Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

BCI

Política

O Director Nacional dos Hidrocarbonetos e Combustíveis, no Ministério dos Recursos Minerais e Energia, Moisés Paulino, diz haver “crime organizado” no transporte de combustível com destino aos países do hinterland. Como consequência, a autoridade afirmou que o crime tem lesado o Estado em cerca de 2.5 biliões de Meticais por ano.

 

Em entrevista, ontem, à “Carta”, Paulino explicou que a descoberta da existência de esquemas de contrabando de combustível em trânsito no país é resultado da marcação de combustíveis, uma actividade iniciada, em Agosto, de 2018, com a finalidade de combater e prevenir a adulteração daqueles produtos, bem como minimizar as perdas de receitas fiscais com seu contrabando.

 

“Estamos a dizer que temos entre 30% a 40% de combustível em trânsito que ainda não controlamos. Isso equivale a uma perda de cerca de 2.5 biliões de Meticais aos cofres do Estado. É muito dinheiro que vai para as mãos de pessoas desonestas”, afirmou Paulino.

 

Dada a gravidade do crime, aquele gestor disse que a Direcção de Hidrocarbonetos e Combustíveis e a Autoridade Tributária de Moçambique que junto à empresa suíça SICPA implementam a marcação de combustíveis, vêem-se obrigados a redobrar esforços para estancar o problema.

 

“Queremos controlar o combustível em trânsito que, vezes sem conta, porque a sua carga fiscal é fraca, os operadores de má-fé, em crime organizado, introduzem de novo no sistema interno e isso lesa o Estado”.

 

Como forma de estancar o crime, Paulino apontou melhor fiscalização do combustível em trânsito nos armazéns aduaneiros nacionais. “É aqui nos armazéns aduaneiros que temos de melhorar a coordenação, o controlo, para percebermos o que nos faz perder esta receita. Se nós formos firmes nos armazéns aduaneiros, meio caminho teremos andado para controlar o combustível em trânsito”, frisou a fonte.

 

Além do projecto de marcação de combustíveis, o nosso interlocutor indicou que, para o combate do crime, as instituições contam com reforço e auxílio do novo Decreto n. 89/2019, de 18 de Novembro, que aprova o Regulamento sobre os Produtos Petrolíferos. (Evaristo Chilingue)

Depois da sua breve visita a Maputo, entre os dias 8 e 11 de Fevereiro, Tao Zhang, Subdiretor-Geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), diz que o fundo “está pronto para fortalecer ainda mais sua colaboração com as autoridades moçambicanas e ajudá-las a executar sua agenda de reformas”. Mas Tao Zhang não diz nem como nem quando. Entretanto, enfatizou a necessidade da boa governação e da transparência.

 

Em parco comunicado distribuído ontem, Zang disse: “Foi um grande privilégio visitar Moçambique pela primeira vez e conhecer em primeira mão as oportunidades e os desafios enfrentados pelo país. Foi uma honra especial conhecer o Presidente Nyusi e ouvir sua visão para o país”.

 

E acrescentou: “Estou satisfeito que a economia moçambicana esteja a se recuperar dos efeitos dos ciclones tropicais Idai e Kenneth no ano passado”.

 

Mas, disse ele, para que o crescimento acelere ainda mais e se torne mais inclusivo, é importante que as políticas económicas permaneçam prudentes e as reformas continuem. Isso incluiria ações para o fortalecimento da governação e transparência, enfrentar vulnerabilidades climáticas, e alcançar as metas do desenvolvimento sustentável”.

 

Fez também uma referência ao gás do Rovuma: “O sector do GNL em desenvolvimento no norte de Moçambique tem um potencial elevado e, dadas políticas e salvaguardas apropriadas, pode tirar milhões de pessoas da pobreza. Também ajudará a reduzir gases de efeito estufa, embora combustíveis com emissão zero ainda serão necessários na luta contra as mudanças climáticas”.

