Há dias, e poucos, estive numa casa de pasto para um encontro com o Marutissa, meu primo. Fui o primeiro a chegar. A ele, que vinha a caminho, respondi de que estava na “cadeira 38”. “Ok” foi a resposta.
Este sábado, 23 de Setembro de 2023, ainda pela manhã, recebo uma chamada da empresa de transporte que me informa o cancelamento da reserva da cadeira 38, sugerindo como alternativas a 36 ou a 40, caso quisesse ficar em lugar próximo. Optei pela 40. O telefonema termina com a informação de que eu seria “logo logo” contactado para alguns detalhes que ainda careciam de confirmação.
Por conta do fim-de-semana longo, programara que o passaria na terra natal, Inhambane. Enquanto esperava pelo retorno da chamada veio-me à memória de que era a primeira vez, em 22 anos, que não viajaria na cadeira 38. À boleia da lembrança, também a da razão do hábito de viajar na cadeira 38.
“Lamentamos informar de que a partida do autocarro foi reprogramada para o próximo dia 26 de Setembro pelas 11H30”. O prometido telefonema que me comunicava a amarga notícia, acrescentando que me assegurava que era a única alteração. Resumindo: não viajaria na cadeira 38.
Porque a ida à “Terra da Boa Gente” era mais do que passar um fim-de-semana longo, prontamente anui. Na verdade a mente já havia iniciado uma outra viajem: a da lembrança da razão de sempre viajar na cadeira 38.
Natal de 1969. Dois irmãos viajam de Inhambane à então Lourenço Marques, hoje Maputo, ou no trajecto inverso. O mais velho (Lázaro) ia sentado na cadeira 37. O mais novo (Abel) ia ao lado do motorista. O mais velho, uma hora depois da partida, e de forma insistente, sinalizava com o indicador para que o mais novo chegasse a ele.
“O que será que o mano Lázaro quer?”. Interrogava-se o mais novo à medida das chamadas. A insistência fora tal que acabou por aproximar. “Sempre que viajares de autocarro sente na cadeira 37 ou 38. É mais seguro em caso de acidente ou de qualquer emergência”.
Soube desta recomendação nas exéquias fúnebres de quem ia sentado na cadeira 37. Desde então, passam 22 anos, que estar numa “Cadeira 38” é o mesmo que dizer que estou bem instalado, em lugar seguro e que se recomenda. Daí o “OK” do primo Marutissa, por sinal o caçula de quem era recomendado a escolher um lugar seguro para viajar.
Esta terça-feira, 26 de Setembro, chego a terminal na hora prevista. Não era o ambiente normal de azáfama de uma terminal de transportes terrestres. Estava com áurea de proximidade e aconchego. No semblante de cada presente a sensação de celebração da despedia de alguém querido que partia pela primeira vez para o estrangeiro.
Cerca das 09H00 entro no autocarro carregado de curiosidade sobre quem estaria sentado na cadeira 38. A térrea-moça confere o assento no meu bilhete e a caminho da cadeira 40, na 37 estava o seu eterno ocupante. Estranhamente não me disse o habitual “Tenha a bondade” enquanto indica a cadeira 38. A razão: a cadeira 38 já estava ocupada pelo seu companheiro de viajem do natal de 69, o seu irmão Abel.
“Estimados, a vossa atenção. Vamos iniciar a viajem e o ponto de partida será o regresso ao passado com a duração de 99 anos, prevendo que a chegada seja no dia 16 de Setembro de 1924”. Era a térrea-moça que em seguida pediu que se fizesse silêncio.
No silêncio da viajem ao passado foram passados em revista, na forma e no conteúdo, a nobreza das 99 primaveras do ocupante da cadeira 38: Abel Lopes Menete.
No dia 16 de Setembro de 1924, na chegada a Jangamo, Inhambane, o momento foi de alegria contagiante pelo regresso de quem, 15 anos depois do seu nascimento, deixara a terra natal rumo à então Lourenço Marques, a terra prometida.
