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segunda-feira, 23 dezembro 2024 09:29

Já não há marisco em Miludzi

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Chegamos à ponta de Guilaleni, no arquipélago de Mucucune onde o feitiço ressurgia em todas as noites de corujas, e a indescritível beleza da paisagem desabrochou por completo enchendo-nos os olhos e o espírito. Era como se tivéssemos acabado de chegar ao próprio paraíso, com barcos à vela estendidos pelo mar desde Linga-Linga, passando por Móngwè até Chicuque e Maxixe, terminando no fim do horizonte que será Nhapossa, cuja expressão máxima está numa zona marítima que se ensoberbece chamada Potani. Então todo este maná não pode ser real. É um sonho.

 

O nosso  destino é a península de Miludzi, lugar onde o silêncio remete-nos aos pensamentos mais profundos, sobretudo nas noites e nas madrugadas quando as mulheres, voltando da pesca de arrasto de camarão, tagarelam balelas e riem-se a bandeiras despregadas sem que nenhum outro som, a não ser o dos últimos pirilampos em recolha,  interrompa a melodia sincera do riso.

 

Viajamos num barco à vela baptizado “Nhalégwè”, conduzido por um marinheiro conhecedor dos ventos que sopram de várias direcções e de outros ventos que não se saberá onde nascem. Na verdade ele é um barómetro que vai rivalizar com os cientistas formados em grandes universidades, e a escola dele é o próprio mar. É por isso que nos avisou com segurança, inesperadamente, enquanto contemplávamos a exuberância de toda esta plenitude, wunguta ronga (vem aí o vento norte)!

 

Saímos da ponte de Inhambane – um património inestimável da cidade – por volta das sete da manhã e, quarenta minutos depois, já estávamos em Guilaleni, um lugar há muito  sonhado, e que agora quase o beijo de perto.

 

Sinto um impulso dentro de mim que me impele a dizer alguma coisa ao marinheiro, a começar talvez por uma pergunta, nem que seja estúpida.

 

- Você é marinheiro de que zona?

 

- Sou irmão de Mangoba, teu amigo, você não se lembra de mim?

 

Compenetrei-me nele, na sua fisionomia, no timbre da voz, e na  capacidade de abstração que tem demonstrado desde que começamos a nossa viagem antes inacreditável. Ele tem de facto o sangue de Mangoba, o seu estilo cambaio.

 

- Já estou a lembrar-me de você!

 

- Então!

 

Agora estamos entre Linga-Linga e Móngwè, daqui a pouco chegaremos a Miludzi, onde ninguém me aguarda, onde ninguém, provavelmente, me conhece, mas eu vou! Da mesma forma que já fui a muitos lugares sem que ninguém me aguardasse. É o nome da terra que me move, e as suas histórias de fartura de marisco!

 

Mas os tempos mudaram. Muito. Lembrei-me, quando cheguei, das perfurantes palavras de Momad Wa Simbo, “Deus diminuíu as bençãos em Mucucune”.

 

Em Miludzi também, já não há peixe como antigamente, nem lula, nem camarão, nem  nada!

Sir Motors

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