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Os meses de Julho e Agosto estão sendo marcados pelos eventos climáticos extremos na Europa (Cheias repentinas, incêndios), na Ásia (Cheias e deslizamentos), América (Cheias e incêndios), na África do Sul (Vaga de frio). 

 

A SIC-Noticias relata os dados do relatório da NOAA (https://www.noaa.gov/) que o mês Julho foi mais quente no mundo desde que a agência norte-americana NOAA (figura abaixo), especialista no estudo do clima, tem registos da temperatura global, que remontam a 1880.

 

Fonte: NOAA, 2021 (https://www.noaa.gov/)

 

Esta agência assinala que "é muito provável" que 2021 fique entre os 10 anos mais quentes desde que há registos. Diante destas informações e tantos relatórios disponíveis a nossa posse, que lições tirar para o caso específico de Moçambique?

 

  1. Com ou sem cepticismo climático o que acontece nos outros continentes pode vir a ocorrer no nosso verão em Moçambique (Outubro a Março/Abril) ser marcado por flash-floods (cheias repentinas) e tempestades a evoluírem para ciclones.

 

Esta lição provém do facto de ser factual que em aspectos climáticos estamos conectados, não existem fronteiras, apenas existem dinâmicas e processos climáticos que funcionam em auto-resposta. As ciências da terra nos ensinam isso. Parecem-nos poucas as dúvidas sobre a influência humana no aquecimento da atmosfera, do oceano e da terra. Logo, isso acelera as mudanças que deviam ser naturais nestes compartimentos.

 

  1. Nunca se está 100% preparado para enfrentar eventos extremos, mas podemos minimizar os impactos se nos anteciparmos em acções tendentes à redução de risco de desastres.

 

A esta lição, ocorrem-nos as fotos e vídeos das cheias, deslizamentos devido a precipitações prologadas das cidades de Alemanha, Bélgica, Japão, China e vários outros países que comummente nos assistem quando estamos em emergência, aparentemente com bons serviços de protecção civil. Se calhar minoraram os danos e o sofrimento porque têm mecanismos de resposta rápida e sistemas de seguros para este tipo de eventos, mas não escaparam por ser desenvolvidos.

 

O que fazer para reduzir os prováveis impactos para nosso contexto?

 

  1. À semelhança da Covid-19 que o MISAU se redobra e se prepara e até mobiliza apoios para cenários A, B e C (desde os óptimos aos péssimos), no que concerne a eventos climáticos extremos para próxima época chuvosa e ciclónica, deve-se proceder assim;
  1. Deve-se engajar as comunidades e outros principais “stakeholders” na preparação das comunidades e toda a população com linguagem, canais mais abrangentes e apelativas a redução de risco de desastres (incluir as nossas línguas nacionais neste exercício);
  1. O Instituto Nacional de Gestão e Redução do Risco de Desastres (INGD) ficou bastante atarefado neste período porque tem pela natureza do seu mandat, gerir acções humanitárias devido a acções do extremismo violento – Terrorismo no norte, deslocados devido a incursões da Junta Militar no centro do País e mesmo algumas demandas devido à Covi-19, isso não deve distrai-lo de se preparar para cenários piores devido a eventos climáticos extremos. Infelizmente, estamos na zona costeira e estamos expostos!
  1. Com os ganhos da legislação que cria o INGD em 2020 e em extensão da lei de 2014, propunha que os Conselhos Técnicos Distritais de Gestão e Redução do Risco de Desastres fossem mais proactivos no sentido “down-top” e não “top-down” no processo de preparação das comunidades para enfrentar os eventos climáticos extremos. Não podemos cruzar os braços para depois sermos “colhidos de surpresa amnésica”.  

 

Hélio Nganhane,

 

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Aluno do Doutoramento em Geologia na Especialidade do Ambiente na Universidade de Coimbra, assistente universitário na Universidade Púnguè.

 

 

quinta-feira, 19 agosto 2021 06:35

Estabilidade é um direito?

Estabilidade é o estado ou condição que transmite segurança, oferece equilíbrio e que não se altera...

 

Instabilidade é o estado ou condição que transmite insegurança, é variável e sem equilíbrio...

 

Muitos de nós, em particular a classe média, vive o dia-a-dia num romantismo (sentimentos e ideias irrealistas).

