Ao segundo dia do levantamento popular, ontem, 24, após a leitura do acórdão final, peremptório e irrecorrível do Conselho Constitucional sobre os resultados das eleições gerais de 09 de outubro, os manifestantes pró-Venâncio Mondlane continuaram o saque de bens, sobretudo em estabelecimentos comerciais formais e informais ao longo dos principais bairros da cidade de Nampula.
Ao longo da Avenida 24 de Julho é visível o rasto de destruição que juntou homens, jovens, adolescentes e até crianças. Em muitos casos, a presença da polícia não era suficiente para travar os actos de vandalismo. Por exemplo, maior parte dos estabelecimentos comerciais no complexo onde funciona o supermercado Shoprite, na zona residencial Nasser, foram quase todos vandalizados.
Na mesma avenida, lojas novas de cidadãos chineses foram vandalizadas com recurso a picaretas e os manifestantes pilharam tudo, com destaque para calçados.
Na zona residencial de Namiepe, além da destruição do posto policial local, os manifestantes saquearam a empresa Novos Horizontes, dedicada à venda de frango. Aqui registou-se confronto com os agentes de segurança privados, tendo alguns manifestantes sido feridos.
No centro da cidade de Nampula, nem a Igreja Católica escapou. Por volta das 12h50min, os manifestantes estavam a saquear a casa da Arquidiocese da Santa Maria, no entanto, não avançaram para o interior do quintal da Residência Episcopal. A informação foi confirmada pelo padre Pinho, através das redes sociais.
Na zona chamada de “terminal de chapas”, no famoso bairro Muahivire, os manifestantes também exuberaram sua sanha de pilhagem. Além de queimar pneus, saquearam muitos estabelecimentos comerciais privados.
No bairro Namicopo, também houve actos de vandalização. Na zona residencial Mutava Rex, por exemplo, a população invadiu vários estabelecimentos comerciais privados, com destaque para a fábrica de colchões, provocando enormes prejuízos.
Nesta terça-feira, em quase todos os bairros, os mercados não funcionaram em pleno, provocando escassez de produtos da primeira necessidade, incluindo sal e óleo e prejudicando as famílias de baixa renda, que apenas conseguem adquirir esses produtos diariamente e com base na renda precária das suas próprias vendas.
O maior centro comercial do norte do país também foi afectado pela escassez de transportadores de passageiros, vulgo chapa-cem, abrindo espaço à especulação do preço das corridas que eram somente feitas por moto-táxi. No maior círculo eleitoral do país, foram igualmente verificados actos de vandalismo na cidade de Nacala e nos distritos de Meconta, Moma, Ribáuè, entre outros. O nível de destruição é elevado, segundo as nossas fontes posicionadas nos locais afectados. (Carta)
Funcionários da Escola Internacional de Maputo, sobretudo os de nacionalidade moçambicana, exigem a demissão imediata do director Lukas Dominic Mkuti, na sequência da acusação a ele imputada de gestão arbitrária e discriminatória, com sistemáticos atrasos nos salários.
De acordo com um documento enviado à “Carta”, os trabalhadores moçambicanos denunciam que há vários meses têm enfrentado sistematicamente atrasos no pagamento dos seus salários, em flagrante violação dos direitos laborais consagrados na legislação moçambicana. Pelo contrário, os funcionários estrangeiros recebem os seus vencimentos pontualmente, sendo que os nacionais são obrigados a aguardar longos períodos, o que acaba gerando instabilidade financeira e social nas suas famílias.
Segundo o documento, o caso mais recente, por exemplo, ocorreu no mês de Novembro, em que passados mais de dez dias do início do mês de Dezembro a maioria dos trabalhadores moçambicanos ainda não tinha os seus salários reflectidos nas suas contas bancárias.
O grupo diz que a situação é agravada pela ausência de qualquer comunicação por parte do departamento de Recursos Humanos (RH) desta instituição, que opta pelo silêncio face às justas reivindicações dos trabalhadores.
Paralelamente a estes atrasos salariais, o director da escola é acusado de se dirigir aos funcionários de modo ostensivo e desrespeitoso, privilegiando os seus interesses pessoais em detrimento dos direitos dos trabalhadores.
No rol das acusações contra o director da escola, constam frequentes viagens de luxo em business class e gastos excessivos com os que o bajulam, viajando para a vizinha África do Sul acompanhado de mais duas a três pessoas (sempre com a chefe de Recursos Humanos) apenas para pedir cotação de materiais sem interesse para os alunos e professores, num momento em que os salários dos funcionários encontram-se em atraso.
O documento alude ainda que, nas várias tentativas de solucionar a crise, o director despreza-os e diz que ele é maconde, pelo que nada teme porque o Presidente da República o defende. “Podemos ir queixar onde quisermos que nada lhe vai acontecer”, refere o documento.
