Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

Nando Menete

Nando Menete

Um certo encarregado de educação, que depois de monitorar as habilidades de escrita e de leitura do seu educando, concluiu que este estava aquém do mínimo para a classe, sobretudo em vésperas de exames, e decidiu ir à escola para cobrar. No caminho, uma manhã de chuvisco, e ainda distante, deu para ele reparar que as aulas decorriam ao relento e os alunos sentados no chão.  

 

Achada a “sala-árvore” do seu educando, a professora, que já adivinhava o assunto, agradeceu a visita e pediu-lhe a melhor metodologia de ensino-aprendizagem que se ajustasse às condições (in) existentes. O encarregado respondeu-a de que apenas viera para confirmar se o seu educando havia comparecido, uma vez que saíra amuado de casa por conta do raspanete que levara na noite anterior. 

 

O episódio vem a propósito da insurgência terrorista que, desde 2017, assola a província de Cabo Delgado, causando um movimento de deslocados cujo destino seguro, entre outros locais, tem sido a cidade municipal de Pemba. Consta que esta cidade já tenha acolhido deslocados em número (acima de 170 mil) que se aproxima ao dos seus residentes (pouco mais de 200 mil) o que a coloca, entre os seus pares municipais, como do top 5 ou 6 em termos de população.   

 

Face a este súbito e célere crescimento demográfico, e numa cidade que já apresentava sérias dificuldades de funcionamento que são apadrinhadas, pelo que se acompanha, por crónicos défices de recursos humanos, materiais e financeiros, a corrupção e ainda por dívidas que a sufocam, não custa imaginar qual tem sido a sorte diária dos seus residentes.  

 

Felizmente, e é uma boa notícia, se assiste a um movimento solidário de apoio aos deslocados, e no caso aos acolhidos em Pemba. A imprensa e as redes sociais têm divulgado as cerimónias de entrega do apoio e ainda do inevitável marketing social e político em torno delas.

 

Infelizmente, e salvo melhor informação, ainda não se assiste a um idêntico e dinâmico movimento dirigido à instituição Município de Pemba, no sentido deste poder minimizar as suas carências e fortalecer a sua capacidade para estar à altura dos desafios da actual situação, e não só.

 

Havendo quem saiba de uma constatação contrária, por exemplo, a de que mostre que o governo central, através do Ministério da Economia e Finanças, incrementou substancialmente a verba que aloca anualmente à Pemba. O mesmo para exemplos análogos de outros organismos públicos e privados, entre nacionais e estrangeiros.

 

Entretanto, e não é de admirar, é provável que representantes desses organismos, que por força das suas actividades correntes, passem regularmente por Pemba, mas, por outro lado, também transparece que a passagem seja ainda para as poses de marketing social e político das cerimónias de entrega de apoio aos deslocados. Naturalmente que existem excepções, mas estas, e já se sabe, não fazem a regra.

 

Por enquanto, e para fechar, a solidariedade com o Município de Pemba – ou de um outro local na mesma situação – lembra o episódio do encarregado de educação, que depois de ter presenciado as condições de ensino-aprendizagem da escola do seu educando e que até comprometia o futuro da sua família, não tugiu e nem mugiu. Aliás: chegou, viu e partiu!

A recente subida da tarifa de transporte público urbano de passageiros da área metropolitana de Maputo trouxe ao debate público corrente a problemática deste serviço. Um dos “assuntos quentes” é o encurtamento de rotas cuja ocorrência considero como se fosse um serviço (informal) complementar, carecendo apenas de ser estudado e regrado. Volto a esta posição mais adiante.

 

Para quem não esteja familiarizado com o encurtamento de rotas, referir que este termo é usado para classificar o comportamento do transportador, particularmente da tripulação (motorista e cobrador) de viaturas de operadores privados, e de menor capacidade (16 lugares), quando este reparte, em duas ou mais secções, a rota completa (licenciada).  

 

O encurtamento pode ser contínuo ou descontínuo. É contínuo quando o utente paga as secções encurtadas sem que saia da viatura. É descontínuo quando o utente tenha que sair para tomar uma outra viatura, e a que se fazia transportar toma um outro rumo, quer o do regresso ao ponto de origem/partida quer o de uma outra rota (desvio de rota) ou mesmo o de recolha ao parque.