 

Se pensarmos que o mundo do qual o planeta terra faz parte está em constante movimento, sujeito à imprevisibilidade das inúmeras mudanças – dia, noite, sol, lua, calor frio, vento, chuva, calamidades entre outras – cujas consequências são imprevisíveis globalmente, como poderá o ser humano ser estável no ponto de vista de segurança, se vive num ambiente “desordenado” no ponto de vista idealístico.

 

Se alguém disser ao estimado leitor que o único dinheiro que você tem no bolso ou no banco poderá perder validade, sem aviso prévio, o que faria? Pense um bocado.

 

É comum ouvirmos alguém culpar o seu estado de infelicidade, porque outro alguém não oferece estabilidade, a empresa onde trabalha não dá segurança, o seu país ou governo é instável e não dá garantias. Verdade é que encontramos cidadãos com este tipo de lamentações, em todos os países do mundo, desde as superpotências como China e EUA, aos países em vias de desenvolvimento como Moçambique.

 

De facto, quanto mais (supostamente) desenvolvidos e melhor governados formos, parece que nos tornamos mais vulneráveis.

 

O desemprego na OCDE atingiu 10% em 2021, ultrapassando todos os recordes inclusive aos da Grande Depressão (1929). (wikipedia)

 

Como se explica que, havendo um desenvolvimento tecnológico inequívoco, com maior produção de alimentos, matérias-primas, habitação, mobilidade, ciências de saúde e sociais, menos conflitos, etc., os cidadãos vivam, deprimidos e infelizes?

 

Não é menos importante o índice de divórcios, em que 41% dos casamentos acabam em divórcio no mundo. Portugal lidera a lista da União Europeia com mais divórcios, com 2%, Espanha com 1,95%, Reino Unido com 1,80%. Nos EUA, a taxa de divórcio é 3,20%, na Suécia é de 2,5%, e na Finlândia é de 2,4%. (country economic.com)

 

Nos últimos 50 anos, houve um crescimento de 250% em média nos divórcios no mundo. Temos de concordar que vamos na direcção errada do desenvolvimento.

 

O índice de suicídio nos países nórdicos é elevado. Sendo a Finlândia um bom exemplo, designado pela ONU como um dos países da felicidade juntamente com o Butão (país da Ásia Meridional junto ao Himalaia) tem a particularidade de medir o seu desenvolvimento através do índice do FIB-Felicidade Interna Bruta, ao invés do tradicional PIB-Produto Interno bruto. A Finlândia tem 15,9 suicídios por 100 mil habitantes, enquanto a média europeia de suicídios é de 15,4 por 100 mil habitantes (apesar de aparentemente possuírem uma qualidade de vida elevada). O Butão (em vias de desenvolvimento) tem uma média de 11,3 suicídios por cada 100.000 habitantes. O Brasil (economia emergente) tem uma média 6,5 de suicídios por 100 mil habitantes. (jornal da USP)

 

Poderão haver múltiplas respostas para justificar as causas, porém, neste contexto, posso destacar, entre outros factores, o egoísmo capitalista, a falta de carácter de políticos sem escrúpulos, ambição do poder através de falsas promessas (um “modus operandi” da democracia), publicidade enganosa das instituições públicas ao serviço da política e do capital, de que tudo será mais fácil, acessível e com felicidade garantida. Por fim, não menos importante, a falta de ética (não faças ao outro o que não queres que te façam) da sociedade no geral.

 

É ilusão querer ter qualidade de vida como um direito inalienável e que ser-se feliz é uma obrigação que os outros têm para com cada um de nós.

 

Basta verificar pequenos procedimentos sociais, como as menos vezes em que nós dizemos “com licença, por favor, obrigado, não sei e desculpa”. A nossa atitude errática não se compatibiliza com o modelo de educação pró-sacrifício que gera frutos positivos.  

 

As brincadeiras, o desporto recreativo em que alguns de nós nos aperfeiçoávamos secretamente para não ser dos piores, ou ainda para estar entre os melhores por mérito, ajudavam a criar uma atitude e cultura de trabalho.

 

Não é por acaso que os bons alunos/desportistas são simultaneamente obedientes, focados, empenhados, disciplinados e sacrificados.

 

90% dos empreendedores e investidores nos EUA em empresas médias – as que possuem 500 ou menos trabalhadores vão à falência nos primeiros 24 meses. Porém, só 0,05%, ou seja, menos de 1%, é que conseguem ter acesso a capitais para investimento de risco.

