O candidato presidencial Venâncio Mondlane, que não reconhece os resultados anunciados das eleições gerais de 09 de outubro em Moçambique, anunciou ontem que as manifestações de protesto são para manter até que seja reposta a verdade eleitoral.
“Se não houver reposição da verdade eleitoral, estas manifestações não vão parar. Vamos ocupar a cidade de Maputo até se devolver a vontade do povo. Caso contrário, a cidade de Maputo vai ficar ocupada de uma forma indefinida. Sem prazo. Até à devolução dos resultados eleitorais. É isso que queremos”, afirmou.
Mondlane, que fez o anúncio numa ‘live’ na rede social Facebook, acusou a Polícia de estar a saquear estabelecimentos comerciais e, no bairro de Maxaquene, de ter matado duas pessoas. “O povo está disponível para tomar o poder e vai tomar o poder. A hora já chegou e o povo já tomou o poder”, frisou, referindo-se aos populares que estão nas ruas da capital moçambicana.
Dirigindo-se às forças de segurança e aos militares, Mondlane instou-os a colocarem-se ao lado do povo. “Temos muitos militares que estão neste momento a ter uma ação exemplar, de patriotas. Não temos nenhum registo de um militar que tenha disparado contra o povo. Alguns polícias, nalgumas ruas, estão a colaborar com o povo. Continuem assim e passem a mensagem para outros polícias”, sublinhou.
O anúncio pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) de Moçambique, em 24 de outubro, dos resultados das eleições de 09 de outubro, em que atribuiu a vitória a Daniel Chapo, apoiado pela Frelimo na eleição a Presidente da República, com 70,67% dos votos, espoletou protestos populares, convocados pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane.
Segundo a CNE, Mondlane ficou em segundo lugar, com 20,32%, mas este afirmou não reconhecer os resultados, que ainda têm de ser validados e proclamados pelo Conselho Constitucional.
Após protestos nas ruas que paralisaram o país, Mondlane convocou novamente a população para uma paralisação geral de sete dias, desde 31 de outubro, com protestos nacionais e uma manifestação concentrada em Maputo convocada para esta quinta-feira.
Ontem cumpriu-se o oitavo dia de paralisação e manifestações em todo o país, com a generalidade a levar à intervenção da polícia, que dispersa com tiros e gás lacrimogéneo, enquanto os manifestantes cortam avenidas, atiram pedras e incendeiam equipamentos públicos e privados.
Sem dizer onde se encontra, Venâncio Mondlane disse que não está a participar nas marchas porque o povo lhe pediu. “Não estou aí nas marchas porque o povo pediu. O povo ordenou: ‘Venâncio não sai de onde você está’. Estou a cumprir o que o povo me está a obrigar a fazer”, justificou. (Lusa)
Vários bairros da Autarquia da Matola amanheceram ontem relativamente calmos, enquanto na cidade de Maputo reinava um ambiente de violência sem precedentes, caracterizado por uma guerra sem quartel entre a Polícia e os manifestantes, que protestavam contra a mega-fraude eleitoral e a má-governação.
Tumultos, fumaça, tiroteios, vandalismo, saques e atropelamentos foi o cenário vivido ontem em Maputo. Vídeos amadores mostram a Polícia da República de Moçambique também envolvida no saque e pilhagem de estabelecimentos comerciais em plena luz do dia.
Durante as primeiras horas desta quinta-feira, o movimento de viaturas era quase inexistente em diversos pontos da cidade e havia também pouca movimentação de pessoas caminhando a pé, vindas de diferentes partes da Matola, devido à falta de transporte público.
No bairro da Matola Gare, no município da Matola, para além de incêndios, vários contentores foram saqueados em diversos pontos. Os transportadores e os motoristas que circulavam pela Estrada Circular de Maputo, concretamente entre a rotunda da Nova Coca-Cola e a rotunda de Matlemele, também no município da Matola, para além da portagem da REVIMO, também eram obrigados a pagar nas duas portagens improvisadas pelos manifestantes.
Na “portagem” instalada na ponte da Matola-Gare, os manifestantes cobravam entre 50 e 200 Meticais, um valor que era exigido também na “portagem” instalada poucos metros depois da Portagem da REVIMO em direcção ao Zimpeto. Quem se recusasse a pagar o valor, via os vidros do seu carro quebrados por pedras que eram arremessadas pelos supostos manifestantes.
Nos bairros de Tsalala e Machava, por exemplo, todos os estabelecimentos estavam fechados, incluindo instituições de ensino e bombas de combustível. Nessas áreas, era possível ver um grupo de jovens tentando organizar algumas marchas de forma pacífica, mas em todos os cantos era visível o movimento da Polícia e diversos carros blindados.
