O candidato presidencial Venâncio António Bila Mondlane diz estar disponível ao diálogo entre o Presidente da República e os candidatos à Ponta Vermelha, tal como anunciou, na terça-feira, o Chefe de Estado, em sua comunicação à nação, no âmbito das manifestações populares em curso no país desde 21 de Outubro último.
Em mais uma transmissão em directo na sua página oficial do Facebook, feita ao início da tarde de hoje, Mondlane disse aceitar o desafio feito pelo Presidente da República de haver um encontro entre Filipe Nyusi e os candidatos à Presidência da República, nomeadamente, Lutero Simango (do MDM), Daniel Chapo (da Frelimo), Venâncio Mondlane (do PODEMOS) e Ossufo Momade (da Renamo).
“Eu, Venâncio Mondlane, candidato suportado pelo partido PODEMOS, candidato vencedor das eleições presidenciais de 2024, aceito, sem reservas, esse diálogo, mas, como qualquer negociação, deve ter uma agenda”, afirmou o candidato.
No entanto, para não ir a um encontro sem agenda, disse Mondlane, irá submeter amanhã, sexta-feira, na Presidência da República, “um ofício”, por si assinado, com a proposta de agenda, “sustentada pelos vários moçambicanos” que, segundo o político, ao longo do tempo foram dando as suas opiniões de como devia ser conduzido o diálogo, assim como as manifestações.
A agenda a ser proposta, assegurou, é composta por 20 pontos – selecionados de mais de 40 mil emails recebidos pelo político – que constituem os anseios do povo moçambicano e, após a sua entrada na Presidência da República, será partilhada com os moçambicanos para que tomem ciência do que foi entregue ao Chefe de Estado. “Não queremos diálogos que são feitos e o povo nem tem direito de dizer uma única palavra”.
Venâncio Mondlane disse ainda que o diálogo deverá decorrer à porta aberta “ao público”, de modo a que os moçambicanos tenham acesso ao conteúdo em debate. “Não devem ser diálogos à porta fechada, em segredo, para que a gente se acerte nos nossos segredinhos sem que o povo saiba”, disse Mondlane, exigindo a presença da imprensa, da sociedade civil e da comunidade internacional.
“Queremos evitar aqueles diálogos que iam a 100 rondas e o povo não sabia”, sentenciou o político, em referência ao diálogo político entre o Governo e a Renamo, que durou mais de dois anos no Centro Internacional de Conferências Joaquim Chissano.
Referir que na sua comunicação, Venâncio Mondlane não impôs condições de segurança para sua pessoa e muito menos garantias de que não ser detido a sua chegada à Maputo. Lembre-se que o político encontra-se, neste momento, em parte incerta. (Carta)
A Área Metropolitana do Grande Maputo (que compreende as cidades de Maputo e Matola e as vilas de Marracuene e Boane) parou, esta quarta-feira, para homenagear as vítimas mortais das manifestações populares em curso no país desde o passado dia 21 de Outubro, convocadas pelo candidato presidencial Venâncio António Bila Mondlane em protesto contra os resultados eleitorais de 09 de Outubro, que dão vitória a Daniel Chapo e Frelimo com mais de 73% dos votos.
Quando eram pontualmente 12h00, milhares de condutores paralisaram viaturas em plena via pública e começaram a buzinar, conforme a orientação deixada por Venâncio Mondlane na sua comunicação virtual feita na passada terça-feira, na sua página do Facebook.
De Marracuene a Boane e do município da Matola ao centro da Cidade de Maputo, vídeos amadores ilustram o coro das buzinas que tomaram conta do Grande Maputo esta quarta-feira, no primeiro dos três dias do luto nacional anunciado por Venâncio Mondlane.
Por 15 minutos, as principais avenidas e praças de Maputo ficaram congestionadas e outras bloqueadas, devido à paralisação do trânsito pelos manifestantes. Aliás, enquanto os condutores tocavam buzinas, trabalhadores de algumas empresas, polidores de viaturas, vendedores informais iam ocupando os passeios, cantando e dançando e alguns exibindo dísticos.
Quem não podia fazer-se à via, assistia ao filme pela janela do seu escritório e/ou da sua casa. Em algumas vias, as viaturas foram obrigadas a suspender a marcha por manifestantes que se encontravam nos passeios. Tais actos aconteceram nas Avenidas Acordos de Lusaka, próximo da cadeia de supermercados Shoprite; Filipe Samuel Magaia (onde houve colocação de barricadas); Guerra Popular (junto ao Terminal dos transportes semi-colectivos); e de Moçambique, nas proximidades do bairro de Inhagoia.