 

Sucesso não é nem nunca foi fácil, a sorte é companheira do trabalho; Sacrifício e outras virtudes como saber e aprender a perder, mas nunca desistir, fazem parte da solução.

 

“Ninguém dá o que não tem, nem mais do que tem” (provérbio português)

 

Estimado leitor, se cada um de nós, os líderes, incluindo os dirigentes políticos-governamentais, não sabe como evitar uma pandemia, ciclone, tsunami, seca, cheias, incêndios, etc., nem tão pouco quando termina no seu tempo de vida, como poderemos garantir estabilidade e ou segurança no ponto de vista romântico?

 

Estaremos a enganar-nos com esta ilusão romancista, de que um bom governo, bom curso, quantidade de dinheiro, grande investimento, amoroso casamento, interessadas alianças, garantem estabilidade e segurança?

 

Obviamente, não estou a legitimar o caos, nem a isentar responsabilidades de quem dirige. Contudo, cada um de nós é parte integrante deste mundo e contribui para o que globalmente somos e seremos. Exigirmos o impossível sem sair da nossa zona do conforto é uma receita segura para o falhanço, desânimo, insegurança e fragilização.

 

Uma sociedade que promete ciclicamente o que não pode oferecer (porque faz muito pouco para o conseguir), não pode produzir “mambas” vencedores, nem olímpicos medalhados, ou outros desportistas, músicos, poetas, artistas plásticos, empresários, intelectuais, cientistas, académicos, magistrados, professores, enfermeiros e médicos, que tivemos num passado recente. Por que razão (milagrosa) teríamos de produzir melhores políticos, polícias e militares?

 

Precisamos de ser mais papá e mamã, partilhar princípios - regras inegociáveis -  habituar os nossos filhos a ouvir dizer não; exigir sacrifícios para atingir resultados; lágrimas nunca mataram - pelo contrário fortalecem a imunidade.

 

Para contribuirmos para uma comunidade coesa, devemos participar, ser justo, mesmo quando aparentemente nos prejudica. Os heróis, os virtuosos, os fazedores de sucesso, poderão vir de qualquer uma das nossas casas, se fizermos as opções correctas.

 

Lembrem-se, “ninguém dá o que não tem, nem mais do que tem”.

 

A Luta Continua!

quarta-feira, 18 agosto 2021 09:43

A Agonia dos Peixinhos

Dê um deserto a um burocrata e em cinco anos ele estará importando areia” – (Henri Jeason).

 

Já me não reconheço mais

Há muito que ando foragido do meu modesto mundo

Quando livremente circulava pelos ares

Hoje brutalmente poluídos por pseudo-santos homens!

 

Não me esqueci

Mas já não consigo mais andar

Não me esqueci

Mas já não consigo mais voar…

 

Hoje sou um pálido pássaro-aquático

Igual a tantos outros pássaros

Hoje sou um moribundo pedestre-marinho

E nisto confesso, não estou sozinho!

 

O mundo dos outros, hoje puramente é meu

Comigo também estão a Rosa e o renomado Romeu

Juntos e isolados, lutamos pelo mesmo troféu

Que somente se ganha, quando se já morreu…

 

Cavalgo sigiloso nas escuras e lúgubres sombras de tubarões

Silenciosos e calmos, de olhares meio serenos

Maquinam planos para alegremente devorar os pobres peixinhos…

 

Tão quão a sua gigantesca estatura, fartos de vida

Assim é o tamanho do seu descuidado

Face aos pacatos protestos dos pobres peixinhos

 

Tão bravos nas suas atitudes e decisões

Ruminam os sagrados planos dos peixinhos

Maleficamente cobiçosos e incontinentes

Erguem planificadamente desumanos

O património dos futuros tubaronzinhos!

 

Assim como o sopro, o tempo passou

De igual modo, muita coisa mudou:

Hoje vivo no mundo dos outros

Como a comida dos outros

Falo e canto com a voz dos outros

Danço e bamboleio com as pernas dos outros

Enfim, sou quase tudo dos outros!