Já no início da tarde, um grupo de jovens vindos de diferentes bairros da Matola começou a criar alguma agitação, alegando querer chegar à cidade de Maputo para se juntar à “grande marcha”. Entretanto, enquanto tentavam entrar na cidade, eram atingidos com gás lacrimogéneo lançado pelos agentes da Unidade de Intervenção Rápida (UIR), posicionados juntos à Portagem de Maputo.
Entretanto, mesmo com um forte contingente militar circulando ao longo da Estrada Nacional Número 4, no fim da tarde, o cenário mudou quando um grupo de manifestantes decidiu invadir várias lojas localizadas no supermercado Malhampswene. Naquele ponto, várias lojas ficaram sem vidros e os manifestantes roubaram quase tudo, sob olhar impávido de alguns proprietários, com destaque para caixas de bebidas alcoólicas, electrodomésticos, vestuários, entre outros produtos. (Carta)
O partido Frelimo, que controla a máquina do Estado desde a independência do país, em 1975, chamou, na noite desta quarta-feira, de “distraídos” e “gananciosos”, os cidadãos que se encontram nas ruas a contestar os resultados eleitorais e a precariedade das condições de segurança, que tornaram Moçambique em uma das maiores praças de raptos do mundo.
Falando na noite desta quarta-feira, no final da 36ª Sessão Ordinária da Comissão Política do partido no poder, Alcinda De Abreu voltou a recorrer à velha narrativa oficial de que os manifestantes estão sendo usados por forças estrangeiras, que têm intenção de explorar os recursos naturais, ignorando, desta forma, as evidências da fraude eleitoral, assim como a miséria e penúria a que a maioria dos moçambicanos estão sujeitos.
“Moçambique é um país rico no seu subsolo, tem recursos que alguns países cobiçam e, como tal, recrutam moçambicanos distraídos, gananciosos para provocarem instabilidade para, no final, eles tirarem proveito daquilo que a natureza nos destinou a nós, como moçambicanos”, afirmou Alcinda De Abreu, membro da Comissão Política da Frelimo.
Para a antiga Ministra dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, os moçambicanos devem pensar nas razões que levam Moçambique, desde a independência, a mergulhar em guerras sempre que tenta se levantar. É que, na análise da Comissão Política da Frelimo, o partido no poder faz parte dos movimentos de libertação nacional africanos que hoje estão a ser retirados do poder “porque há países que nunca aceitaram a nossa independência nacional, queriam que continuássemos sobre a dominação estrangeira”.
Sem nunca fazer a radiografia da governação da Frelimo e nem analisar os impactos da corrupção, da partidarização do Aparelho do Estado, das cíclicas fraudes eleitorais e das gritantes desigualdades sociais entre os ricos (na sua maioria membros do partido no poder, incluindo seus filhos e descendentes) e os pobres, Alcinda De Abreu defendeu que os apelos à manifestação popular visam unicamente tirar Filipe Jacinto Nyusi e a Frelimo do poder.
“Assistimos a apelos de violência, de insubordinação, insurreição geral e, por último, de tentativa de golpe de Estado. Quando se incita as pessoas a ocupar o Palácio da Ponta Vermelha [inferência à marcha sobre a Cidade de Maputo], isto é tentativa de assalto ao poder, um poder que foi instituído democraticamente, legalmente legitimado”, considera.
Num discurso de pouco mais de 20 minutos, marcado por suspiros e apelos ao patriotismo, Alcinda De Abreu começou por deixar bem clara a convicção da Comissão Política da Frelimo sobre as eleições. “A Frelimo ganhou as eleições do dia 09 de Outubro. O candidato da Frelimo, Daniel Francisco Chapo, ganhou as eleições presidenciais do dia 09 de Outubro deste ano. Os eleitores foram às urnas, expressaram a sua vontade ao escolher a Frelimo e o seu candidato para dirigirem o país nos próximos cinco anos”, afirmou De Abreu logo na sua introdução.
“Há vozes que se opõem à nossa vitória e eu pergunto: porquê? Quem não acompanhou o trabalho árduo dos membros e dirigentes da Frelimo em todo país, dentro e fora de Moçambique, durante os 43 dias da campanha eleitoral? (…) Quem não viu o nosso candidato a trabalhar em todas províncias, em vários distritos e no exterior, falando, dialogando, registando as ideias, propostas e contribuições de várias camadas de jovens, mulheres e homens dos vários sectores e vectores da nossa sociedade, num movimento que o próprio povo denominou ‘Chapo Chapo’?”, questionou.
