As Organizações da Sociedade Civil (OSC) do nosso país que fazem parte do Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO) anunciaram ontem em Maputo que, dentro de dias, vão lançar uma campanha internacional que começará na Inglaterra, expandindo-se por outros países, para que o Conselho Constitucional (CC) revogue a inclusão das dívidas ilegais na Conta Geral do Estado (CGE) de 2017. Falando à imprensa, o coordenador do FMO, Jorge Matine, disse que a iniciativa visa pressionar as instituições de justiça e a Assembleia da República (AR) no sentido de revogarem a Lei Orçamental que inscreveu as dívidas ilegais contraídas pelas empresas públicas Proindicus (no valor de 622 milhões de USD), Mozambique Asset Management-MAM (535 milhões de USD) e EMATUM (850 milhões de USD), todas elas avalizadas pelo Estado moçambicano. Segundo Jorge Matine, ao aprovar a inclusão das dívidas daquelas empresas na CGE de 2017 a AR violou a Constituição da República de Moçambique (CRM). As dívidas da MAM e Proindicus ultrapassam o limite definido pela Lei Orçamental de 2013 no seu artigo 11 da lei nº 1/2013, de 7 de Janeiro.
Os membros do FMO assumiram a posição comum de que as novas revelações do caso das dívidas ilegais e detenção de alguns envolvidos na sua contração é um indicativo de que a AR e o CC devem revogar e responsabilizar as pessoas que retiraram benefícios pessoas das dívidas em questão, em vez de obrigar o povo a pagar algo que não fez. As 21 OSC que fazem parte do FMO informaram ter submetido hoje no CC a petição popular pedindo a revogação da Lei que inscreveu as dívidas ilegais na CGE. Acrescentaram que a referida petição é acompanhada por 2400 assinaturas de cidadãos oriundos de vários quadrantes do país. Assim, às 2000 assinaturas da petição anterior, que hoje completa 582 dias sem qualquer resposta, o que viola a CRM, juntaram-se mais 400.
Os membros do FMO vão continuar à espera que o Conselho Constitucional atenda o pedido submetido em Julho de 2017 sobre anulação da dívida da EMATUM, que foi incluída na CGE em 2014 pelo voto maioritário da bancada parlamentar da Frelimo.Edson Cortez, director do Centro de Integridade Pública (CIP), disse que é chegada a hora de os mais de quatro milhões de membros do partido Frelimo juntarem-se à campanha “Eu não Pago as Dívidas Ilegais”, alegadamente por ter-se provado que elas foram contraídas por pessoas que tinham outros interesses. Cabe aos membros da Frelimo acima citados mostrar ao povo que não fazem parte dos que provocaram a maior fraude. (Omardine Omar)
O Procurador encarregue de apreciar o pedido de extradição do deputado Manuel Chang para os EUA, o “advocate” JJ du Toit, explicou à “Carta” os próximos contornos do caso, deixando antever que, até a sua decisão política final, o processo vai ainda levar algumas semanas. A audiência de discussão do pedido americano de extradição foi adiada para o dia 26 de Fevereiro. A sessão de hoje serviu para du Toit partilhar o pacote americano com o magistrado WJJ Schutte e com a defesa. A documentação estava completamente selada.
Depois de abordar os novos procedimentos para a cobertura jornalística da discussão da extradição (geralmente manter-se-á permissão para a captação de imagens, tal como aconteceu até agora, mas no futuro os jornalistas deverão apresentar prova documental de que estão vinculados profissionalmente a um órgão), o magistrado voltou a anunciar que o dia 15 de Fevereiro será apenas reservado para o anúncio pela magistrada Sagra Sagrayan do seu veredicto sobre o pedido liberdade provisória.
De acordo com du Toit, no dia 26 estará em discussão única e simplesmente o pedido de extradição americano. Ontem, como “Carta” avançara esta manhã, o pedido de extradição moçambicano deu entrada em Pretória por via diplomática mas ainda não chegou ao tribunal de Kempton Park. Deverá percorrer os canais normais até ser entregue ao escritório do National Prosecution Authority em Joanesburgo, que indicará um novo procurador para lidar com a pretensão moçambicana de levar Chang para Maputo. “Será aberto um novo caso, uma terceira discussão”, explicou du Toit.