A Escola Internacional de Maputo está sob co-tutela do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH) e do Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação (MINEC) cujo director foi indicado no princípio deste ano.
Entretanto, em Abril deste ano (2024), o director desta instituição já tinha sido acusado de gestão danosa e de transformar a escola em cenário de desespero e desesperança. No mês de Maio do presente ano, através de uma carta endereçada à Ministra da Educação, Carmelita Namashulua, também de etnia maconde, encarregados, alunos e funcionários denunciaram a arrogância, incompetência e má gestão de fundos de Mkuti.
“Carta” abordou telefonicamente a direcção daquele estabelecimento de ensino, tendo sido encaminhada à Chefe de RH sob a condição, entretanto, de que aguardássemos. Insistimos para que pudéssemos conseguir falar com a fonte, mas até ao fecho da nossa matéria aguardávamos por uma resposta da direcção. (Marta Afonso)
Uma informação difundida na tarde de ontem, 24, na rede social Facebook pelo Prof. Adriano Nuvunga, relatando que o Hospital de Mavalane estava a ser consumido por chamas, gerou alarme social nesta terça-feira. Como já é habitual, um “post” do académico e activista político “viralizar” em questão de segundos, o que se afigurava ser mais um breaking news do também proeminente defensor dos direitos humanos não passou de fake news, entretanto, sem intenção danosa. À “Carta”, a directora clínica do hospital, Maria Helena, desmentiu os rumores, afirmando que o estabelecimento de saúde não foi afectado por nenhum incêndio.
O Director do Gabinete de Comunicação do Ministério da Saúde (MISAU), Nelson Matsimbe, confirmou à nossa equipe de reportagem, na noite de ontem, a integridade do Hospital de Mavalane. Esclareceu que o fogo atingiu, na verdade, o Centro de Abastecimento de Equipamento Hospitalar e Meios Circulantes, localizado nas instalações da avenida das FPLM. Além disso, Matsimbe levantou a possibilidade de os manifestantes terem saqueado o local antes de atearem fogo.
A informação sobre o suposto incêndio no hospital foi também divulgada pela jornalista Ana Maria Albino, no mesmo Facebook, mas tudo indica que o alerta inicial partiu de uma ligação recebida pela equipe do Prof. Nuvunga no Centro de Democracia e Direitos Humanos (CDD) de Moçambique. Segundo o CDD, uma pessoa afirmou estar no hospital e presenciava o incêndio, alegando ter sido impedida de filmar o incidente. Sem meios para verificar os factos no local, o alerta foi publicado de forma preventiva como sempre têm feito.
As autoridades estão a investigar o ocorrido, buscando esclarecer as causas do incêndio, algo também prontamente divulgado pela página do Facebook do líder do CDD, no Centro de Abastecimento de Equipamento Hospitalar e Meios Circulantes. E tendo em vista assacar responsabilidades criminais, porquanto foi fogo posto, no âmbito da “Fase Turbo V8” de manifestações violentas pós-eleitorais instigadas por transmissões em directo, de parte incerta, pelo segundo candidato presidencial mais votado no sufrágio universal de 09 de Outubro passado. (Carta)
No Acórdão nº 24/CC/2024, de 22 de Dezembro, o Conselho Constitucional dedicou três parágrafos para falar das manifestações populares, que se têm assistido no país desde o dia 21 de Outubro e que, desde o fim do dia de ontem, entraram na fase “Turbo V8”, tal como anunciara e apelidara o candidato presidencial Venâncio Mondlane.
O Conselho Constitucional começa por dizer que os protestos começaram de forma pacífica, mas “degeneraram em actos abomináveis” que consistem no bloqueio de estradas, no incitamento à desobediência civil e destruição de bens públicos e privados. O órgão defende que o direito à manifestação deve respeitar a liberdade e os direitos dos outros, condenando “estes actos que tiveram impacto na vida das famílias, na economia nacional e internacional”.
No entanto, em nenhuma linha dos três parágrafos o órgão liderado por Lúcia Da Luz Ribeiro faz referência ao assassinato dos mandatários de Venâncio Mondlane e do PODEMOS, o advogado Elvino Dias e o cineasta Paulo Guambe, respectivamente, crivados de balas (mais de 25) na noite do passado dia 18 de Outubro, em Maputo.
O crime ocorreu dias antes da divulgação dos resultados finais pela CNE (Comissão Nacional de Eleições) e num momento em que o advogado e fiel conselheiro jurídico de Venâncio Mondlane juntava evidências para contestar as eleições de 09 de Outubro, cujos resultados do apuramento distrital e provincial davam vitória à Frelimo e Daniel Chapo com mais de 73% dos votos, em todo o país. Lembre-se que, à data dos factos, o candidato presidencial Venâncio Mondlane e o partido PODEMOS já cantavam vitória.