 

Durante a sua visita, Zhang também reuniu-se com os Ministros Maleiane, Tonela e Mondlane, mais o Governador do Banco de Moçambique Rogério Zandamela, para além de outros funcionários seniores e representantes do sector privado, da sociedade civil e da comunidade internacional. (Carta)

Marcelino dos Santos redigiu, de Portugal, onde se encontrava a estudar desde 1947, uma carta que seria publicada no prestigiadíssimo O Brado Africano, onde anuncia, com irredimível convicção, a sua combatividade, aos 20 anos. Isto nos finais dos anos 40. Permanecerá quatro intensos anos na antiga capital do Império. Estuda e conspira, milita clandestinamente. Envolvido numa organização dos estudantes das colónias, sairá para Paris, em 1951, onde prossegue a sua actividade política com premência, a par dos seus estudos. Abandonado o curso de engenharia, estuda ciências económicas e sociologia.

 

Reúne, no seu quarto, a 100 metros da Sorbonne, futuros lutadores pela liberdade. Intentava fazer um movimento anti-colonial, que precede a formação da frente – no caso de Moçambique - que irá concretizar o objectivo da luta. Participa em importantes encontros internacionais, como os festivais da juventude. Em 1959 é expulso de França. Razões? A sua intensíssima actividade política. Bélgica e Inglaterra inscrevem-se nos territórios de exílio.

 

Em 1961 (18 e 19 de Abril) participa na fundação da CONCP (Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas). O PAIGC, que nascera em 1956, representa a Guiné-Bissau e Cabo Verde, o MPLA (igualmente fundado em 1956) representa Angola, o MLSTP (nasceria em 1960) participa em nome de S. Tomé e Príncipe, e a UDENAMO (também de 1960, que será substituída pela ulterior FRELIMO na organização) defende o nome de Moçambique. Marcelino dos Santos é eleito secretário-geral da CONCP e secretário das Relações Exteriores da UDENAMO. Seria, em 1962, fundador da FRELIMO, da qual chegará a ser vice-presidente.

 

Em Setembro de 1990, quarenta anos depois daquela imprescritível carta, quis saber, numa longa entrevista que lhe fiz em dois dias, no seu gabinete de Presidente da Assembleia Popular, de onde herdara essa costela nacionalista.

 

Marcelino dos Santos: «O porquê de arvorar, de brandir essas ideias? É preciso considerar a realidade vivida: vários aspectos, seguramente. Mas o primeiro é que, quando eu deixo Maputo, nos anos anteriores, os mais velhos falavam sempre da “causa”, “a causa africana”. Muitas vezes só diziam: “a causa”. Alguns, na altura, com a idade do meu pai. Quando souberam que ia partir, se me encontrassem na rua diziam: “Vem cá, ó miúdo. Tu vais para Lisboa, não é?” “Sim”. “Então, vai lá e volta formado para vires defender a nossa causa”.»

 

O Brado Africano titula, numa breve e ilustrada coluna, “Dr. Marcelino dos Santos: Por notícias recebidas de Paris, soube-se, nesta cidade, que um moçambicano acaba de concluir a sua formatura em Ciências Económicas e Sociologia na Universidade de Sorbonne. Trata-se de Marcelino dos Santos, ex-aluno da Escola Técnica Sá da Bandeira, que cedo deixou a sua terra a caminho da Mãe-Pátria, seguindo depois para Paris, onde prosseguiu os seus estudos. Formou-se agora em Ciências Económicas e Sociologia, concretizando o seu ambicionado sonho. Marcelino dos Santos, nosso distinto colaborador, a quem sinceramente felicitamos, é filho do sr. Firmino dos Santos, ex-administrador deste jornal, e de sua esposa sra. D. Teresa Sabina dos Santos, a quem endereçamos os nossos parabéns.”

 

Como se atesta acima, Marcelino dos Santos foi e formou-se. A despeito, não voltou de imediato. A “causa” reteve-o perto de três décadas. Quando voltou trazia consigo “a nova árvore/ da Independência Nacional”, como escreveu num dos seus mais belos e célebres poemas - “É preciso plantar”.