 

Entre os principais intervenientes da actividade, os utentes consideram que o encurtamento eleva os custos de transporte. As autoridades, que em linha com as associações/cooperativas dos transportadores (proprietários), classificam-no de ilegal e têm, amiúde, responsabilizado a tripulação e apelado para que se denuncie a sua ocorrência. Por sua vez, a tripulação alega que a recorre por razões económicas (incremento da receita), na medida em que tem que pagar ao proprietário a receita diária obrigatória e ainda sobrar os próprios dividendos.

 

É também de considerar que este fenómeno encontra condições favoráveis na expansão da cidade, pois algumas terminais foram deslocadas para pontos mais distantes, prejudicando assim o acesso de utentes das terminais descontinuadas, agora simples paragens intermédias e de grande demanda. 

 

Salvo o encurtamento imposto, o próprio utente, em algum momento, e para fazer face a escassez, enchentes, celeridade ou por uma outra razão, opta pelo “auto-encurtamento” que consiste, no lugar da rota de destino (rota completa), na tomada de uma outra rota (completa ou encurtada), e que esteja menos pressionada, até que desembarque na paragem em que possa tomar a que o leve ao destino. 

 

Posto isto e quanto a posição de “não combater, mas estudar e regrar”, ela decorre da observação de potenciais vantagens do encurtamento no acesso ao transporte. Entre as vantagens, o facto das rotas encurtadas serem relativamente mais cómodas (menos enchente) e rápidas e ainda a de poder concorrer na redução da pressão sobre as rotas completas por acolherem, quer involuntariamente (encurtamento imposto) quer voluntariamente (auto-encurtamento), parte dos seus utentes.

 

Uma outra vantagem deste “serviço” (encurtamento/rotas curtas) prende-se com a certeza que o utente tem da sua ocorrência, sobretudo em horas de ponta e no período nocturno, o que lhe permite planificar financeiramente a deslocação e ainda de poder alargar o acesso ao transporte público a utentes que se encontram em paragens intermédias, particularmente nas de grande demanda, e que são prejudicados pelas enchentes das rotas completas/mais longas.  

 

Nestes termos, e na base de uma apreciação empírica, a defesa de que no lugar de combater o encurtamento é fundamental que se estude e regre a sua integração formal e sistemática no sistema global de transporte público urbano de passageiros na área metropolitana de Maputo.

quinta-feira, 06 janeiro 2022 13:49

Espólio de antigas e novas comunidades forasteiras

Parte do espólio histórico do património da Cidade de Maputo são alguns locais/edifícios (emblemáticos) que foram pertença de antigas (coloniais) comunidades forasteiras em Moçambique cuja funcionalidade era a interação social e cultural da respectiva comunidade e não só.

 

O “Palácio dos Casamentos” (Comunidade Grega), o Museu Nacional de Arte (Comunidade Goesa), o Sindicato Nacional dos Jornalistas (Comunidade Inglesa) e a antiga Escola Nacional de Artes Visuais (Comunidade Chinesa), constituem alguns desses edifícios. A par destes estão também outros edifícios de comunidades religiosas. 

 

Com a independência de Moçambique em 1975, estes locais/edifícios foram nacionalizados e transformados em utilidades ditadas pela revolução moçambicana.

 

Depois dos anos 90, novas comunidades forasteiras se instalaram no país, casos de comunidades provenientes da África subsaariana como a ruandesa, nigeriana e burundesa.

 

Da presença destas novas comunidades, e em caso de reedição de um novo processo revolucionário em Moçambique (tudo é possível), que espólio ficará como marcas ou sinais da sua passagem ou presença no país?

 

Fiz a mesma pergunta a uns vizinhos que das várias respostas dadas, anotei, concordando, a seguinte: “Certamente os Bottle-Store”.

quinta-feira, 16 dezembro 2021 07:13

As mangas (e mágoas) de Dezembro

O mês de Dezembro lembra-me a época das mangas em plenas férias escolares. Lembra-me o deixar anoitecer para “tirar sem permissão” as mangas do quintal da inexpugnável, à luz do dia, casa do Senhor Ibrahimo. Eram mangas formosas que se cochichava serem descendentes de Homoíne (Inhambane), talvez por força da origem do dono do mangal. 

