Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

BCI

Blogs

terça-feira, 21 junho 2022 13:43

Ainda a propósito de vias alternativas à EN1

Há duas semanas, perorava eu neste espaço aqui sobre a real existência de vias alternativas à nossa Estrada Nacional no. 1 (vulgo EN 1), isto depois de ter percorrido a via Maxixe-Panda-Mawayela-Manjacaze-Chibuto-Chissano… Maputo! Compatriotas, não estamos a fazer tudo para desenvolvermos o nosso País! Juro.

 

Esta viagem foi, para mim, como ficou claro, uma viagem… épica! Heróica! Foi uma espécie de descobrimento… de uma parte, ainda que menor, de Moçambique, do nosso Moçambique. Foi maravilhoso pegar em uma viatura, cortar de Maxixe para Homoíne - o Homoíne onde o homem foi cometer das mais macabras, bárbaras e hodiendas acções contra o seu semelhante, como hoje vemos, atónitos e impotentes, acontecer em Cabo Delgado - continuar para Panda adentro e desaguar em Mawayela, um ponto estratégico na região sul do País - tudo isto na província de Inhambane. Nosso território é grande, irmãos!

 

O que me intriga é porquê os nossos dirigentes das Obras Públicas, especificamente aqueles que têm a responsabilidade de construir, manter e reabilitar as estradas, não fazem disto cavalo de batalha!…

 

Na crônica anterior, destacava a importância estratégica de Mawayela na economia regional, envolvendo Maputo, Gaza e Inhambane: era uma estação ferroviária terminal, com muitíssima movimentação de passageiros, viajantes e não viajantes, mercadorias maioritariamente vindas da África do Sul, mas também de Maputo e Gaza; produtora e fornecedora de estacas e madeira de muito grande qualidade… e ainda produz!, e mais alguma coisa!

 

Depois desta viagem digamos que epopeica, veio à memória a minha passagem por Mugunwani, ainda infante, não tinha cinco anos! 1967-1972... se não estou em erro! Foram uns bons seis anos, por conta do velho que era professor da Escola Primária de Mugunwani durante este período! Depois foi transferido para Munhangane, não muito distante dali e, depois, Xipadja! Mugunwani dista uns cinco a sete quilômetros da Aldeia das Laranjeiras, uma das paragens medianas no percurso Mawayela-Mandlakazi. Mas Mugunwani dista também cerca de dez quilômetros de Phussa, quinze de Xipadja… a minha Xipadja natal! (Por favor, corrijam-me os que tiverem as distâncias mais certas).

 

Ou seja, trocando em quinhentas para os que ainda estão no escuro: é possível percorrer o país por dentro!

 

Gentes de Mugunwani caminhavam até à Aldeia das Laranjeiras, uma aldeia comunal criada pelos colonos, ou apanhava autocarro da empresa Oliveiras, ou apanhava o comboio para o Mundo (entenda-se, para onde quisesse ir)! Uma vez - que me lembre porque já um pouco crescido - tivemos que ir dar à Aldeia das Laranjeiras e apanharmos “zona” (designação dada a um autocarro com destino mediano, não de longo curso, de curto percurso) para Mandlakazi! Já não me vem à memória o propósito desta viagem com o velho, mas são daquelas coisas inesquecíveis!

 

Mas, por outro lado, as mesmas gentes de Mugunwani podiam podiam ir até Phussa apanhar a carreira Chibuto-Xipadja/Phussa e ir para o Mundo!…

 

O que quero dizer é que, afinal, de Mawayela podemos seguir, virar à direita na Aldeia das Laranjeiras, passar por Mugunwani, Matchetche, Munhangane (aqui o velho foi também professor da escola primária), Phussa, Xipadja… Chibuto e… para o Mundo! Ou ainda: em Xipadja podemos virar à direita, seguir Xindzavane e ir dar a Alto Changane-Makeze-Nhlanganini… até Hati-hati-Cubo/Chigubo… até Massangena, último distrito norte da província de Gaza, depois Manica, para o Mundo…

 

Portanto e por conseguinte, temos alternativas, sim, à Estrada Nacional no. 1; precisam, sim, de muito trabalho! Mas temos! Acordemos do sono profundo, Compatriotas Moçambicanos!

 

ME Mabunda

segunda-feira, 13 junho 2022 07:43

Indignação

quarta-feira, 01 junho 2022 13:37

Enxoval em Cadeiras em Cadeiras de Rodas

A luz com que vês os outros é a luz com que os outros te vêem a ti.  Provérbio africano

 

Este primeiro de Junho tem de ir além das comemorações, para ser, igualmente, um momento de reflexão sobre o quanto crianças com deficiências precisam ser olhadas, respeitadas e incluídas em todos os espaços da nossa sociedade. Na realidade, independente do que julgamos ser, saber e possuir, temos todos, grosso modo, uma deficiência temporária ou permanente. Esta deficiência se revelará em algum momento das nossa vidas. Quando isso suceder, as experiências podem ser mais ou menos marcantes, mas não deixarão de ser histórias de vida, de amor e de compaixão.

