“Totela” é um termo muito interessante lá de Inhassunge, de onde eu venho. A fama das feiticeiras de Inhassunge é de cobertura mundial e usam muito “Totela”.
A “Totela” mais famosa é, possivelmente, a mais pragmática, quando não há pretexto para te matarem. Um dia uma feiticeira está a andar a sua frente e, do nada, deixa cair a capulana. Aqui a “Totela” é: “Filho de Manuel viu-me nua e não avançou, então tem de morrer”. Dias depois você morre mesmo.
Contam os mais velhos à volta da fogueira, com convicção de Arquimedes. Por enquanto, deixemos Inhassunge com as suas maravilhosas histórias.
A “Totela” ou o pretexto mais famoso para mim e não se desenganem, não são as armas de destruição maciça que George W. Bush invocou para invadir Iraque, foi o início da Primeira Guerra Mundial.
No dia 28 de Junho de 1914 morria, vítima de assassinato em Sarajevo, o Arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro presumptivo do trono do Império Austro-húngaro. Aquilo que pareceu um simples assassinato encetado por um marginal, o terrorista Gravrillo Princip, foi desenvolver em algo que mudou completamente a humanidade quando, dois meses depois, o Império Austro-húngaro declara Guerra à Servia e já estavam lançados os dados para a Primeira Guerra Mundial como a conhecemos.
É muito fácil fazer uma retórica ecoar, principalmente quando se tem os meios, muitas vezes sem os motivos, e a ladainha actual do branqueamento de capitais é o exemplo concreto.
A corrupção, de que o falecido Presidente Samora Machel muito falou e atacou bem, voltou a ser falada nos anos 90. Procuradores-Gerais da República vão, anualmente, ao Parlamento falar dela, mas até hoje nenhum corrupto é trazido à tona, salvo alguns gatos pingados que só lembram o clássico filme Casablanca, com Humphrey Bogart.
Depois vieram os raptos e, quase que semanalmente, um moçambicano é raptado desde 2013, milhões de dólares pagos em resgates, famílias destruídas, negócios perdidos, mas até hoje as autoridades nunca trouxeram um desfecho de um caso de sequestro e com mandantes, exceptuando encenações que ganhariam Óscares em Hollywood.
Agora a palavra de ordem chama-se “Branqueamento de Capitais”. Todo o mundo em Moçambique é especialista em anti-branqueamento, se não for, tem um amigo ou familiar que é especialista.
Do portal do Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo retiramos a seguinte definição: “O branqueamento de capitais é o processo pelo qual os autores de actividades criminosas encobrem a proveniência dos bens e rendimentos (vantagens) obtidos ilicitamente, transformando a liquidez decorrente dessas actividades em capitais reutilizáveis legalmente, por dissimulação da origem ou do verdadeiro proprietário dos fundos.”
O processo passa por três fases a elencar:
1- Colocação: Os bens e rendimentos são colocados nos circuitos financeiros e não financeiros, através, por exemplo, de depósitos em instituições financeiras ou de investimentos em actividades lucrativas e em bens de elevado valor.
2- Circulação: Os bens e rendimentos são objecto de múltiplas e repetidas operações (por exemplo, transferências de fundos), com o propósito de os distanciar da sua origem criminosa, eliminando qualquer vestígio sobre a sua proveniência e propriedade.
3- Integração: Os bens e rendimentos, já reciclados, são reintroduzidos nos circuitos económicos legítimos, mediante a sua utilização, por exemplo, na aquisição de bens e serviços.
E, finalmente, via os três processos, o dinheiro é devolvido ao Sistema económico.
Quando na década 90 abraçámos a economia de mercado floriram muitos ricos em Moçambique, mesmo que essa riqueza viesse da venda de “chuingas”. A nossa burguesia não tinha problemas em mostrar grandes máquinas e grandes mansões, mesmo vendendo apenas capulana!
Se, por um lado, o Sistema era permissível, por outro, alguém ganhava para fazer vista grossa, pois o Compliance é algo que todo e qualquer banco, via KYC (Conhecer o Teu Cliente), faz. Uma das missões de um banco central, mais do que estabilizar a moeda, é também controlar a circulação da moeda e este exercício não é de ontem.
Quando a política Branqueamento de Capitais é uma medida macroeconómica é onde podemos tirar ilações de que, ao longo dos últimos 50 anos, simplesmente estávamos a fingir controlar a economia. Foi assim quando começou a Guerra em Cabo Delgado, tanto é que mesmo ao M-Pesa chegaram. Portanto, os financiadores da Guerra de Cabo Delgado usam M-pesa. E isto é decidido por gente adulta, que usa fatos escuros e ganha salário do Estado.
Não acordamos para um Moçambique mais transparente e nem é nossa agenda. O certo é que esta aparente iluminação é por conta da inclusão, em Outubro de 2022, na lista cinzenta da FATF, o que para um país como o nosso tem implicações ainda mais intensas, pois dependemos sobremaneira do acesso aos mercados financeiros internacionais.
Uma das maiores lavandarias é o próprio processo das dívidas ocultas que só foram despoletadas no estrangeiro e por estrangeiros. Os gangues vêm usando este país para, entre outros, praticarem produção e distribuição de drogas, extorsão outras práticas abomináveis e ilegais, mas como se não estivesse lá ninguém a zelar por este país.
Mas então de onde vem esta euforia toda por volta de recuperação de activos, congelamentos de contas bancárias com direito a directo na TVM? Alguém descobriu mais uma maneira de fazer dinheiro e estranhamente são os Procuradores.
Sim, exactamente aqueles que eram suposto serem o garante da legalidade são os que estão a facturar e a prática é simples: Alguém tem na conta da sua empresa 100 milhões de meticais, dinheiro que ao longo do tempo foi sendo amealhado, vendas mensalmente declaradas às alfândegas, IVA pago, mas agora com a moda de Branqueamento de Capitais a conta é congelada e o dono da empresa com um mandado de captura numa quinta-feira.
Naquela mesma quinta-feira à noite localiza-se o Procurador do processo, negoceia-se com ele e este pede 14 milhões em luvas e o pagamento de 700,000 Meticais ao Estado de caução, para não entrar nas celas na sexta-feira, pois “se bobear”, vai passar o fim-de-semana nas celas e só sai a segunda-feira.
Quem policia a polícia? Ninguém. Todo o mundo está com medo de continuar a fazer negócios em Moçambique, pois a extorsão foi institucionalizada.
Há branqueamento de capitas? Sim. Tem gente rica ilicitamente? Também sim, estranhamente esses não são tocados. Seria muito bom, se o Sistema quisesse mesmo atacar a riqueza ilícita, ir ao fundo com o assunto e pegar alguns passados e actuais membros do governo para explicarem tamanha riqueza. É que é gente que nunca vimos a gerir uma barraca.
O combate ao branqueamento de capitais é uma luta que todos os Estados que se queiram sérios deveriam encetar e o meu apoio em Moçambique é efusivo, o que sou contra é a extorsão legalizada. Não custa nada a quem de direito dar a cada suspeito 90 dias para em função do que faz, os seus rendimentos, o imposto pago nos últimos anos demonstre por A+B como comprou Mercedes G63!
Resumindo, é “Totela”. Os Procuradores encontraram um meio de ficarem ricos também. Não vejo Moçambique a sair da lista cinzenta este ano, rezo para estar completamente errado, mas o que se vê é uma jogada de marketing.
Felizmente, o bebé bonito que foi difícil nascer quer fazer as coisas de outra maneira e, por mim, passaria também por prender esta gente que suja o Estado.
Em Moçambique, ainda é possível.