Uma carta que Samora Machel Júnior tencionava enviar ao Presidente da República, Filipe Nyusi, através do seu gabinete, acabou circulando nas redes sociais antes de chegar ao destinatário, apurou “Carta de Moçambique” de fontes reputadas. Antes de enviar formalmente a missiva para o gabinete de Nyusi, Samora quis dar conhecimento ao SG da Frelimo, Roque Silva, e aos dois antigos Presidentes da República, designadamente Armando Guebuza e Joaquim Chissano. O documento surgiu circulando sexta-feira à noite nas redes sociais, tendo-se tornado viral ontem de manhã. Fontes de “Carta” asseguram que o documento foi vazado, alegadamente para criar a percepção de que Samora Júnior prefere discutir assuntos com interlocutores do partido na praça pública, ao invés de usar os canais e os palcos internos.
Na sua carta para Filipe Nyusi, Samora Machel apelava o PR à “convocação de uma reunião magna, para discutir, sem reservas e limitações, o estado actual do Partido e do País” e acrescentava que isso era “uma obrigação inevitável à luz do seu mandato”. Subscrevendo a carta como membro do Comité Central da Frelimo, Samora disse que a formação estava a viver uma crise profunda e, por isso, era tempo de “se tomar acções decisivas e voltar a encarreirar o Partido no caminho certo, ao lado do Povo”.
Entre os grandes factores para a crise, Samora elencou vários aspectos, como o envolvimento de altos quadros do partido no esquema de fraude financeira das chamadas "Dívidas Ocultas"; o posicionamento do partido na legitimação das garantias soberanas ilegalmente concedidas; a inclusão dessas dívidas, contraídas por empresas privadas, no orçamento do Estado, fazendo que o seu pagamento atravesse, pelos menos, duas gerações de moçambicanos; o crescimento e a perpetuação da insegurança de bens e pessoas no norte do país, sem capacidade de controlo do crescente extremismo étnico que está evidente; a destruição económica das empresas públicas e privadas da nossa economia; e a degradação de Moçambique nos índices de negócios e corrupção internacionais, entre outros.
Ele referiu-se igualmente ao “aumento do custo de vida com um incremento brutal de taxas e impostos que estão para além da capacidade normal das carteiras moçambicanas, asfixiando o nosso desenvolvimento económico”. E não deixou de recordar a sua exclusão, sem explicação, da corrida eleitoral para a escolha do cabeça de lista da Frelimo para as recentes eleições locais em Maputo, naquilo que interpretou como um “atropelo estatutário”, uma situação que, diz ele, ocorre nos últimos anos a vários níveis da hierarquia, imperando “um desrespeito pelas normas que deveriam servir para o são funcionamento das instituições”. (Carta)
O Tribunal Supremo (TS) remeteu finalmente ontem um pedido à Assembleia da República (AR) visando o levantamento da imunidade do deputado Manuel Chang. Na sequência desse pedido, a Presidente da AR, Verônica Macamo, convocou uma sessão da Comissão Permanente para o próximo dia 29, terça-feira. Na argumentação para o pedido da levantamento da imunidade do deputado Chang, o Tribunal Supremo alegada que Manuel Chang é acusado de 7 crimes, nomeadamente burla por defraudação, abuso de cargo ou funções, violação da legalidade orçamental, peculato, corrupção passiva para acto ilícito e branqueamento de capitais.
De acordo com o pedido do Supremo, o levantamento da imunidade do deputado Chang visa a aplicação de uma medida de coação máxima, a prisão preventiva. A solicitação do TS foi promovida no âmbito do processo 1/PGR/2015, que investiga judicialmente o caso das chamadas “dívidas ocultas”, onde Chang foi constituído arguido com outras figuras centrais da orquestração de um endividamento de mais de 2 bilhões de USD. O TS alega que a prisão de Manuel Chang é necessária dado “existir o risco de fuga e perturbação da investigação". Se a Comissão Permanente anuir à solicitação do TS, um mandado de captura vai ser expedido contra Manuel Chang. "Carta" sabe que nos próximos dias a investigação local sobre o caso das dívidas ocultas vai conhecer desenvolvimentos cruciais(Carta).
Por volta de 2002, quando Manuel Chang ainda era Vice-Ministro das Finanças de Luísa Diogo, antes da ascensão de Armando Guebuza, ele quebrou um protocolo de silêncio entre a camaradagem: decidiu revelar os bens que possuía na altura. Foi no contexto da apropriação de algumas instituições de integridade pelo nosso Estado, motoras da probidade pública. A declaração de bens era um mecanismo percebido como ajudando na descoberta de sinais de enriquecimento ilícito. Chang apresentou-se como um arauto da transparência e disse publicamente que tinha bens avaliados em 500 mil USD. Isso causou uma danada celeuma. Militantes do partido saíram contra ele: tinha pisado a linha. Para eles, o que Chang fizera era nojento, uma provocação, um atentado contra o segredo dos negócios das elites.
