Um novo ciclo de governação se inicia. Com ele, os habituais discursos de ocasião, arranjos institucionais, formação de governo e promessas de governação.
Gáudio para uns – os contemplados; e frustração para outros – os que ficaram de fora do almejado tacho – pelo menos não na primeira leva.
Inauguramos mais uma legislatura, mais 5 anos que coincidem com o anúncio das festividades e celebrações do jubileu da Independência. Sim, em 2025 Moçambique completa meio século do içar da bandeira como país Independente. Sobre a independência dedicarei uma serie de artigos para analisar o seu significado no actual contexto político, social, económico e até mesmo histórico e cultural.
Para a presente reflexão, quero trazer a questão da humanização e da empatia entre quem governa e quem é governado. É quase que inegável a ausência ou pouca legitimidade popular que o actual ocupante do Palácio da Ponta Vermelha enfrenta. Há um distanciamento enorme entre ele e os outros (nós no caso vertente), e a forma de comunicar poderá ser determinante para o decurso desta relação que já se iniciou com desconfiança.
Voltando no tempo, e tentando contextualizar o móbil deste artigo, recuo para Maio de 2024, pouco tempo depois da realização do último Congresso do Partido Frelimo. Publiquei uma reflexão intitulada “Do Conclave à Acção: A Via Sacra de Chapo”, onde de entre vários desvaneios filosóficos, escrevi que uma vez candidato pela Frelimo, Chapo tinha meio caminho andado à Ponta Vermelha, mas que a sua procissão seria tortuosa – uma autêntica via-sacra.
Apontei, na altura, três principais desafios que o então candidato iria enfrentar caso chegasse à Presidência:
O primeiro grande desafio que enfrentará como candidato será gerir as animosidades entre as diversas alas que consolidam sua posição no xadrez interno, cada uma reivindicando protagonismos de acesso ao poder e a riqueza do país. Sendo ele novo em idade e em experiência político-partidária deverá conceder-se tempo para moldar-se num processo simultâneo de aprender fazendo.
O segundo desafio, será o de se tornar o presidente de facto e de jure do partido e ter poderes suficientes e, liberdade para ser ele mesmo – claro que sabendo respeitar os limites, os estatutos e os demais instrumentos do partido. Aqui terá árduo trabalho de resgatar a imagem do partido, restaurar o orgulho da onda vermelha, reconquistar o eleitorado descontente e frustrado, e quiçá, conduzir um processo interno de reconciliação e valorização da história, dos ideais e do legado do partido.
O terceiro e último desafio que vislumbro, e talvez o mais importante será o de governar Moçambique. Governar um país vasto e com muitos problemas que não foram devidamente acautelados no passado (pobreza generalizada, a segurança alimentar, choques climáticos, educação decadente, saúde doentia, o dossier das dívidas ocultas e de outras que poderão surgir, a insurgência em Cabo Delgado, a corrupção no aparelho do estado, nepotismo, segurança pública, a segurança do país, a defesa da nossa soberania, etc).
Volvidos quase trinta dias após a sua investidura como Presidente de Moçambique, e na procissão dos primeiros cem dias de governação, todos holofotes estão virados para a análise e avaliação da performance da governação de Chapo e seu governo.
E eu, não querendo ser excepção a regra, embarco nesta minha parangona filosófica de descortinar e desvelar algumas minas e armadilhas que a via-sacra oferece ao timoneiro da presidência.
Inicio com um novo desafio, que em termos de seguimento ordinário será o quarto desafio, que dá título a este artigo: Humanizar o Governo e Imunizar a Governação.
Por humanizar o governo, quero dizer em poucas palavras, que Chapo, na qualidade de Comandante em Chefe, tem a obrigação de romper de facto e de jure com o modelo de governação do seu antecessor. Sem querer fazer juízos de valor, mas resvalo-me fazendo, digo sem rodeios que os últimos dez anos, foram dos piores de que se tem memória. Dez anos de um governo incapaz que nunca chegou a ser solução para os problemas do povo. Um governo que sempre se limitou a adjectivos vazios sobre Estado Geral da Nação e a justificativas estapafúrdias para os sucessivos fracassos. Há que ter coragem de ler atentamente os últimos dez anos e reflectir sobre os pecados que cometemos como país; fazer a devida penitência e iniciar um novo ciclo. Não é tanto um exercício de julgar e condenar o que se passou, mas sim para entender e evitar que caiamos de novo em tamanho descompasso de governação.
Humanizar o governo vai significar, imbuir o governo, as instituições, as pessoas e toda a máquina, de espírito patriótico – Moçambique em primeiro. Vai significar devolver centralidade ao povo e fazer dele a causa primeira e última da governação; incluí-lo nas auscultações, nos processos de tomada de decisão e na resolução de conflitos – Nada para o povo sem o povo.
Humanizar irá ganhar corpo e se cristalizar no amenizar da tensão social que o país está imerso e, é premente recuperar a pouca confiança que restava no Estado, no Governo e nos governantes.
De seguida, trago a questão de imunizar o governo e a governação – A máquina estatal está impregnada e infestada por males que corroeram o tecido administrativo em sua camada mais profunda: a corrupção, o nepotismo, o clientelismo, e a bajulação. Foram males que foram incentivados e premiados nos últimos dois mandatos, e viraram cultura quase que obrigatória na escalada da montanha do tacho.
É preciso imunizar este ciclo governativo e dizer basta a este emaranhado de pessoas que se serve do estado para obter vantagens pessoais às custas do povo pobre e sofrido. A imunização vai requerer coragem e postura íntegra e exemplar daqueles que governam. Devem, como afirmou o Marechal Samora Machel, ser os primeiros a consentir sacrifícios e os últimos na fila dos benefícios. Pode até parecer utópico, pois estamos quase todos condicionados pela “bolada”, pela “nhonga” e pelo “clientelismo”.
Uma postura exemplar vinda de cima, irá necessariamente colocar “guiso ao gato” e relançar as bases para que o nosso país possa se reerguer, se reconciliar e dialogar como sempre foi apanágio.
Este será, sem sombra de dúvidas, um dos ciclos de governação mais duros, mais difíceis e mais complexos, porque toda ruptura gera animosidades e descontentamentos. E muito do que foi dito no discurso inaugural na Praça da Independência será combatido de dentro e de fora.
Apenas a criação de uma identidade própria e uma cultura de superação, poderá conduzir a humanização e a imunização da governação.
Disse!!!