Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

Nando Menete

Nando Menete

No banquete por ocasião da investidura do Presidente da República (PR), o investido, Filipe Jacinto Nyusi, proferiu alguns pronunciamentos que despertaram  a curiosidade dos que acompanham a vida política nacional, mormente quanto a composição do novo governo. Pairou a ideia de que na composição do novo governo o PR não se contentaria  com o  “balneário partidário”, abrindo alas para o “ balneário da sociedade “ que  é, quiçá, mais vasto  e nas palavras do PR: de altíssima qualidade.

 

Abaixo e de  forma breve, partilho um apanhado do que foram as expectativas, conclusões e lições aprendidas a partir de excertos do “ Discurso de Sua Excelência Filipe Jacinto Nyusi, Presidente da República de Moçambique, no Banquete oferecido por ocasião da Sua Investidura como Presidente da República” vis-à-vis a composição do novo governo.

 

  1. Expectativas
  • “ Sou imune a todas as pressões, embora em democracia, elas sempre existam. A única pressão que pesou em mim, foi o interesse nacional de Moçambique.”: esta parte do discurso gerou a sensação de que o novo  governo seria imune à pressões, sobretudo as de ordem partidária na escolha dos ministros  e em defesa da unidade nacional, o superior   interesse nacional;
  • “É verdade que sou Presidente da FRELIMO, mas também é mais verdade que a Presidência da República não é um cargo partidário”: deste entendimento , a esperança de que o novo governo também não seria um órgão partidário;
  • Mais de 60% dos membros do Governo serão novas caras,(…), mas porque o balneário moçambicano é de altíssima qualidade...”: desta afirmação a certeza de que estes 60% seriam quadros fora do partido do PR.
  1. Conclusões

“O Estado não se esgota no governo, como muitos pensam. Há várias posições relevantes no tão diverso quadro institucional de Moçambique. Esse quadro diversificado pede o concurso do talento e da experiência de um amplo leque de quadros, cuja vontade seja servir Moçambique./O meu governo irá capitalizar esses talentos nacionais… ”: com o anúncio do novo governo ficou patente, fora o entendimento contrário, que o grosso ou a totalidade dos membros do governo é formado por membros do partido do PR. O resto que aguarde a possível chamada  para as outras  posições relevantes fora as do governo.

 

  1. Lições aprendidas

“…A inclusão é muito mais do que a acomodação de um grupo restrito de compatriotas, seja qual for a sua origem. Incluir é ouvir os que pensam diferente. Incluir é dar oportunidades iguais a todos, é exercer justiça social, é promover o emprego.”: fora os cargos, para o PR o moçambicano é convidado “…a participar com o seu saber, experiência e espírito crítico no processo de identificação de soluções para os desafios que os moçambicanos irão enfrentar no próximo quinquénio” (discurso da tomada de posse)

 

Em suma, nada esta perdido e as expectativas transitaram para o preenchimento das vagas do governo em falta e ainda dos cargos por preencher de muitas  outras posições relevantes do quadro (refeitório?)  institucional moçambicano. Quem sabe se no que falta preencher e  em tempo de compensação  o PR marque um golo na própria baliza.  

quinta-feira, 16 janeiro 2020 05:27

A “mão externa” e outros órgãos

Em Moçambique é normal que o Poder recorra a expressão “mão externa” para acusar as organizações da sociedade civil moçambicana de estarem (e existirem) ao serviço de interesses estrangeiros, sobretudo do Ocidente. Pelo que se crê o móbil da acusação é o facto de estas organizações receberem doações/financiamento do Ocidente e de supostamente no verso do cheque constar uma agenda do que fazer . Sobre a acusação - e do mesmo jeito que o acusador também bebe (e bem antes) da mesma fonte - já diz o ditado: quem fala assim não é gago (risos).

 

Trouxe a expressão (mão externa) à mesa, não para debruçar sobre acusações, mas  para partilhar algumas considerações que se prendem com o seu  alcance ( e dos órgãos adiante) e a razão da escolha da mão (externa) e não de um outro órgão do tipo, por exemplo: coração , estômago ou cérebro.