 

O leitor tem, em suas mãos, a primeira experiência literária de uma jovem mãe, guerreira, destemida, obstinada e que não se conforma com fatalismos e desigualdades. Uma mulher que conquista nossos corações e ganha estatuto de mulher solidária.  Percorrendo estas páginas, reencontramos alguém que se predispõem a partilhar suas privacidades, contrapondo com o ostracismo e silêncios. Um exercício de reconstituição de memórias e convulsão de sentimentos. Benilde Mourana encontrou na deficiência todas as razões para interagir com o grande público leitor.

 

As facetas mais fascinantes da vida são, quiçá, as mais simples de serem descritas. As outras, mais complexas, obedecem e sugerem roteiros distintos. Temos de conformar a dor e o sofrimento, para reencontrar o caminho do alívio e da tranquilidade. Porém, a vida, este dom divino que desfrutamos na plenitude ou em partes, nos ensina fundamentos e lições diversas. Revelar estas facetas pode ser uma experiência fenomenal ou traumática. Mas, ignorar as diferentes dimensões da vida parece ser inconsequente. Então, reencontre nesta narrativa a revelação da inquietude e do amor, do sofrimento e da paz, a retoma pelos modelos de superação, reinvenção das memórias e a alucinante vontade de estabelecer uma comunicação horizontal.

 

A autora deste livro, nesta primeiríssima viagem descritiva, não cuida apenas de uma filha com problemas, trata de várias dezenas de crianças e jovens. Ao assim proceder, ela não só repõe a esperança aos familiares, mas, também, devolve um sorriso às crianças, jovens e até adultos com deficiência. Nesta relação, fica escancarada a certeza de que o amanhã se escreve com as cores do arco-íris de hoje. A autora converte-se numa espécie de Madre Teresa de Calcutá, que vence as emoções e empenha-se no essencial. Uma mulher de causas, recriando ou ressignificando os caminhos da indiferença e da negação da felicidade e do futuro.

 

As famílias moçambicanas mais carentes enfrentam, em diferentes em períodos históricos, a questão moral e ética de como lidar, incluir e apoiar, com mais perspicácia, com ou sem recursos, as pessoas com deficiência. Essa tarefa torna-se, cada vez, mais premente com o avançar da idade destas crianças e adolescentes. Em causa esta a tipologia e a demografia deste grupo populacional. A situação está longe de fácil, compreensível e aceitável. Em jogo estão cuidados primários, alimentares, apoio psicológico e moral. Em causa está a vida e a qualidade de vida que tem de ser providenciada. Enfim, a vivência nos limites da capacidade emotiva, física e emocional. Porém, estas famílias não vergam e nem viram, nunca, a cara a luta. Cada dia tem sido um dia, e em cada sorriso infantil rebuscam das cores invisíveis dos raios solares, a energia e foco para levarem a bom porto a sua missão.

 

Ao longo da obra, entendemos o sentido primário e ético de vocação; o sentido superior de missão; a face da virtude. Pela história de Luana, essa jovem menina que agora beijou os seus dez aninhos de vida, reencontram-se estes conceitos associados a crença e a fé. Este escrito, ainda que force a leitura com os olhos embaciados, leva-nos de volta ao sentido de chamamento. Benilde e seu grupo de colegas e profissionais, aqui superiormente narrados, repõe uma espécie de despertar, refazendo o convite para ampliar o valor intrínseco de sua vida, abandonando a inércia ou a zona de conforto, abraçando, deste modo, essa causa que faz dela e delas, verdadeiramente, pessoas especiais. Ao cuidar de crianças e jovens com deficiência, elas próprias se transformam em pessoas especiais, perseguindo novos sonhos, objectivos e, na maior parte dos casos, transformando-os em realidade.

 

A deficiência perpassa a estabilidade familiar e emocional, colocando-se num plano da inserção dos portadores de deficiência, ao nível societário na estabilidade e no próprio desenvolvimento de Moçambique. Existem evidências de que pessoas com deficiência experimentam os piores resultados socioeconómicos e pobreza, se comparadas com as pessoas não deficientes e mais independentes. Todavia, apesar da magnitude desta situação, carecemos tanto de consciência, como de informação científica das reais causas ou consequências da deficiência. Não existem consensos sobre definições, nem credíveis informações, que permitam comparar, com exactidão, a incidência, distribuição e tendências da deficiência. São escassos os documentos com análises comprovadas, sobre como lidar com a deficiência e, sobretudo, sobre as respostas para abordar as necessidades das pessoas com deficiência.

 

Historicamente, as pessoas com deficiência têm, em sua maioria, sido atendidas através de soluções segregacionistas, tais como instituições de abrigo e escolas especiais. As pessoas com deficiência apresentam piores perspectivas de saúde, níveis mais baixos de escolaridade, participação económica menor e taxas de pobreza mais elevadas em comparação as pessoas sem deficiência. Naturalmente, isto acontece pelo facto de as pessoas com deficiência enfrentarem barreiras no acesso a serviços que muitos de nós consideram garantidos, como saúde, educação, emprego, transporte e informação. Tais dificuldades são exacerbadas nas comunidades mais pobres.

