, etc. Ele era um oficial do Exército, tendo chegado a patente de Capitão, com a qual foi desmobilizado. Depois das eleições de 1994, o interesse particular numa fonte como ele perdeu-se pois já não havia "assuntos''. Cardoso mandou-lhe então sentar-se na redação. E o Rui permaneceu durante dois anos. Em 1996, depois de uma “briga ética” com o editor, ele teve de sair. Mas nunca deixou o jornalismo, a par de uma militância frelimista discreta. Depois do mediaFAX, o Rui esteve ligado à fundação de algumas iniciativas editoriais, uma das quais é o semanário Público, onde a sua paixão pelo partido Frelimo ficou vastamente patente. Essa militância, valeu-lhe um lugar como Vereador no Conselho Municipal de Maputo, no acual elenco de Razaque Manhique.
Há uns meses, logo após ele tomar posse, eu disse-lhe: parabéns Rui, finalmente!
Ele retorquiu: “Finalmente o quê, Mosse! Eu estou doente”.
E falou-me penosamente da sua doença, com a voz amargurada, de um cancro da próstata que, segundo ele, foi diagnosticado tardiamente; ele não ligou aos sintomas, protelando os exames. Foram alguns amigos que notaram, num convívio, suas idas constantes ao urinol. E o alarme soou! Depois do diagnóstico, a solução era uma cirurgia, com consequente perda da virilidade. Rui imaginou a simbologia inerente a esse infortúnio e descartou tal cirurgia. Nos últimos dois anos, ele esteve sucessivamente entre a RAS, Portugal e Índia, mas seu tumor derrubou todas as radio e quimeoterapias. Ele desenvolvera uma metástase. E, nesta semana, chegou a notícia da sua morte, quase que esperada entre aqueles que acompanharam seu calvário.
Durante estes anos todos, desde 1995, mantive uma amizade afável com o Rui de Carvalho e, por isso, curvo-me aqui, na hora da sua morte! (MM)
Normalmente, nós os cidadãos somos representados por organizações não governamentais (ONG) nos assuntos que nos dizem respeito. Se a maioria destas ONG não fossem estruturadas, geridas e financiadas por governos estrangeiros, com objectivos claramente políticos, não haveria nada errado.
Os propósitos dos seus registos oficiais até são positivos, entretanto, o resultado produzido deixa muito a desejar. Para o caro leitor ter uma ideia, a maior parte dos países que patrocinam as ONG em Moçambique e em Africa no geral não permitem a abertura de ONG nos seus países e, quando o fazem, obrigam-nas a um escrutínio apertado, com licença de funcionamento limitado. Por exemplo, a directiva da União Europeia 2015/849 ou a Lei 35/98 sobre as ONG em Portugal, na Suécia, UK e USA não é diferente.
O cerne de fundo deste artigo são as verdadeiras Sociedades Civis que, historicamente, se organizaram desde 1914. Refiro-me às diferentes Associações como a dos engraxadores, enfermeiros, comerciantes, Grupos Religiosos e Culturais, como Centro Associativo Negrófilos, Associação Africana, Os Comorianos, Clubes, jornais, etc.
Estas e muitas outras Associações pelo País cumpriram o seu papel, na promoção dos sentimentos patrióticos das sociedades, que representavam respectivamente. Esta representatividade marcou as agendas sócio-políticas e económicas do nosso País, incluindo a Luta pela Independência. Uma grande maioria dos governantes, pós-independência, provinham ou eram descendentes desta Sociedade Civil. Provavelmente, a Sociedade Civil, sentindo-se representada, no Governo Nacionalista, baixou a guarda.
A evolução política nacional, como não podia deixar de ser, foi alienada nas guerras Geopolíticas, perdendo-se no objectivo último, que era o Desenvolvimento Nacional.