 

Imagino que se tenha recorrido a este termo (mão externa)  porque dos dedos da mão sai a assinatura do cheque. Dos mesmos  dedos a direcção a dar ao valor inscrito. E também – a parte dolorosa – dos mesmos dedos sai um gesto que se assemelha com o nome de uma fruta da corrente época. Deste gesto  e por ter recorrido à empréstimos na calada da noite, o país ainda se ressente da sua profundidade.  

 

Uma outra expressão e com a mesma intenção acusatória de “ mão externa” com o tempo saiu de moda. Era a não menos famosa  “mão invisível”.  A razão por ter saído de moda  talvez fosse porque  as ditas agendas escondidas deixaram de ser segredo e em nome da transparência passaram para o fórum público de tal sorte que é perfeitamente identificável o dono da  dita “mão externa”: os países do Ocidente que condicionam o seu apoio à questões  de ordem política  e económica. 

 

Para o apoio  recebido de outros países -  caso da  China -  o termo (mão externa) não é  aplicável, pois a China – pelo o que se consta da fala oficial – não condiciona a sua ajuda à nenhuma imposição de natureza política ou económica. Enquanto que o apoio do Ocidente é considerado  mau, o da China é bom. Neste contexto, uma expressão adequada para caracterizar a abordagem da ajuda chinesa e recorrendo a outros órgãos do corpo humano e de tão amorosa a ajuda chinesa,  quem a recebe devia ser acusado de   “coração externo”.

 

O denominador comum e o culpado  da dependência  externa é um outro órgão: o estômago. Este  (já  interno/nacional)   ainda não se libertou dos hábitos e costumes gastronómicos coloniais e pelos dias que correm, os da globalização . Para ilustrar chamo a atenção de uma entrevista (dada depois da independência) de Ricardo Rangel, o saudoso fotojornalista moçambicano, que perguntado sobre o que mais gostava de comer respondeu que adorava um bom cozido à portuguesa. E em seguida lamentou que o seu estômago não se tenha descolonizado.  Presumo que não tivesse sido  matéria da agenda do processo de  descolonização.

 

A par do estômago  está  o cérebro. Isto para falar do último órgão (também interno/nacional). Não é segredo para ninguém que o grosso da literatura (científica e religiosa) que alimenta (doutrina) o cérebro da Pérola do Índico é externa e boa parte proveniente das fontes do apoio.  Logo e a partida: um órgão  exposto, vulnerável e à reboque da “mão externa” e do “coração externo”.   

 

Nestas circunstâncias - diante das  incursões  externas ( da mão e do coração) e da  capitulação  interna  (do estômago e do cérebro) – haverá alguma  luz no fundo do túnel?  Acredito que haja e  tenho fé  que um outro órgão e local  (devidamente identificado)  venha à terreiro em socorro da Pérola do Índico .

Temo que o próximo mandato inicie e o PR (Presidente da República) não ache ninguém para os cargos a nomear e muito menos para ser governado. A razão? É muito simples: em Moçambique ninguém conta que o outro e semelhante esteja vivo. Basta que um e um outro não se avistem para que se considerem parte das estatísticas de “lhanguene” (cemitério). E sobre tal - na passada quadra festiva - tirei as dúvidas atinentes, sobrando o receio de que em 2020 o país não volte a dar certo, simplesmente – e mais uma vez – porque não conta contigo. Já explico. 

 

No ano passado fui alertado - por um amigo da terra na diáspora - a propósito do jeito dos moçambicanos cumprimentarem-se, mormente depois de algum tempo sem contacto. Ele contara que todos os anos que passa as suas férias no país e sempre que se cruza com um amigo este mal esconde o espanto, expelindo o típico: “Hei, estás vivo, pah!?”. No papo e quando arrolado o nome de um amigo comum, um outro e sonoro assombro: “Hei, esse tipo tá vivo!? Pensei que já tivesse bazado”. E por ai avante, passando pela minuciosa revista dos que verdadeiramente partiram. E não prolongo, pois acredito que o estimado eleitor bem conhece o assunto e certamente é parte deste modo de estar à moçambicana.