Nesta acção, nem agentes da Polícia escaparam ao sinal de “paragem obrigatória”, emitida pelos manifestantes. Aliás, a Polícia (seja de trânsito ou municipal) esteve na via à hora 12h00 para orientar o trânsito.
Após 15 minutos de “buzinadelas”, a vida regressou à normalidade em Maputo e, até ao fecho desta rfeportagem, não havia registo de quaisquer incidentes. (Carta)
Passam hoje, 21 de Novembro de 2024, 32 dias após o início das manifestações populares, convocadas pelo candidato presidencial Venâncio António Bila Mondlane, em protesto contra os resultados das eleições do dia 09 de Outubro, que dão vitória à Frelimo, partido no poder, e seu candidato Daniel Chapo, com mais de 73% dos votos.
Convocadas, inicialmente, em forma de greve geral, com intenção de paralisar a actividade económica, as manifestações logo cedo tornaram-se de rua e generalizadas, por um lado, por conta do assassinato bárbaro do advogado Elvino Dias e do mandatário do PODEMOS, Paulo Guambe, e, por outro, devido à intransigência da Polícia em permitir marchas pacíficas nas ruas de Maputo.
A primeira convocatória às manifestações foi anunciada no dia 16 de Outubro (uma quarta-feira) pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane, numa comunicação à nação feita através da sua página oficial do Facebook. A convocatória visava apenas a paralisação da actividade económica em todo o país e foi feita dias depois de as Comissões Provinciais de Eleições anunciarem a vitória da Frelimo e Daniel Chapo nas eleições presidenciais, legislativas e provinciais, contrariando os resultados da contagem paralela do PODEMOS, que dão vitória ao partido e ao seu candidato.
“Este é o momento chegado para anunciar, a todo o povo moçambicano, o passo a seguir (…): vamos começar nesta segunda-feira [21 de Outubro]. Quando forem 00h00, acionamos uma greve nacional geral, paralisação de toda a actividade pública e privada do Rovuma ao Maputo e do Zumbo ao Índico, em todo o território nacional”, anunciou, afirmando que o dia devia servir também para exibição de cartazes de repúdio à ditadura instalada no país há 50 anos.
No entanto, o assassinato do advogado e mandatário de Venâncio Mondlane, Elvino Dias, e do mandatário do PODEMOS (partido que suporta candidatura presidencial do político), Paulo Guambe, na noite do dia 18 de Outubro (dois dias depois do anúncio da greve geral), mudou o rumo da primeira convocatória, passando para uma marcha pacífica em repúdio não só aos resultados eleitorais, mas também ao duplo homicídio.
“Vai ser a primeira etapa, pacífica, em que nós vamos paralisar toda a actividade pública e privada. Vamos para a rua com os nossos cartazes, vamos manifestar o nosso repúdio”, anunciou o político, no sábado do dia 19 de Outubro, após visitar o local onde o seu assessor jurídico foi crivado com 25 balas.
A segunda-feira chegou e centenas de jovens apoiantes do candidato deslocaram-se à Praça da OMM (local onde ocorreu o duplo homicídio) com o objectivo de marchar em repúdio ao assassinato de Elvino Dias e Paulo Guambe. No entanto, no lugar de contar com a escolta da Polícia, os manifestantes encontraram nos homens da lei e ordem uma barreira humana por transpor.
Armadas e transportadas em BTR, as diferentes especialidades da PRM (Polícia da República de Moçambique), com destaque para Unidade de Intervenção Rápida, começaram a lançar gás lacrimogéneo e a deter ilegalmente dezenas de cidadãos. Da acção policial, não escaparam o candidato presidencial e os jornalistas, que também foram obrigados a inalar o fumo do gás lacrimogéneo e em directo em televisões estrangeiras, como a portuguesa RTP e a alemã DW.
Com o lançamento do gás lacrimogéneo sobre os manifestantes, ao candidato presidencial Venâncio Mondlane e jornalistas, começou o caos, que se espalhou por diversos bairros da capital do país, com destaque para os bairros de Maxaquene, Urbanização, Mafalala, Munhuana, que foram os primeiros “marcos” da resistência contra a brutalidade policial.