Ou seja, os dois pedidos de extradição vão ser discutidos separadamente, por um procurador e juiz distintos, disse ele. Cada um será avaliado e decidido de acordo com os seus méritos e com a legislação aplicável, no caso americano com base no tratado existente entre os dois países e, no caso moçambicano, com base numa convenção da SADC, que du Toit considera ser válida.
Qualquer que seja a decisão de cada discussão, asseverou ele, a última palavra sobre uma ordem judicial de extradição caberá ao titular da pasta da Justiça e Assuntos Constitucionais, que decidirá de acordo com considerandos de ordem política. Por regra, a decisão do ministro é passível de recurso, junto ao Supreme Court (Tribunal Supremo), mas poucas vezes no passado isso aconteceu. De acordo com du Toit uma vez nas māos do ministro, cada país interessado pode usar a sua influência para lograr os seus objectivos. Ou seja, em última análise, e como “Carta” tem vindo a frisar, a decisão final será política. (Marcelo Mosse, em Kempton Park)
O pedido de extradição do deputado Manuel Chang para Moçambique deu entrada ontem no Ministério dos Negócios Estrangeiros e Relações Exterior sul africano em Pretória, apurou “Carta”. De acordo com os mesmos procedimentos aplicados ao pedido americano, o pacote deverá ser enviado para o Ministério da Justiça e Assuntos Constitucionais e só depois é que chegará ao National Prosecution Authority (NPA), que é o equivalente à nossa Procuradoria Geral da República, que remeterá finalmente ao seu representante nomeado para lidar com a extradição, cuja discussão começa hoje no Kempton Park Magistrage Court, nos arredores de Joanesburgo.
A sessão de hoje foi marcada quando se tinha apenas em mão a solicitação dos Estados Unidos da América (EUA). Com a chegada do pedido de Moçambique, levanta-se uma incógnita: se o tribunal irá discutir apenas o pedido americano isoladamente ou se adiará a sessão para discutir os dois pedidos em simultâneo. Certo, certo é que o representante do Ministério Público deverá solicitar alguns dias para se inteirar dos fundamentos do pedido moçambicano.
Qualquer que for o rumo deste caso de extradição, uma coisa Rudi Krause, o advogado de Chang, que ganha 10 mil Randes por hora, já deixou claro: se a decisão recair para a extradição do deputado para os EUA ele irá recorrer até o caso ter que ser levado à decisão de uma estância política: o ministério local da Justiça. (Marcelo Mosse, em Kempton Park)
Hoje em Maputo, toda a elite política foi arregimentada para a Praça dos Heróis, na celebração dos 50 anos depois do fatídico 3 de Fevereiro de 1969, dia em que Eduardo Chivambo Mondlane, o chamado “arquitecto da unidade nacional”, foi assassinado através de uma carta-bomba enviada ao seu gabinete em Dar-es-Salaam. A romaria era para celebrar a vida e os ideais de Mondlane.
Mas Mondlane está nos antípodas da cultura e da prática política vigente; há na política um anti-mondlanismo por excelência, de acordo com a leitura do filósofo Severino Ngoenha, um dos mais incisivos intelectuais públicos de Moçambique, para quem o país vive hoje uma época em que o projecto de Eduardo Mondlane é, ao contrário da prática, mais premente do que nunca.
Na celebração dos 50 anos da morte do fundador da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), formação que conduziu a luta de libertação até à independência em 1975, Severino põe o dedo na ferida e alerta que esse projecto de unidade nacional, que corporizou o ideal libertário de Mondlane, está hoje na corda bamba, colocando riscos à sobrevivência de Moçambique como Estado-nação.
Ele alude à “metáfora do Zimpeto”, nomeadamente a de um país à venda, com sua riqueza natural compartilhada a bel-prazer por forças externas (desde o ocidente ao oriente) e uma elite incapaz de colocar travão a esse saque generalizado, que representa também um potencial risco de fragmentação do Estado.
“'Lutar Por Moçambique', a obra mais emblemática do fundador da Frelimo, é ainda mais actual sobretudo porque o projecto de Mondlane não está acabado. Temos, cada vez mais, de nos interrogar sobre que Moçambique queremos”, disse o filósofo, reitor da Universidade Técnica de Moçambique (UDM), numa breve entrevista à "Carta de Moçambique", esta manhã.
Os riscos de um neo-colonialismo (assente na exploração gananciosa da riqueza natural) e da fragmentação do espaço nacional (decorrente de uma incipiente redistribuição da riqueza) são fruto das incongruências de uma elite que usa a dominação do espaço público não para consolidar o projecto de Mondlane mas para acumular riqueza pessoal.