 

O relatório Mundial sobre a deficiência múltipla, de 2012, dava conta de que mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo convivia com alguma forma de deficiência, dentre os quais cerca de 200 milhões experimentam dificuldades funcionais consideráveis. A previsão era de que, nos próximos anos, a deficiência seria uma preocupação ainda maior, porque a sua incidência tem aumentado exponencialmente. Este aumento tem a ver com o aumento global de pessoas expostas ao risco de deficiência crónica, tal como as diabetes, doenças cardiovasculares, canceres e distúrbios mentais. A saúde humana também tem sido afectada por factores ambientais, tais como água potável e saneamento do meio, nutrição, pobreza, condições de trabalho, clima, ou até acesso a atendimento de saúde. Mas, a desigualdade tem sido das principais causas dos problemas de saúde e, por conseguinte, da deficiência.

 

Em Moçambique, estas razões encaixam na sua plenitude. Porém, existem, ainda, as causas sobrenaturais ou espirituais. Não admira que um país que continua tendo mais de metade da sua população recorrendo a tratamento fora de unidades hospitalares, socorra-se a espiritualidade para explicar o fenómeno da deficiência. Assim, a explicação mais lógica tem sido o fenómeno da reencarnação dos espíritos. Os defuntos das famílias nem sempre são tratados com a devida dignidade e, assim, eles regressam à terra para se instalarem em determinadas pessoas. Esta crença explica uma relação difícil e complexa entre as famílias e seus filhos com deficiência.

 

Existem casos de filhos com deficiência que são retirados da família para serem enviados para o campo ou para as periferias, longe do núcleo central da família. Famílias que exerçam lideranças tradicionais convivem mal com o fenómeno deficiência e imputam as culpas às suas esposas por estas ocorrências. A autora foi acusada de ter cometido adultério. Esta é uma explicação comum e despropositada, não tem nenhuma prova nem racional científico.

 

Benilde Mourana quis partilhar a narrativa da sua trajectória e desmistifica e desconstrói factos complexos da deficiência, conferindo um carácter de humanismo, simplicidade e uma bênção divina. Deus, como ente superior, determina o caminho de cada ser e sabe qual o papel que cada um de nós precisa de seguir e desempenhar na terra. Com mestria de quem quer transmitir e escrever a meio de tantos outros afazeres, ela sugere que são estas crianças e jovens que fazem e convertem a todos nós como pessoas especiais.

 

Na sua descrição sobre Luana, sua filha de quem teve uma gravidez normal, e que embora não estivesse disposta a seguir com a gravidez, ela revela que a mesma não aparentava nenhuma complicação até ao nascimento. Seguiu as recomendações médicas e fez as consultas pré-natais com a devida regularidade. Só descobriu e tomou consciência da gravidade do problema da sua Luana, depois de ter visitado diferentes médicos no país e na África do Sul e em Portugal. Portanto, um caso de doenças raras, mas, que mudou de alguma forma a sua rotina e o modo como lida com a situação. Por isso, estas páginas pincelam essa angústia, mas, e sobretudo, a certeza de que o mundo foi feito para todos e, cada um a seu tempo, seguirá trazendo felicidade ou infelicidade para os que acreditam e para os menos crentes.

 

Esta narrativa nos transporta para outras facetas e para a essência de uma trajectória que faz questão de não esconder ao mundo. Fá-lo com orgulho e com uma capacidade de escrever e expurgar a dor. Exorcizar os fantasmas e colocar a divindade no centro do destino e da criação humana. Porém, tem sido claro que a maioria das pessoas com deficiência no mundo, tem extrema dificuldade até mesmo para sobreviver a cada dia, quanto mais para ter uma vida produtiva e de realização pessoal. Enquanto, algumas poucas pessoas, pelo mundo, tem a sorte de ter apoios e recursos para viver uma vida que vale a pena, a autora não tem perspectiva de que o seu pequeno espaço possa beneficiar de meios eficazes para levar a bom termo o seu trabalho. Mas, ela encontra algo bem mais significativo e importante: a superação, o apoio dos amigos e uma legião de pessoas que abraçam a causa da cidadania.

 

Embora a autora reconheça que, nas últimas décadas, o movimento das pessoas com deficiência ganhou novos contornos e atenção, a sua obra não tem o efeito de chamada de atenção, mas o de educar e transpor o papel das barreiras físicas e sociais vis-à-vis a deficiência. Para a autora, as pessoas são vistas como deficientes pela sociedade, porém muito para lá destas incapacidades, esta uma vida, um sorriso e o amor incondicional que eles oferecem a todos sem excepção. Portanto ela apela a uma abordagem conceptual mais equilibrada, que deveria dar mais ênfase ao enquadramento social, dos que propriamente ao estado físico.