10H30. A térrea-moça anuncia a derradeira partida e de que se fariam duas paragens antes do destino. A primeira no Bairro 700, a saudosa morada térrea do ocupante da cadeira 38, e a segunda no cemitério da Texlom. E daqui a decolagem final até ao reino dos céus. E assim aconteceu por volta do meio-dia.
Por algum motivo fiquei em terra na primeira paragem. Da madrugada de chuva que corre, e que abençoara a viajem, soube de que a viagem correra bem e que o ocupante da cadeira 38 fora recebido com uma honrosa e estrondosa salva de palmas durante 38 segundos. No final, a saudação: Cadeira 38, Saravá!
Maputo, 27 de Setembro de 2023.
Texto em jeito de homenagem a Abel Lopes Menete (16/09/1924 – 23/09/2023), familiar, amigo e antigo quadro do Ministério da Informação (1974-1983) e Administrador da Escola Central do Partido Frelimo (1983-2003).
Há dias, e poucos, estive numa casa de pasto para um encontro com o Marutissa, meu primo. Fui o primeiro a chegar. A ele, que vinha a caminho, respondi de que estava na “cadeira 38”. “Ok” foi a resposta.
Este sábado, 23 de Setembro de 2023, ainda pela manhã, recebo uma chamada da empresa de transporte que me informa o cancelamento da reserva da cadeira 38, sugerindo como alternativas a 36 ou a 40, caso quisesse ficar em lugar próximo. Optei pela cadeira 40. O telefonema termina com a informação de que eu seria “logo logo” contactado para alguns detalhes que ainda careciam de confirmação.
Por conta do fim-de-semana longo programara que o passaria na terra natal, Inhambane. Enquanto esperava pelo retorno da chamada veio-me à memória de que era a primeira vez, em 22 anos, que não viajaria na cadeira 38. À boleia da lembrança, também a da razão do hábito de viajar na cadeira 38.
“Lamentamos informar de que a partida do autocarro foi reprogramada para o próximo dia 26 de Setembro pelas 11H30”. O prometido telefonema que me comunicava a amarga notícia, acrescentando que me assegurava que era a única alteração. Resumindo: não viajaria na cadeira 38.
Porque a ida à “Terra da Boa Gente” era mais do que passar um fim-de-semana longo, prontamente anui. Na verdade a mente já havia iniciado uma outra viajem, a da lembrança da razão de sempre viajar na cadeira 38.
Natal de 1969. Dois irmãos viajam de Inhambane à então Lourenço Marques, hoje Maputo, ou no trajecto inverso. O mais velho (Lázaro) ia sentado na cadeira 37. O mais novo (Abel) ia ao lado do motorista. O mais velho, uma hora depois da partida, e de forma insistente, sinalizava com o indicador para que o mais novo chegasse a ele.
“O que será que o mano Lázaro quer?”. Interrogava-se o mais novo à medida das chamadas. A insistência fora tal que acabou por aproximar. “Sempre que viajares de autocarro sente na cadeira 37 ou 38. É mais seguro em caso de acidente ou de qualquer emergência”.
Soube desta recomendação nas exéquias fúnebres de quem ia sentado na cadeira 37. Desde então, passam 22 anos, que estar numa “Cadeira 38” é o mesmo que dizer que estou bem instalado, em lugar seguro e que se recomenda. Daí o “OK” do primo Marutissa, por sinal o caçula de quem era recomendado a escolher o lugar seguro para viajar.
Esta terça-feira, dia 26 de Setembro, chego a terminal na hora prevista. Não era o ambiente normal de uma terminal de transportes e estava com áurea de proximidade e aconchego. Nos semblantes dos presentes, embora não se vislumbrassem sinais de que fossem viajar, a sensação de que viajavam e a de celebração da despedia de alguém que partia pela primeira vez para o estrangeiro.
