Durante a campanha pelo perdão da dívida de países pobres altamente endividados, que incluía Moçambique, era comum considerar que os países nórdicos eram os credores benevolentes e de que os maus da fita eram os credores tradicionais ocidentais.
Os primeiros porque emprestavam/doavam e não violentavam e os segundos porque violentavam, atendendo os condicionalismos para a recepcção do apoio que, até certo ponto, beliscavam a soberania dos devedores.
Esta ideia foi desconstruída numa palestra organizada por uma coligação nacional da sociedade civil criada para os esforços do perdão. O palestrante socorreu-se do facto dos países nórdicos também condicionarem a ajuda a um acordo com as instituições de Bretton Woods (FMI e Banco Mundial) - as que capitaneiam, segundo a crítica feita, o capitalismo pelo mundo – para inferir de que eles eram tão iguais ou piores quanto os credores tradicionais ocidentais. Foi o degelo.
Em reacção, Irâe Lundin, saudosa académica, professora universitária e activista social, agradeceu os ensinamentos, mas, no entanto, referiu que preferia continuar a acreditar na ilusão de que os nórdicos eram os benevolentes, pois, concluindo o pensamento dela, também nos assistia uma espécie de “Direito à Ilusão”.
Este direito veio-me à memória em pleno jantar de São Valentim quando perguntado se alguma vez, na vida, já derretera o coração de alguém. “Sim” foi a resposta, acrescentando que fora durante uma viagem à Europa.
No destino, enquanto o avião rolava para o estacionamento, fui dobrando com mestria, ginga e pinta a manta do avião, tendo, em seguida, colocando-a elegantemente na bolsa da poltrona. Nesse instante oiço um arrebatador “Wonderful!” (Maravilhoso) que me corta a profundeza da espinha. Era a voz, por coincidência, de uma bela nórdica e ocasional companheira de viagem.
Desde então - passam mais de 15 anos - tenho relatado este episódio a amigos como o apogeu da arte na esfera da conquista, tanto é que derretera o coração da bela nórdica. Um gostinho posto em causa, mal acabara de contar, com a acusação de que o “Wonderful” fora, na verdade, por eu não ter furtado a manta do avião. Que maldade!
À luz do (meu) “Direito à Ilusão,” ainda que o “Wonderful” fosse por uma outra razão, prefiro continuar a pensar que a bela nórdica se apaixonara por mim. Gosto e soa bem!
Decorrente do exposto, e para terminar, dei-me conta de que possa ser por isso, o “Direito à Ilusão”, que se justifica que ainda haja quem acredite nas promessas de nossos governantes, suas políticas públicas e, até, de que haja mesmo Governo.
A actual onda de críticas ao Presidente da República (PR), traduzidas em “memes” nas redes sociais, lembra-me os ingleses. Estes em algum momento da minha vida, sobretudo na adolescência, enquanto ferrenho adepto de futebol, fizeram-me muita confusão.
A confusão: na verdade eu não percebia como um “Gentleman”- assim conhecidos os ingleses - poderia ser tão violento e malcriado nos estádios de futebol. Estou a falar dos “Hooligans”, o cognome dos adeptos ingleses de futebol.
A minha confusão foi atenuada por um vizinho – o Google da zona desse tempo – que me explicou, na altura, que os ingleses aproveitavam das partidas de futebol para descarregarem a sua fúria contra os chefes dos respectivos postos de trabalho. Assim, os árbitros - os principais alvos da fúria – representavam a figura do chefão carrancudo, chato e mandão do “Job”.
Temo que por cá – o moçambicano também é um “Gentleman” - esteja a passar o mesmo em relação ao PR. No caso, e porque os campos de futebol andam às moscas – para a graça dos nossos árbitros – o PR tem sido, talvez por gostar tanto de futebol, o escape escolhido para a descarga da fúria dos “Ximocos” (problemas) de cada um com o seu respectivo chefe.
Ademais, a onda de críticas – algumas a roçarem a uma total perda de decor – vem ampliando o seu caudal, quiçá, por força de outros assuntos que apoquentam a sociedade, destacando os de efeito devastador na deterioração da “tolerância ao absurdo” e na qualidade de vida dos moçambicanos, em particular do pacato cidadão.