 

A autora tem o mérito de explicar, de forma simples, que a deficiência afecta seja a criança recém-nascida com uma condição congénita, tal como paralisia cerebral, como também afectaria vítimas de acidentes, de guerra, pessoas que sofrem de artrite ou alguém que passa por algum infortúnio, que sofra de demência, de entre muitas outras causas. Um enxoval em cadeira de rodas como sugere o título. Quando terminar esta leitura entenderá que os problemas de saúde podem ser visíveis ou invisíveis, temporários ou de longo prazo, estáticos, episódicos ou em degeneração, dolorosos ou inconsequentes. No final estas crianças, como a sua Luana, natalina, e as dezenas de Luanas, que estão sob seus cuidados nem sequer se consideram pessoas com deficiência ou enfermas, são os seres que nos fazem especiais. (X)

craverinha 

Não é incomum, na juventude, termos encontros decisivos. Muitos escritores conheceram, quando debutantes, os seus precursores. Eu cheguei à casa do Poeta José Craveirinha com menos de 20 anos. Tive o privilégio de ser amigo e de conviver com ele e com outros nomes - ia dizer numes e não estaria longe da verdade -, que iluminam e distinguem a literatura moçambicana desde a sua fundação. Aliás, José Saramago, único escritor de língua portuguesa, laureado com o Prémio Nobel, disse-me, um dia, ao ver a cumplicidade que tinha com José Craveirinha, Noémia de Sousa, Rui Nogar, Rui Knopfli, ou Aníbal Aleluia, que eu estava a conviver com os meus antepassados literários.

 

José Craveirinha era uma grande personagem antes de ser um soberbo Poeta. Tenho pensado ao longo destes anos que ele talvez fosse uma verdadeira figura de romance. Não iludo que merecesse uma empenhada biografia literária e de vida. Uma biografia de grande fôlego. Como somos um país que preza a desmemória ou a amnésia, o desconhecimento ou a desconsideração, reiteramos vacuidades e não nos detemos a estudar e conhecer os nossos grandes intérpretes. Craveirinha foi um grande tradutor do ser moçambicano. Esta minha devoção pelo passado e este culto dos mais velhos resulta, em muito, do meu convívio com este Poeta e Mestre: “Nelson: Procura ser um fiel servo da Memória de todos os tempos para que a tua voz se faça ouvir no teu tempo.”

 

Também por isso, por essa incumbência, recordo-o com emoção sempre. Ele era, como escreveu no poema “Auto-efígie”: “Irmão sincero dos mais fiéis amigos”. Ouvi-lo era fascinante. Tinha, ou praticava, uma fala pausada, enganosamente hesitante, com aquela sua ironia acerba, falsamente inocente. Era cortante quando abominava. Um sábio, tinha um conhecimento enciclopédico, mas era despretensioso intelectualmente. O seu arcaboiço histórico e cultural era incomensurável. Por isso, não gosto de o ver retratado como folclorista, pese embora se tenha debruçado sobre o folclore moçambicano. Era muito mais do que isso. Um verdadeiro sociólogo da cultura.  Um historiador. Um grande conhecedor de Moçambique e das suas idiossincrasias. Cultivava a memória das personagens de uma época que já não existia e que tinha sido a sua ou da sua formação. Falava-me do seu ontem e das figuras desse passado. Era um intrémulo defensor da nossa identidade e da nossa história e memória histórica, longe de todos os maniqueísmos sectários e ideológicos. Tinha as suas birras, as suas zangas, as suas querelas, as suas implicâncias. Mas era um génio e tinha direito a tê-las.

 

É, indubitavelmente, a figura literária moçambicana mais importante de sempre. Como jornalista defendeu causas, causas nobres. Quando Samora Machel e seus colegas enfermeiros o procuraram, encontraram nele um intrépido defensor das suas lutas. Defendeu-os e denunciou a discriminação que sofriam no hospital. Chegou a ter, por essa razão, o seu posto como redactor no “Notícias” em risco, contudo Malé Vaz, filha do fundador do matutino, foi firme a defendê-lo. O amigo Samora não se esquecerá jamais desse préstimo. Mesmo nos tempos de acirrada intolerância, quando alguns dos seus companheiros foram submetidos a purgas, Craveirinha foi poupado. Rui Nogar e Malangatana cumpriram o opróbrio da reeducação e dos excessos da revolução. Lendo os seus escritos dessa época percebe-se que ele nunca deixou de ser um intelectual crítico, lúcido e arrojado. Perante a arrogância de um dirigente (“Sua Excia”) que antes “se desvertebrava” (grade mestre da ironia, Zé Craveirinha!) para o cumprimentar no Bilene e na companhia do Presidente, ele seria indómito: “É o resultado da irrevogável ausência / do meu amigo Samora.”

 

Todas as semanas eu ia vê-lo à sua casa da Mafalala. Ficava horas a escutá-lo. Falava baixinho, quase sussurrava. Como nos segredasse o mundo. Muitas vezes ali alcandorados no seu muro, fitando o final da tarde e o rumor que se encaminhava para a fronteira do asfalto, como diria o seu amigo Luandino Vieira. Outras tantas na sua sala e na companhia dos seus pintores electivos. As suas paredes estavam preenchidas de quadros: da Bertina ao Chichorro, do Malangatana a José Júlio, de António Bronze a José Pádua, entre tantos outros. As escadas com esculturas. Por vezes, subia para o seu escritório, num dos quartos, onde se atafulhavam os seus papéis, as fotografias, as suas memórias, as suas musas, os seus duendes, as suas assombrações.