 

Os génios e forasteiros

Ensinaram-nos a moda actual:

Se quiserem falar e reclamar

Façam-no de boca fechada

 

E se quiserem gritar

Abram suavemente os vossos pobres lábios

Entretanto, jamais deixem

Que os vossos débeis dentes se desabracem

 

Pois melhor é chorar para dentro

Chorar para fora, é barulho

E barulho só atrapalha

Por isso, não atrapalhem…

 

Ora, de tanto chorar para dentro

Sofro hoje desconhecidas patologias

E hoje o meu abdómen inteiro reclama por justiça

 

Já não consigo mais andar

Para asseveradamente protestar

A carnívora vida que hodierno

Lenta e camufladamente feroz

Os forasteiros, sequestrando o vigor dos nossos sentidos

Malandramente implantaram em todos nós

E hoje, sim, nós os peixinhos

 

Ao mundo inteiro e a quem tem ouvidos

Clamamos um significante SOCORROOO…!

segunda-feira, 16 agosto 2021 10:14

Comunicar (em tempos de guerra)

Não tenho memória de tanta crítica a volta da comunicação governamental, especialmente desde que Kigali, capital ruandesa, tomara a dianteira (e com estilo) no informe da evolução do combate contra a insurgência terrorista em Cabo Delgado. A comunicação de que se fala não se esgota apenas no conteúdo, incluindo palavras e frases escolhidas à dedo, e no meio a transmitir, mas também, e não só, abarca o momento/contexto para transmitir, o cenário/local, a indumentária e a energia de quem comunica. Neste padrão, e em tempos de guerra, a comunicação é saudável e até com ganhos significativos na consciencialização, mobilização e confiança da sociedade.

 

Um exemplo do recurso a este padrão de comunicação é a II Guerra do Iraque (2003), por sinal desencadeada no quadro do combate ao terrorismo e conduzida pelos EUA. Dessa altura, e a título de exemplo, retenho a qualidade do “empreendimento comunicação” na intervenção de George W. Bush, então presidente americano, quer a propósito do início da guerra quer, mais tarde, quando da tomada de Bagdad, a capital iraquiana. Um outro momento fora o do anúncio da captura do deposto presidente iraquiano, Saddam Hussein, em que um alto dirigente americano, diante de uma sala de imprensa em suspense, pronunciara a (já) célebre frase: “Ladies and gentlemen, we got him!”.

 

Tenho fé de que a II Guerra do Iraque tenha sido, em tempos de guerra, a escola de comunicação da sociedade moçambicana e de que esta a recorre como a base de comparação para as críticas em curso. Grosso modo a crítica recai sobre a falta de comunicação e das (poucas) vezes em que tal sucedera, a propósito ou por tabela, as observações críticas se alargam à letra e espírito do padrão conhecido, bastando, e como barómetro, que o leitor observe os eventos das últimas intervenções presidenciais sobre Cabo Delgado, em particular os da comunicação específica à nação e os das paradas militares na mesma província.

 

Em jeito de alerta, e para concluir, urge que Maputo reflicta sobre a forma que comunica com a sociedade, no caso em tempos de guerra. Kigali, pelos vistos, fê-la (os resultados à vista) assim como Pretória (África do Sul) e Gaberone (Botswana) fazendo jus, por exemplo, aos níveis do padrão das paradas militares de despedida dos respectivos contingentes, em partida para o combate contra a insurgência terrorista em Cabo Delgado.

 

PS1. Não a propósito de comunicação em tempos da guerra, mas a reboque, referir de que me fizera uma certa confusão, na passada sexta-feira, o facto do Presidente da República (PR) ter inaugurado, no Parque de Beluluane, uma fábrica (de cabelos) e horas depois, em comunicação à nação, por conta da pandémica Covid-19, ter prorrogado as medidas que deixam uma boa parte da economia em pausa ou a meio gás. Acredito que não só eu pensara que com a inauguração ele antecipava ou sinalizava o conteúdo da comunicação, nomeadamente que anunciaria um certo relaxamento de medidas a favor da abertura do mercado/economia. Enfim: um pequeno detalhe que faz uma grande diferença.

 

PS2. Ainda a reboque, referir que o texto lembra a chamada “África (Moçambique), Surge et Ambula!”/“África (Moçambique), Ergue-te e Caminha!” do saudoso poeta moçambicano Rui de Noronha, feita nos anos 20 do século XX, tempos em que no alto já adejavam corvos sedentos. Hoje, anos 20 do século XXI, já com os corvos em terra, seguramente que Rui de Noronha, clamaria por um “Moçambique, Communicat et Ambula!” (Moçambique, Comunica e Caminha!).