Que saídas para a situação? Mudar de emprego? Trocar de chefe? Melhorar o futebol? Não sei, mas de algum lado devemos começar. Por enquanto, registe: tudo leva a crer que o que se assiste nas redes sociais seja uma forma de protesto social contra o modus operandi e o rumo da governação, incluindo a do teu chefe.
No passado dia 14 de Fevereiro, o dia dos namorados, provavelmente o leitor tenha acompanhado, protagonizado ou sido alvo de declarações e ou de gestos de amor. Umas mais lindas, outras nem tanto, e outras ainda inusitadas. Gosto das últimas.
“Pérola, a casa da Matola é tua!” faz parte do leque das inusitadas declarações e gestos de amor, pese que não tenha sido por ocasião do São Valentim, mas também um momento que homenageia o amor. Porventura, a maior e mais espontânea declaração ou gesto de amor por mim presenciado (não confundir com presenteado).
Eu estava com amigos num concerto musical. Em palco, a cantora angolana Pérola cantava e encantava. Não tardou que as emoções, femininas e também masculinas, fossem ao rubro. O auge foi durante a canção “Amor”. Não tenho como descrever o êxtase e o delírio total cuja magnitude roçara a requintes de histeria colectiva, tendo resvalado – tais eram os sinais – num orgasmo múltiplo colectivo.
No auge do clímax, a Pérola confessa que “…Graças ao amor/Hoje sinto o que nunca senti/E isso meu bem eu devo a ti/Eu devo a ti/ Por tudo o que eu vivo/Meu amor...”, e da multidão, sitiada de néctar, e enquanto estendia os braços capitulados, irrompe uma voz minha conhecida, que aos prantos e a plenos pulmões, repetidamente, gritava: “Pérola, a casa da Matola é tua!”
Não sei se a destinatária terá ouvido, mas a até então (pretensa) co-proprietária, vira-se para mim e diz: “Acabo de perder a casa da Matola”. Fora confirmar o facto, pois presenciara, fiz o que estava à mão: dei-lhe o conforto do meu abraço.
Tempos depois, em pleno voo de uma viagem à Angola, cruzo-me com a “Dona da casa da Matola”. Ganhei coragem e aproximei-me. Deu para perceber que o presente justificava. Nos abraços de despedida disse-lhe que tinha um amigo que talvez fosse o maior fã dela. Trocamos os números para eventual e devido seguimento.
Por pouco contava-lhe de que era a legítima proprietária de uma casa na Matola. Não fi-lo, pois, estou certo, que no acto da oferta não estavam reunidas as condições jurídicas para um acto consciente e responsável.
Seguramente, mesmo que para a Pérola “…Não existe lei nem uma explicação...”, se a jurisprudência pender para o não reconhecimento de amorosas promessas ou o da efectividade de presentes entregues em circunstâncias de fraqueza ou de delírio emocional, será caso para perguntar: Quo vadis, São Valentim?
14 de Fevereiro. Dia de São Valentim. Ainda cedo, o dia iniciava igual aos outros. À saída, uma excepcção: “Reforce o perfume”. Cumpri à risca. Não era para menos. O calor que se faz sentir, combinado com a crise (do excesso) de água, justificava a advertência.
Embora soubesse a razão implícita no conselho, o risco de perder ou atrasar a agenda árdua do dia levou-me ao silêncio. De toda maneira, a data e os seus propósitos justificavam que se saísse um pouco mais perfumado.
Marcado o ponto em algumas obrigações matinais, chego a Baixa da cidade. Uma extensa onda vermelha - passe a publicidade partidária - cobria toda a Baixa, lembrando os momentos em que ela fica coberta de uma outra onda, a da água da chuva que, amiúde, por estes dias, tem caído aos cântaros na cidade e província de Maputo.
Por instantes interroguei-me sobre a proveniência de tantas flores se as áreas de cultivo estavam inundadas. Decerto, um cenário que levaria o meu saudoso “amigo” Gaby a reescrever “ O amor em tempos de cólera” para “O amor em tempos de inundações”.