Marcha nos bairros e “os 25 dias de terror”
Cumprido o primeiro dia da manifestação, cuja marcha foi impedida pela Polícia, Venâncio Mondlane anunciou o prosseguimento das marchas, mas com a particularidade de estas serem realizadas em todos os bairros e distritos, como forma de evitar bloqueios da Polícia. O plano, disse, era proporcionar 25 dias de terror ao Governo da Frelimo, em homenagem às 25 balas descarregadas sobre Elvino Dias e Paulo Guambe.
A segunda fase, tal como foi apelidada por Venâncio Mondlane, decorreu nos dias 24 e 25 de Outubro, em todo o país, tendo se prolongando até ao dia 26 em alguns distritos, como foi o caso do distrito de Mecanhelas, no Niassa, onde a Polícia matou e feriu cidadãos sob olhar impávido e cúmplice dos membros da Frelimo, que iam comemorando a chacina dos seus compatriotas.
Foi nesta fase em que se assistiu aos primeiros casos de incêndio de unidades policiais, viaturas e sedes do partido Frelimo. Os bairros Luís Cabral, na Cidade de Maputo, e Trevo, na Matola, foram pioneiros no arremesso de pedras e queima de viaturas de particulares, enquanto na Localidade de Chalaua, distrito de Moma, província de Nampula, queimava-se Posto Policial e viatura da Polícia.
Com as manifestações populares a atingirem níveis assustadores – com a Polícia a executar pessoas a sangue frio e com os manifestantes a destruírem bens públicos e privados – o Governo começou a restringir o acesso à internet móvel e a bloquear as redes sociais. O ensaio da medida ditatorial começou no dia 25 de Outubro (sexta-feira) e materializou-se, com maior incidência, a partir do dia 31 de Outubro, no início da terceira fase das manifestações.
Aliás, a terceira fase, que durou oito dias, começou no dia 31 de Outubro e prolongou-se até ao dia 07 de Novembro. Nesta fase, os manifestantes foram orientados a marchar para a capital do país, com objectivo de ocupar as principais avenidas de Maputo. Os que não podiam deslocar-se à Cidade de Maputo, deviam manifestar-se em frente às sedes da Frelimo e dos órgãos eleitorais a nível distrital e provincial.
A marcha sobre Maputo teve lugar no dia 07 de Novembro, o último dia das manifestações nesta fase. Neste dia, a Avenida Eduardo Mondlane recebeu centenas de jovens oriundos de diversos bairros de Maputo e Matola e viu, pela primeira vez, o fumo negro da queima de pneus. Houve barricadas colocadas pelos manifestantes numa das maiores avenidas da capital.
Milhares de manifestantes foram bloqueados à entrada do centro da cidade de Maputo, concretamente nos cruzamentos das Avenidas Joaquim Chissano e Acordos de Lusaka, assim como junto à Praça da OMM. Igualmente, a Polícia impediu a entrada de centenas de jovens na cidade de Maputo, oriundos de diversas províncias do país.
Nesta fase, uma das mais violentas desde o início das manifestações (com maior número de casos de baleamento de civis por Polícias e de vandalização de bens públicos e privados), um agente da Polícia (que estava a paisana) foi morto pelos manifestantes com “pedradas” no Município da Matola, por alegadamente ter assassinado uma criança. Já a Fronteira de Ressano Garcia foi incendiada depois de um agente da Migração ter alegadamente matado um protestante.
A internet móvel, neste momento, começou a ser fornecida durante quase 11h por dia (entre as 08h00 e as 19h00), pois, à noite havia um “recolher obrigatório digital”. O acesso às redes sociais era feito com recurso à rede privada virtual, uma alternativa que continua actual em algumas horas do dia.
Até esta fase, sublinhe-se, a violência era assistida, com maior incidência, nas cidades de Maputo, Matola, Nampula, Nacala-Porto e Tete e nos distritos de Mecanhelas e Moma. Com menor expressão, também tinha sido registada na Cidade de Chimoio, em Manica.
“Panelaço” à noite e buzinadelas ao meio-dia
Concluídos os primeiros 11 dias de “terror”, Venâncio Mondlane convocou a quarta e última fase das manifestações que, nas suas palavras, seria dividida em diversas etapas, sendo que a primeira decorreu entre os dias 13 e 15 de Novembro, com objectivo único de bloquear portos, fronteiras e marchar nas capitais provinciais.