“A vitória da Frelimo e do camarada Daniel Chapo é resultado do voto de mais de quatro milhões de membros da Frelimo. Para além de membros, nós também temos simpatizantes, que simpatizam com os ideais da Frelimo que são de independência total e completa da Moçambique”, disse De Abreu, sugerindo que nenhum membro da Frelimo ficou doente ou faltou às urnas no dia da votação.
Lembre-se que Daniel Chapo venceu as eleições presidenciais com 4.9 milhões de votos, de acordo com os dados da Comissão Nacional de Eleições, o equivalente a 70,67% do total de votantes. (Carta)
“Se o escalar da violência continuar, não se coloca outra alternativa, senão mudarmos a posição das forças no terreno e colocarmos as Forças Armadas a proteger aquilo que são os fins do Estado”. Estas são as palavras proferidas pelo Ministro da Defesa Nacional, na terça-feira, em conferência de imprensa, na qual o objectivo era de anunciar a prontidão das FDS (Forças de Defesa e Segurança) para rechaçar as manifestações pacíficas.
No entanto, não foi necessário haver alteração da ordem para que o Governo colocasse em prática o plano anunciado por Cristóvão Artur Chume. Esta manhã, militares do ramo do Exército das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) estão espalhados pelas principais ruas, avenidas e praças da capital do país, munidos de armas de fogo (tipo AK47) e com coletes à prova de bala, num autêntico cenário de guerra.
A Portagem de Maputo, as praças da OMM, do Destacamento Feminino e Robert Mugabe são alguns dos locais tomados pelos militares, num cenário que só recorda o combate ao terrorismo, na província de Cabo Delgado.
Na convicção de Cristóvão Chume, “nos últimos dias assistimos ao recrudescimento de actos preparatórios com intenção firme e credível de alterar o poder democraticamente instituído e o funcionamento normal das instituições do Estado e privadas”.
“Não há quem ataca as Forças de Defesa e Segurança só por um simples prazer. Não há quem prepara uma marcha para Ponta Vermelha para dar mergulho na piscina por um puro prazer. Temos situações semelhantes no mundo que estão a ser copiadas para implementar no nosso país. Não devemos nos enganar”, defendeu Chume, garantindo que as FDS estão prontas para defender o poder.
Refira-se que está marcada para hoje, oitavo e último dia das manifestações, na sua terceira fase, convocadas pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane, a marcha sobre a capital do país. “Vamos poluir a Cidade de Maputo com banhos de multidão até devolverem a vontade do povo”, defendeu, ontem, o candidato suportado pelo PODEMOS.
Imagens partilhadas esta manhã pela TV SUCESSO ilustram a PRM (Polícia da República de Moçambique) a posicionar BTR e agentes da força antimotim (Unidade de Intervenção Rápida) ao longo da Estrada Nacional Nº 4, no bairro Luís Cabral, um dos principais pontos de tumultos. Aliás, logo nas primeiras horas, a Polícia lançou gás de lacrimogénio sobre algumas residências daquele bairro, tendo deixando inconsciente uma cidadão, facto que exacerbou os ânimos naquele bairro da Cidade de Maputo. (Carta)
Um grupo de académicos e activistas sociais moçambicanos propõe a realização de uma reflexão, em forma de Conferência Nacional, para “(re)fazermos Moçambique como um País seguro para a cidadania”, de modo a renovar-se o compromisso com “o ideal fundador da nossa nação”. A ideia está expressa em um “Manifesto Cidadão”, subscrito por 11 moçambicanos de diversas áreas do saber, divulgado esta quarta-feira.
O documento é subscrito pelos cidadãos Carlos Nuno Castel-Branco (economista), Carlos Serra (ambientalista), Constantino Pedro Marrengula (economista), Egna Sidumo (cientista política), Elísio Macamo (sociólogo), José Jaime Macuane (cientista político), Gabriel Muthisse (economista), Kátia Taela (antropóloga), Severino Ngoenha (filósofo), Tomás Timbane (jurista) e Tomás Vieira Mário (jornalista).
Segundo os subscritores do “Manifesto Cidadão”, fazer de Moçambique um país seguro para a cidadania significa reflectir seriamente sobre o nosso sistema político para que ele encoraje, facilite e proteja o exercício da cidadania.
Para eles, as circunstâncias em que as eleições foram realizadas, por exemplo, “mostraram que ainda temos um longo caminho a percorrer para a realização plena do projecto de independência”, pelo que urge “juntos discutirmos como ultrapassar esta crise pós-eleitoral no espírito de ‘Fazer de Moçambique um País seguro para a Cidadania’”.
O “Manifesto Cidadão” apresenta nove pontos para reflexão nacional, nomeadamente, a separação de poderes; os poderes presidenciais; a justiça eleitoral; a participação e inclusão política; a reconciliação nacional; a descentralização e autonomia regional e local; as liberdades de expressão e de informação; os padrões e estruturas de desenvolvimento económico e social, e políticas macroeconómicas; e o papel do Estado.
