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segunda-feira, 02 dezembro 2024 13:05

Suspensão arbitrária dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos no contexto das manifestações pós-eleitorais

Escrito por

JoaoNhampossanovaa220322

A intervenção da Polícia da República de Moçambique (PRM) e das Forças de Defesa e Segurança (FDS), baseada na violência e brutalidade policial para repelir e impedir o exercício do direito à manifestação, não se mostra criteriosa nem pacifista, nos termos da lei, contrariando o desiderato constitucional da garantia da ordem e segurança pública e do respeito pelos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos que deve ser apanágio tanto das FDS como da PRM.

 

Neste período de conflito pós-eleitoral, a PRM e as FDS, com certa aceitação das instituições da justiça e outros órgãos de soberania e de gestão e controlo da Polícia, tendem a normalizar actos de execuções sumárias, detenções arbitrárias, agressão física, baleamentos, tortura e outros maus tratos que consubstanciam violação dos direitos humanos, com alegação da defesa da soberania, da reposição da ordem e tranquilidade públicas e da repressão à manifestação violenta ou tumultos.

 

Ora, não obstante os apelos desde o dia 21 de Outubro de 2024, esta semana, as FDS e a PRM brindaram a sociedade com mais um show inédito severamente suis generis de barbaridade e violência contra os direitos humanos até com recurso a atropelamento intencional por viatura BTR, à alta velocidade, contra cidadãos indefesos. Mais assustador e preocupante ainda, é que, por via de um problemático e inconsequente comunicado de imprensa, as Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) praticamente assumiram a conduta violenta e brutal como seu modus operandi e sua marca de actuação nas situações de manifestações ou similares, senão vejamos:

 

  • Não obstante a notável e inequívoca intenção de atropelar e atentar contra a vida e a integridade física de vários cidadãos que se encontravam a manifestar no meio da estrada na Avenida Eduardo Mondlane, na Cidade de Maputo, no dia 27 de Novembro corrente, que só escaparam inesperadamente por sorte e, quiçá, por motivos de força divina, as FADM, grosseiramente e sem qualquer pudor, tentaram falsear a verdade dizendo ao público em geral que se tratou de um atropelamento acidental, numa tentativa de minimizar a prática de uma conduta criminalmente dolosa, com claros sinais de preparação para a sua materialização e com o agravante de se tratar de entidade com obrigação legal de proteger o povo.
  • O comunicado de imprensa em questão dá maior relevância à protecção de objectos económicos essenciais em detrimento da vida e dignidade humana, tanto é que as FADM, na sua missão de limpeza e desbloqueio das vias de circulação, no âmbito das manifestações pós-eleitorais, naquela data de 27 de Novembro, limparam, por atropelamento, vidas humanas sem piedade como se de lixo se tratasse, causando ferimentos graves a uma jovem cidadã, ora hospitalizada, e medo generalizado, particularmente nos que fugiram.
  • O comunicado procura dar a entender que as FADM prestaram socorro à vítima do atropelamento por BTR, ao não esclarecerem em que circunstâncias a mesma beneficiou de pronto socorro para o hospital e ao não assumirem que o BTR não parou para prestar socorro à vítima, num acto de fuga e total desprezo à vida humana.
  • As FADM não assumem a violência brutal praticada, procurando, ingloriamente, culpar os cidadãos por não observância meticulosa das medidas de segurança relativamente ao respeito pelo Código de Estrada e a prioridade das viaturas militares, devidamente sinalizadas, em trânsito nas vias públicas.
  • No seu comunicado, as FADM revelam estar, teoricamente, comprometidas com os direitos humanos e padrões mais elementares do Direito Humanitário, mas sem qualquer correspondência prática, uma vez que a violência e a brutalidade neste período de manifestações pós-eleitorais têm sido recorrentes e sistemáticas, desde o simples uso de BTR, militares e armas de guerra para gerir manifestações e aplicação de força desproporcional contra cidadãos indefesos.

 

Estranha e curiosamente, desde o dia 21 que o Governo e as instituições de justiça, com destaque para a PGR, não tomam medidas concretas para a protecção dos direitos humanos no contexto das manifestações populares e para a responsabilização das FDS e PRM, senão pautarem por uma conduta que alimenta a violência e brutalidade policial contra os cidadãos e impunidade dos violadores.

 

Outrossim, para além da violência policial, nota-se nas manifestações populares outro tipo de suspensão ou limitação arbitrária dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos perpetrados por civis manifestantes, os alegados vândalos, que até cobram taxa de circulação aos automobilistas, uma espécie de taxa de portagens desordenada e ilegal, para além da violação de escolha, de liberdade política, perante olhar impávido das autoridades policiais que também são submetidas à mesma desordem sob ameaças de vida e violação de integridade física.

 

É o estabelecimento do poder do povo baseado na anarquia com base na lei da selva, de sobrevivência do mais forte e que revela, mais do que ausência de governo, ausência do poder estadual. O Estado está carente de força equilibrada para a ordem pública e protecção dos direitos humanos. O Estado está à margem das suas funções e finalidades.

 

A Constituição da República de Moçambique (CRM) fundada no Estado de Direito Democrático e de justiça social, baseado no respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, conforme determinam os artigos 1 e 3 da Constituição da República, estabelece regras próprias de garantias e limitações dos direitos humanos.

 

Nos termos do n.º 2 do artigo 56 da CRM, “o exercício dos direitos e liberdades pode ser limitado em razão da salvaguarda de outros direitos ou interesses protegidos pela Constituição.” São exemplos disso, a salvaguarda da ordem e tranquilidade públicas, em caso de tumultos ou manifestações populares violentas. Mais do que isso, é que “a lei só pode limitar os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição.” É o que dispõe o n.º 3 do artigo 56 da CRM.

 

Em casos de declaração do estado de sítio ou de emergência, o que não é o caso da situação actual de conflito pós-eleitoral, é lícito e constitucional limitar ou suspender determinados direitos humanos, como a liberdade de reunião e manifestação, mas nunca limitar ou suspender os direitos à vida e à integridade pessoal, conforme se depreende da interpretação conjugada dos artigos 290, 294 e 295, todos da CRM. 

 

Portanto, do acima demonstrado, claro está que, do ponto de vista prático, o Ministério da Defesa, o Ministério do Interior e o Comando-Geral da PRM suspenderam, arbitrariamente, os direitos, as liberdades e as garantias fundamentais dos cidadãos, com destaque para o direito à vida, à integridade pessoal e à liberdade de manifestação, perante inércia das instituições de justiça, do Comandante-Chefe das Forças de Defesa e Segurança e do Garante da CRM. O povo tomou o poder sem critérios aceitáveis de gestão do mesmo.

 

*Human Rights Lawyer/Advogado e Defensor dos Direitos Humanos e

Jurisconsulto em Litigância de Interesse Público

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