Até ao momento, o crime, que chocou o país e o mundo, continua por esclarecer e as autoridades continuam remetidas ao silêncio. “Carta” contactou, semana finda, o porta-voz do SERNIC (Serviço Nacional de Investigação Criminal), na Cidade de Maputo, mas este preferiu “fintar” a nossa reportagem com o argumento: “ligo-te já, estou ocupado”, facto que não mais aconteceu, mesmo perante nossa insistência.
No Acórdão, os juízes do Conselho Constitucional até dedicam dois parágrafos para falar dos efeitos da Tempestade Tropical Severa CHIDO – que já matou pelo menos 120 pessoas –, um evento externo ao processo eleitoral. (A. Maolela)
O presidente da Iniciativa Liberal (IL), Rui Rocha, acusou ontem o Governo português de fazer uma “validação acrítica” dos “resultados manipulados” das eleições presidenciais em Moçambique, classificando a posição do executivo como lamentável e hipócrita.
“Até em diplomacia há limites para a hipocrisia. A posição do Governo português de validação acrítica dos resultados manipulados das eleições em Moçambique e de submissão a um poder que despreza regras básicas da democracia e condena o seu povo à fome e à pobreza é lamentável”, escreveu Rui Rocha, na rede social X.
Na mesma rede, também o deputado da IL e vice-presidente da Assembleia da República Rodrigo Saraiva criticou a posição do primeiro-ministro. “Paulo Rangel, em audição há poucos dias na Assembleia da República, afirmou que analisariam com cuidado e tempo o anúncio do conselho constitucional. Montenegro correu e até o comunicado de Marcelo é mais cuidadoso”, escreveu Rodrigo Saraiva.
O primeiro-ministro desejou ontem que a transição de poder em Moçambique decorra de “forma pacífica e inclusiva, num espírito de diálogo democrático”, depois de terem sido divulgados os resultados oficiais das presidenciais moçambicanas.
O Conselho Constitucional de Moçambique proclamou Daniel Chapo, candidato apoiado pela Frelimo, como vencedor da eleição a Presidente da República, com 65,17% dos votos, sucedendo no cargo a Filipe Nyusi.
“Concluído o processo eleitoral pelo Conselho Constitucional e designado Daniel Chapo como Presidente eleito de Moçambique, sublinhamos o propósito de que a transição que agora se inicia possa decorrer de forma pacífica e inclusiva, num espírito de diálogo democrático, capaz de responder aos desafios sociais, económicos e políticos do país”, escreveu Luís Montenegro, igualmente numa publicação na rede social X (ex-Twitter).
Em comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros, o Governo português mostrou-se disponível para trabalhar com o novo Presidente e com o executivo moçambicanos, defendendo a salvaguarda da paz e a estabilidade social no país, nomeadamente na fase de transição política que agora se inicia.
Por seu lado, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, sublinhou a “importância do diálogo democrático” entre todas as forças políticas de Moçambique e saudou “a intenção já manifestada de entendimento nacional”.
“Acabados de proclamar os resultados oficiais das eleições presidenciais e legislativas pelo Conselho Constitucional de Moçambique, o Presidente da República tomou conhecimento dos candidatos e da força política declarados formalmente vencedores por aquele Conselho”, refere uma nota divulgada na página oficial de Belém na Internet.
De acordo com a proclamação feita, Venâncio Mondlane, apoiado pelo Partido Optimista para o Desenvolvimento de Moçambique (Podemos, extraparlamentar), registou 24,19% dos votos, Ossufo Momade 6,62% e Lutero Simango 4,02%.
Enquanto decorria a leitura do acórdão de proclamação dos resultados, já manifestantes, apoiantes de Venâncio Mondlane, contestavam na rua, com pneus em chamas. A proclamação destes resultados pelo CC confirma a vitória de Daniel Chapo, jurista de 47 anos, atual secretário-geral da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, no poder), anunciada em 24 de outubro pela Comissão Nacional de Eleições (CNE), mas na altura com 70,67%.
Esse anúncio da CNE desencadeou durante praticamente dois meses violentas manifestações e paralisações, convocadas pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane, que não os reconhecia, provocando pelo menos 130 mortos em confrontos com a polícia.
As eleições gerais de 09 de outubro incluíram as sétimas presidenciais - às quais já não concorreu o atual chefe de Estado, Filipe Nyusi, que atingiu o limite de dois mandatos - em simultâneo com legislativas e para assembleias e governadores provinciais. (Lusa)