 

Marcelino dos Santos: “É preciso plantar/ mamã/ é preciso plantar// é preciso plantar/ nas estrelas/ e sobre o mar// nos teus pés nus/ e pelos caminhos// é preciso plantar// nas esperanças proibidas/ e sobre as nossas mãos abertas// na noite presente/ e no futuro a criar/ por toda a parte/ mamã// é preciso plantar// a razão/ dos corpos destruídos/ e da terra ensanguentada/ da voz que agoniza/ e do couro de braços que se erguem// por toda a parte/ por toda a parte/ por toda a parte// por toda a parte/ é preciso plantar/ a certeza/ do amanhã feliz/ nas carícias do teu coração/ onde os olhos de cada menino/ renovam a esperança// sim mamã/ é preciso/ é preciso plantar// pelos caminhos da liberdade// a nova árvore/ da Independência Nacional”.


A mãe Teresa viu-o plantar essa árvore. Aliás, a poesia do filho elucida o amor incorruptível pela pátria através da figura da mãe. Não só no poema que citei, mas num conjunto significativo de textos. A mãe é a metáfora dessa terra que é preciso libertar e pela qual se luta. O pai, antigo operário dos Caminhos de Ferro, não o viu chegar, na condição de herói e mito da velha “causa”. Morreu em 1965 aos 67 anos. Para além dos Caminhos de Ferro, onde trabalhara, fora da direcção do jornal fundado por João Albasini e onde avultaram nomes como os de Estácio Dias, pai de João Dias, escritor prematuramente desaparecido.

 

Marcelino não acompanha aqui a florescente actividade literária e a consagração de nomes como José Craveirinha (1922-2003), Noémia de Sousa (1926-2002), Rui Knopfli (1932-1997), Rui Nogar (1932-1993) ou Luís Bernardo Honwana (1942). Noémia segue o caminho do exílio e vai para Lisboa em 1951. Quando o cerco aperta em Portugal, salta a fronteira, com a filha às costas, em 1964. Marcelino dos Santos consegue-lhe um emprego no Consulado de Marrocos em Paris. Noémia, cujo nome se tornou, por alguma razão estranha, disjuntivo neste percurso, está na primeira linha da luta anticolonial e participa desta geração de libertários. Não obstante, ela falou-me sempre com ênfase e empatia dos seus companheiros: o guineense Amílcar Cabral (1924-1973); os angolanos Agostinho Neto (1922-1979), Lúcio Lara (1929-2016), Viriato da Cruz (1928-1973) ou Mário Pinto de Andrade (1928-1990); o moçambicano Marcelino dos Santos (1929). Foi com a Noémia que eu obtive o retrato humano e apaixonante de Marcelino, longe da retórica dissimulada da revolução.

 

Eduardo Mondlane, impedido de continuar os seus estudos na Universidade de Witswatersand, na África do Sul, permanece um ano em Lisboa, no início da década de 50, enquanto aguarda a oportunidade para ir para os Estados Unidos. Está também em Lisboa Fernando Vaz, médico, envolvido, como muitos dos estudantes, na Casa dos Estudantes do império. Não se estabelece ainda entre eles uma forte ligação: Mondlane vai para os Estados Unidos e Marcelino para Paris. Terá, na capital francesa, uma frenética actividade política. Participa no Festival Mundial da Juventude em Bucareste, em 1953, com Agostinho Neto, Guilherme Espírito Santo, de S. Tomé e Príncipe, e Vasco Cabral, da Guiné-Bissau. Foram para lá enquadrados no MUD-Juvenil (Movimento de Unidade Democrática, de oposição ao regime de Salazar), mas apresentam-se como representantes de cada um dos seus países, com tabuletas indicando Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, S. Tomé e Príncipe. Mais tarde irão representar os seus países nos festivais de Varsóvia (1955) e Moscovo (1957).

 

Marcelino dos Santos começa por estudar em Grenoble, mas muda-se para Paris. Em Grenoble leram Franz Fanon (1925-1961). O seu Pele Negra, Máscaras Brancas surgiu em 1952 e esteve na origem de debates. O Orfeu Negro, de Jean-Paul Sartre, fora publicado em 1948. A questão da raça inflamava os contraditórios. Discutiram estes e outros livros. Organizaram palestras denunciando aquilo que pareciam ser aspectos menos positivos na obra de Fanon. Isto ainda em Grenoble, onde estava com Aquino de Bragança (1924-1986). Partem para Paris em 1953. Aquino de Bragança acompanha-o. Mário Pinto de Andrade transfere-se de Lisboa para Paris em 54 e desenvolve sobretudo uma importante actividade cultural, da qual avulta a sua colaboração na Presence Africaine. O Congresso dos Homens Negros é um dos eventos realizados pela Presence Africaine.