 

O Zé nascera - num domingo, gostava de o lembrar, por isso era Sonto ou Sontinho - numa casa de madeira e zinco na Estrada do Zixaxa à entrada do Xipamanine. “Eu teu neto Sontinho ou José” escreve em “À Minha Avó”. Do ramo dos Mpfumos. Tem um poema “À Memória do meu Bisavô Pfumo” que diz: “Meu respeitável bisavô Pfumo / não sabia ler nem escrever / mas sabia que a cidade não é urinol”.  Toda a sua vivência fora suburbana e eram as personagens do subúrbio que povoam as nossas conversas mansas na pacatez dos dias. Houve um interregno quando foi viver, com o pai e a madrasta que viera de Portugal, na 24 de Julho. Mas nunca deixou de pertencer ao subúrbio. Foi nesse tempo que deixou de falar a língua ronga. Proibiram-no. O pai recusava, no entanto, o epíteto “português”. Considerava-se “algarvio”. “Os algarvios estão mais perto de África, dos árabes, do que da Europa. Eu passei por Lisboa para vir para aqui”. A mãe era negra. “E fica a tua prematura beleza afro-algarvia / quase revelada nesta carta elegia para ti / meu resgatado primeiro extra-português / número UM Craveirinha moçambicano” (“Ao meu belo Pai ex-emigrante”).

 

O pai de Craveirinha era poeta, não publicou nenhum livro, mas era conhecido e reconhecido na cidade como poeta. Fazia parte dos repentistas. Os que faziam quadras ao desafio. Dizia de cor Camões. O Poeta leu, a partir dos 10 anos, Guerra Junqueiro, Antero do Quental, Victor Hugo ou Émile Zola. Outros autores que eram frequentes em casa: Almeida Garrett, Gil Vicente ou Ramalho Ortigão. Ele e o irmão aprenderam a dizer de cor “Os Lusíadas”.

 

Quando o pai se reformou, Zé não teve condições de prosseguir com os estudos no liceu. Aprendeu através dos livros e das explicações do irmão. Uma professora, Gracinda do Carmo Silva, dava-lhe aulas pro bono. O pai aprendera inglês sozinho. O irmão ensinou-lhe francês. O seu tio António também é uma figura decisiva na sua vida: “Tristes / flores na mão de minha mulher / e novamente no funeral do Tio António / consagro a tua memória ressuscitando-te / genuíno outra vez no sangue intencionalmente / ex-algarvio do teu irmão / optando como tu, meu Pai.”

 

A Estrada da Circunvalação separava o mundo do subúrbio e o da cidade branca. Era a linha de fronteira. Craveirinha estudava na Primeiro de Janeiro (ligada à Maçonaria) e os amigos na Paroquial, que era para os mais humildes. Mesmo quando vivia na 24 de Julho não se apartou mundividência dos subúrbios. Quando foi preso, em meados dos anos 60, a PIDE não entendia por que razão um mulato, filho de branco, tinha a predileção pelos amigos pretos. Muito menos percebiam a razão que levava Rui Nogar, branco, a atravessar a Circunvalação e mergulhar no outro lado da fronteira. Estes dois mundos irão enformar a poesia de Craveirinha: “E eis que num espasmo / de harmonia como todas as coisas / palavras rongas e algarvias ganguissam / neste satanhoco papel / e recombinam em poema”.

 

Escreveu sonetos inicialmente. Ricardo Rangel, amigo de então, que debutara numa casa de fotografia da então Consiglieri Pedroso e fazia uns biscates para o “Notícias” levou o caderno de sonetos para António Rosado, que também era poeta. O jornalista era igualmente desportista e foi, curiosamente, treinador de Zé Craveirinha no Desportivo, mas nunca relacionou o autor daqueles sonetos com o exímio futebolista. Quando o jornalista morreu não se recuperaram mais os versos nem as métricas do jovem poeta. Entretanto, Craveirinha desiste de fazer sonetos e começa a escrever os poemas que o tornariam célebre. Colabora no “Brado Africano”. Ao tempo, a jovem Noémia irrompia com os seus poemas e a sua voz tonitruante.

 

Lembra-se de ver o poeta Rui de Noronha, de o ver passar todos os dias a uma determinada hora. Lembra-se do seu ar triste. Era uma figura taciturna, melancólica. Mesmo nos ambientes de festa. Morreu aos 34 anos num dia de Natal de 1943. Mais tarde convive com Noémia de Sousa, a sua irmã Carol, que vivia ali perto, depois da família mudar-se da Catembe, a quem dedicará alguns dos seus poemas mais emblemáticos, sobretudo quando esta foi coagida a emigrar – “Dó sustenido por Daíco” é um deles. Também falava de Karel Pott, o primeiro advogado não branco em Moçambique. Contava o impacto que tivera o facto de ele reivindicar a sua identidade africana e fazer gáudio em passear, no seu carro descapotável, a sua mãe negra, vestida de capulana e com tatuagens. Era um desaforo ao regime.

 

Noémia de Sousa levou-me, anos mais tarde, a conhecer Cassiano Caldas. Fomos visitá-lo à sua casa e ele foi de uma grande gentileza. Os ventos da revolução açoitaram até aquele a quem muito devemos. “Sangue Negro” é dedicado a Cassiano Caldas e a João Mendes. Cassiano foi o indutor ideológico de Craveirinha e da sua geração, ministrou as primeiras aulas políticas, contribuiu para a sua afirmação ideológica, orientou-os. Era a figura tutelar desta geração. A isto acresce o facto de, no mundo suburbano, haver uma plêiade de figuras emblemáticas na afirmação da alteridade. Personagens que pareciam emergir dos romances de Jorge Amado. Daíco antes de todas. Mas também Zagueta, Vicente Langara, Xico Albasini, Brandão, Mundapana ou Fahla-Fahla.