Com o espetro da violência a pairar, os portos de Maputo, Nacala-Porto e Matola estiveram quase encerrados, enquanto o da Beira funcionava a “meio-gás”. Já as fronteiras também funcionavam a “meio-gás”, excepto a de Ressano Garcia, na Moamba, que esteve encerrada durante as tardes e noites dos três dias e condicionada ao longo das manhãs.
A maior fronteira terrestre do país esteve literalmente tomada pelos manifestantes durante os três dias, que até tornaram o asfalto da Estrada Nacional Nº 4 em pista de dança. Nem o contingente militar enviado àquele posto fronteiriço foi capaz de intimidar os protestantes que, aliás, iam desfilando lado-a-lado com as diversas especialidades da Polícia e das FADM (Forças Armadas de Defesa de Moçambique).
Logo no primeiro dia da nova etapa das manifestações, a província da Zambézia entrou em cena, com a Polícia a impedir a marcha de apoiantes de Manuel De Araújo, Edil de Quelimane, lançando gás lacrimogénio e disparando balas de borracha e reais sobre os manifestantes. Acção causou tumultos e um adolescente de 16 anos de idade foi assassinado pela Polícia, quando se encontrava num mercado a comprar roupa usada para revender.
Já no distrito de Inhassunge, ainda na Zambézia, terra donde Elvino Dias é natural, manifestantes incendiaram o Comando Distrital da Polícia, duas viaturas (uma da Polícia e outra do STAE) e mataram o Vice-Presidente da Comissão Distrital de Eleições, indicado pela Frelimo.
Quando eram 21h00 de sexta-feira, 15 de Novembro, último dia das manifestações nesta fase, as panelas, vuvuzelas, apitos, latas e tambores entravam também no lote de meios de protesto, com a estreia do “panelaço” a nível dos bairros suburbanos de Maputo e Matola, depois de as mesmas terem soado no centro da Cidade de Maputo na noite do dia 04 de Novembro.
O festival da panela prolongou-se até segunda-feira e, na tarde da última terça-feira, Venâncio Mondlane anunciou um luto nacional de três dias em homenagem aos “mártires do panelaço”. O líder “espiritual” das manifestações explicou que, durante o luto, que decorre até amanhã, os manifestantes deverão trajar-se de preto e, ao meio-dia, os condutores devem paralisar as suas viaturas e buzinar por 15 minutos, enquanto os peões levantam os cartazes. Já pelas 21h00, as famílias deviam retomar o “panelaço”.
Dados recolhidos por organizações da sociedade civil em todo o país indicam que os protestos já causaram a morte de pelo menos 50 pessoas, na sua maioria civis assassinados pela Polícia. Até ao dia 05 de Novembro, a Associação Médica de Moçambique reportava 108 baleamentos, dos quais 16 haviam resultado em óbitos. Igualmente, reporta-se mais de 500 detidos.
No entanto, nesta terça-feira, o Presidente da República reportou a morte de 19 pessoas, das quais cinco polícias, e o ferimento de 807 pessoas, entre elas, 66 agentes da Polícia. Não revelou o número de detidos. Defendeu que os confrontos entre a Polícia e os manifestantes deveram-se à falta de observância de alguns pressupostos de uma manifestação.
Este é o retrato dos primeiros 15 dias das manifestações, que completam hoje 32 dias desde o seu início. Até amanhã, o país irá contabilizar 17 dias de manifestações, de um total de “25 dias de terror” anunciados por Venâncio Mondlane.
Até à sua última actualização, no dia 12 de Novembro, o Presidente da CTA (Confederação das Associações Económicas de Moçambique) anunciava um prejuízo de 24,8 mil milhões de Meticais à economia moçambicana, dos quais 2,8 mil milhões de Meticais frutos de vandalização. (Abílio Maolela)
Jovens de vários extractos sociais saíram à rua esta quarta-feira, trajados de preto em vários pontos do país, em repúdio ao assassinato de pelo menos 50 pessoas pelas forças policiais durante as manifestações convocadas por Venâncio Mondlane em protesto aos resultados eleitorais anunciados pela Comissão Nacional de Eleições, que dão vitória à Frelimo e Daniel Chapo.