 

Paris é também uma capital cultural indeclinável e Marcelino convive com grandes figuras do mundo cultural africano ou com o ideário próximo dele: Aimé Cesaire (1913-2008, poeta, dramaturgo, ensaísta e político, ligado ao movimento surrealista e fundador da Negritude, nascido na Martinica); Alioune Diop (1910-1980, senegalês, escritor e editor, fundador da Presence Africaine, talvez a maior figura intelectual negra da primeira metade do século XX, o primeiro preto editor em França); Léon-Gontran Damas (1912-1978, escritor e político francês, nascido na Guiana francesa); David Diop (1927-1960, poeta senegalês, morreu cedo, um dos poetas promissores de língua francesa, ligado à negritude, de quem Marcelino foi muito próximo); René Depestre (poeta do Haiti, tem hoje 91 anos); Edouard Glissant (1928-2011, poeta e romancista francês, oriundo da Martinica); entre outros.

 

Conviviam, embora o olhassem com alguma desconfiança, com Leopold Senghor (1906-2001, escritor e político, foi presidente do Senegal entre 1960 e 80, e foi, com Aimé Cesaire, um dos ideólogos da Negritude). Conviveu ainda com W. E.B. Du Bois (1868-1963), historiador, sociólogo, nascido nos EUA e autor e figura célebre. Também conviveu com Jacques Rabemananjara (1913-2005), político e intelectual malgaxe. Ou com Jean Price-Mars (1876-1969), do Haiti, escritor, médico e diplomata.

 

Mário Pinto de Andrade contou-me certa ocasião que Marcelino dos Santos cedeu parte dos direitos autorais de um livro seu publicado na antiga União Soviética que permitiu a edição do Caderno de Poesia Negra de Expressão Portuguesa. Há quase trinta anos confirmei com o próprio Marcelino dos Santos esta informação. O Caderno foi importante iniciativa editorial de Mário Pinto de Andrade e de Francisco José Tenreiro (1921-1963, poeta santomense, autor de Ilha de Nome Santo, desaparecido prematuramente). Este caderno é dedicado a Nicolás Guillén, poeta cubano. Tem poemas de Noémia de Sousa.

 

Marcelino dos Santos: “Verde carmin azul e violeta/ e nós / marchando no planalto.” Estes belos versos foram escritos em 1968 durante a marcha pela liberdade: “e sempre nos nossos olhos/ as cores suaves e doces/ de verde carmin azul e violeta/ na paisagem quente/ da terra livre de Moçambique”. O poema “Nampiali” é um dos mais belos textos deste poeta-guerrilheiro. Em 1953, escrevera, ainda em Paris, “Canto do amor natural”, que será muitos anos depois o título do seu livro em Moçambique, em 1987. “No lento balancear/ Das palmeiras/ Torcendo-se em movimentos melancólicos/ eu canto-te o meu amor.”

 

Marcelino dos Santos: “Mãe negra/ Embala o seu filho/ E na sua cabeça negra/ Coberta de cabelos negros/ Ela guarda sonhos maravilhosos”. A figura da mãe, no sentido denotativo, mas também a metáfora: a terra. O sonho intransigente da liberdade. A luta, a razão da luta. Pátria, Moçambique: “fonte do meu querer/ e razão do meu viver”, escreverá em “À minha Pátria”. “Terra mãe” será título de um dos seus poemas.

 

Poeta da revolução, combate, através das palavras, de seus versos, alguns, muitos, panfletários, como assumirá, no texto “Para uma moral”, de 1967. Poema-panfleto, poema-comunicado, documento, didáctico e moralista. Texto destinado a jovens que preferiam seguir seus estudos em vez de empregar os seus conhecimentos ao serviço do povo nas zonas libertadas: “Continuar ou não a estudar/ não é problema teu nem meu// é nosso”. “Somos soldados da FRELIMO”, dirá no “Primeiro panfleto”. No “Segundo panfleto”: “O importante não é o que EU quero/ o que Tu queres// mas o que NÓS queremos/ A Revolução é assim”.