Depois da veemente crítica, ele recatou-se. E caiu nas graças de Guebuza, tendo assumido a pasta das finanças durante os dois mandatos do guebuzismo. Ontem, 16 anos depois, quando se esperava que Chang tivesse o mesmo gesto de apego à transparência no Tribunal de Kempton Park, ele estava no antípodas, negando fazer a revelação dos números da sua dinheirama. Chang preferiu escondê-la para o grande público, permitindo que uma velha máxima viesse à tona: quem não deve não deve. O que ele fizera antes como um acto de honra podia hoje ser uma fonte de vexame.
Quando o Tribunal quis saber sobre suas posses, ele anuiu que os extractos das contas bancárias fossem apresentados mas negou que a informação fosse partilhada com os jornalistas presentes. A juíza Sagra Subroye retorquiu: toda a informação financeira de Chang seria usada não apenas para a aferição de uma eventual caução, mas também para que constasse do processo, podendo ser mencionada em julgamento, na presença da imprensa. Um dos advogados de Chang revelou os saldos das contas bancárias em Moçambique, Portugal e África do Sul e entregou dados de salário (como deputado da AR) e da pensão de ex-governante.
Chang ficou satisfeito com a omissão pública dos seus dados bancários e respirou de alívio. Quando na segunda feira, dia 21, submeteram finalmente um pedido de liberdade de Chang sob caução (depois de perceberem que ainda não tinha dado entrada, formalmente, um pedido de extradição por parte do Tribunal Supremo de Moçambique), seus advogados sabiam que o Tribunal haveria de requisitar essa informação financeira e haveria o risco dela acabar nas mãos de jornalistas. Eventualmente, foi isso que levou a que a defesa não tivesse alertado previamente à comunicação social local e moçambicana sobre uma audiência marcada praticamente em cima da hora. A intenção de guardar segredo era enorme. Chang mostrava desconforto com a perspectiva da divulgação pública da sua informado bancária.
Dezasseis anos depois, ele é um homem com outros valores sobre o instituto da declaração de bens. Já abomina a revelação pública da sua “riqueza” acumulada nos anos em que foi Ministro das Finanças – a acusação americana disse que ele recebeu 15 milhões de USD mas também existe o caso da Odebrecht. Seria interessante perceber quanto dinheiro ele acumulou nestes anos, designadamente qual é a real dimensão do acréscimo do seu património e suas fontes (ele continua a dizer que não praticou nenhum crime em Moçambique).
Dois anos depois da sua famosa e solitária declaração dos 500 mil USD, Chang assumiu uma pasta ministerial por 10 anos e depois se tornou deputado da Frelimo na AR. Em termos concretos, ele esteve sujeito à legislação local sobre declaração de bens, que obriga aos titulares de cargos públicos a submeterem uma lista anual do seu património. O objectivo dessa legislação visava monitorar o enriquecimento ilícito. A acusação norte-americana e a investigação moçambicana mostram que Manuel Chang tem um património invejável: enriqueceu ilicitamente tomando decisões ilegais e recebendo subornos para isso. Ou seja, a legislação nacional sobre declaração de bens é ineficaz.
Apesar da sua boa vontade manifestada há 16 anos atrás, Chang deu agora um golpe nos princípios de transparência que aparentemente defendia. Um paradoxo em pessoa. Ontem em Kemptom Park, seus advogados apenas revelaram parte das contas bancárias do deputado, nomeadamente as contas em Moçambique, África do Sul e Portugal. Mas a investigação do FBI e os dados coligidos pela investigação moçambicana indicam que ele tem contas em Espanha, Suíça (os subornos recebidos da Odebrecht foram depositados em contas em bancos domiciliados na Confederação Helvética) e em dois paraísos fiscais não revelados. Seu património é invejável, disse à “Carta” uma fonte da investigação local.
