A solidariedade para com as gentes de Zambézia afectadas pela virulência do ciclone FREDDY acontece a dois níveis. Como sempre os movimentos de solidariedade nascem das raízes humanas, das pequenas elites tomando iniciativa na ausência do Estado, comum em Moçambique.
Na Beira do IDAI foram pequenos grupos de convivas de café no Chamuari que puseram mãos à obra. A solidariedade no IDAI foi um marco indelével: o país mexeu-se e da capital zarpou um navio cheio de mantimentos, chegando a tempo de serem distribuídos enquanto era necessário.
O que está a acontecer com a Zambézia neste campo da solidariedade civil!?
Eis o que apurei:
Há dois grupos no terreno, cujos membros e coordenação confluem na rede social Whatsapp. O "Zambézia no Coração" é malta de origem espalhada pelo país, seus amigos conectados nessa rede, através da qual fundos são angariados e ajuda em espécie, de não perecíveis, idem.
A conta bancária para a recepção de dinheiro é de Edna Namitete, escolhida a dedo por causa de sua alegada idoneidade. O conceituado jurista Abdul Carimo Issa, o Buda, é uma das faces mais visíveis deste grupo, que já tem estado a transferir dinheiro para Quelimane. O movimento está a coletar bens em Maputo mas o dilema será mesmo como transportar para a Zambézia.
Para além da "Zambézia no Coração" existe o grupo "Todos pela Zambézia", baseado em Quelimane. Este grupo está a distribuir comida a quem não tem o que comer. São milhares não só em Quelimane e arredores mas também em Mocuba e na isolada Maganja da Costa. O que as pessoas precisam é de comida.
Reporta-se que o IGND está a distribuir bens alimentares não confeccionados mas o que as pessoas precisam é de comida, frise-se. De acordo com o INGD na Zambézia, 211.784 encontram-se deslocadas. Cerca de 50 mil pessoas foram recolhidas para em 49 centros de acomodação, onde estão a receber ajuda.
O paradoxo é esse mesmo: o grupo "Todos pela Zambézia" serve comida quente e o INGD oferece produtos não confeccionados a pessoas que não têm utensílios para transformar esses bens em comida.
O transporte de eventuais ajudas colectadas em Maputo vai ser um problema. Mas a grande dúvida é se a solidariedade maputense vai ser espontânea e robusta como foi com o IDAI. Na altura, março de 2019, o Porto do Maputo abriu dois armazéns que receberam víveres e roupas, que foram enviadas para a Beira através do “Border”, um “combo vessel”, que também tem capacidade para 400 contentores.
Os efeitos do Freddy na Zambézia ainda não despoletaram semelhante onda. Dúvida-se que isso venha acontecer, a nao ser que a mobilização reforce sua comunicação.. Há poucas semanas, as cheias no sul de Maputo mobilizaram a solidariedade local, com suas pontes de afectos.
Mas os afectos pela Zambézia ainda nao surgiram como uma onda rasgando a indiferença. O facto é que as pessoas estão cansadas. Sobretudo quando não vêm da parte do Estado uma resposta firme.
O Porto do Maputo está de plantão à espera...Mas para além dos grupos zambezianos, pouco se vê. Em Maputo, parece que as pessoas estão concentradas no pós-morte do artista com suas azagaias empunhadas.
O dilema de transportar o grupo Zambézia no Coração é real. Uma companhia de telefonia terá oferecido 10 toneladas de produtos diversos. Como se trata de emergência, essa oferta devia já estar a caminho da Zambézia, e o ideal seria por via aérea. Há quem sugeriu que a LAM pudesse fazê-lo de noite, com seus aviões comerciais. Mas para isso é preciso que a decisão política saia dos gabinetes. (Marcelo Mosse)