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quinta-feira, 14 julho 2022 06:11

Wole Soyinka, 88 anos

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Quando a notícia do Nobel surpreendeu o mundo literário com o nome ínclito do nigeriano Wole Soyinka, em 1986, eu tinha lido “Os Intérpretes”, um dos poucos romances da sua extensa bibliografia, na qual avultavam, sobretudo, obras de dramaturgia e livros de poesia. Não havia nenhum mérito pessoal nessa minha entrevista improvável com a obra deste escritor. Dava-se a circunstância de que um professor de português, José Seifane, de grata memória, praticava, com indulgente generosidade, o acto de emprestar livros e tinha uma breve e suculenta biblioteca de autores africanos.


Foi pela mão do professor Seifane que li o senegalês Sembène Ousmane (“O Harmatão”), o nigeriano Chinua Achebe (“Um Homem Popular”), o queniano Ngugi Wa Thiong`o (“Um Grão de Trigo” e “Pétalas de Sangue”). Li também escritores sul-africanos como Alex La Guma (“País de Pedra” ou “Tempo da Morte Cruel”) ou Alan Paton (“Chora Terra Bem Amada”). Mais tarde haveria de ler o egípcio Naguib Mahfouz, ou os sul-africanos Nadine Gordimer e J.M. Coetzee, outros laureados com o Nobel.


Soyinka acaba de publicar novo e porfiado romance: “Chronicles from the Happiest People on Earth” (2021). Considerou-o, aliás, uma homenagem à Nigéria. Estes tempos e estes problemas (corrupção, por exemplo) que assolam o continente são as suas personagens. Desde 1973, quando deu a conhecer “Season of Anomy”, que não publicava ficção narrativa. “Os Intérpretes” (1965) é considerada a sua magnum opus. Na sua vasta obra, sobressaem títulos como “A Dance of the Forests” (peça encenada em 1960 e, posteriormente, publicada em 1963) pensada para as comemorações da independência do seu país. Neste domínio tem uma vastíssima produção, sendo usualmente considerado o mais importante dramaturgo africano. No território da poesia: “Idanre and Other Poems” (1967), “Poems from the Prison” (1969), que seria reeditado com o título “A Shuttle in the Crypt” (1972), ou “Mandela´s Earth and Other Poems (1988). A editora britânica Methuen publicou-lhe uma antologia com estes três prévios títulos: “Selected Poems”.


A sua biografia regista, com dureza, as suas passagens nas prisões nigerianas e longos períodos de exílio. Há legendários anúncios em que é procurado vivo ou morto pelos regimes ditatoriais da Nigéria. Quando esteve vinte e dois meses preso (entre 1967 e 1969) registou essa experiência em “The Man Died” (1972). É também um exímio ensaísta e um dos mais proeminentes intelectuais africanos. Destaco, neste domínio, duas obras seminais: “Art, Dialogue and Outrage” e “Myth, Literature and the African Word”. Também é um memorialista inexpugnável. “You Must Set Forth at Dawn” (2006) é um volumoso livro de suas memórias.


Num dia de Março do longínquo ano de 1995 fui ao seu encontro, na companhia do Pedro Rosa Mendes, para o entrevistar para o jornal “Público”, onde ambos éramos jornalistas. Ele estava de visita a Lisboa para compromissos literários. Recordo-me sobretudo da sua figura hierática, da sua legendária cabeleira afro, da sua barba aparadíssima e da sua voz poderosíssima. Lembro-me, por aqueles dias, de ouvi-lo dizer o poema “´No´ He Said” (for Nelson Mandela): “In and out of time warp, I am that rock / I the black hole of the sky”. Lembro da sua voz e da sua majestade. Da sua voz que ainda reverbera. E de duas coisas que ele nos disse, entre várias, naquele encontro irrepetível.


A primeira: que os africanos deveriam ter tido coragem de desfazer as fronteiras que eram a herança da Conferência de Berlim e que estavam origem de intermináveis guerras étnicas e fratricidas: “Os políticos traíram África”, di-lo desassombradamente. Escolhemos, aliás, esta frase indomável para título da entrevista. A segunda: “Eu não sou neo-tarzanista”. Era, por conseguinte, contra a ideia de que o homem africano deveria retornar ao tempo místico da tanga e da floresta (palavras minhas) – ao tempo do mito selvagem. Afirmava-se como um homem moderno e não tinha pejo nem se coibia quando reclamava dos avatares da modernidade. Para além disto, não esqueço as suas intrépidas posições sobre as ditaduras africanas, de que era um opositor visceral.


Vi-o, muitos anos depois, num comum voo entre a Cidade do Cabo e Joanesburgo, mas não tive o arrojo suficientemente juvenil de me dirigir a ele. Admirei-o de longe: a sua elegante figura, o seu olhar fixo no que lia, a sua silhueta e o cabelo todo branco como um belo ancião. Africano que é. Estava longe do homem de 52 anos que dera o primeiro Nobel da Literatura à África. O seu indubitável nome esplendia há muito sem equívoco nos lustres literários africanos ou ocidentais, onde actua como professor em diversas universidades. Fiquei empolgado quando o vi e tive o sobressalto de todos os que se entrevistam com os seus ídolos. Mesmo quando a sua devoção é pudica ou acanhada.


Wole Soyinka nasceu em Abeokuta, na Nigéria, a 13 de Julho de 1934. Por vezes, muitas vezes, oiço notícias sobre ele. Sempre o leio com alento de um africano digno, de um intelectual probo, de um modelo exemplar, sempre inspirador, não só pela sua lucidez e coragem, mas também pelo quilate das suas ideias e obras, cujo jaez é indubitavelmente singular e esplendorosamente distinto.


88 anos é uma idade catita para o celebrar!

 

Cidade do Cabo, 13 de Julho de 2022

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