 

Na última quadra festiva - um bom momento de encontros ocasionais entre conhecidos que não se comunicam há algum tempo – fiquei muito atento a este fenómeno e a conclusão foi aterradora: é geral (e preocupante) a estupefacção mútua pelo outro estar “Vivinho da Silva”. E dito isto, abro uns parênteses: perdoe o “teu amigo de peito, teu camarada” que bem acomodado no poder não se tenha lembrado de ti no último mandato. E já agora: faço votos de que na quadra festiva tenha estado “ocasionalmente” com ele. E para os que pensam em altos voos no próximo mandato - e em jeito de atenção a chamada - vai um aviso à navegação: só resta uma semana para a tomada de posse do PR.  

 

Voltando ao amigo que me alertara para este fenómeno, perguntei-o - na altura - como era pelas terras do Ocidente (o dito mundo desenvolvido), local onde ele assentara arraiais. Fiquei a saber que por aquelas bandas e nas mesmas circunstâncias – encontros ocasionais depois de um certo interregno - os avistados questionam-se mais ou menos nos seguintes termos: “Então, esses projectos?”. Um detalhe, mas substancial e quiçá a nota que diferencia o ritmo do desenvolvimento entre o grosso do Ocidente e o país.

 

Será por aqui que o país - há mais de quatro décadas - não dá certo? Não sei, mas seja como for é recomendável e urge que se inverta a prática dos cumprimentos à moda moçambicana. Assim - e nesta década que se inicia – vai uma dica: quando o estimado leitor encontrar alguém que não se avistam há algum tempo não se admire que ele esteja vivo. Pelo contrário. Pergunte: “Então, esses projectos?”

 

Tenho fé e acredito piamente que deste modo o estimado leitor estará a contribuir para que este país - a partir de 2020 - não seja mais um dejecto à maneira das caracterizações de Donald Trump, PR norte-americano, mas um projecto e sério de desenvolvimento de e para vivos. Quem sabe se assim e contigo (bem vivo, naturalmente) o país possa dar certo.

 

Uma das maiores dificuldades (e quotidiana) dos moçambicanos prende-se com a localização de um determinado endereço físico. Acredito que o leitor já esteve inúmeras vezes na situação de explicar a alguém ou a de ser explicado (sobretudo ao telefone) onde se localiza determinado sítio. Imagino a dificuldade enfrentada por ambos sobre algo que a partida parecia óbvio. Nesta situação é normal que se desista ou se recorra a outra (s) pessoa (s) tanto do lado de quem explica como do aquém é explicado. E mesmo assim: da mata densa não sai nenhum coelho.
 
Assim ocorre com o processo de desenvolvimento do país. O exemplo mais flagrante é o da Ajuda ao Desenvolvimento capitaneada pelos países mais ricos do Ocidente em apoio aos países pobres, na sua maioria africanos. O Ocidente se esforça às estopinhas para explicar aos países receptores da sua ajuda, incluindo Moçambique, como se chega ao desenvolvimento. E para tal, fora a explicação (técnica), aloca avultados recursos financeiros e equipamento para tornar o caminho menos penoso e célere. 
 
Há mais de seis décadas que se anda nisto e os países receptores da ajuda ainda não localizaram o desenvolvimento. Onde está o problema? No explicador  ou no  explicado? 
 
No primeiro e corriqueiro exemplo fiz referência a desistência e a mudança de uma das partes ou ainda de ambos como uma das saídas do imbróglio. Neste sentido e face as dificuldades na localização do desenvolvimento as mesmas hipóteses deviam ser equacionadas como uma das saídas para o caso da localização do endereço do desenvolvimento.
 