 

A minha geração, quando, nos anos 80, intentou um caminho, fez o percurso literário adverso. Não tenho pruridos em considerar e relevar a importância histórica e, talvez sociológica, daquela produção literária, designada de combate, mas tinha e tenho reservas de cariz estético. Discuti muito com o Rui Nogar a este respeito. Discutimos fraternalmente. Mas o Rui tinha o condão de acreditar que a causa era de ordem suprema na literatura e, mesmo assim, não enjeitar outras possibilidades. Foi o Nogar, aliás, que acolheu a nossa geração, que era uma geração rebelde, que era uma geração crítica, na Associação dos Escritores. Foi ele quem lhe criou espaço para a afirmação. Não é por acaso que a nossa geração se afirma com uma poesia lírica contraditando esta – a do Rui Nogar ou Marcelino dos Santos, designadamente.

 

Marcelino dos Santos, que também foi Kalungano ou Lilinho Micaia, publicou o seu único livro em Moçambique há 30 anos – Canto do Amor Natural - pela Associação dos Escritores. Foi, por assim dizer, um acontecimento literário. A densidade histórica da sua poesia merecia um novo acolhimento e enquadramento editorial. Mas vivemos num país onde nem sequer os seus heróis – Marcelino dos Santos é indubitavelmente um deles – merecem a atenção e o cuidado dos poderes públicos na área da cultura para que a sua obra seja reenviada para o trânsito dos leitores, lida, estudada e reconhecida. O poeta-revolucionário merece essa láurea em vida. A sua produção recente, alguma dela que integrou as antologias que organizei ou co-organizei, ou outras, devia ser resgatada. Fica o repto para quem de direito. Marcelino dos Santos é um dos poetas mais importantes da chamada poesia de combate e a sua poesia confunde-se não só com a sua vida mas com parte relevante da nossa história. Por outro lado, não é possível discernir sobre a sua poesia sem pensar e entender o seu percurso de vida, de militante e de combatente. A sua utopia. A utopia da sua geração.

 

Primeiro na Associação dos Escritores que ele frequentou assumindo-se como poeta e despojado do poder – e é interessante isso e é aparentemente paradoxal -, depois em inúmeras circunstâncias, convivi, ao longo dos últimos 30 anos, com Marcelino dos Santos, e, não obstante as contradições que marcaram e marcam o seu trajecto pessoal, aprendi a admirá-lo e respeitá-lo sem sujeitar o meu juízo a nenhuma espécie de rigor moral ou de outra ordem. Quem seria eu para o fazer? Mais do que isso, reputo como um dos mais coerentes da sua geração. Não o vi transfigurado nem camaleónico. Podemos não concordar com ele, mas temos que respeitar a sua coerente obstinação.

 

Releio os seus poemas, relembro a sua longa e bela trajectória, recordo-me das imensas ocasiões em que falámos, discutimos fraternalmente, das vezes que o visitei em casa, do seu olhar penetrante, da sua voz poderosa, dos tempos em que ele era um tribuno audaz, um dos grandes tribunos moçambicanos, relembro o elogio fúnebre a Samora, a sua voz embargada, que a todos nós comoveu, das lágrimas de Marcelino diante do féretro de Machel, de outros momentos, tantos outros momentos, hoje e sempre, numa relação sempre fraterna do poeta e meu camarada de letras. Marcelino dos Santos morreu ontem, em Maputo.

 

Texto de Nelson Saúte, já publicado originalmente no jornal "O País". Recolhe elementos biográficos relevantes. O titulo é da responsabilidade de "Carta"

quarta-feira, 12 fevereiro 2020 05:15

Marcelino dos Santos morreu por paragem cardíaca

O fundador da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), Marcelino dos Santos, que faleceu ontem aos 90 anos, na sua em casa, em Maputo, foi vítima de uma paragem cardíaca, anunciou o médico pessoal.