Perto das 09H00 entro no autocarro carregado de curiosidade sobre quem estaria sentado na cadeira 38. A “térrea-moça” confere o assento no meu bilhete e a caminho da cadeira 40, na 37 estava o seu eterno ocupante. Estranhamente que desta vez não disse “Tenha a bondade”, enquanto indica a cadeira 38. A razão: na cadeira 38 já estava ocupada pelo seu companheiro de viajem do natal de 69: o seu irmão Abel.
“Estimados, a vossa atenção. Vamos iniciar a viajem e o ponto de partida será o regresso ao passado com a duração de 99 anos, prevendo que a chegada seja no dia 16 de Setembro de 1924”. Era a “térrea-moça” que em seguida pediu que se fizesse silêncio.
No silêncio da viajem ao passado foram passados em revista, na forma e no conteúdo, a nobreza das 99 primaveras do ocupante da cadeira 38, Abel Lopes Menete.
Dia 16 de Setembro de 1924. Chegada a Jangamo, Inhambane, marcada pela alegria contagiante do regresso de quem deixara a terra natal, 15 anos depois do seu nascimento, rumo a então Lourenço Marques, a terra prometida.
10H30. A “térrea-moça” anuncia a partida e de que se farão duas paragens antes do destino. A primeira no Bairro 700, a saudosa morada térrea do ocupante da cadeira 38, e a segunda no cemitério da Texlom. E daqui a decolagem da viagem final até ao reino dos céus. E assim aconteceu por volta do meio-dia.
Por algum motivo fiquei em terra na primeira paragem. Esta madrugada de chuva, e que abençoara a viajem, soube dela de que a viagem correra bem e que o ocupante da cadeira 38 fora recebido com uma honrosa e estrondosa salva de palmas durante 38 segundos. No final, a saudação: Cadeira 38, Saravá!
Em jeito de homenagem a Abel Lopes Menete (16/09/1924 – 23/09/2023)
Em tempos frequentei a área de lobby (uma maneira chique de dizer “bar”) de uma unidade hoteleira da praça laurentina (também uma maneira chique para dizer “praça maputense) e apercebi-me, através do barman, de que o bar fora tomado por uma certa etnia/tribo que “derrubara” uma anterior, incluindo a língua de comunicação do bar. Coisas do “Agora é a nossa vez”.
E por falar no “Agora é a nossa vez”, enquanto conceito sobre a emergência de uma nova ordem, acho de que ele não derruba ou toma tudo do que existia. É o caso do sobrenome das famílias. Há famílias que podem até perder o poder do dia ou financeiro, mas nunca o sobrenome que as identificam, incluindo até, e sobretudo, certas características ou qualidades como as de uma família tradicional ou chique.
Sobre isto lembro-me de uma novela brasileira em que uma família despencou financeiramente, mas fazia questão de manter a pose e a áurea identitária de ser uma família tradicional ∕clássica, a que domina a arte da fala, da cortesia e das boas maneiras.
Estou a falar disto a propósito de uma recente conferência de imprensa da empresa Tmcel onde ela, praticamente, anunciou que estava de volta ao mercado. Um mercado que já fora a área de lobby sob seu total e completo domínio, em concreto das duas extintas empresas que a geraram: as defuntas Mcel e TDM.
Este final de semana voltei a unidade hoteleira citada acima, talvez por conta da notícia da empresa Tmcel que me animara bastante. Estava curioso em saber se a onda da retoma chegara também a área de lobby do hotel. Perante a minha curiosidade, o barman perguntou-me se já se haviam realizado as eleições locais e nacionais. Trocamos sorrisos.
“Deixe o seu número e ligo logo que se registarem mudanças”. Prontamente acedi e deixei o meu 82 com o barman. Este, depois de apontar, com ar estupefacto, o número no seu dispositivo, remata: “82, o sobrenome chique das telecomunicações em Moçambique”.
Nando Menete publica às segundas-feiras.
Depois da última visita ocasional ao mercado no passado dia 14 de Fevereiro do ano corrente, contada aqui https://www.cartamz.com/~cartamzc/index.php/opiniao/carta-de-opiniao/item/12973-estou-aqui-amor, voltei ao mesmo no dia da victória, 7 de Setembro, feriado nacional. Desta vez para a compra de fruta da época.