Atendendo que o arrolado é um assunto de extrema urgência é caso para que se diga que os dois factos requerem – pelo menos entre portas nacionais - a necessidade urgente de uma profunda reflexão relativamente às dificuldades experimentadas pelos moçambicanos na forma de chegar a um determinado endereço físico e na de localizar o desenvolvimento.  
 
Até lá fica a deixa: não se pode localizar o endereço do desenvolvimento sem que se domine previamente a localização de um simples endereço físico. Todavia, havendo uma ténue possibilidade e necessidade, fica um apelo para o ano de 2020: quem ajuda aos interessados a localizar o endereço do desenvolvimento de Moçambique ?
Do tribunal distrital de Brooklyn, cidade de Nova Iorque, Estados Unidos da América, ficamos a saber, segundo a acusação americana, que Jean Boustani  um gestor sénior de uma empresa estrangeira relacionada com as ditas dívidas ocultas é um Robin Hood de avesso. Este ficou famoso por tirar dos ricos para dar aos pobres. Por sua vez, Boustani, entre outros, por ter sido acusado (e já absolvido) pelos americanos de tirar dos pobres (moçambicanos) para dar aos ricos de várias nacionalidades, incluindo a moçambicana. 
 
 
E o que Boustani tem a ver com a ajuda ao desenvolvimento (o apoio dos países ricos aos países pobres iniciado com o pós-independências, sobretudo de países africanos)? 
 
 
A luz e concluindo o que um antigo líder mundial (já falecido e creio de nacionalidade israelita) disse um dia e a propósito do que podemos apelidar de "bostanismo" -  subtrair dos pobres e dar aos ricos – o seu modus operandi é o mesmo da ajuda ao desenvolvimento. Segundo o tal líder esta ajuda consiste em tirar dos pobres dos países ricos e dar aos ricos/elites dos países pobres. E no circuito deste exercício sobressaem os “beltranos da vida" que pululam dos dois lados: o do doador e do doado. 
 
 
A literatura sobre a ajuda ao desenvolvimento atribui a esta mais fracassos do que sucessos e já passam mais de seis décadas. No mesmo trajecto se encontram as boas intenções de Boustani em ajudar Moçambique com o seu alegado projecto de protecção marítima. Por idêntico modus operandi e efeitos o Jean Boustani foi levado à barra do tribunal. E em relação aos protagonistas da ajuda ao desenvolvimento: quem ou a quem cabe leva-los à barra do tribunal?  
 
 
Certa vez, a respeito dos "beltranos da vida", num convívio de celebração - entre os beltranos do Norte e os do Sul – por ocasião do início de mais um projecto (taxa de sucesso) do apoio externo ao desenvolvimento, um dos "beltranos do Sul" tomou a palavra - em representação de um consórcio também regional e receptor da ajuda - para agradecer aos visitantes por mais uma "taxa de sucesso". Em seguida fez uma caracterização do circuito (exógeno e endógeno) do sistema da ajuda ao desenvolvimento, sobretudo como os protagonistas, de fora e de dentro, incluindo ele, tiravam proveito do que chamou de  "benesses do sistema" no lugar de males do sistema. 
 
 
E para fechar a sua intervenção pediu um "tchim-tchim” em nome de mais e mais projectos em benefício das comunidades mais carenciadas, acrescentando de que tais comunidades mandavam um abraço de eterna gratidão. No momento do brinde ainda clamou um suculento “Is a good system, comrades”, arrancando aplausos e gulosos goles dos homólogos, internos e externos, presentes na celebração.  
 
 
Por estes dias sinto este episódio nos olhares da pérola do índico e suponho que semelhante "tchim-tchim" tenha sido feito - algures e pelo mundo fora - a reboque da recente absolvição de Boustani. Ademais e para a História ficará registado a inquietação sobre quem foi absolvido em Brooklyn: o Boustani ou a bosta do sistema? 
quarta-feira, 27 novembro 2019 07:14

Cadê o Povo?