 

Certas vezes o Senhor Ibrahimo montava emboscadas que se mostraram improdutivas por conta da acção de um companheiro de armas, por sinal seu rebento, que antecipadamente alertava da presença dissimulada do pai.

 

Tem graça que não tenho memória do sabor das mangas (de Dezembro) do quintal do Senhor Ibrahimo. Na verdade, o sabor nem estava nas mangas, mas sim nos esforços empreendidos para tê-las como companheiras em mais uma noite de papo no muro da esquina, que a malta da zona apelidara de “Muro da Vergonha”.

 

Não faço ideia quem terá sido o compositor da denominação deste mítico muro, mas seguramente uma justa homenagem, cujos históricos frequentadores ainda devem-na uma homenagem. O muro até amparara alguns compatriotas de regresso da Alemanha do Leste quando da queda do seu homónimo em Berlim e de outros, sacudidos pela mão dura do Apartheid.

 

Numas dessas memoráveis noites de mangas – as de (suposta) ascendência em terras de Homoíne - um transeunte, que se aproximara curioso da camaradagem do grupo, pedira, no final da sua longa intervenção, que os seus companheiros ocasionais gravassem para a memória que “As fartas mangas de Dezembro não preenchem os meses de mágoas”.

 

Estas lembranças, e para fechar, vêm desinteressadamente a propósito do discurso sobre o Estado da Nação, a ser hoje proferido pelo mais alto magistrado do Estado moçambicano. Ou seja: que o discurso sobre o Estado da Nação não seja apenas uma farta manga de Dezembro.

 

E dito à moda da malta da zona, na esquina dos tempos do “Muro da Vergonha”: mais do que o sabor das mangas do quintal do Senhor Ibrahimo, interessava, e sabe melhor, a magia do sabor pela forma como as mangas foram conquistadas.

Por conta da subida do preço dos combustíveis foi avançada uma proposta de ajuste em alta da tarifa de transporte urbano, ora em “banho-maria” por orientação superior do Ministério de tutela. No entanto, mais do que o ajuste ou não da tarifa, é preciso que se ajuste a implementação das soluções em curso com vista a melhoria do transporte urbano na área metropolitana de Maputo.

 

Das soluções em curso, a observação recai apenas sobre as soluções que foram a aposta recente governamental, nomeadamente o aumento da disponibilização de mais autocarros e a introdução da bilhética eletrónica.

 

Decorrente do debate público e da simples constatação ressalta que os efeitos desejados destas soluções estão aquém do desejado. A meu ver, elas pecam por terem sido implementadas dentro da actual estrutura operacional de provisão de serviços de transporte urbano, mormente os operadores públicos/municipais e os privados, estes por via das suas cooperativas/associações.

 

Uma alternativa para a sua implementação seria a de introduzir um novo conceito ou serviço no sistema de transporte urbano que viesse a constituir uma mais-valia na qualidade do serviço prestado. Este raciocínio parte da experiência positiva de um projecto privado de transporte ferro-rodoviário, denominado “MetroBus”, em implementação na área metropolitana de Maputo desde o ano de 2018. 

 

A entrada em funcionamento deste projecto – o tal novo conceito - consistiu nas mesmas soluções dos esforços governamentais: a introdução de novos meios (comboios e autocarros) e da bilhética eletrónica. De outro modo, caso os meios alocados e o serviço da bilhética fossem para serem implementados dentro da estrutura operacional existente, quer ferroviária quer rodoviária, tenho pouca fé que elas teriam logrado sucesso. Aliás, os factos falam por si. 

 

Em suma, a estratégia para a implementação dessas e de outras soluções passa por “não mexer o cancro” ao mesmo tempo que se criam condições alternativas para uma transição ou substituição paulatina do que é actualmente oferecido aos utentes de transporte público de passageiros em Maputo.