 

O desaparecido Comoreano, os concursos de dança, mais tarde a distinção da culinária dita indígena que não chegava à cidade branca, o desporto, a Associação Africana, o Munhuanense Azar, o Muhafil Issilamo ou João Albasini.  Os concertos de Djambo, João Domingos ou conjunto Harmonia. A afirmação, a reivindicação, não era apenas através da poesia. Aliás, José Craveirinha, Noémia de Sousa, Dolores Lopes e Ricardo Rangel, numa escadaria da Polana, fingindo um piquenique, redigiram um documento, muito antes dos movimentos libertários, a exigir a independência de Moçambique. Foi na época em que escreveu “Poema do futuro cidadão”. Entre a década 40 e 50.

 

A Casa dos Estudantes do Império publica, à sua revelia, “Chigubo”, em 1964. A PIDE, quando o prende, apresenta-lhe o livro como libelo acusatório. Companheiros de prisão: Rui Nogar, Malangatana Valente e Luís Bernardo Honwana são os nomes mais conhecidos. Armando Pedro Muiuane, seu compadre e mais tarde colega na Imprensa Nacional, é também companheiro de prisão. Companheiro de sempre. Uma das rusgas e consequente prisão ocorre após uma reunião na casa de Muiuane no Xipamanine. Com Honwana troca, nos calabouços, correspondência vária, que graças a guardas que eram infiltradas, não é interceptada pela PIDE. Era importante este contacto para que coincidissem nos depoimentos. Parte desta correspondência ficará à guarda do advogado Carlos Adrião Rodrigues. Em Itália, no entanto, publicam-lhe “Canto a um dio de catrame”, em 1966. Ele só vem a saber mais tarde. José Luís Cabaço, que lá estudava, será quem lhe trará o livro. Estava ele em liberdade condicional.

 

“Karingana ua Karingana”, provavelmente a sua magnum opus, estava para publicação antes do golpe militar que mudou o regime em Portugal. Craveirinha e Nogar, que redigira o prefácio, queriam arriscar. Mas o editor teve receio. No entanto, dá-se o 25 de Abril e o livro segue livre curso para o prelo. Sem o texto do Nogar, que viria a integrar a segunda edição como posfácio. Quando o livro é dado à estampa, o autor está na Tanzania, na companhia de Samora e da direcção da FRELIMO. Pouco antes, Costa Gomes, que fazia parte da Junta de Salvação Nacional, e que chegaria a ser presidente da República portuguesa, de visita a Moçambique, procurara Craveirinha para o convencer a formar um partido político que dialogasse com as autoridades portuguesas para a transição. Queriam obviar o movimento libertário. O Poeta recusa-se a ir ao encontro desacompanhado e só aceita encontrar-se com o futuro marechal português quando teve a companhia de Malangatana Valente e Rogério Djawana. É intransigente na posição: único partido que tem a legitimidade de assumir o poder só poderia advir da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique). Costa Gomes pede-lhe então que seja portador de uma mensagem das autoridades portuguesas para conversações sobre a transmissão de poder.

 

Cela 1”, publicado em 1980, são escritos de prisão ou sobre a prisão. “Poema do alfinete mágico”: “Com um inofensivo alfinete mágico / nós os miseráveis sonhadores moçambicanos / de cerrados maxilares invocamos os desejos / e suspendemos os corações nas janelas / donde a lua e o sol quando entram / entram gradeados.” É o testemunho de uma “vida a injúrias engolidas a seco”. O belíssimo poema “Reflexões no dia dos meus anos”, que poderia ser a epígrafe deste texto, é publicado neste volume: “Faço anos. / Quantos já não interessa. / Por uma questão de glândulas / infalivelmente na barba e nas têmporas / aos poucos e poucos envelheço”. Este livro é o primeiro inédito que edita após à independência.

 

Entre a edição desta obra e a reedição de “Xigubo” (mudou-lhe a grafia) e “Karingana ua Karingana” avulta a aparição de “Maria”, em 1988. Rui Knopfli aplaude, no prefácio, “o grande poema do amor conjugal”. Maria é personagem central na vida do Poeta. Há poemas belíssimos não só de evocação mas sobretudo de admiração. “Santa / minha esposa Maria de Lurdes / mãe dos meus filhos” (em “Karingana ua Karingana”). “Maria. Salmo Inteiro”: “Minha tão bela esposa Maria / cinquentenária jovem isenta de frívolos aniversários. / Minha mais amada por mim do que as frívolas / raparigas de provocantes fémures desnudos”.

 

“Maria”, que haveria de ter uma nova edição, é um poema pungente. Belo e pungente. Digo poema porque o conjunto tem esse condão de ser uma espécie de poema único. Tem momentos cintilantes, outros tantos arrebatados. Muitas vezes denuncia a dureza da solidão e o frio da ausência. Mas sempre a beleza na evocação: “Esposa Maria / a cada minha veleidade / sabendo-se nunca preterida. // E com meus defeitos e suas qualidades / compúnhamos o mais incongruente invejado casal perfeito”.