Não tem sido fácil localizar o povo. Já lá vão os tempos em que o povo era todo o moçambicano do Rovuma ao Maputo. Bastava estalar os dedos e lá estava o povo no local e hora da chamada para mais uma jornada de construção do Homem Novo. Sobre a dificuldade em localiza-lo que o diga o Doutor Fofa, um militante-mor e consultor-turbo da sociedade civil, que numa das suas expedições pelo país procurou o povo para nutri-lo de conteúdos da nação e recolher da base as sensibilidades mais fortes para serem esmiuçadas no topo.  

 

A tal expedição - relacionada com o fortalecimento da cidadania – iniciara com um seminário central por si ministrado e dirigido às organizações da sociedade civil sedeadas na capital do país e de âmbito nacional. No final e face a importância dos conteúdos os participantes recomendaram que os mesmos fossem levados para as províncias, locais “onde está o povo”.

 

Uns tempos depois foram programados e realizados os seminários provinciais. Nestes ficou assente e sugerido pelos participantes que o assunto também fosse levado aos distritos, pois é “onde está o povo”. Não tardou os seminários distritais foram programados e realizados. As organizações e plataformas distritais presentes concluíram e aconselharam que se devia descer para os Postos Administrativos, pois é “onde está o povo”. Nos Postos Administrativos a observação foi de que se levasse o assunto às localidades, pois é aqui “onde está o povo”.

 

Já exausto e sempre solícito para mais uma expedição - e desta vez às localidades e ao encontro do que seria finalmente o povo - o Doutor Fofa equaciona e opta por uma breve paragem de relaxamento numa das paradisíacas praias deste país.

 

Depois do descanso o Doutor Fofa decide que se retiraria da unidade hoteleira depois do almoço e logo que acabasse um dos serviços noticiosos de uma das estações de televisão. Para o seu espanto e numa reportagem da TV um participante de um seminário - que por coincidência decorria numa localidade deste país - sugeria aos organizadores que se criassem condições logísticas para levar o assunto em pauta para “lá na base”, nos sítios mais recônditos que é “onde está o povo”.

 

O Doutor Fofa não aguentou e caiu em resposta clara a um fulminante Ataque Vascular Cerebral (AVC). Felizmente sobreviveu e teve que regressar a capital e aqui – enquanto se recuperava e para matar o bichinho dos seminários – resolve frequentar seminários locais. Um dia desses decide participar numa auscultação pública sobre o processo de encerramento da Lixeira do Hulene que decorreu no bairro do mesmo nome e localizado no Distrito Municipal Ka Mavota. Para a sua estupefacção, nessa auscultação pública, um jovem - visivelmente agastado - disse aos presentes o que abaixo cito:

 

“Parte dos problemas que o lixo está a causar em Hulene é um problema que não é do bairro (Hulene). É um problema que vem da base (se referindo e apontando em direcção ao Distrito Municipal Ka Mpfumo, o centro da capital), pois o povo de lá não se comporta com urbanidade, vulgo civismo, porquanto misturam e deitam todo o tipo de lixo na via pública e nessa condição (misturado) o mesmo é transportado para cá”.

 

Enquanto o jovem continuava a expor os seus argumentos o Doutor Fofa foi transportado para uma unidade hospitalar próxima. Desta vez fulminado por um outro tipo e recomendado AVC: Ataque de Vergonha na Cara.   

terça-feira, 19 novembro 2019 07:10

Devolver a cidade aos seus munícipes

A cidade de Maputo - por sinal a capital do país - completou, no passado dia 10 de Novembro, 132 anos de elevação à categoria de cidade. Não acompanhei os festejos, mas acredito que tenham sido à altura da idade. Embora não tenha estado por cá no dia da festa a data não me passou despercebida. Em algum momento do dia 10 reflecti sobre a cidade que um dia foi a das acácias. Em conversa com um amigo, este desafiou-me a responder aos problemas da cidade na qualidade de Edil. E eu – sem pestanejar – respondi: “devolver a cidade aos seus munícipes” seria a primeira medida. E a eleição do chefe de quarteirão a primeira acção da medida.