A visita fora na companhia da Luma, a minha filha de uma década. Depois de algumas turísticas voltas a apreciar o mercado e o que este oferecia aos seus visitantes, a par da pressão da companhia, tive que apressar a ida ao sector das frutas.
Ainda o calor não se fazia sentir com intensidade, no lugar o calor melódico de vozes femininas que entre versos e estrofes com rimas sensuais investiam cantadas para atrair a sardinha para a brasa de cada uma.
De repente, e diante da minha calculada surdez, uma voz, na contramão, solta suave, focada e demolidora: “ Amor, a minha é doce!”
Para quem tenha observado o momento certamente que se imaginou num autódromo ao ouvir o chiar de uma brusca travagem. Confesso que não fora tão brusca, mas de que houve uma travagem não tenho dúvida alguma.
- Como vais pagar, amor? A pergunta fazia sentido. Um dos operadores de transações móveis estava temporariamente fora do ar. Enquanto se executava as démarches alternativas para o pagamento da compra feita, que fora acima do planificado, sublinhe-se, a vendedeira foi falando da doçura da sua fruta e de que não me arrependeria.
No protocolo da despedida e solene retirada, a vendedeira oferece uma caixa de morangos a minha filha que se mostrara com sinais de alguma impaciência e irritabilidade. No momento da oferta a vendedeira diz: “Amorzinho estes morangos são para ti. Diga a mãe que foi a tia do mercado que deu”.
A recepcção da oferta não foi nada calorosa. Exigi explicações pelo comportamento e a resposta não tardou: “Não sou sobrinha dessa “tia assanhada”!”
Nando Menete publica às segundas-feiras.
Depois da tia de óculos de ar(co) cinzento o médico é a segunda figura de quem se tem medo em tenra idade. Talvez seja por isso que na idade adulta, diante do médico, este, diferente do juiz no tribunal, não precisa que o seu paciente jure perante a lei ou mesmo que esteja autorizado a mentir a seu favor. Ainda mais: na generalidade, o médico não precisa da intervenção policial para que o seu paciente execute uma sua ordem, incluindo a de ficar tal como o mundo o recebeu.
Salvo melhor informação, o médico é o primeiro a ser recebido pelos detentores de poder como reis e presidentes, antes dos respectivos afazeres diários. Porventura, este seja o único momento em que a verdade é parte do menu diário do alto dirigente, pois o que acontece depois é tudo da esfera da peleja política.
Neste momento, o da visita do médico, o (bom) líder aproveita a ocasião e pergunta ao médico: “Como estão as coisas lá fora?”. Em seguida o médico partilha as dores (sociais, económicas, culturais, etc) da sociedade que as sente e escuta-as dos seus pacientes.
Este introito não tem nada a ver com a greve dos médicos, ora suspensa. Tem a ver com uma minha curiosidade sobre o invulgar interesse ou sensibilidade política dos médicos. O mundo esta cheio de exemplos de médicos que se tornaram grandes políticos e até revolucionários. O exemplo mais à mão é o do argentino-cubano Che Guevara.
Certa vez, perante esta minha curiosidade, alguém disse-me que a tal sensibilidade política dos médicos resulta do seu contacto profissional com os pacientes, no qual estes, fora partilhar os sintomas do que padecem, partilham outros sintomas e dores que enfrentam no seu dia-adia.
A explicação fez-me algum sentido a ponto de pensar se as dores dos médicos não seriam também as dores do povo? Se sim, ou se não, não sei. Por ora, apenas ocorre-me a tia de óculos de ar(co) cinzento: que me lembre ela nunca soube das dores do seu sobrinho.
Nando Menete publica às segundas-feiras.