 

Zé Craveirinha era um homem só. Aliás, proclamava-o. Não posso afirmar que ele amasse a solidão, mas posso dizer que ele era um homem solitário. Sobretudo quando foi vítima do descaso ou hostilizado. Comovia-lhe a lembrança dos outros, mas sabia que não podia partilhar com ninguém o que quer que fosse. Apenas com Maria. Daí esse insulamento ao qual estava mergulhado: “o mais mudo sotaque do último chão”. Isto é de uma beleza dilacerante. Só um poeta eleito é capaz de um verso como este. Encontrei-o muitas vezes nesse estado de prostração e ficava a ouvi-lo numa espécie de solilóquio. Muitas vezes ficávamos em silêncio e assim nos entendíamos.

 

Quando fui estudar a Portugal, em 90, continuei a vê-lo, sobretudo quando ele ia a Lisboa. Ou nas viagens que fizemos para Londres ou Sevilha na companhia de Rui Nogar, Rui Knopfli, Noémia de Sousa ou Eugénio Lisboa. Acompanhei-o nos dias jubilosos em que recebeu o Prémio Camões. Recordo-me da tristeza e da solidão quando se encontrava só no hotel. O Zé Craveirinha era um homem taciturno. Extremamente elegante no trato, sardónico muitas vezes, mefistofélico quase sempre. Nunca vi alguém melhor do que ele a zombar daqueles que desdenhava. Apoucava-os com cortante sarcasmo. Era o mestre do deboche. Quanto aos amigos, era indefectível.

 

Craveirinha foi um poeta avaro. Não foi sequer um poeta bissexto. Publicou muito pouco. Um dia pediu-me para eu lhe apresentar uma obra. Fiquei perplexo, aturdido, estupefacto. Era o “Babalaze das Hienas” e foi em 1997.  O Mestre está com 75 anos, o discípulo tem 30. O livro é um cortante testemunho sobre a guerra. Eu tentei cumprir a missão o melhor que podia. Estou certo da imperfeição do texto ou da improficiência do meu discurso na ocasião, contudo, não obstante, a minha admiração inequívoca e a minha afeição e estima pelo poeta foram indubitáveis.

 

Este foi o seu último título de poesia. Muitos dos seus poemas inéditos circulam, no entanto, de mão e mão e são ditos em saraus de poesia. Anabela Adrianopoulos, Calane da Silva, Gulamo Khan, Tomás Viera Mário, entre outros, emprestam as suas vozes à inconfundível dicção do Poeta. Gulamo celebriza as “Saborosas Tanjarinas d´Inhambane”, um poema anti-épico. Mas também ainda reverbera na memória as “Rumbas de violas no Comoreano” ditas por ele: “Ah é bom nascer assim mulato? / Ah nascer negro assim é bom?”  Naquele tempo, e digo isto com nostalgia, a palavra ditava o nosso destino. A palavra poética presidia o sonho moçambicano.

 

Craveirinha é um poeta de belíssimas imagens, de inesperadas imagens, de poderosas imagens. Poeta da insurreição, poeta nunca agrilhoado, poeta solitário, poeta solidário, poeta que canta o seu tempo e os homens do seu tempo, poeta condoído muitas vezes, poeta que vaticina o futuro, poeta que canta os momentos sombrios como os da guerra, poeta do mundo, poeta da boémia intelectual, poeta da língua que esplende, poema do amor, sempre. Como escreveu, em “O Arco e a Lira”, o poeta mexicano e Prémio Nobel Octavio Paz: “voz do povo, língua dos escolhidos, palavra do solitário”.

 

Os investigadores

 

em nome da verdade histórica

 

inventarão virtudes que nunca tive.

 

 

E com irretorquíveis teses

 

irão ao exaustivo pormenor freudiano

 

de misturar minha vocação pelas raparigas

 

com a liberdade dos povos oprimidos.  

 

 

(José Craveirinha)

 

Hoje passam 100 anos sobre o dia em que nasceu José Craveirinha. A Pátria deu-lhe o préstito da praça e uma ominosa rua. Execráveis ditadores estrangeiros nomeiam largas avenidas. Quase não o lemos, citamo-lo sem o ler. Exilamo-lo na pátria do olvido. Agora o lembramos nestas efemérides, mas acto contínuo virá a nossa amnésia, a nossa desatenção, a nossa negligência e o nosso desprezo vibrar sobre ele e o devir moçambicano com todo o seu esplendor. Quanto a mim, cabia-me hoje este tributo, devolvendo-lhe a honra da láurea que me concedeu com a sua amizade, o seu exemplo e a sua poesia. “Bom têto! Sia-Vuma! Bayete mufana!” – escrevia-me. Aqui fica o meu penhor. Também lhe devo muito, ou quase tudo, do que sou.

 

Bayete, Zé Craveirinha!

 

SIA-VUMA!

 

KaMpfumo, 28 de Maio de 2022

quarta-feira, 25 maio 2022 07:04

DIZ-NOS, Ó MÃE ÁFRICA!