 

Paradoxalmente nos tempos do partido único o chefe de quarteirão era eleito e nos tempos da democracia multipartidária – dos dias que correm – o mesmo é apontado para o cargo (suponho pelo Município) sob critérios que não se conhecem. Existem casos em que dois ou mais quarteirões são chefiados pelo mesmo chefe.  Urge que se recupere as boas práticas. A democracia nas autarquias não se esgota na eleição do Edil e ainda mais através da lista (que o mesmo encabeça) do partido ou grupo cívico que o suporta.

 

Tenho fé de que uma "cidade bela, limpa, segura, empreendedora e próspera" (a visão municipal da cidade) só será possível alcançar quando os próprios munícipes se apropriarem da cidade. Não se vai combater os males e lutar pelo desenvolvimento da cidade sem a participação activa dos seus munícipes. E para tal “devolver a cidade aos seus munícipes” devia merecer a devida atenção dos munícipes e dos seus governantes. Por tabela os baixos índices de participação eleitoral e de interesse pela governação autárquica podiam ser invertidos com a devolução da cidade aos seus munícipes.  

 

Estendo a minha fé ao alcance do que - em tempos - um colega disse a propósito da escolha do chefe da comissão organizadora e dos desafios de gestão de uma festa da universidade: “Não se pode entregar a organização da festa de recepção de caloiros a alguém que nunca deu festa do seu próprio aniversário natalício”. O mesmo penso - acreditando que a eleição do chefe de quarteirão seja uma realidade a breve trecho – que para a gestão de um Município conste nos requisitos ou nos próprios CVs dos candidatos a Presidente de Município a gestão de um quarteirão.

terça-feira, 05 novembro 2019 06:36

Vítimas da Democracia

Na senda das recentes eleições dei por mim a pensar no que um amigo sindicalista disse-me uma vez – e passam anos - sobre a maldade da democracia. A tal malvadez era a própria democracia traduzida na alternância governativa, sobretudo, a decorrente da limitação de mandatos.

 

“O meu antigo chefe é uma vítima da democracia”. Com estas palavras e enquanto indicava para mim o seu antigo chefe, o meu amigo sindicalista dava por concluída a narração do historial da exemplar governação do seu ex-superior que se viu na contingência estatutária de abandonar o cargo depois de cumprir o limite de dois mandatos.

 

“Um bom chefe e o melhor que a instituição conheceu, mas, infelizmente, a democracia impediu a sua continuidade”. Foram as outras palavras do meu amigo sindicalista e ditas com profunda e dolorosa amargura. Para ele a democracia devia ser como no futebol: em equipa que ganha não se mexe (e nem se põe à prova).

 

Este episódio veio-me à memória à corrente das reflexões corriqueiras atinentes às últimas eleições, notadamente os seus contornos a ponto dos mesmos terem ditado - eventualmente - a goleada infringida pela Frelimo aos seus opositores. Em resultado desse desfecho, tenho ouvido - amiúde e com algum desassossego - que o país devia abandonar a democracia pluralista e voltar à democracia de partido único e terceiro-mundista das pós-independências.

 

Sendo assim – face aos resultados retumbantes e aos subsequentes prognósticos do “back to the past” - quem seria(m) a(s) vítima(s) da democracia? A oposição que não se impôs? Os eleitores (que votaram na oposição e/ou que não tenham ido às urnas)?O Ocidente (os patronos da democracia)? Ou os vencedores das eleições (os candidatos e os respectivos votantes)?  

 

Procurei pelo meu amigo sindicalista (hoje um devoto democrata) que para o caso em apreço disse bem alto e em bom-tom: “Os vencedores é que são as vítimas da democracia”. Em defesa da sua posição argumentou que uma equipa que sempre ganha cansa. E por perto - não alheio à conversa - um outro amigo e das hostes dos vencedores, questiona: “Cansa ou dança?” E o primeiro – com uma dose de sarcasmo - retruca: “Um dia desses, dança!”