 

"Há uns anos eram frequentes os internamentos, nos últimos esteve mais estável, mas desta vez não suportou e acabou perdendo a vida: fez uma paragem cardíaca", referiu o médico Leopoldo da Costa em declarações à Televisão de Moçambique (TVM).

 

Segundo explicou, Marcelino dos Santos sofria de diferentes enfermidades que o obrigaram a várias hospitalizações.

 

"Já vinha sofrendo bastante nos últimos anos com problemas de saúde. Fui um dos médicos que o acompanhou e ele teve sempre altos e baixos no seu estado", descreveu.

 

O Presidente moçambicano e da Frelimo, Filipe Nyusi, bem como os órgãos do partido, já divulgaram uma nota de pesar pela morte, mas ainda não foram divulgados pormenores sobre as cerimónias fúnebres.

 

Natural de Lumbo, junto à Ilha de Moçambique, na província de Nampula (Norte do país), fez parte com Samora Machel e Uria Simango do "triunvirato" que chefiou a FRELIMO após a crise aberta com o assassínio de Eduardo Mondlane, em 1969.

 

Após a independência, exerceu entre outros cargos o de presidente da Assembleia da República de Moçambique, entre 1986 e 1994, último lugar institucional que ocupou, apesar de ter continuado na vida política.

 

De acordo com o partido Frelimo, Marcelino dos Santos engajou-se, desde a sua juventude, na luta contra o colonialismo e o fascismo, em Moçambique e em África, tendo participado e liderado o movimento nacionalista com destaque para a Associação dos Estudantes da Casa do Império, o Centro de Estudos Africanos e a Conferência das Colónias Portuguesas, organização de que foi Secretário-Geral.

 

Na estrutura da FRELIMO, movimento que ajudou a criar, proveniente da UDENAMO (União Democrática Nacional de Moçambique), um dos três movimentos que deu “corpo” àquele movimento de libertação nacional, em Moçambique, Marcelino dos Santos desempenhou as funções de vice-Presidente e Secretário de Relações Exteriores, cargo que exercia desde a UDENAMO e que ajudou este movimento a ser conhecido no plano internacional.

 

Aliás, coube a Marcelino dos Santos a elaboração dos primeiros estatutos da FRELIMO, após a união dos três movimentos nacionalistas, nomeadamente UDENAMO, MANU (União Nacional Africana de Moçambique) e UNAMI (União Nacional Africana de Moçambique Independente).

 

Após a independência do país, em 1975, Marcelino dos Santos foi Ministro da Planificação e Desenvolvimento, cargo que deixou em 1977, com a constituição do primeiro parlamento do país – a “Assembleia Popular” – do qual foi Presidente até à realização das primeiras eleições multipartidárias, em 1994.

 

Com os pseudónimos “Kalungano” e “Lilinho Micaia”, Marcelino dos Santos tem poemas seus publicados no “Brado Africano” e em duas antologias da Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa. Com o seu nome oficial, tem um único livro publicado pela Associação dos Escritores Moçambicanos, em 1987, intitulado “Canto do Amor Natural”. (Carta e LUSA)

O custo de vida não pára de elevar-se, em Moçambique. Depois de, em Dezembro, o país ter registado a inflação mais alta de 2019, ao atingir 1.28% - por influência da quadra festiva – o Instituto Nacional de Estatística (INE) concluiu que, em Janeiro último, o custo de vida continuou a “disparar”, com o aumento mensal do nível geral de preços na ordem de 0,63%.

 

De acordo com a Autoridade Estatística, a divisão de alimentação e bebidas não alcoólicas mereceu destaque, ao registar uma variação de preços na ordem de 1,50%. Esta divisão comparticipou para o total da inflação mensal com cerca de 0,47 pontos percentuais (pp) positivos.

 

“Analisando a variação mensal por produto, destaca-se a subida de preços do tomate (7,0%), da couve (21,9%), da alface (18,7%), do peixe fresco (2,3%), de capulanas (2,9%), do ensino primário do 1º grau particular (9,1%) e do óleo alimentar (3,2%). Estes contribuíram no total da inflação mensal com cerca de 0,52pp positivos”, detalha o INE.