Tenho ainda presente o dia em que a malta da zona, isto em tempos infanto-juvenil, decidiu estudar em grupo na casa de um dos membros que, na altura, era o único que já frequentava a universidade. Uma escolha (a da casa), determinada, presumo, pelo factor universidade e, quiçá, para efeitos de inspiração dos que ainda estavam a caminho.
No meio da jornada do estudo em grupo - que era composto por estudantes do secundário, pré-universitário e universitário – um do secundário, que depois de apreciar um teste de um dos finalistas do pré-universitário, em que este tirara uma negativa (3/20), disse que ele teria tirado melhor nota fixando-a até em oito valores (8/20). Em seguida o estudo quase que transitava para o quintal.
“Chumbavas na mesma”. Com esta intervenção, o único estudante universitário do grupo cortou a fanfarronice do puto do secundário que procurava humilhar o amigo finalista.
Conto este episódio a propósito de uma intervenção do mesmo efeito – fecho de papo - numa recente conversa entre um grupo de amigos em que se debatia os ânimos de regozijo pelos sinais do rumo de África com a diminuição ou queda da influência e poder do Ocidente, recentemente exaltados no contexto dos golpes militares na África Ocidental e a expansão dos BRICS.
"Lacaios na Mesma”. Disse o tal amigo em resposta crítica aos que se regozijam pelo rumo das mudanças em curso, sobretudo o comportamento ou posicionamento de parte da liderança africana que, segundo ele, não passava de uma mera troca de patrão ou, dito cruamente, uma troca de exploradores.
Para este amigo, a África tinha que aproveitar e melhor articular ganhos no contexto das mudanças em curso, sobretudo face aos interesses dos que se digladiam pela influência e poder global.
Sobre isto, e para terminar, veem-me a memória um então ministro da Defesa do Irão que nos anos 1996\97, em visita oficial a Moçambique, dera uma palestra a oficias das forças armadas moçambicanas e estudantes do então Instituo Superior de Relações Internacionais (ISRI).
O dito ministro, que respondendo a um estudante que o perguntara o que achava da amizade ou posição pró-iraquiana de Moçambique nas querelas entre o Irão e o Iraque, disse que se admirava que tenha sido um estudante de relações internacionais a fazer tal pergunta, pois este já devia saber que o que move o mundo são interesses e até recordou de que era isso que justificava a sua presença em Moçambique.
Nando Menete publica às segundas-feiras.
Esta manhã, enquanto procedia a démarches de uma transferência electrónica numa das esquinas da cidade, interessou-me um debate que decorria entre um grupo de vendedores informais.
O mote da conversa era a nossa política, e pelo que deu para entender a conversa era na sequência das escaramuças deste fim-de-semana, na cidade da Beira, entre militantes de dois partidos da praça nacional, em vésperas das eleições autárquicas de Outubro próximo.
O meu interesse pela conversa obrigou-me a alongar as démarches da transferência, fingindo que não me lembrava do código. A amnésia durou por aí um quarto de hora, o que foi suficiente para entender o teor da conversa.
Um dos vendedores, e que me pareceu o mais informado, disse, e com visível inconformismo, que a política e os políticos de Moçambique são iguais a “Xiquento”, uma expressão do sul de Moçambique que é empregue para designar o matabicho feito com uma mistura de restos ou sobras de comida, alguma tocada, do(s) dia(s) anterior(es) que são aglutinados e aquecidos numa frigideira.
“Fernando…”? Respondo “Afirmativo”. Em seguida, pego o dinheiro e continuo a caminhada, ora pensativo por conta da alusão ao “Xiquento” que é, na verdade, salvo melhor entendimento, uma solução em resposta à impossibilidade de uma refeição melhor.
Já no destino, conto o episódio e o meu interlocutor conclui: assim nas eleições autárquicas e nacionais, que se avizinham, seremos obsequiados com um mega regabofe de “Xiquento”.
Nando Menete publica às segundas-feiras.
A sensação de ter ido a Roma e não ter visto o Papa foi a que senti depois de ler de raspão a lavra soberba do escritor Nelson Saúte feita em homenagem da já saudosa “Rainha do Rock n´Roll”, a diva Tina Turner (1939-2023). “Tina” é o título da homenagem.