Na Terminal do Chapa, um outro amigo, que a propósito do frenesim das rosas vermelhas na Baixa da cidade e o da água cinzenta das inundações em Boane, segredou-me de que a figura do resgate era o denominador comum das operações em curso, mormente o de populações sitiadas na Bacia do Ùmbeluzi e o de amores sitiados na Baía de Maputo.
Uma vez no destino, e porque ainda restava-me algum tempo para o compromisso, optei por entrar no mercado local. Fui apreciando o que este oferecia, até que uma doce e valentina voz sussurra: “ Estou aqui, amor!”
Era a voz de uma vendedeira de frutas e hortícolas, que diante da concorrência de seus pares, ajustara, valentinamente, o tradicional “Patrão, aqui!” para o inovador e sensual “Estou aqui, amor!”. Não tive outro jeito: comprei tudo e deixei com ela a rosa que levava para o resgate do dia.
Em tempos uma amiga, na verdade mãe de um amigo, contou-me que no início de uma aula, na altura em que estudava numa universidade portuguesa, o professor anuncia que o foco seria a África. E ela como africana ficara animada e curiosa. Debalde. Segundos depois, o professor dita o seguinte sumário: “Como manter os países africanos cada vez mais pobres”.
Pensei neste professor para uma outra aula, desta com foco na política moçambicana, sobretudo no actual debate nacional sobre o III mandato. A proposta de sumário seria: “Como parar (o debate sobre) o terceiro mandato?”
Está manhã, levei o assunto ao crivo dos meus pares do café. Adrenalina total. Depois de tanto paleio ficou acordado que o tema é pertinente e a perspectiva inovadora. O ponto de partida ficou assente que seria a análise do histórico do debate sobre o III mandato em tempos de democracia no país. E o ponto de chegada? A conclusão se se avança ou não para um III mandato.
Reza a História que constitucionalmente o presidente Joaquim Chissano estava elegível para um terceiro mandato. Nesse tempo (anos 90 do séc. XX) a constituição estipulava que o presidente eleito podia ser reeleito duas vezes sucessivas. Pelo que se consta a vontade de Chissano em não concorrer não foi genuína, o que soa ao famoso “Nós é que temos que querer para você (não) se querer”.
Constitucionalmente o presidente Armando Guebuza não estava elegível para um terceiro mandato. Pelos vistos, tendo havido a intenção pelo III mandato, tal não fora bem-sucedida, particularmente no processo de revisão constitucional, ora (supostamente) urdido para acomodar a intenção. Isto aconteceu não por forças exógenas ao Partido, mas sim por forças endógenas.
Idem para o actual presidente Filipe Nyusi, que também não está constitucionalmente elegível para um III mandato. Amiúde esta intenção é posta à mesa. Uma vez que a História ainda corre/é presente, a questão que se coloca é a de saber como tal será acomodada? Por via de uma outra revisão constitucional? Ou, conforme alguns analistas, tomar-se-á o contexto de guerra como móbil para uma continuidade automática. Certamente que caberá aos camaradas decidirem.
Feita esta breve resenha histórica, foi consenso dos pares do café de que até se podia avançar para o III mandato desde que, e seria justo, o Chissano fosse o primeiro. Este (ou seu mandatário), que até estava na legalidade em 1999, concorreria em 2024. Guebuza (ou seu mandatário) concorreria em 2029. E Nyusi (não houve consenso quanto a ser indicado um seu mandatário) concorreria em 2034.
Este raciocínio vai ao encontro do (invisível) roteiro geográfico do Poder. Se nas próximas eleições a vez é a da Região Centro governar o país, que o terceiro mandato também observe o mesmo roteiro histórico de precedência. Ou seja, concluindo: uma vez observado o dito roteiro, a Região Centro que espere as eleições de 2039 para governar o país.
Voltando a aula sobre “Como manter os países africanos cada vez mais pobres”: fiquei a saber que a mesma terá sido a última da mãe do meu amigo, pois ela optara por deixar a Universidade que frequentava. Foi a atitude de quem se sentia prejudicado.
A fechar, e quanto a conclusão da aula sobre “Como parar (o debate sobre) o terceiro mandato?”: qual seria a atitude de quem se possa sentir prejudicado? Será que a mesma da mãe do meu amigo?