 

Quiçá, e para terminar, por que o Ministério de tutela não aproveita o defeso do ajuste da tarifa de transporte urbano e convoque uma reflexão da sociedade tendo em pauta, entre outras matérias, a necessidade de ajustar a forma de implementação das soluções (governamentais), quer as citadas quer de outras, em defesa da melhoria do transporte urbano na área metropolitana de Maputo e não só.

quarta-feira, 24 novembro 2021 07:10

“Não é ninguém é o Sr. Sarama”

Num texto da disciplina de língua portuguesa, de que não me ocorre o título e nem a classe (o famoso “Não me lembro” do Julgamento em curso sobre as dívidas ocultas”), havia uma passagem que narrava o momento em que diariamente alguém tocava a campainha de uma casa para a entrega matinal de leite fresco. Depois que um dos filhos da casa abria a porta, uma voz ao fundo, vindo da cozinha, perguntava: “Quem é?”

 

“Não é ninguém. É o homem do leite”. Invariavelmente assim respondia o filho e creio, se a memória não me atraiçoa, que o próprio “Homem do Leite” também passara a responder do mesmo jeito depois que ouvisse a pergunta e antes até que abrissem a porta.

Faz algum tempo que eu contara esta passagem ao meu filho. Por acaso, num destes dias do citado julgamento, e estando distante da televisão, pergunto a ele sobre quem estaria a ser ouvido no julgamento. A resposta não tardou: “Não é ninguém é o Sr. Sarama”. 

 

Perante a minha careta – de alguém que fingira não ter entendido - ele prossegue: “No Tribunal todo o mundo, e até os réus, mandam no Sr. Sarama”. Um pouco depois ele diz: “Mas no fim do dia todos esperam por ele para irem à casa”. O mesmo acontecia com o “Homem do Leite”: todos esperavam por ele antes que saíssem de casa. 

 

Da resposta eu entendera perfeitamente de que ninguém estava a ser ouvido, mas a ser redigida a acta. E para quem não saiba o Sr. Sarama é o escrivão de plantão do julgamento citado e que decorre na 6ª secção do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, ora a funcionar na cadeia da “B.O”.  

 

A ideia de quem redige a acta “não é ninguém” encontra algum fundamento no histórico dos julgamentos mediáticos do país. A título de anexo comprovativo, segue a pergunta: uma vez que o leitor afirma que acompanhou o julgamento do “Caso Carlos Cardoso” poderá dizer aos outros leitores quem terá sido o escrivão desse julgamento?

 

Aposto que o leitor não se lembre, mas todos os leitores, e não só, que tenham acompanhado o julgamento do “Caso Carlos Cardoso”, certamente que se lembram do Juiz do mesmo bem como do seu posterior (e imediato) percurso até ao cargo de Procurador-geral da República.

 

Decerto, se a história vingar, será o que acontecera com o desfecho do julgamento em curso, dando azo que se diga de que o “Não me lembro”, facultado como uma opção de resposta a ser dada pelos arguidos/réus, também seja uma opção (institucional) na gestão dos seus recursos humanos no sistema de justiça.

 

Ainda assim, e para terminar, tenho fé de que um dia o leitor chegue a uma instância superior ao da 6ª secção do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo e no seu ouvido oiça, bem baixinho, uma voz a dizer: “O escrivão é aquele das dívidas ocultas”.

terça-feira, 09 novembro 2021 06:43

A propósito dos “espiões" da Kroll

A espionagem entre os Estados, e não só, não é nenhum segredo ou informação classificada e qualquer Estado está sujeito à espionagem e Moçambique não é excepcção. Aliás, é praxe entre os Estados o reconhecimento mútuo e o estabelecimento de relações e troca de representações diplomáticas ou afins que são, para além de actividades dos respectivos objectos, também capitalizadas para as de espionagem.

 

Por estas terras do Índico, nos anos da resistência colonial, é sabido que Ngungunhane (1850-1906), o Imperador de Gaza teve na sua corte “embaixadores” ou oficiais de ligação que representavam a coroa portuguesa. Certamente que estes oficiais, adicionalmente às actividades no quadro das relações amistosas, também terão desempenhado outras de que mais tarde tenham sido de mais-valia para a captura de Ngungunhane e consequente desmoronamento do império de Gaza. 