 

E cá entre nós - a fechar - e bem na pele das metamorfoses democráticas do amigo sindicalista: o ser ou não ser uma “vítima da democracia” é uma questão que retumba a um dilema shakespeariano. Ademais e à luz das adaptações “workshopistas” do Doutor Fofa (um militante e consultor-turbo dos meandros da sociedade civil): dançar ou indagar, eis a questão.   

NandoMeneteNum texto anterior falei da reconfiguração do vocabulário popular por conta de narrativas de acontecimentos políticos, internacionais e nacionais. Hoje e no contexto das recentes eleições volto a partilhar uma parte (e adaptada) do referido texto e com alguns acréscimos cujo título também foi sujeito a ajustes para o do presente texto.

 

Na segunda guerra do golfo/Iraque (2003) foi despoletado um debate cujo foco era saber se os americanos atacariam Bagdade, a capital iraquiana, por ar ou por terra. E creio que um general americano – se a memória não me atraiçoa - tratou de encerrar o pretenso debate valendo-se da frase: “O objectivo é Bagdade!”. E de que era indiferente se a invasão fosse terrestre ou aérea. Depois, com a tomada de Bagdade e do resto do Iraque, era frequente que se registassem - num e outro local - ataques dos iraquianos que o mesmo general apelidou de “Bolsas de Resistência”.

 

Certo dia e no decurso de preparativos de um evento de “copos & papo” de um grupo de amigos subsistia a dúvida em relação a compra de um barril de cerveja 2M ou de Laurentina Clara, atendendo a austeridade imposta pela falta de verba. O impasse foi sanado quando um dos amigos – que adequando os novos termos da guerra do golfo ao vocabulário - sentenciou à americana: “Não interessa se o barril é de Laurentina Clara ou de 2M: o objectivo é Bagdade!”.

 

O dia “D” para os “copos & papo” amanheceu com chuviscos. Um elemento de avanço - já no local de batalha e preocupado com a chuva - ligou para um outro a manifestar alguma apreensão quanto a comparência do resto da legião. E ele só ficou descansado quando do outro lado da linha ouviu que a chuva era apenas uma “Bolsa de Resistência” e insignificante para impedir o assalto à “Bagdade”. Nesse dia “Bagdade” foi tomada de forma retumbante e inequívoca.

                                                                                                                            

Um outro episódio e à reboque de acontecimentos políticos resulta da sequência e contexto da assinatura do Acordo Geral de Paz (AGP), nomeadamente, no que se refere ao acantonamento das forças militares das partes signatárias - Governo e RENAMO - em quartéis/bases até que fossem desmobilizadas ou reorientadas.

 

O mesmo conceito – acantonamento – foi acomodado no vocabulário de uma determinada residência universitária onde os quartos eram partilhados por dois a três estudantes. Nos finais de semana era comum um visitante chegar à dita residência e encontrar um ou dois quartos apinhados com a maioria dos estudantes. Segundo eles, estavam acantonados por força de outras assinaturas – as da paz biológica – que decorriam em paralelo e de forma sonorosa nos restantes quartos.

 

Recordei-me destes dois episódios a propósito das recentes eleições (15 de Outubro de 2019) e por duas situações. A primeira prende-se com as recomendações “votou, ficou” (no local) e “votou, partiu” (para casa) que se assemelham ao acantonamento forçado que acontecia na residência universitária em dias de flexões locais. E a segunda situação tem a ver com o enchimento das urnas. Isto e considerando os relatos de que as urnas foram enchidas, é suposto que a palavra de ordem tenha sido - nada mais e nada menos - a célebre frase: “O objectivo é Bagdad!”. 

 

Por fim e por alguma razão - na residência universitária e nos dias aludidos - a opção de ficar no local do voto não era necessariamente proibida. Contudo, há quem preferisse ai acantonar e observar todo o processo in loco, tal “bolsa de resistência” (ou de assistência na esperança do avesso “ficou, votou”), mas - no final do dia - insignificante para travar a grande e ofegante marcha pela tomada completa de “Bagdade”.