O fim do Samorismo, a queda da União Soviética, a Globalização do Liberalismo, mudaram radicalmente as características e objectivos dos nossos governantes e, consequentemente, dos nossos objectivos. Estas mudanças radicais, cuja missão clara era de empobrecimento dos nossos Países Africanos, com consequências graves na perda da qualidade de vida dos moçambicanos, apanhou em contrapé a verdadeira Sociedade Civil.
Adormecida ainda, foi aproveitada pelo novo fenómeno das ONG estrangeiras, pela utopia da democracia multipartidária e pelas falsas promessas de desenvolvimento do sistema liberal.
Passaram-se 35 anos desde que se iniciou o fim de um governo representativo social, para um modelo político-partidário.
Felizmente, não há nenhuma noite escura que não acabe na madrugada, com o nascer do sol.
É com agrado que vejo Patriotas, alguns Octogenários, outros muitos próximos, como Joaquim Chissano, Armando Guebuza, Joaquim Chipande, Luís B. Honwana, Óscar Monteiro, Hermenegildo Gamito, Marina Pachinwapa, Padre Couto, Fernando Fazenda, Lourenço do Rosário, Ivo Garrido, Castel Branco, Elísio Macamo, Fernando Lima, João Mosca, Yussuf Adamo, e outros com menos idade, como Eduardo Mondlane Jr., Mia Couto, Paulina Chiziane, Severino Ngwenha, Marcelo Mosse, Matias Guente, Daniel David, Edson Cortez, Ismael Mussa, Hélder Naiene, Yok Chan, Adelino Buque, Yassine Amuji, Paulino Macaringue, Felix Machado, Arnaldo Ribeiro, Arnaldo Tembe, Almeida Tomás, Jorge Ferrão, Narciso Matos, Gilberto Correia, Ericino de Salema e Tomás Vieira Mário, instituições como Rádio Moçambique, Savana, Teatros Gungu e Mutumbela Gogo, AEM, Conselho Islâmico, Conselho Cristão, Igreja Presbiteriana, UEM, OAM, bem como muitas outras inúmeras individualidades, instituições e organizações, que lamentavelmente não cabem neste artigo de opinião, boa parte dos quais reapareceram, tentando recolocar o “comboio Patriota nos carris”, bem hajam.
A importância da atitude destas individualidades, instituições e movimentos é de importância capital na defesa social, que um País pode ter. Cabe à Verdadeira Sociedade Civil iluminar os caminhos a serem trilhados pelos governantes, escrutiná-los, premiá-los ou puni-los, através da opinião pública e orientação do voto. Quem governa tem que sentir que foi eleito porque apresentou um compromisso programático, coerente, teve o benefício da dúvida, porém, será vigiado e cobrado ao longo da governação, a par e passo.
O Poder é inebriante, uma vez investido, temos a tendência de esquecer os fundamentos e, facilmente, abusamos dos seus limites, se não formos recordados permanentemente.
Um Sábio Milenar definiu o poder “como uma corda com duas pontas, de um lado está o governo e do outro a sociedade civil. Quando a sociedade civil puxa a corda, o governante deixa a corda fluir, quando a sociedade para de puxar, o governo puxa.”
A Verdadeira Sociedade Civil é pragmática, sábia, paciente, rica em conhecimento e insubstituível. Juntos podemos levar Moçambique a bom porto, em benefícios de todos.
O desenvolvimento de uma Nação é como o crescimento do músculo, se não causar dor, não está a crescer. Ninguém consegue governar, para desenvolver em benefício dos cidadãos, se não tiver a Verdadeira Sociedade Civil como aliada.
A democracia ocidental torna-se desadequada no contexto de empobrecimento, em que Moçambique se encontra, pelo simples facto de que devemos ser criteriosos, com a Despesa Pública, intransigentes na defesa do Património do Estado e cegos no cumprimento da Lei.
Governar para o desenvolvimento de um País subdesenvolvido ou empobrecido é como educar uma criança - impregnação de princípios e valores através do exemplo, com os olhos postos no futuro.