 

Nos primórdios da FRELIMO, na Tanzânia, sabe-se de um Leo Milas – um cidadão norte-americano que se dizia descendente de Moçambique e que fora um seu controverso e activo membro e com passagem na chefia de um departamento - sobre o qual recaíam suspeitas de ser um agente dos serviços secretos americanos. Em finais de 2006, Marcelino dos Santos (1929-2019), histórico membro e fundador da FRELIMO, numa reunião deste com algumas organizações da sociedade civil, confessara de que até então “não sabia como Milas fora parar na FRELIMO ”.

 

Nos anos 80, o país já independente, o Estado moçambicano desmantelou e apresentou em público uma rede de espionagem da CIA, a agência secreta norte-americana. Para alguns círculos esta resposta foi altamente inadequada, pois, salvo desafiar uma superpotência, e em tempos da Guerra-Fria, as autoridades nacionais terão perdido um canal para acções de contra-espionagem e ainda perdido o rasto de actividades desta agência no país.

 

Ainda nos anos 80 e seguintes - os tempos dos refugiados da solidariedade política internacional, dos cooperantes e os tempos da ajuda externa ao desenvolvimento - lembrar, e para citar como exemplo, que quadros destes processos chegaram, à luz do espiríto da irmandade, a desemprenharem funções, algumas de relevo, em diversos sectores e serviços quer públicos quer privados. De parte de alguns destes quadros é bem provável que tenham agido na recolha de informações à margem do interesse das “relações amistosas”.

 

Na senda deste breve histórico nacional vis-à-vis as incidências do julgamento das chamadas “dívidas ocultas”, ora em curso na “B.O”, um dos réus acusa de espionagem (militar) a empresa (Kroll) estrangeira contratada pelo Estado para elaborar o relatório de auditoria das citadas dívidas. Embora não se saiba da veracidade da acusação, tal procedimento – o recurso a empresas para actividades de espionagem - não é estranho para o “modus operandi” de qualquer serviço de inteligência. 

 

Outrossim, e em jeito de fecho, aproveitar recordar que durante a II Guerra Mundial a então cidade de Lourenço Marques, hoje de Maputo, fora um palco fértil da espionagem internacional. Por essa altura, e a propósito dessa fertilidade, mas em matéria de informação doméstica, alguém comentara de que “Lourenço Marques (Maputo) é uma casa sem paredes”.

sexta-feira, 29 outubro 2021 13:36

Sobre o terceiro mandato

Esta manhã ao subir o transporte público acompanhei uma conversa de dois passageiros. Um deles dizia que “quem pede mais uma oportunidade, e até a título de última, é quem não cumpriu com as promessas feitas nas oportunidades dadas anteriormente”. O outro passageiro ainda acrescentou que “quem assim age é quem não fora suficientemente competente para levar as próprias promessas avante”.

 

Achei interessante a conversa e fui aproximando cada vez mais deles para melhor acompanhar. O meu interesse era simples: corre na media, cafés e nas redes sociais o debate sobre a possibilidade ou não de um terceiro mandato em Moçambique. E decorrente disto pensara que os dois passageiros conversavam sobre isso. Debalde. Eles apenas falavam de uma situação entre namorados desavindos.

 

De toda a maneira, e meio frustrado, aproveitei e passei o resto do itinerário a refletir sobre o que eles conversavam vis-à-vis o debate sobre o terceiro mandato. No final conclui que os argumentos por eles esgrimidos também serviam para o debate em curso. Ou seja, e não só em Moçambique, e em situação análoga: havendo necessidade de um tempo extra - na verdade a marcação de um novo jogo - é um sinal de que no tempo regulamentar do (s) mandato (s) não se conseguiu lograr os resultados pretendidos.

 

Outrossim, e voltando ao objecto da conversa dos dois passageiros, especulo que coube à namorada, na sua qualidade de requerida, decidir se concedia ao requerente (namorado) uma nova oportunidade.