 

PS. Este final de semana (25, 26 e 27 de Outubro) e face a agressividade propagandística do “Eixo Jardim-Bobole” (CDM-Heineken) paira mais um impasse em relação a escolha do que sorver para deleitar a abertura da estação de verão. Mas seja como for: “O objectivo é Bagdade!” e tenha um final de semana feliz!

segunda-feira, 21 outubro 2019 14:24

O cota é lixado!

O resultado que à conta-gotas é publicado pelo braço operacional (STAE) da Príncipe Godido, a rua da sede da Comissão Nacional de Eleições (CNE) – por sinal o nome do príncipe herdeiro do Império de Gaza (outra vez Gaza) - e referentes às eleições de 15 de Outubro lembra-me um outro resultado e de matéria similar na arte da conquista.

 

E bem a propósito quem não se recorda de situações corriqueiras das noites de Maputo (e não só) em que uma prendada garota é cobiçada até a exaustão por todos que se fazem à discoteca. Por toda a noite e por ela passam todos – na sua maioria jovens e adultos - exibindo atributos que se resumem aos de ordem física, financeira (com algum esforço) e papista. Entre os concorrentes algumas apostas são feitas cujo vencedor será o afortunado que lograr sair com a prendada garota.

 

Uma certa noite - enquanto os jovens concorrentes afinavam as estratégias e ajustavam as apostas - um cota aproveita a brecha e se aproxima da prendada garota do dia. Ele sussurra algo no ouvido dela, arrancando-a um sorriso de matar. Em segundos os dois estavam na pista de dança. Aqui o cota capricha e incha a inveja dos mais novos. E estes – sem ideias para o contra-ataque – reconhecem que o adversário é de peso, mas concluem que não os punha em causa. “O cota não é uma ameaça, “O cota não passa de uma bolsa de resistência” e que “ O cota é um cansado”. Eram os prognósticos dos mais novos. E os novos mais velhos – feitos em grandes analistas – ficavam pelo refrão de que a dama aceitou o passo de dança apenas para se exibir e os provocar. “Uns fanfarrões”, diria o cota.

 

E o cota - acostumado aos comentários desabonatórios e sobre os quais nem liga - depois de exibir os seus dotes de dançarino e em grande estilo, acompanha a prendada garota ao seu lugar de proveniência: uma mesa que se transformara em cardápio dos olhares e apetites dos que se achavam elegíveis para o assalto às fartas riquezas da prendada garota.

 

Uma hora depois o cota abandona a discoteca. Logo em seguida foi a vez da prendada garota fazer o mesmo, deixando curiosos os ditos elegíveis. E estes se apresam à porta e desta observam a presa a entrar no velho Toyota do cota e não restavam dúvidas quanto ao vencedor da noite. No dia seguinte a confirmação do VAR (Vídeo Árbitro) - no exacto momento em que alguns dos ditos elegíveis viram o cota e a prendada garota de mãos dadas e aos beijos na praia - de que o golo aconteceu e foi legalizado.

 

Em conversa – baixa e alta - os ditos elegíveis e correligionários questionam o que terá aquele cota de excepcional? Todos tinham respostas. Uns e outros alegavam que era o taco acumulado. Outros e uns juravam que eram os anos de experiência do cota na arte da conquista e por isso sabia do que elas realmente gostam. E de outros tantos que citavam truques mágicos, pois o cota só conseguia conquistar à noite e que de dia não via “game”. Enfim, um leque de justificações para contrariarem o sucesso ruidoso do cota na praça.

 

No final da conversa – e por sinal inconclusiva no seu todo - todos os elegíveis e correligionários foram unânimes num único ponto: o cota é lixado! E o “lixado” foi a alternativa a uma outra palavra que por questões de pudor não será aqui chamada. E cá entre nós – mesmo a fechar – e adicionando o outro sucesso ruidoso da praça nada melhor que se recorrer ao latim dos juristas: Quid Juris?

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