A Raposa Nacionalista foi há dias capa de jornal. Escusado é dizer que não foi pela melhor das notícias. Daquelas simplesmente revoltantes, pelo menos para a sociedade. Aliás, coisa inimaginável no País das Coisas Inimagináveis era ver um político na capa de um jornal pela melhor das notícias.
A Mosquito Bisbilhoteira soube que a Raposa Nacionalista estaria algures na cidade a visitar uma exposição sobre pirataria marítima. Seguiu até o local e aguardou pacientemente até o fim da sessão.
Por fim, já à saída e quando a Raposa Nacionalista se dirigia à sua viatura, a Mosquito Bisbilhoteira interpelou-a:
— O senhor acredita em coincidências?
— Talvez. Por quê?
Se a Raposa Nacionalista era conhecida por suas respostas milimetricamente cautelosas, já a Mosquito Bisbilhoteira tinha a fama de ter uns rodeios trapaceiros nas perguntas. Suas voltas eram intencionalmente calculadas. Como quem arquiteta sorrateiramente um xeque-mate em partida de xadrez.
— É que hoje percebo que a Raposinha Insolente tinha razão quando certa vez disse não ter memória de elefante — disse-o em tribunal, numa tentativa de se evadir de um interrogatório. — Há um jornal que reporta que o senhor Raposa Nacionalista se terá esquecido completamente de ser titular de uma mansão algures no País dos Males Irremediáveis. Isso parece provar que a falta de memória da Raposinha Insolente não é nenhum acidente.
A Raposa Nacionalista disse:
— Se a Raposinha Insolente herdou de mim a falta de memória, que é o que a senhora parece insinuar uma vez ele ser meu filho, então não é coincidência. É genética.
— E o senhor tem mesmo razão! É genética. E da mais pura! O que sucede é que lê-se também no mesmo jornal que o senhor Raposa Nacionalista não visita aquele país desde 2019.
— E o que é que isso quererá dizer?
A Mosquito Bisbilhoteira agora mostrou-se relativamente reticente. Mas, lá no fundo, todavia, era corajosa. Destemida.
Atreveu-se e disparou:
— O jornal lembra ainda que 2019 é curiosamente o ano em que o Chacal Abandonado, seu aliado de caçadas furtivas durante o seu consulado presidencial, foi detido pela Interpol naquele país.
E fez-se silêncio. Mas um silêncio gritante.
Por fim, e com ares de vitoriosa, a Mosquito Bisbilhoteira rematou:
— Eis-nos aí a coincidência, senhor Raposa Nacionalista. Uma curiosa coincidência. E agora repito a minha pergunta inicial. Acredita em coincidências, senhor Raposa Nacionalista?
Há tragédias que acontecem em todo o mundo e para todos. Mas há umas especiais que só se podem testemunhar no País das Coisas Inimagináveis.