O traje resulta do anúncio, na terça-feira, de três dias de luto nacional, decretados pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane, em memória aos cinquenta mortos durante as manifestações contra a fraude eleitoral. Durante este período de luto, Mondlane apelou que todos vestissem de preto ou, pelo menos, usassem um item de cor preta (laço, luvas, chapéu, entre outros artigos).
O pedido foi acatado e ontem milhares de cidadãos saíram à rua de preto, em Maputo e Matola. Logo nas primeiras horas do dia, “Carta” fez uma escala em Malhampswene, um dos locais de maior concentração de vendedores e de diversos populares provenientes de diferentes bairros da cidade e província de Maputo, e observou algo diferente: a presença massiva do preto. Quase todos os vendedores e passageiros usavam roupa preta ou um avental, boné, lenço ou laço preto.
Aliás, para a nossa surpresa, vários operadores de transporte semi-colectivo que desaguam em Malhampswene exigiam uma peça preta como condição para que os passageiros tivessem acesso ao carro e pudessem se dirigir aos seus destinos.
Em conversa com Noémia Nhampossa, residente em Marracuene, contou que teve de vestir-se de preto para garantir a sua segurança na rua, enquanto se dirigia ao seu local de trabalho. “Depois de acompanhar a live de Venâncio Mondlane, ontem [terça-feira], em que ele apelava para que vestíssemos uma peça preta, decidi preparar uma saia e blusa preta para garantir a minha livre circulação”, contou.
Continuando, disse: “um facto curioso é que não foi nada fácil conseguir transporte hoje [ontem] devido à roupa que eu trajava. Na minha zona, há falta de transporte e dependemos muito de boleia paga em carros particulares para chegar à cidade. O que pude perceber é que muitos dos que nos dão essas boleias são frelimistas e, quando perceberam que grande parte dos que estavam na paragem estavam vestidos de preto, passavam e não aceitavam levar ninguém. Outros até paravam para espreitar da janela e, logo que viam alguém de preto, diziam: ‘Vocês são venancistas [referência aos que apoiam Venâncio Mondlane], por isso, hoje não vamos vos levar”.
Conversamos também com Hélio Mateus Cuna, residente na cidade da Matola, que contou à nossa reportagem que, na noite de terça-feira, quando se apercebeu de que a sua esposa estava engomando uma camisa vermelha, ordenou que ela trocasse por uma preta para evitar que lhe partissem os vidros do carro na estrada.
“Eu vesti-me de preto em respeito ao luto, porque 50 vidas se foram a defender a nossa causa e isso não é pouco. Não sou pró nem contra o venacismo, mas gosto de ser justo. Foram vários inocentes que deram o peito à bala para defender um futuro melhor do nosso país. Mas, uma das maiores razões que me fez vestir um fato preto e uma camisa preta foi para conseguir sair de casa e voltar em segurança, porque alguns oportunistas nas ruas acabam se aproveitando dessas situações para partir os vidros, principalmente quando percebem que você não acata o que Venâncio diz”, disse Cuna.
Cruzamos também com Helena Lopes Loforte e Judite Laura das Neves, vizinhas e colegas de trabalho, ambas vestidas de preto da cabeça aos pés. As duas residem no bairro Patrice Lumumba e contaram que, logo nas primeiras horas, os “modjeiros” (aqueles que são responsáveis pela busca de passageiros) estavam a mandar descer todo o passageiro que tentasse subir no transporte público sem roupa preta. Para sorte delas, não fugiram ao protocolo.
“Na verdade, eu vesti roupa preta por medo do que poderia acontecer na rua. Eu trabalho num local onde não posso faltar, sob o risco de perder o emprego. Então, para garantir a minha ida segura, vesti a roupa preta. Eu sou do Venâncio, eu estou com o povo, eu sinto pelas vidas que se foram, mas o meu preto de hoje foi mesmo pela minha segurança”, disse Helena.
“Na empresa onde trabalhamos, o meu supervisor procurou saber se estávamos de preto ou não. E, logo que o ponteiro indicou 12h00, todas as máquinas foram desligadas e fizemos uma oração em memória às 50 mortes. Foi bonito de ver. Alguns colegas murmuravam e diziam que o trabalho estava atrasado por conta de infantilidades e pessoas usadas pelo Venâncio”, frisou Judite.