Diz o velho ditado “mais vale levar uma bofetada em casa com amor, do que uma bofetada lá fora por castigo”.
Vamos trabalhar juntos, para produzir, porque…
A Luta continua!
Amade Camal
Na semana passada, a Ministra da Educação e Desenvolvimento Humano, Carmelita Namashulua, veio ao pública denunciar os pais que “ensinam a corrupção aos alunos”, não investindo na sua preparação ao longo do ano, mas oferecendo dinheiro aos filhos para estes subornarem os professores em troca da sua passagem de classe. Com essa acusação, ela fez seu resumo pleno da corrupção no sector da educação em Moçambique; para ela, o fenômeno grassa apenas lá nos níveis mais baixos da estratificação social.
E face ao cenário, a Procuradoria-Geral da República e o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano assinaram, na terça-feira, um memorando de entendimento que visa reforçar a educação comunitária e dos alunos sobre a prevenção contra o recrutamento dos jovens para as fileiras da criminalidade, com enfoque na corrupção.
“Estes programas irão capacitar, igualmente, os professores, oferecendo ferramentas eficazes para identificar sinais de risco e prevenir a criminalidade, com enfoque para a corrupção, branqueamento de capitais, extremismo violento, tráfico e consumo de drogas”, referiu, por sua vez, a PGR Beatriz Buchili.
Nada mais falacioso! A mobilização das classes profissionais do sector público para a mudança de comportamento, no caso da cobrança de subornos, depende de haver incentivos estruturais que estimulem a sua adesão à reforma. E para isso, remuneração condigna é um dos incentivos. Em Moçambique, os professores vivem no quadro da incerteza salarial. Pior, uma semana antes desta falaciosa abordagem, o Ministro da Economia e Finanças, Adriano Maleiane, reconhecia que o Governo deve aos professores mais de 3,3 mil milhões de Meticais, relativos ao pagamento de horas extras aos professores.
Como se vê, as condições no terreno são mais propícias à manutenção das práticas nocivas. Os pais dos alunos subornam os professores porque estes, num quadro de miséria, estão predispostos a receber, com todo o despudor ético.
Um sistema corrupto desde o topo da administração do Estado (e do Governo), permitiu que se chegasse a um cenário onde as trocas corruptivas acontecem de forma tácita na infra-estrutura da sociedade. Ninguém tem vergonha. Nas camadas inferiores da sociedade a facilidade com que a corrupção é praticada é reflexo da impunidade a que está votada a grande corrupção. “Se o governante rouba e come sozinho porque é eu não vou roubar?”. Esta é, pois, a mentalidade vigente.
De modo que é errado esperar que a pequena corrupção seja revertida isoladamente, sem um combate cerrado à grande corrupção. Infelizmente, em Moçambique ninguém está interessado em controlar a grande corrupção. "O mindset" dominante na classe dirigente finge que a grande corrupção não existe, mas a manipulação do procurement público tornou-se no principal mecanismo de acumulação de renda por parte das elites governantes.
No sector da Educação, a problemática do livro escolar decorre de uma guerra entre facções rivais para o controlo de adjudicações de vários milhões de USD. E disto, da grande corrupção na Educação, a Ministra nao fala!
Pior foi o consulado cessante, de Filipe Nyusi, que simplesmente, imbuído na sua profunda ignorância, tentou vender a ideia de que não há qualquer distinção entre pequena e grande corrupção, focando qualquer discurso de anticorrupção na pequena corrupção. De resto, esta abordagem era consistente com o descalabro estatístico do Gabinete Central de Combate à Corrupção, que em cerca de 20 anos esteve focado na pequena corrupção, com um track record desastroso quanto à grande corrupção.
Agora, com a certeza de novo Governo, Moçambique precisa de sair da redoma do negacionismo nyusista e enfrentar o problema da grande corrupção. Isso passa por Daniel Chapo ir para lá da "digitalização". no seu discurso anti-corrupção.