Nesta leitura de raspão, até cogitei a hipótese de que a homenageada não fosse a Tina Turner. Ligo ao meu primo Marutissa, por acaso um conhecido do escritor e que me mandara o texto corrido logo pela manhã do dia da sua publicação no sítio da Carta de Moçambique. Ele não responde. A ideia era a de ele perguntar ao escritor se não teria publicado a versão errada. Deixo uma mensagem.
Estou agora a reler a citada homenagem. Estou no 3º parágrafo: “Creio, aliás, que seria na televisão (TVM, a TVE na altura, anos 80 do séc. XX) com imagens trêmulas – porque era difícil acertar com a antena e o sinal – que vi, pela primeira vez, deslumbrado e arrebatado, Tina Turner. Era brutal no palco, tinha uma poderosa presença. A sua voz...”
Volto a ligar para o primo Marutissa. Falta qualquer coisa neste parágrafo que me desassossega. Ele novamente não atende. Ainda com fortes dúvidas de quem seria a homenageada deixo esta mensagem: “Não estará o Nelson Saúte a homenagear uma outra Tina?”
S Apreensivo, volto ao texto. Estou no 7 º parágrafo: “ Foi assim que Tina Turner entrou estrondosamente nas nossas vidas, com aquele seu vozeirão, com aquelas pernas míticas, aquela cabeleira inadjectivável e o mais belo sorriso do mundo. Aquela sua beleza exuberante….”
Neste parágrafo, o 7º parágrafo, e tal como no sétimo dia Deus descansou da criação do mundo, também descanso. Um parágrafo que me sossega. Finalmente tiro as dúvidas: é de facto a Tina Turner que Nelson Saúte homenageia.
Na mensagem que deixei na primeira ligação ao primo Marutissa, em seguimento a leitura de raspão, dizia: “Ir a Roma e não ver o Papa. Lembrar da Tina e não falar das suas fabulosas pernas não tem diferença (risos) ”.
Foram seis penosos parágrafos até ver a arrebatante Tina Turner. Aliás, a própria finada, em vida, disse: “Às vezes, acho que sou tão famosa pelas minhas pernas quanto pela minha voz”.
Saravá, Tina Turner!
Nando Menete publica às segundas-feiras.
Um sénior citadino da capital do país foi interpelado, na esquina das avenidas 24 de Julho e Guerra Popular, por jovens estudantes que discutiam sobre uma obra que decorre bem próximo e em pleno passeio central da Av.24 de Julho.
Pelo que pude apurar os jovens são estudantes de um instituto que leciona matérias sobre transportes e discutiam se a obra acima referida era ou não uma estação (paragem) do BRT (Bus Rapid Transit), o retomado projecto de faixas/corredores exclusivos de transporte público urbano, recentemente anunciado pelo titular do Ministério dos Transportes e Comunicações
Porque o consenso roçava a impossibilidade os jovens decidiram solicitar a opinião do citado citadino, que por ali ganha o pão. Este, um velho ardina e engraxador da esquina, que depois de (supostamente) reflectir – os sinais do exercício não deixavam dúvidas – respondeu com sotaque de José Maria Relvas: “Se é uma estação do BRT? Não, é uma retrete pública!”.
O sotaque e o termo “Retrete Pública” deixaram-me com alguma curiosidade a ponto de deslocar-me até a dita obra a fim de conferir a placa. Entre outros dados, constava que a obra é do Município de Maputo e de que era um sanitário público. Confesso que enquanto aproximava-me da placa rezava para que a obra fosse uma estação-modelo do BRT.
Prontos: a obra é de facto uma “Retrete Pública” localizada no coração da cidade entre quatro faixas de rodagem (duas de cada lado) da movimentada Av. 24 de Julho. Imagino que aliviar por ali o número dois não será fácil. A cada buzinadela, uma interrupção. E esta pode até ser divina e como causa da morte: “Acidente fatal de viação em posição fecal”. Assim constará na certidão de óbito.