“Como Grupo de Reflexão, convergimos na identificação destes pontos. Consideramo-los como sendo os que uma comunidade política responsável precisa de abordar para realizar o seu potencial e lograr os seus objectivos”, defendem.
Os subscritores entendem que a soberania do Estado moçambicano está profundamente ameaçada, por um lado, por uma insurgência armada em Cabo Delgado e, por outro, pelas precárias condições de vida e pela desigualdade de classe e de gênero em todo território nacional.
“As desigualdades de oportunidades de acesso a bens e serviços e de distribuição do rendimento, o desemprego juvenil, a precariedade e a crescente ‘informalização’ do trabalho, os índices de criminalidade nos principais centros urbanos, a extrema vulnerabilidade aos desastres naturais, a contínua dependência de apoio económico externo são alguns dos factores que condicionam o exercício da soberania”, enumeram.
A estes problemas, afirmam, se adiciona o facto de a nossa economia e as perspectivas de desenvolvimento social estarem cada vez mais dependentes de investimento directo estrangeiro em grandes projectos extractivos e primários que atraiam grandes empresas internacionais, “o que constrange o desenvolvimento mais diversificado, articulado e inclusivo do país e das suas potencialidades humanas e socioeconómicas, tornando o país mais vulnerável às crises internacionais”.
O documento, de três páginas, termina dizendo que: “se para despertarmos da longa noite colonial tivemos que gritar ‘Independência ou Morte, Venceremos!’, hoje, para honrarmos essa determinação, devemos exaltar a promoção do princípio da cidadania como garante do valor da nossa dignidade como nação soberana e independente”. (Carta)
O Conselho Constitucional decidiu, esta quarta-feira, remeter os recursos submetidos pela Renamo, PODEMOS (Povo Optimista para o Desenvolvimento de Moçambique) e PAHUMO (Partido Humanitário de Moçambique) ao processo de validação dos resultados eleitorais da votação do dia 09 de Outubro último.
Em Acórdão nº 22/CC/2024, de 06 de Novembro, os juízes do Conselho Constitucional dizem que a matéria objecto de litigância judicial apresentada pelos recorrentes integra-se no processo de validação da eleição, pois, “não existe uma possibilidade real de ser apreciada sem o Conselho Constitucional se pronunciar sobre a validade ou não do processo eleitoral”.
“A validação é um processo autónomo, onde o Conselho Constitucional tem a oportunidade de exercer todos os poderes de cognição, podendo conhecer a matéria relativa ao contencioso eleitoral trazida pelas partes, matéria relevante para validação que dela tenha tomado conhecimento por outros meios aceites em direito ou legalmente, desde que tenham relevância para a tomada de uma decisão conscienciosa, salvaguardando a transparência, legalidade e justiças eleitorais”, justifica o órgão.
Em causa estão recursos sobre a Deliberação n.º 105/CNE/2024, de 24 de Outubro, que aprova a centralização nacional e apuramento geral dos resultados das VII Eleições Presidenciais, Legislativas e IV das Assembleias Provinciais, aprovada por nove, dos 17 vogais da Comissão Nacional de Eleições.
O PODEMOS, que reclama vitória nas eleições de 09 de Outubro, faz seis pedidos, entre eles, a repetição do apuramento geral dos resultados que, nas suas palavras, não respeitou o preceituado no n.º 1 do artigo 119 da Lei n.º 15/2024, de 23 de Agosto e n.º 1 do artigo 142 da Lei n.º 14/2024, também de 23 de Agosto, que estabelecem que o Apuramento Geral dos Resultados Eleitorais é realizado com base nas actas e editais referentes ao apuramento distrital e de cidade, assim como nos dados da centralização recebidos das Comissões Provinciais de Eleições.
“A CNE fez o apuramento sem as actas e editais originais, mas sim limitando-se a projectar, em sistema PowerPoint, dados que disse ter recebido das Comissões Provinciais de Eleições, uma manifesta ilegalidade”, revela o PODEMOS, um facto que, na verdade, se repete a cada processo eleitoral e que tem motivado reclamações por parte dos partidos da oposição.
Por sua vez, a Renamo, até hoje maior partido da oposição, pede a recontagem dos votos, a requalificação dos votos nulos e brancos e a reverificação dos mandatos da Assembleia da República e das Assembleias Provinciais.
Já o PAHUMO pede a reverificação dos mandatos distribuídos pela CNE, pois, na sua análise, teve mais do que cinco assentos atribuídos pelos órgãos eleitorais na Assembleia Provincial de Cabo Delgado. (Carta)