 

Contudo, observou a Autoridade, alguns produtos com destaque para a cebola (13,5%), o carvão vegetal (1,7%), o ensino superior particular (3,1%) e os serviços de internet café (22,4%) contrariaram a tendência de subida, ao contribuírem com cerca de 0,20pp negativos.

 

A nível dos três principais centros urbanos do país (Maputo, Beira e Nampula), a fonte constatou que, em Janeiro passado, a Cidade da Beira teve uma inflação mensal acima da média Nacional com 1,49%, enquanto as Cidades de Nampula e Maputo estiveram abaixo da média Nacional com 0,47% e 0,40%, respectivamente. (Carta)

Foi durante a conferência de doadores, realizada entre os dias 31 de Maio e 01 de Junho de 2019, na cidade da Beira, província de Sofala, e que por sinal foi a mais afectada pelo Ciclone Tropical Idai, que os parceiros de cooperação do Governo de Moçambique garantiram a doação de 1.2 bilião de USD, dos 3.2 biliões USD necessários para a reconstrução pós-ciclones.

 

Entretanto, de acordo com os dados do Gabinete de Reconstrução Pós-ciclones (GREPOC), dos 17 parceiros que prometeram, naquele encontro, ajudar o país na reconstrução pós-ciclones, apenas dois é que assinaram acordos de financiamento, nomeadamente, o Banco Mundial (BM) e o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD). Porém, só o BM é que já adiantou uma parte do valor.

 

Segundo a instituição liderada pelo Engenheiro Francisco Pereira, dos 470 milhões de USD prometidos e garantidos pelo BM, apenas 55 milhões de USD é que entraram nos cofres do Estado moçambicano, tendo sido aplicados nas obras de emergência, sobretudo nos sectores das estradas, águas e agricultura.

 

Por sua vez, o BAD prometeu, na Beira, alocar 95 milhões de USD, mas só assinou um acordo de 50 milhões de USD (destinados ao sector meteorológico), não havendo informações sobre os restantes 45 milhões de USD (destinados à recuperação económica).

 

No seu informe, o Gabinete de Reconstrução não apresenta dados sobre os restantes parceiros que deixaram suas promessas naquele evento, nomeadamente: União Europeia (prometeu 200 milhões de Euros); Fundo Monetário Internacional (118 milhões de USD); União Africana (28 milhões de USD); Reino Unido (48 milhões de USD); Estados Unidos da América (100 milhões de USD); Rede Aga Khan (18 milhões de USD); Japão (150 milhões de USD); Alemanha (23 milhões de Euros); Suécia (25.5 milhões de USD); Noruega (25 milhões de USD); Reino dos Países Baixos (16 milhões de USD); Espanha (11 milhões de Euros); Bélgica (9 milhões de Euros); Canada (7 milhões de USD); Itália (5.6 milhões de USD).

 

No entanto, o Gabinete de Reconstrução Pós-Ciclones diz ter recebido garantias de financiamento, vindo de outros parceiros que não se pronunciaram no evento. São eles: o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que assinou um acordo de 7.6 milhões de USD; e a Fundação Budista de Alívio e Compaixão (Tzu Chi), que rubricou um acordo de 60 milhões de USD.

 

A lista de acordos assinados com parceiros que não se pronunciaram durante o encontro da Beira inclui ainda a Agência Japonesa de Cooperação Internacional (JICA), que também assinou um acordo de financiamento, equivalente a 500 mil de USD – para o Projecto de Fortalecimento da Resiliência nas regiões atingidas pelo Ciclone Idai; a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que garantiu um financiamento de 01 milhão de USD para reabilitação e recuperação de infra-estruturas; e a Associação Moçambicana de Bancos, que assegurou um financiamento de 34 milhões de Mts, destinados à reabilitação do Hospital Central da Beira.

 

O Informe diz ainda que as Organizações do Sistema das Nações Unidas e Organizações Não-Governamentais desembolsaram 143 milhões de USD, destinados aos sectores de educação e saúde. (Marta Afonso)