Outro facto curioso anotado pela nossa reportagem foi quando tomamos o transporte da cidade da Matola para Malhampsene, em que todos os passageiros estavam vestidos com uma peça preta, incluindo o cobrador e o motorista. Durante o percurso, o cobrador procurou saber se todos estávamos de preto para prosseguir com a viagem, pois, em Malhampsene foi estabelecida como condição levar apenas os passageiros “de preto”.
Convidado a pronunciar-se sobre o momento actual, Luarte Simão Rungo, cobrador daquele transporte, disse que o preto para ele tinha um significado muito importante e que continuaria a usá-lo até novas ordens de Venâncio Mondlane.
“Eu vi um vizinho perder a vida vítima de uma bala disparada pela Polícia, vítima da covardia daqueles que trabalham para a Frelimo, vítima da reivindicação dos nossos direitos... Ele lutou por nós, lutou para que fôssemos libertos. Vestir preto é pouco para mostrar solidariedade por essas vítimas que morreram para termos melhores condições neste país.”
Refira-se que, além de “decretar” três dias de luto nacional, Mondlane apelou para a recontagem dos votos, em vez de novas eleições, e uma homenagem bem prestada aos mártires da revolução. (M.A.)
O líder do Partido Optimista para o Desenvolvimento de Moçambique (PODEMOS), Albino Forquilha, disse ontem não ver “matéria” para a reunião pedida pelo Presidente moçambicano com os quatro candidatos presidenciais, defendendo a recontagem “transparente” dos votos para travar manifestações.
“O Presidente da República encontrou-se com partidos e agora está a pedir que os candidatos se encontrem com ele. O que quer conversar com candidatos? O que vai resolver, se a contenda sobre a justiça eleitoral é um processo matemático e se deve dizer quem ganhou e quem não ganhou?”, questionou o líder do partido que apoia o candidato Venâncio Mondlane, em declarações à Lusa, defendendo que a primeira ação deve ser a reposição da “justiça eleitoral”.
“Vão conversar o quê? Não vejo alguma matéria. Se está preocupado com o que está a acontecer é dizer ao Conselho Constitucional (CC) para fazer a confrontação dos dados com transparência”, acrescentou, defendendo igualmente que o processo deve ser testemunhado por observadores nacionais e internacionais e jornalistas visando a sua transparência.
O Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, convidou terça-feira os quatro candidatos presidenciais para uma reunião, incluindo Venâncio Mondlane, e disse que as manifestações violentas pós-eleitorais instalam o “caos” e que “espalhar o medo pelas ruas” fragiliza o país.
“Prometo que, até ao último dia do meu mandato, irei usar toda a minha energia para pacificar Moçambique, irei usar. Mas para que eu tenha sucesso nesta missão, precisamos de todos nós e de cada um de vocês (…). Moçambicanos têm de estar juntos para resolvermos os problemas”, disse Nyusi.
Na mesma declaração, o presidente do Podemos criticou as revisões pontuais à lei eleitoral em Moçambique, incluindo a eliminação das competências dos tribunais distritais de ordenarem a recontagem de votos nas eleições, atos da competência exclusiva do Conselho Constitucional, referindo que são “tentativa de proteger o derrotado” nas eleições.
“A recontagem de votos nos distritos seria feita na presença dos mandatários dos partidos, hoje como é que o CC vai poder fazer o mesmo trabalho sem a presença dos mandatários e outros intervenientes? Enviamos um conjunto de evidências e até agora não temos informações de se ter chamado algum mandatário”, criticou Albino Forquilha, assegurando que as manifestações são para manter até à reposição da “verdade eleitoral”.
“Continuaremos a fazer manifestações para pressionar que a justiça seja feita. Depois da decisão do CC quem recorre mais? Qualquer um que for a reclamar é considerado desobediente, então o momento para fazer essa investida é esse, antes da proclamação dos resultados”, concluiu.
O candidato presidencial Venâncio Mondlane apelou terça-feira aos moçambicanos para cumprirem três dias de luto nacional pelas "50 vítimas mortais" nas manifestações pós-eleitorais, a partir de hoje, incluindo uma paragem e buzinão dos carros por 15 minutos.
Mondlane contesta a atribuição da vitória a Daniel Chapo, candidato apoiado pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, no poder), com 70,67% dos votos, segundo os resultados anunciados em 24 de outubro pela CNE e que ainda têm de ser validados pelo Conselho Constitucional. (Lusa)
Moçambique é um dos países onde a perseguição aos cristãos se intensificou desde junho de 2022, registando-se um aumento dos relatos de ataques de jihadistas contra comunidades cristãs, aponta o relatório “Perseguidos e Esquecidos?”, da Fundação AIS.