Por isso, diz ele, debater sobre o destino colectivo da moçambicanidade, no actual contexto e perante as adversidades de hoje em que o inimigo já não é o colonialismo, mas franjas da elite da luta de libertação grudada hoje na depredação do bem público, é mais pertinente ainda. “Lutar por Moçambique hoje significa pegar no passado, nas causas e nos ideais de luta de Mondlane, e tentar perceber o que isso significa no actual contexto do percurso moçambicano”, disse Ngoenha. “Hoje, o inimigo tem outras cores, mas os fundamentos da luta, propostos por Mondlane, continuam válidos”, acrescentou.
Na celebração de hoje, o PR Filipe Nyusi condecorou algumas figuras da vida nacional que mereceram destaque com base nos critérios oficiais, num evento que serviu sobretudo para exaltar o heroísmo dos que lutaram pela independência.
Esse culto do heroísmo, que de quando em vez arrebata a classe política em momento de cultivação da auto-estima, surge deturpado porque celebra-se a pessoa e não as causas ou as ideias porque essa pessoa lutou.
“Temos de ser capazes de buscar em Mondlane as suas ideias de futuro e confrontá-las com a natureza do Estado hoje”, disse Ngoenha, para quem a celebração do heroísmo [que nasceu da tradição do cristianismo, que venerava seus santos, e foi transmudada com o iluminismo e a Revolução Francesa, com o seu panteão exaltando as figuras da representação da pátria e do saber] está cada vez mais diluída hoje, tempos em que são exaltados “santos mundanos”, e em que a visibilidade pura e simples e o dinheiro são suficientes para alcançar a veneração total. No caso de Moçambique, enfatizou Ngoenha, a perfídia domina um anti-mondlanismo crescente, no sentido em que o projecto de unidade nacional, de um Estado-nação com seus micro-grupos unidos, está em risco. (Marcelo Mosse)
Hélder Martins, médico e antigo Ministro da Saúde, diz que o Moçambique actual não é aquele com que sonharam aqueles que se juntaram na luta de libertação nacional, sobretudo por causa dos problemas ligados à corrupção e à falta de vontade política para combatê-los. Martins disse é necessária uma grande determinação para Moçambique alcançar a sua independência económica, mas que tudo passa por se vencer a corrupção, que é um cancro que abala o sistema governativo moçambicano. Na cerimónia de hoje alusiva ao 3 de Fevereiro, o Presidente da República, Filipe Nyusi, condecorou algumas individualidades pela sua contribuição na luta armada. Uma delas foi Hélder Martins, a quem coube a Medalha Eduardo Chivambo Mondlane do 1º grau. Hélder Martins enfatizou que a corrupção limita o desenvolvimento do país. Para Martins, se a corrupção não for eliminada, dificilmente Moçambique atingirá a independência económica, nem preservará o legado dos grandes heróis da pátria. (O.O.)
O antigo presidente Armando Guebuza disse hoje que a resolução do caso Manuel Chang é da responsabilidade dos tribunais. Acossado por jornalistas esta manhã na Praça dos Heróis, numa romaria de celebração dos 50 anos da morte de Eduardo Mondlane, Guebuza furtou-se a desenvolver o tema, optando por enfatizar o seu papel na luta pela independência. Sublinhando que ele (Guebuza) lutou e luta pela pátria, apelou que todos nós devemos exaltá-la.
"Exaltemos a pátria. Eu exalto a minha pátria. Eu luto pela minha pátria, e penso que vocês devem exaltar a vossa pátria". A pergunta era a evolução do processo das dívidas ilegais. Para Guebuza, nenhum país pode desenvolver-se sem problemas, e a sociedade não é perfeita. "O país é um processo, é uma dinâmica”, frisou, acrescentando que nenhuma sociedade é perfeita, de contrário não haveria sociedade.
O antigo Chefe do Estado de Moçambique reconhece a existência de problemas, mas salienta que é importante os moçambicanos terem cuidado com as adversidades que existem, sem perder a auto-estima porque só assim é que se conservará o legado de Eduardo Mondlane. "Os problemas que existem não põem em causa a grandeza do povo, e nem de Eduardo Mondlane. A auto-estima deve estar patente em cada moçambicano", afirmou. (Omardine Omar)