JanatoJanatoBig 1



Muito do que se sabe e escreve


Sobre a biografia do teu vasto corpo


Desde o Norte ao Sul, do Leste a Oeste


Foi-nos por mentes estrangeiras embeberado


Como esponja seca exposta a rios de abundantes águas


Assim, a tua nobre história nos foi maquinosamente revelada!



Ó mãe África

 

Nós, teus filhos e tuas filhas,


Julgamos-te orgulhosamente


Pelas coloridas e caríssimas capulanas asiáticas


Escoltadas de lenços feitos em cabeças despenteadas.



Nós, teus filhos e tuas filhas,


Sorrimos com lábios batonizados


Reclamando a injustiça que sofremos do racismo


Que também se aloja em nós perante nossos irmãos.



Afinal, ó mãe África


Qual é mesmo a nossa verdadeira raça?


Será que está na cor da nossa enegrecida pele

 

ou no conteúdo das nossas quase entupidas mentes?



Afinal, ó mãe África


Qual é mesmo a nossa língua?


Swahili, Árabe, Afrikans, Changana, Sena ou Emakua


Ou Inglês, Espanhol, Português, Francês e Mandarim?



Diz-nos, ó mãe África


Quem realmente nos pode ajudar


Em meio a tantas incertezas e maquilhadas hi(e)stórias?



Diz-nos, ó mãe África


Para onde foi o tempero que nos uniu


E deu à luz os 59 anos que em humandemia celebramos?



Diz-nos, ó mãe África


Será que os teus verdadeiros filhos


Sumiram com o emergir de uma era independente


Ou as astutas ovelhas ganharam o formato de lobos?



Diz-nos, ó mãe África


A quem confiaste a tua verdadeira história?


Aos teus filhos euroamerisiaticamente colonizados

 

Ou sua versão actualizada, importadores de colonização?


Aos senhores feudais que outrora nos colonizaram

 

Ou a sua versão capitalista africanamente modernizada?



Afinal, ó mãe África


Quem realmente carboniza o teu sonho

 

E de todos teus filhos, de crescer e desenvolver?


São agentes político-financeiros estrangeiros

 

Que nos apoiam a cometer brilhantes asneiras

 

E a envenenar a nossa afrirmandade sanguínea


Para depois surgirem como disciplinados auditores-investigadores


Ou teus quase ingénuos filhos, verdadeiros nacionalobistas  

 

Que compactuam com estes malabarismos macabros?



Diz-nos, ó mãe África


Em meio a tantas e importadas maquilhagens


Hoje, ubuntu já não mais nos une como outrora


E a linguagem que ansiamos educacionalmente aprender

 

Entupida de memes e vídeos sem conteúdos, nos contamina.



Afinal, ó mãe África


Quem são os teus verdadeiros filhos?


Os líderes políticos e libertadores de ontem


Ou todos que nasceram do teu vasto ventre pátrio?



Afinal, ó mãe África


Porque a pobreza se recusa nosso pátio abandonar


Se em teu vastíssimo corpo de berço da humanidade

 

Banhado do mais sustentável recurso, teus jovens txiladamente embebedados,


Descobrem-se vestígios de abundantes recursos naturais, aquáticos e petrolíferos?



Afinal, ó mãe África


Quem são as tuas verdadeiras filhas?


As que pegaram na caneta e aprenderam a discutir o feminismo importado


Ou as que, submissas, sobrevivem com marcas de enxadas em suas palmas?

 

 

Afinal, ó mãe África

 

Quando os teus jovens filhos e filhas

 

Tomarão as rédeas da tua geografia

 

Serão protagonistas da tua tão sofrida moderna história

 

Dominarão as áreas da circunferência da tua economia

 

Ensinarão teus filhos com a devida qualidade técnico-científica

 

E comandarão os destinos deste navio que carrega teu vasto, mas sofrido povo?

 

 

Diz-nos, ó mãe África

 

Quando teus velhos filhos

 

Como bons atletas, com olhos fitos no futuro, para o bem comum

 

Passarão o bastão da tão desgastada governação para as novas gerações

 

Que sucumbem no desemprego alimentado pelo exacerbado custo de vida?

 

 

Diz-nos, ó mãe África

 

Quando a formação académica e saúde de qualidade

 

Voltarão a pisar e habitar no teu vasto pátio

 

Hoje mais terra de gente de outras geografias

 

Que usurpa e domina sobre tudo e todos?

 

 

Diz-nos, ó mãe África

 

De onde virá a nossa esperança?

Mesmo assim, ó mãe África


Hoje cimentamos a certeza de que a tua juventude


Que caminha entorpecida e txiladamente adormecida

 

Receberá a luz da consciência e do espírito pan-africanista

E com eles fará o transplante da chama da tua vigorosa veia pensante


Definindo caminhos e alternativas de resposta acertadas


Para travar os vários desafios que aos teus filhos atormentam


E conduzir a tua vasta e riquíssima geografia ao porto desejado

 

Abrindo assim uma nova página para escrever a tua tão esperada história


Onde prevaleçam o mérito, a verdade, a coesão e a justiça social!

Pág. 19 de 31