Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

BCI
quinta-feira, 13 fevereiro 2025 11:47

Hora dos demónios

Escrito por

AlexandreChauqueNova (5).jpg

Sou um andarilho reformado, incapaz de voltar a sair e andar por aí à procura de novas melodias. Percebo agora, mais do que nunca, a minha condição de nave fracassada. Vivi em órbita espacial durante anos sem fim, e ao entrar na atmosfera de volta à base, depois de todas as derrotas, senti  que já não podia regressar ao Cosmos, e se houvesse algum impedimento de aterragem, ou porque o vento é desfavorável, ou porque a visibilidade é remota, não podia voltar para trás, a nave não recua. Ou vence ou entra em derrocada.

 

Tento escutar, agora que estou esparramado como um mamarracho, novas músicas que vão sendo criadas e publicadas e tocadas em todos os lugares de sucesso, mas nada! Então recorro aos meus ídolos de sempre para continuar vivo. Tenho várias escolhas, e todos elas ocupam a mesma intensidade no meu sentimento. Como ontem, que me entreguei totalmente ao Buddy Guy, que me enfeitiça com Hoochie Coochie Man. É por isso que sou feliz mesmo sem sair de casa.

 

Recusei – ainda esta semana - um convite da Heleny, minha antiga namorada conhecida nas  pândegas em Maputo para ir a Paris, mas isso é uma estupidez, como diziam os meus amigos. Ainda diziam mais, você quer perder a oportunidade única de contemplar e sentir a vibração da Torre  Eiffel? Que grande estupidez!

 

Mas eu rio-me dos meus amigos e de todos aqueles que pensam como eles. Até podia ter ido, para rever a Heleny, mas a Heleny também já não me diz nada. É como tudo aquilo que perdi, não voltará a fazer parte da minha agenda. Ou seja, andei a escrever na areia da praia durante todo este tempo de não acabar. Todo o ouro que tinha recebido de graça, por misericórdia, deitei-o na pocilga, de onde até os demónios fugiram.

 

Se calhar esteja a preparar-me como nave do futuro sem eu saber, contrariamente a outra nave fracassada, mas essa ideia não me empolga. Se até o mwenje, árvore criada pela mão de Deus para sonorizar a música dos chopes degenerou, quem sou eu para não degenerar! Eu que sou superior a todas as árvores existentes na terra! É por isso que estou me marimbando para as viagens, e para Heleny também, a quem desejo as maiores felicidades.

 

Estou a entrar em paranóia. Ontem por volta das duas da madrugada, hora predilecta do diabo, senti cheiro de tabaco vindo da varanda da minha casa, entrando pela janela do quarto onde reside o último reduto de mim nas noites. Alguém fumava lá fora, segundo os meus pensamentos, mas quem a esta hora!? Porquê? Há um silêncio absoluto que me remete aos últimos segundos de um condenado à morte na antecâmara de gás. E daqui a pouco vai pingar o cianeto.

 

Ora! Podia pensar que tudo isto é resultado da  esquizofrenia, mas já não bebo xivotxongo, estou lúcido. Abdiquei da ansiedade e não perco o meu tempo esperando pela morte, porque já morri há muito tempo. E o testemunho dessa verdade é esse alguém que vem fumar na minha varanda às duas da madrugada. Hora dos demónios!

Sir Motors

Ler 86 vezes