Mas a tentativa de esconder a dimensão real do seu património vai sucumbir às pretensões da justiça americana e moçambicana, que pretendem confiscar alargadamente os seus bens. No caso de Moçambique, “Carta” apurou que a maioria dos arguidos dos processos das dívidas ocultas usaram parentes e empresas fictícias para fizeram a lavagem de dinheiro, havendo muito património imobiliário (apartamentos no novo prédio onde era o cinema Xenon e no portentoso número 130 da Avenida Julius Nyerere, que também alberga “flats” relacionadas com a construção do novo edifício do Banco de Moçambique) que será confiscado. No caso de Chang, o rastreio envolve a investigação fora de Moçambique porque, diferentemente da maioria dos outros arguidos locais, ele terá feito a lavagem no estrangeiro. (Marcelo Mosse)
Peter Gastrow, um investigador sul-africano sobre criminalidade organizada (anteriormente ligado ao Institute for Security Studies e hoje vinculado ao Global Initiative Against Transnational Organized Crime) disse ontem à “Carta” que é pouco provável que Manuel Chang evite uma extradição para os EUA.
Gastrow, que visitou ontem as instalações de “Carta de Moçambique”, recordou que o sistema de justiça criminal sul-africano está a viver um momento positivo de mudança, depois de anos de captura por parte de um poder político corrupto (com Jaboc Zuma na liderança, sob a tutela dos irmãos Gupta) que bloqueara boa parte das suas instituições. Essas mudanças, que passam pelo reforço da transparência no processo de indicação de magistrados e investigadores de topo, envolve também o aprofundamento da separação de poderes.
Gastrow diz que o actual Presidente sul africano, Cyril Ramaphosa, não vai permitir que a RAS mostre a imagem de um Estado pouco afoito ao reforço da cooperação policial e judicial internacional. “Ramaphosa quer provar interna e externamente que está comprometido na luta contra a corrupção transnacional e que a RAS é um parceiro credível na cooperação judiciária à escala global”.
Num momento em que a RAS atravessa um dilema - a busca de investimento estrangeiro e a saída para a Austrália de empresários locais fugindo à política de expropriação de terra sem compensação - decidir contra o pedido americano para a extradição de Chang para os EUA (que foi finalmente depositado na terça feira em Pretória, de acordo com fontes reputadas de "Carta"), seria estar a ir na contramão de um discurso e prática a favor da independência das instituições de justiça, rematou o reputado pesquisador. (M.M.)
Manuel Chang vai continuar detido na prisão de Moderbee, nos arredores de Joanesburgo até pelo menos o próximo dia 31 de Janeiro, quarta-feira, quando tiver que regressar ao Kempton Park Magistrate Court para a derradeira audiência relativa ao seu pedido de liberdade sob caução. A sessão de hoje, marcada de forma relâmpago, terminou um pouco depois das 15 horas.
A Procuradora Elivera Dreyer opôs-se veementemente à sua liberdade, considerando haver forte risco de fuga. A defesa de Manuel Chang submetera o requerimento do pedido de caução na passada segunda feira, numa acção inesperada. Na audiência anterior, no dia 18, a defesa tinha removido o pedido de liberdade sob caução, dando prioridade à sessão de 5 de Fevereiro, a tal da discussão da extradição para os EUA ou da transferência para Moçambique, conforme solicitado no passado dia 10 pelo nosso Ministério Público.
Mas o pedido de liberdade sob caução foi alvo de uma forte oposição por parte do Ministério Público sul africano. Colocado na escala 5 do regulamento de aplicação de cauções na África do Sul, um dos requisitos do requerente era provar que tem residência na terra do rande. Chang provou. Apresentou um endereço em Malelane (Mpumalanga), a 45 km da fronteira com Moçambique. A Procuradora mandou investigar prontamente e confirmou que o endereço existe.
É uma casa arrendada, possui sauna e piscina...e jacuzzi, etc. Mas a Procuradora, mesmo assim, desconfiou. Disse que a proximidade com Moçambique e, por isso, o risco de fuga. A defesa argumentara que, em Malelane, Chang podia ter acesso à família, que ele era diabético e precisava de espaço para a prática de exercícios físicos. O Tribunal solicitou uma responsável da penitenciária em causa, que disse que a prisão de Moderbee tinha condições para acolher diabéticos. Em face disso, a Procuradora Elivera foi taxativa: “Liberdade sob caução não”, Segundo ela, a prática mostra que na RAS era possível adquirir passaportes falsos e fugir do país.