A redução da "interface" humana entre os utentes do sector publico e a burocracia da administração apenas reduz a pequena corrupção. Mas, na sua essência, passa ao lado da grande corrupção, que é mais corrosiva e vai adiando o país.
“Totela” é um termo muito interessante lá de Inhassunge, de onde eu venho. A fama das feiticeiras de Inhassunge é de cobertura mundial e usam muito “Totela”.
A “Totela” mais famosa é, possivelmente, a mais pragmática, quando não há pretexto para te matarem. Um dia uma feiticeira está a andar a sua frente e, do nada, deixa cair a capulana. Aqui a “Totela” é: “Filho de Manuel viu-me nua e não avançou, então tem de morrer”. Dias depois você morre mesmo.
Contam os mais velhos à volta da fogueira, com convicção de Arquimedes. Por enquanto, deixemos Inhassunge com as suas maravilhosas histórias.
A “Totela” ou o pretexto mais famoso para mim e não se desenganem, não são as armas de destruição maciça que George W. Bush invocou para invadir Iraque, foi o início da Primeira Guerra Mundial.
No dia 28 de Junho de 1914 morria, vítima de assassinato em Sarajevo, o Arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro presumptivo do trono do Império Austro-húngaro. Aquilo que pareceu um simples assassinato encetado por um marginal, o terrorista Gravrillo Princip, foi desenvolver em algo que mudou completamente a humanidade quando, dois meses depois, o Império Austro-húngaro declara Guerra à Servia e já estavam lançados os dados para a Primeira Guerra Mundial como a conhecemos.
É muito fácil fazer uma retórica ecoar, principalmente quando se tem os meios, muitas vezes sem os motivos, e a ladainha actual do branqueamento de capitais é o exemplo concreto.
A corrupção, de que o falecido Presidente Samora Machel muito falou e atacou bem, voltou a ser falada nos anos 90. Procuradores-Gerais da República vão, anualmente, ao Parlamento falar dela, mas até hoje nenhum corrupto é trazido à tona, salvo alguns gatos pingados que só lembram o clássico filme Casablanca, com Humphrey Bogart.
Depois vieram os raptos e, quase que semanalmente, um moçambicano é raptado desde 2013, milhões de dólares pagos em resgates, famílias destruídas, negócios perdidos, mas até hoje as autoridades nunca trouxeram um desfecho de um caso de sequestro e com mandantes, exceptuando encenações que ganhariam Óscares em Hollywood.
Agora a palavra de ordem chama-se “Branqueamento de Capitais”. Todo o mundo em Moçambique é especialista em anti-branqueamento, se não for, tem um amigo ou familiar que é especialista.
Do portal do Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo retiramos a seguinte definição: “O branqueamento de capitais é o processo pelo qual os autores de actividades criminosas encobrem a proveniência dos bens e rendimentos (vantagens) obtidos ilicitamente, transformando a liquidez decorrente dessas actividades em capitais reutilizáveis legalmente, por dissimulação da origem ou do verdadeiro proprietário dos fundos.”
O processo passa por três fases a elencar:
1- Colocação: Os bens e rendimentos são colocados nos circuitos financeiros e não financeiros, através, por exemplo, de depósitos em instituições financeiras ou de investimentos em actividades lucrativas e em bens de elevado valor.
2- Circulação: Os bens e rendimentos são objecto de múltiplas e repetidas operações (por exemplo, transferências de fundos), com o propósito de os distanciar da sua origem criminosa, eliminando qualquer vestígio sobre a sua proveniência e propriedade.
3- Integração: Os bens e rendimentos, já reciclados, são reintroduzidos nos circuitos económicos legítimos, mediante a sua utilização, por exemplo, na aquisição de bens e serviços.
E, finalmente, via os três processos, o dinheiro é devolvido ao Sistema económico.
Quando na década 90 abraçámos a economia de mercado floriram muitos ricos em Moçambique, mesmo que essa riqueza viesse da venda de “chuingas”. A nossa burguesia não tinha problemas em mostrar grandes máquinas e grandes mansões, mesmo vendendo apenas capulana!