Consta que em 1980, o ora falecido presidente da Guiné-Bissau, Nino Viera, decidiu tomar o poder (e fê-lo) logo depois de uma visita de Ahmed Sékou Touré, então, e também falecido, presidente da Guiné-Conacry. Na altura da visita, o presidente da Guiné-Bissau era Luís Cabral, irmão de Amílcar Cabral, e o Nino Vieira um alto chefe militar e Comissário Principal, o equivalente a Primeiro-ministro.
Em certo momento da visita, presumo que durante uma parada militar, Ahmed Sékou Touré pergunta a Nino se era cego ou simplesmente não queria ver. Lembro-me deste episódio sempre que acompanho uma notícia sobre ou conexa à “Geração 8 de Março”, a que fora sacrificada (sonhos individuais) logo depois da independência, em prol de sonhos da Nação moçambicana.
Este ano já contabilizo duas lembranças. A primeira por ocasião da realização de uma Assembleia da associação “Geração 8 de Março”, e a segunda, mais recente, com o pronunciamento de raspanete da Graça Machel durante um encontro com os ex-estudantes e professores moçambicanos em Cuba (também parte da “Geração 8 de Março”).
Na primeira lembrança, entusiasmado, rogara que Ahmed Sékou Touré ressuscitasse e participasse na Assembleia. E nesta, em plenário, que ele fizesse aos “oitomarcistas” a mesma interpelação feita ao Nino Vieira. Infelizmente as minhas preces não foram atendidas e até teria sido uma óptima oportunidade para que eu alterasse uma ideia exposta no artigo “8 de Março”: uma geração que deixou o PODER passar” (https://cartamz.com/index.php/component/search/?searchword=geracao%208%20de%20Mar%C3%A7o%20nando%20menete&ordering=newest&searchphrase=all&limit=20 )
Da segunda lembrança, a conclusão de que mesmo que Ahmed Sékou Touré se fizesse presente não lhe teriam dado ouvidos. Temo até que nem o teriam deixado entrar tal, suponho, a tamanha cegueira. Aliás, terá sido por aqui (cegueira) a razão do pronunciamento da Graça Machel no dito encontro, realizado por ocasião da partida do primeiro grupo de estudantes em 1977.
Segundo as palavras do jornalista Moisés Mabunda, num artigo a propósito deste encontro, Graça Machel discordara veementemente do entendimento da "geração cubana”, por arrasto a de “8 de Março”, quanto ao que falta ser feito.
Para esta geração, e por estar na dobra para a terceira idade, apenas restava transmitir o seu legado (marcadamente constituído por valores) e passar o testemunho. Em contramão, e diante desta confissão de resignação, Graça Machel se insurgira nos seguintes termos:
“Não aceito isso… o país tem desafios muito grandes, a pobreza absoluta graça em 45 por cento dos moçambicanos; ainda temos regionalismo e tribalismo devastando este país… e vocês falam de estar a entrar para a terceira idade… eu tenho 77 anos, mas ainda estou a lutar e vocês… Vocês, com toda força que têm: estão em todos os distritos do país; estão formados em várias áreas de saber; ocupam diferentes cargos e posições em várias áreas da vida do país… não, não! Não aceito… isso me atravessa a garganta! Vamos lá continuar a dar o nosso contributo a este país!"
É caso para dizer (bem baixinho): que embora não estivesse estado na Assembleia da associação “Geração 8 de Março”, o presidente Ahmed Sékou Touré aproveitou o encontro dos 45 anos da partida à Cuba, e do além “mandatou” a Sra. Graça Machel para que transmitisse o alcance do que ele questionara ao Nino Vieira.
A incumbida, que fora ministra da educação logo depois da independência, cumpriu a missão para além do endosso recebido do além. Agora resta saber se a mensagem terá algum efeito terreno ou, receio, que fora a cegueira, ainda haja um outro tipo de distúrbio, quiçá de fórum auditivo, pelas hostes “oitomarcistas”.
A sociedade civil moçambicana organizada, e não só, entende que a proposta de lei das organizações, a ser aprovada nos termos em que se apresenta, será um retrocesso para o exercício da liberdade de expressão no país. Que “Isto é muito mau” não restam dúvidas, sobretudo porque se receia o regresso à ditadura.