 

Para o caso em debate, o do terceiro mandato, e porque nada consta do legítimo potencial requerente (beneficiário) sobre tal pretensão, esta até ao momento, e salvo melhor entendimento, não passa de uma mera especulação. Dito isto, e para terminar, entendo que caso haja essa pretensão nada melhor que aguardar pelo pronunciamento do legítimo requerente e beneficiário.

segunda-feira, 25 outubro 2021 09:16

Homenagear desobedientes

No passado dia 19 de Outubro, em Portugal, foi gravado no Panteão Nacional (homólogo da nossa Praça de Heróis) o nome do antigo cônsul português em Bordéus (França). Aristides de Sousa Mendes (1885-1954) fora, na altura da II Guerra Mundial, o diplomata que desobedecera o regime de Salazar emitindo, à revelia, milhares de vistos a favor de judeus e de outros em fuga das atrocidades da Alemanha Nazi.

 

O acto (de consciência) de Aristides Sousa Mendes custou-lhe a expulsão da carreira diplomática e a viver, com a sua família, veementes retaliações a ponto de morrer na miséria. Há quem justifique, e é plausível, que a resposta dada por Salazar fora uma característica do seu regime ditatorial. No mesmo diapasão, é também plausível que o reconhecimento e a homenagem que hoje o Estado português presta ao (desobediente) diplomata e aos seus préstimos sejam uma característica do actual quadro democrático em Portugal.

 

A que propósito falo disto? A propósito de saber o destino dado a funcionários públicos moçambicanos, e não só, que em circunstâncias análogas as do diplomata Aristides de Sousa Mendes tenham tomado decisões em contramão com as famosas orientações superiores.

 

É de crer, em jeito de nota de fecho, que no Moçambique pós-independência, mormente no tempo monopartidário, tenham existido, em acto e consequências, “os nossos Aristides de Sousa Mendes” e de que hoje, no quadro da constituição (democrática) de 1990 e seguintes, urge que o Estado os reconheça e homenageie, no mínimo aos mais destacados e exemplares desobedientes. Sob que critérios? É um outro debate.

segunda-feira, 27 setembro 2021 14:22

Kagame, qual é a factura?

Sobre a ajuda militar do Ruanda a Moçambique já se disse muita coisa, entre elas de que ela é pura solidariedade e nada em troca. Já passam dois meses e este assunto – o de se saber quem paga ou quanto é que custa o apoio militar - amiúde é chamado à mesa o que demonstra alguma preocupação ou, no mínimo, que o argumento da solidariedade não cola ou convence.  

 

Na recente aparição de Paul Kagame, presidente do Ruanda, como convidado de honra na celebração da passagem do 57º aniversário das Forças Armadas de Moçambique, o assunto veio à tona na conferência de imprensa dada pelos dois estadistas. E mais uma vez a resposta foi a de sempre: é de borla!

 

Pelo facto de este assunto estar a merecer uma acirrada insistência é recomendável que kagame apresente uma factura - mesmo que ela não seja para ser paga -, pois assiste aos moçambicanos o direito de saber o custo da intervenção. Até porque tal configuraria uma outra ajuda do Ruanda a Moçambique, mormente a do país poder aprender, uma vez por todas, sobre as consequências do desinvestimento nas suas forças armadas.

 

De toda a maneira uma factura já é apresentada aos moçambicanos quando se assiste a constantes demonstrações cirúrgicas de superioridade e a de ter que se ouvir, sobretudo das cordas vocais do presidente do Ruanda, de que a ajuda militar do seu país é gratuita, e paga a 100% pelo seu país, o que apenas alimenta o orgulho e as virtudes messiânicas de Kagame.

 

Contudo, é de uma outra factura, e bem detalhada sobre os custos da intervenção, a que mais interessa e que certamente o seu conhecimento permitirá que os moçambicanos fiquem cientes sobre o quanto é necessário para que o país de per si consiga defender a pátria.

 

E ainda, a propósito da factura, tal é pertinente para que um dia, assim querendo, e por qualquer razão, o país possa liquidar a gratidão do Ruanda, servindo a factura como uma referência (monetária) para a retribuição de tamanha gratidão.  

 

Por isto, e como um grande cavalheiro, é justo que Kagame submeta a factura ao povo moçambicano, o legítimo destinatário da sua ajuda militar.

 

Pág. 8 de 21