Se, por um lado, o Sistema era permissível, por outro, alguém ganhava para fazer vista grossa, pois o Compliance é algo que todo e qualquer banco, via KYC (Conhecer o Teu Cliente), faz. Uma das missões de um banco central, mais do que estabilizar a moeda, é também controlar a circulação da moeda e este exercício não é de ontem.
Quando a política Branqueamento de Capitais é uma medida macroeconómica é onde podemos tirar ilações de que, ao longo dos últimos 50 anos, simplesmente estávamos a fingir controlar a economia. Foi assim quando começou a Guerra em Cabo Delgado, tanto é que mesmo ao M-Pesa chegaram. Portanto, os financiadores da Guerra de Cabo Delgado usam M-pesa. E isto é decidido por gente adulta, que usa fatos escuros e ganha salário do Estado.
Não acordamos para um Moçambique mais transparente e nem é nossa agenda. O certo é que esta aparente iluminação é por conta da inclusão, em Outubro de 2022, na lista cinzenta da FATF, o que para um país como o nosso tem implicações ainda mais intensas, pois dependemos sobremaneira do acesso aos mercados financeiros internacionais.
Uma das maiores lavandarias é o próprio processo das dívidas ocultas que só foram despoletadas no estrangeiro e por estrangeiros. Os gangues vêm usando este país para, entre outros, praticarem produção e distribuição de drogas, extorsão outras práticas abomináveis e ilegais, mas como se não estivesse lá ninguém a zelar por este país.
Mas então de onde vem esta euforia toda por volta de recuperação de activos, congelamentos de contas bancárias com direito a directo na TVM? Alguém descobriu mais uma maneira de fazer dinheiro e estranhamente são os Procuradores.
Sim, exactamente aqueles que eram suposto serem o garante da legalidade são os que estão a facturar e a prática é simples: Alguém tem na conta da sua empresa 100 milhões de meticais, dinheiro que ao longo do tempo foi sendo amealhado, vendas mensalmente declaradas às alfândegas, IVA pago, mas agora com a moda de Branqueamento de Capitais a conta é congelada e o dono da empresa com um mandado de captura numa quinta-feira.
Naquela mesma quinta-feira à noite localiza-se o Procurador do processo, negoceia-se com ele e este pede 14 milhões em luvas e o pagamento de 700,000 Meticais ao Estado de caução, para não entrar nas celas na sexta-feira, pois “se bobear”, vai passar o fim-de-semana nas celas e só sai a segunda-feira.
Quem policia a polícia? Ninguém. Todo o mundo está com medo de continuar a fazer negócios em Moçambique, pois a extorsão foi institucionalizada.
Há branqueamento de capitas? Sim. Tem gente rica ilicitamente? Também sim, estranhamente esses não são tocados. Seria muito bom, se o Sistema quisesse mesmo atacar a riqueza ilícita, ir ao fundo com o assunto e pegar alguns passados e actuais membros do governo para explicarem tamanha riqueza. É que é gente que nunca vimos a gerir uma barraca.
O combate ao branqueamento de capitais é uma luta que todos os Estados que se queiram sérios deveriam encetar e o meu apoio em Moçambique é efusivo, o que sou contra é a extorsão legalizada. Não custa nada a quem de direito dar a cada suspeito 90 dias para em função do que faz, os seus rendimentos, o imposto pago nos últimos anos demonstre por A+B como comprou Mercedes G63!
Resumindo, é “Totela”. Os Procuradores encontraram um meio de ficarem ricos também. Não vejo Moçambique a sair da lista cinzenta este ano, rezo para estar completamente errado, mas o que se vê é uma jogada de marketing.
Felizmente, o bebé bonito que foi difícil nascer quer fazer as coisas de outra maneira e, por mim, passaria também por prender esta gente que suja o Estado.
Em Moçambique, ainda é possível.