Por conta do dia da família, 25 de Dezembro, e mesmo diante das restrições de mobilidade, há famílias que foram passar parte do dia em casa dos avós dos filhos, sendo ainda uma oportunidade de regresso ao bairro de um ou de ambos os progenitores. Fui um dos afortunados que regressou ao bairro.
Fora um e outro vizinho, que não resistiram ao capital imobiliário, o bairro ainda preserva os que ainda mantêm a escassa e soberana conquista da independência, a casa do APIE (Administração do Parque Imobiliário do Estado). Um destes, a memória institucional do bairro, e quem ao colo levava-me ao futebol e falava, às escondidas, de um outro país que habitávamos, estava à varanda da sua casa e sinalizou-me para uma conversinha.
Anui a chamada. O sinal foi o mesmo que o anunciava, ainda garoto, para mais uma aula - percebo hoje - de cidadania e ciência política. Para os miúdos do bairro a primeira universidade. Corriam os anos oitenta e o ensino privado era até proibido.
Feito o protocolo familiar fui à varanda do vizinho. ῎Meu filho, o bairro está de volta!῎. Assim fui recebido. A partida até pensei que o bairro estivesse de volta por conta da minha presença, pois já não ia ao bairro fazia algum tempo. Debalde. Não era sobre a minha presença de que ele falava, mas do facto de o bairro ter voltado a falar e articular entre vizinhos os assuntos que os dizem respeito enquanto comunidade.
῎Meu filho, a última reunião do bairro e do quarteirão em que participei, Samora vivia῎. Dito, em seguida o vizinho relatou-me a reunião ocasional em que participara com os vizinhos, entre antigos (poucos) e novos, a maioria (novos proprietários ou seus inquilinos). O mote fora a falta de corrente elétrica por conta da queda/avaria de um PT (Posto de Transformação) que acabou por afectar algumas das casas do bairro.
A queda da corrente elétrica no bairro até que não era algo estranho. Mas desta vez, e talvez pelo actual contexto de crise e incerteza pós-eleitoral, cada vizinho fez o seu contacto e esperou nas cercanias do PT pela equipe da EDM, Eletricidade de Moçambique. Às escurras decorreu a reunião ocasional, e como resultado foi constituído um grupo de Whatsaap e levantadas as principais acções conjuntas, destacando as de vigilância, limpeza e segurança.
Depois de ouvir a boa nova lembrei-me, ainda garoto, das reuniões e limpeza do quarteirão e do bairro. Lembrei-me, sobretudo, da liderança na mobilização e concretização de acções conjuntas de interesse colectivo. Tenho ainda em mente três chefes de quarteirão. O meu vizinho até frisou este detalhe na conversa, acrescentando de que hoje, infelizmente, mal sabe quem é o chefe de quarteirão e o de bairro e nem as formas para as respectivas escolhas.
Para o vizinho, e nos tempos democráticos que correm, o cargo de chefe de quarteirão e de bairro deveriam ser o primeiro e permanente contacto democrático de base e ao serviço da comunidade, e não meros departamentos locais de negócios para a emissão de declarações de residência.
῎Meu Filho! Podes escrever: o bairro está de volta!῎. Anui e assim terminou a fala com o meu outrora, e eternamente vizinho.
E a propósito do bairro estar de volta: os ventos que sopram da área nuclear da cidade e da de expansão metropolitana de Maputo onde, e pela primeira vez, os vizinhos e outros com interesses na área circundante voltam a articular em nome e defesa da coletividade, fazem fé as palavras de esperança do meu eterno vizinho. Todavia, uma certeza: o futuro fará a competente prova dos nove.