Decerto que alguém pensou, alguém decidiu, alguém financiou e a obra decorre. Igualmente decorrem inquietações cidadãs quer sobre a localização e segurança quer as de ordem estética, sociológica e antropológica, quer ainda da ligação desta obra com o BRT, uma vez que se encontra postada no percurso de uma potencial via BRT.
Em retirada, solene e fúnebre do local, e diante dos jovens estudantes, que se haviam também aproximado da placa, disse-os de que temia que esta retrete pública fosse o retrato público do destino a ser dado ao projecto do BRT. Na verdade, o endereço final de anteriores projectos similares e afins.
Por ora, e a fechar, que se espere pelo dia da inauguração, principalmente pelos discursos e outros actos da ocasião, um momento que aguardo ansioso, pois nunca vi e não sei como é que se inaugura um sanitário público, sobretudo quando a M… já está, previamente, feita.
Nando Menete publica às segundas-feiras.
A propósito das empresas (LAM e TMCEL) recentemente alvos de intervenção, e que há anos são a imagem da asfixia em que se encontram as empresas públicas participadas e superiormente orientadas pelo Instituto de Gestão das Participações do Estado (IGEPE), conto abaixo dois episódios e as respectivas lições para a devida consideração de quem de direito.
Episódio 1: há uns anitos eu estava em casa da “Avó Maria”, por sinal a minha mãe, e na TV passava uma entrevista à então presidente do Fundo de Fomento de Habitação em que se queixava do facto da principal fonte financeira do fundo ter secado. E nesse instante ouço a “Avó Maria” dizer: “Quando a fonte estava a jorrar não veio informar”.
Episódio 2: no lançamento recente do livro “Crónicas dum Insubmisso” do médico Hélder Martins, o comentador do livro, o escritor Luís Bernardo Honwana, abriu um parenteses e contou que em miúdo, na Moamba, os seus pais apontavam para o Hélder Martins como um miúdo e aluno exemplar e de que eles, o Luís e companhia, deveriam seguir as peugadas dele, o ora “insubmisso”.
Agora o ponto: à luz de todo o enredo que culminou com a intervenção na LAM e na TMCEL, chego a conclusão de que destes dois episódios, no mínimo, duas lições podem ser extraídas para o futuro.
A primeira lição: que a tutela das empresas públicas não venha a terreiro apenas quando a fonte seca. Espera-se dela que também venha, alto e em bom-tom, anunciar que as torneiras estão a jorrar. Certamente que a “Avó Maria” agradeceria bastante.
A segunda lição: seria igualmente de bom-tom que os governantes da tutela quando viessem a público aos gritos, por conta da crise de uma e outra empresa, também fizessem o mesmo que o pais de Luís Bernardo Honwana, apontando a essas empresas uma e outra de sucesso como bons exemplos a seguir. Pelo menos o Luís Bernardo Honwana não se arrepende.
Dito isto, o ponto de fundo: já se sabe de tudo sobre as empresas públicas sufocadas e algumas já estão em fase de medicação. O que ainda não se sabe de tudo é sobre as empresas públicas que (ainda) respiram. Existem? Se sim, quais são? Quanto custam e jorram para o Estado?
Em jeito de fecho, o ministro dos transportes e comunicações até que podia dar o pontapé de saída, anunciando as empresas do seu sector que se encontram de boa saúde e que se recomenda. A seguir o dos recursos minerais e energia e assim sucessivamente. Quiçá o IGEPE faça por todos.
PS: por falar do IGEPE - que é quem assegura as boas práticas de gestão e a assistência técnica necessária ao denominado sector empresarial do Estado - certamente que lhe cabe um quinhão de responsabilidade no estado geral de asfixia em que se encontra o sector. Sendo assim, quem a priori deveria merecer uma intervenção (internacional), e para o bem de todo o sector, não seria o próprio IGEPE? Ou estarei equivocado?