Contudo, por outro lado, há quem entenda que esta proposta será um sucesso porquanto, entre outras coisas, promoverá a indústria cultural e criativa nacional que, em abono da verdade, carece de um grande empurrão.
Sobre a plausibilidade do empurrão (a aprovação da proposta de lei em questão) Chico Buarque, cantor e compositor brasileiro, um dos recentes laureados do prémio camões, que se referindo aos tempos da ditadura no Brasil, disse: “Feliz a ditadura porque me fez poeta”. Isto em alusão ao exercício criativo de esconder o sentido das palavras nos versos das suas composições.
Nesta linha cultural, e ainda dos tempos da ditadura brasileira, é de lembrar o trecho “Pai, afasta de mim esse cálice” da música “Cálice”, um clássico de Buarque e Gilberto Gil. Por cá, tenho em mente, dos tempos da dita ditadura que se teima que regresse, uma música de Fernando Luís que a dada altura diz: “Peço um pingo de chuva para molhar a garganta seca”. De Angola, dos tempos da respectiva ditadura, o Bonga: “Comeram a fruta e caroço dela ficou no chão”.
Ora, se assim for: se esta proposta de lei das organizações, a par de outras, em forja, e no mesmo diapasão, como a da comunicação social, uma vez aprovada e implementada, venha a produzir monstros culturais do calibre dos citados acima é caso para repensar.
Oxalá, no mínimo, e para começar a reflexão, que seja convocada uma “Conferência Nacional sobre o Potencial Impacto (da proposta) da Lei das Organizações na Indústria Cultural e Criativa Nacional”. Certamente que seria um bom ponto de partida. Posso moderar (risos).
Em 1983, à saída do local do evento em que Moçambique fora admitido como membro do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, a comitiva moçambicana, a que negociara a adesão, deu de caras com uma manifestação internacional da sociedade civil contra estas instituições.
Diante da situação, e visivelmente estupefacto, um dos membros da comitiva moçambicana, por sinal o actual Edil de Maputo, o economista Eneas Comiche, olhou para um colega como quem perguntasse se teriam feito uma boa coisa, designadamente o de terem pedido a entrada de Moçambique nestas instituições internacionais.
Este episódio foi contado pelo próprio Eneas Comiche numa palestra sobre o impacto desta adesão. E já agora, tenho fé de que Comiche tenha ficado aliviado quando, há dias, o Presidente da República (PR) anunciou uma grande vitória do seu executivo: a retoma da relação de Moçambique com o FMI depois de seis anos de separação.
O PR ainda deu uma outra novidade: nestes seis anos até a China – que se propala que não condiciona o acesso aos seus empréstimos – respondia negativamente ao constante assédio de Moçambique enquanto o país não reatasse a sua relação com o FMI. A resposta chinesa era do tipo: eu só ando com damas casadas (com o FMI).
Foram duas novidades dadas pelo PR - a da retoma com o FMI, e a do condicionalismo do apoio da China - que possivelmente o leitor, quanto eu, ache-as estranhas, pois, que se saiba - andar aos beijos com o FMI - não é boa coisa.
Enfim, e a terminar, referir que a retoma da relação com o FMI e, por tabela, o reatamento de outras relações afins exigi dos moçambicanos que esmerem e fortaleçam os beiços sob o risco de voltarem a estalar em plena actividade. Ainda, dita a experiência e é vital, recomenda-se que não se feche os olhos na hora dos suculentos beijos.
PS: Em caso de alguma dúvida sobre relacionamentos com o FMI, os portugueses que o digam, particularmente sobre a mais recente quanto dolorosa relação com uma “TROIKA” do FMI. Aliás, e é uma dica: numa audiência para a concessão de visto de viagem simples a Portugal, ameace chamar a “TROIKA” que o cônsul, na hora, concede-lhe até um “Visto Gold”.
Ontem na hora da sobremesa até que a garçonete insistiu que eu optasse pelo Pudim da casa. Por alguma coincidência esta iguaria não me tem feito bem desde o dia 24 de Fevereiro do ano corrente, data da invasão da Ucrânia pela Rússia.