No próximo dia 31 de Janeiro, a sessão será destinada à tomada de decisão do Tribunal sobre uma eventual liberdade sob caução. A dado momento da sessão, o Tribunal solicitou detalhes sobre o património financeiro de Chang. Depois de ver os extractos bancários fornecidos pela defesa, os quais não foram divulgados à imprensa a pedido de Manuel Chang, a Procuradora Elivera disse: “Manuel Chang tem muito dinheiro e pode fugir”. Em suma, as possibilidades de uma liberdade provisória são remotas. Mas no caso de isso acontecer, Chang deverá pagar milhões de randes. Elivera deu a entender que ele pode. (Carta)
Quarta-feira sim, quarta-feira sim, os madjermanes – antigos trabalhadores moçambicanos na extinta República Democrática Alemã (RDA) – marcham por algumas das principais avenidas da capital, entoando cânticos “revolucionários”, empunhando bandeiras do país onde trabalharam, e dísticos com dizeres em contestação ao governo. Ou, mais concretamente, contra a Frelimo. Sempre escoltados por um forte aparato policial, eles partem do Jardim 28 de Maio, vulgo Jardim dos Madjermanes, sede da sua Associação (a ATMA – Associação dos Antigos Trabalhadores na Alemanha) na Av. 24 de Julho, sobem pela Av. Albert Luthuli até à Av. Eduardo Mondlane, de onde marcham em linha recta até à “Ronil”. Uma vez na Av. Karl Marx, voltam a descer até se fazerem novamente à Av. 24 de Julho, detendo-se, por não menos de uma hora, na esquina justamente defronte do Ministério do Trabalho, Emprego e Segurança Social (MITESS).
Aquele é o seu principal “target”. Tanto assim que, justamente ali no MITESS, eles aumentam a intensidade dos seus cânticos, gritam palavras de ordem a plenos pulmões e barram o tráfego de automóveis nos dois sentidos. Só regressam à sua base – ainda pela 24 de Julho – quando sentem que a sua missão semanal está concluída. Na sua marcha de regresso, sempre de bandeiras e dísticos em punho, a cantar e a declamar palavras de ordem, eles voltam a congestionar o trânsito. Invariavelmente escoltados pela PRM. E na certeza de que na próxima quarta-feira mais haverá – caso o Governo não resolva o seu problema.
E andamos nisto vai para 30 anos… Mais precisamente deste 3 de Dezembro de 1990, com jornadas semanais que primeiro aconteciam às sextas-feiras, mas já há largos anos passaram a ser às quartas.
Coletes amarelos e outras novidades…
A grande novidade desta semana foi o facto de os madjermanes terem adoptado uma nova estratégia de luta. Inspirados no movimento dos “coletes amarelos” que “abanou” a França de Macron, os nossos conterrâneos marcharam trajados daquele modo. E assim prometem continuar semana que vem… E na outra. Como sempre, fizeram o mesmo trajecto, acompanhados pela força policial habitual, “fecharam” as ruas por onde passaram, e imobilizaram-se defronte do MITESS… só que equipados a rigor. “Os coletes dão-nos maior visibilidade. Eles foram adquiridos através de fundos próprios, ou seja, provenientes de contribuições dos membros da nossa associação, a ATMA (Associação dos Antigos Trabalhadores na Alemanha), uma vez que todos nós, de uma ou de outra forma, temos as nossas próprias fontes de rendimento”, diz Arnaldo Mendes, um dos mais carismáticos representantes dos madjermanes. “Carta” acompanhou ontem todo o percurso da caravana. No final da marcha, como sempre, aconteceu a concentração do grupo na sua base – o Jardim 28 de Maio – onde se seguiram vários discursos.
Uma vez ali, outra novidade: um dos mais antigos membros do grupo, que afinal é pastor, começou por pedir a bênção de Deus e fez uma prece que foi acompanhada pelos demais. Disse ele: “Senhor, assim como o teu filho amado Jesus Cristo foi humilhado aqui na terra, nós também estamos a ser humilhados nesta nossa terra… Por isso entregamos as nossas vidas às tuas mãos, Pai”. Uma terceira novidade: Manuel Daniel, representante dos madjermanes na zona norte, veio de Nampula, especialmente para participar na marcha de ontem. O seu discurso foi contundente:
“ Eu vim a Maputo propositadamente para participar nesta marcha, em representação de todos os madjermanes do norte. Se a Polícia tiver uma bala reservada, que essa bala seja para mim… Mas lutarei até ao fim pelos nossos direitos”. O grande questionamento que fazem é: ”por que é que a Ministra não nos recebe? Faz tempo que prometeu que o faria… O próprio Comandante da Policia a nível da cidade tem estado connosco em diversas ocasiões, mas também anda a enganar-nos: diz-nos sempre que a Ministra nos receberá, mas todas as semanas marchamos, paramos defronte do Ministério e nem sinal da Ministra…”. Pois então, como é de prever, próxima quarta-feira há mais…(Homero Lobo)