O relatório, que hoje será apresentado em Lisboa, no auditório do MUDE (Museu do Design), pelo jurista e docente universitário Jorge Bacelar Gouveia, dá conta de que, neste país lusófono, 2024 “assistiu a um recrudescimento dos ataques do autoproclamado Estado Islâmico (…), na província de Cabo Delgado, no Nordeste do país”.
O Bispo de Pemba, António Juliasse, aponta, citado no relatório, “a pobreza endémica e a falta de educação” como “os motores da insurreição islamista, e não a religião”. No entanto, outra fonte diocesana indica que “desde julho deste ano, parece que o Estado Islâmico assumiu o controlo” dos insurgentes e “a situação é mais sensível do que no ano passado, porque agora os cristãos começam a ser visados e a guerra está a assumir uma dimensão mais religiosa”.
O relatório “Perseguidos e Esquecidos?” analisa os desafios que os cristãos enfrentam em 18 países, onde sofrem problemas que vão desde o assédio à detenção, deslocação forçada ou assassinato e compreende o período entre agosto de 2022 e junho deste ano.
No documento é apontado um aumento da violência e/ou opressão sobre os cristãos na maioria dos 18 países escrutinados, embora se reconheça que, em muitos casos, esses problemas abrangeram apenas regiões específicas e não o total do país.
Assim, registou-se um agravamento na perseguição aos cristãos na Nicarágua, Burquina Fasso, Nigéria, Moçambique, Iraque, Irão, Paquistão, Índia, China, Sudão e Eritreia. Por sua vez, registou-se uma melhoria ligeira no Vietname e a manutenção da situação em Mianmar, Síria, Egito, Turquia, Arábia Saudita e Coreia do Norte.
Como uma das principais conclusões, o relatório da Fundação AIS reconhece que “o epicentro da violência militante islamista deslocou-se do Médio Oriente para África”, onde se registou uma “intensificação da perseguição dos cristãos como inimigos do Estado e/ou da comunidade local”.
Nessas zonas, “os intervenientes estatais e não estatais utilizaram cada vez mais como arma a legislação existente e nova legislação que criminaliza atos considerados desrespeitosos para com a religião do Estado como forma de oprimir os cristãos e outros grupos religiosos minoritários” e assistiu-se a um incremento da “ameaça às crianças cristãs, especialmente as raparigas”.
Entretanto, a Fundação AIS recorda que em 2024, quase 50% do mundo terá participado em eleições, desde logo os Estados Unidos da América, a França ou o Reino Unido, sublinhando que “durante anos, os governos têm sido criticados por, na melhor das hipóteses, se limitarem a falar da necessidade de tomar medidas contra a perseguição dos cristãos e de outras minorias religiosas”.
Neste contexto, também antecipa que “é pouco provável que os governos recentemente (re)eleitos tomem medidas para pôr termo à perseguição, porque têm outras prioridades em termos de assuntos internacionais”.
No entanto, avisa que “ignorar a situação dos cristãos é ignorar os sinais de alarme, pois onde quer que aqueles sejam perseguidos, o direito à liberdade religiosa para todos é posto em causa”. “Onde quer que os cristãos sejam assediados ou presos, detidos ou discriminados, torturados ou assassinados, os governos cometem ou toleram abusos também contra outros”.
A Fundação AIS depende diretamente da Santa Sé e ajuda os Cristãos onde quer que eles se encontrem perseguidos, refugiados ou ameaçados. Foi fundada em 1947, pelo P. Werenfried van Straaten, inspirado na mensagem de Fátima, sendo em Portugal dirigida atualmente por Catarina Martins de Bettencourt.
Ao final da tarde de hoje, após o lançamento do relatório, será iluminado de vermelho a estátua de D. José I, na Praça do Comércio, em Lisboa, e o monumento ao Cristo Rei, em Almada, lembrando as situações de perseguição religiosa, em particular dos cristãos, que se verificam em muitos países. Outros monumentos nacionais, um pouco por todo o país, vão ficar iluminados de vermelho durante esta semana.
O gesto é repetido em mais de 20 países, “para lembrar que a perseguição religiosa não é uma coisa do passado, mas sim uma realidade bem cruel dos dias de hoje”, frisa a Fundação AIS. (Lusa)