Ainda que eu estivesse só nesta situação. Tenho acompanhado notícias preocupantes de algumas hospitalizações de automobilistas e temo que as próximas decorram das idas do pacato cidadão à padaria.
A garçonete, não se dando por vencida, ainda lançou, em vão, olhares que me fizessem mudar de ideias, mas eu estava implacavelmente irredutível: Pudim, não!
A pesar deste posicionamento, que fique claro que eu não tenho nada contra o Pudim ou quem goste desta pastosa iguaria. Mas desde que passara a ser uma ameaça a minha saúde, e da própria saúde pública mundial, fui forçado a tomar medidas à luz do que se tem feito pelo globo fora.
Também que fique claro de que este posicionamento não é nenhuma guerra, mas apenas uma “operação gastronómica especial” com o objetivo de alertar aos fanáticos do Pudim para a possibilidade de que esta iguaria já não ser feita de trigo, mas de sangue liquefeito.
- Assim o que gostarias para a sobremesa?
Insistia a garçonete. Por acaso ocorreu-me perguntar se a casa tinha Kyir, uma outra saborosa sobremesa, mas lembrei-me de que também era feito de trigo importado de Kyiv/Kiev, a capital ucraniana.
Do resultado da votação nas Nações Unidas sobre a invasão da Rússia à Ucrânia, também julgo que alguns países que se abstiveram fora apenas por resguardo, pois um dia poderão ter que recorrer ao mesmo expediente – a guerra – para salvaguardar os seus interesses.
A título de exemplo, o suspeito do costume é a China (e tem força para isso). Esta desconfiança é suportada pela sua pretensão em relação a recuperação de Taiwan que ela considera uma sua província (separatista).
Um outro suspeito, e mais a título de notificação para a prestação de declarações, é o insuspeito Moçambique. O paleio oficial moçambicano (e não cola) diz que o voto pela abstenção deriva do facto de o governo ser – por princípio – um defensor do diálogo como método de resolução de conflitos/diferenças. A partida um argumento que serviria muito bem para a condenação da invasão.
De toda maneira resta apurar o que de facto significa o termo diálogo na política moçambicana. Lembrar que historicamente, e durante a governação de Samora Machel, este chegara a dizer que “Com a RENAMO/Bandidos Armados só o diálogo das armas”. O que, na altura deste pronunciamento, enclausurara qualquer tipo de esperança por tempos de paz.
Ademais, e o Malawi que confirme, Samora Machel, que visivelmente agastado com algumas das opções soberanas deste país, chegara a ameaçar remover o Malawi do mapa com recurso a poderosos mísseis. Nas vésperas do acidente aéreo de Mbuzine (1986) em que perecera Samora Machel, este reiterara vigorosamente esta ameaça.
Ainda no rol das ameaças a países vizinhos, consta que logo depois da independência de Moçambique, em 1975, a então Swazilândia, hoje E-swatini, reivindicara parcelas do sul de Moçambique como sua propriedade. Por acaso, amiúde este assunto tem vindo à mesa por aquelas bandas.
Na altura desta revindicação, Samora Machel convidara o monarca daquele país, Sobhuza II, a visitar Moçambique e por coincidência propositada se avistaram em terras (Namaacha) revindicadas. Por um lado estava Samora Machel, em pleno vigor físico e vestido a rigor militar, e por outro lado, estava o velho e adoentado Sobhuza II nas suas vestes tradicionais e descalço.
Em resultado da visita, o velho Sobhuza II nunca mais tocara no assunto da reivindicação, pois se apercebera da ameaça de Samora Machel ao levar-lhe a visitar Namaacha e a ter que percorrer descalço uma área cheia de pedras e pedregulhos, enquanto o anfitrião desfilava de botas russas (imagino) que, ruidosamente, esmagavam as pedras que obstruíssem a caminhada.
Dito isto, e em jeito de fecho, depreende-se que deste histórico, e é apenas um cheirinho, fica é à vista um certo, e ofensivo, pendor nacional pela ameaça bélica como método de resolução de conflitos/diferenças. E é provável que seja por aqui onde assenta alguma racionalidade (nem que seja involuntária) da diplomática abstenção de Moçambique quanto a invasão da Ucrânia pela Rússia.