A recuperação de Mocímboa da Praia, sem dúvidas, marca uma nova fase na luta contra os insurgentes. No campo militar, a moral das Forças de Defesa e Segurança (FDS) e das tropas ruandesas está em alta e novas conquistas são esperadas. Na azáfama das conquistas, o Chefe de Estado Moçambicano pediu à Força em Estado de Alerta da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) que abra caminho à ajuda humanitária em Cabo Delgado. Do seu discurso pode escortinar-se a preocupação em ver reabertos os corredores logísticos por terra e pelo mar. Vale lembrar que o troço Pemba-Palma foi inicialmente preterido pela Anadarko como corredor logístico de suporte às suas operações em Afungi, passando a usar a via marítima e ponte aérea através de Mocímboa da Praia. A Total que adquiriu a concessão de gás à Anadarko, deu continuidade a mesma política e com o agravamento da insegurança, passou a usar a ponte aérea de Pemba para Mtwara na Tanzânia, e deste ponto para Palma.

 

Os corredores logísticos de suporte a indústria de gás tem sido o centro de atenções dos principais players, incluindo os grupos terroristas. Estes últimos, com um desdobramento adicional no controlo dos recursos naturais do interior, onde se verifica a ausência do Estado, para financiar suas operações. Vários estudos apontam para uma correlação entre a exploração ilegal dos recursos naturais (madeira, caça furtiva, minerais preciosos etc) e o financiamento a actividade terrorista. 

 

Não é minha intenção divagar no campo das operações militares e seus desdobramentos, até porque os dados para o efeito são escassos. No entanto, há que perceber que os grandes players externos, quer estatais e privados, têm clareza dos seus interesses no conflito de Cabo Delgado, quer sejam eles económicos, geopolíticos e até de prestígio e berganhas. Muitos destes interesses estão alinhados ao que chamaria da Primazia da Indústria de Gás, que não necessariamente se alinham ao Interesse Nacional. Há um risco, sempre presente, de confundir-se tais interesses com os interesses supremos da nação, resultando no embaciamento dos reais problemas que o país deve enfrentar, muitos dos quais na origem do surgimento do extremismo violento. 

 

A história da sociedade moçambicana é marcada por ciclos de conflitos intermitentes, saímos de um conflito para o outro, e as estruturas de organização social, produtiva e política absorvem novas formas de conflito. Mesmo partindo do pressuposto, assumido por várias correntes de pensamento, de que fanatismo islâmico é um elemento exógeno à nossa realidade, a verdade é que o mesmo se ancorou em bases sólidas endógenas (factores internos do conflito) que propiciaram a sua transformação em um fanatismo localizado. Aqui reside a importância estratégica da interpretação crítica e minuciosa da recuperação de Mocímboa da Praia e dos seus desdobramentos.

 

Se por um lado os players externos colocarão maior primazia para indústria do gás (no sentido negativo – retardar a retoma das operações em Afungi e reduzir a competitividade do país; ou positivo – retoma da exploração do gás e seus dividendos), caberá ao Estado Moçambicano discernir suas prioridades endógenas e contrabalançar tais interesses externos. A curto e médio prazos não é, e não deve ser a prioridade do país a retoma das operações da indústria do gás. Pelo contrário, a prioridade são as pessoas; são os milhares de deslocados internos em extrema necessidade de assistência humanitária; é a compreensão e resposta aos elementos endógenos incubadores do extremismo violento, sem dependência da indústria do gás. A ansiedade de colher dividendos da indústria de gás a curto e médio prazos, para fazer face a uma economia em frangalhos, deve ser substituída pela vontade e prontidão em responder aos elementos atrás mencionados sob pena de plantar as sementes dos novos ciclos e formas de conflito e violência.

 

A opção diplomática defendida por determinados sectores só será efectiva se de forma crítica e pragmática, transitar-se dos chavões políticos para responder aos problemas estruturais associados ao conflito. Há que responder as seguintes questões: i) A Desmaputização do emprego na indústria do gás em Cabo Delgado – em que jovens circunscritos ao espaço geográfico de Maputo (independentemente da sua origem étnica) devido ao acesso a informação, formação e redes de influência, dominam o marcado de emprego associado a indústria do gás em Cabo Delgado; ii) A ausência de um Estado doptado de políticas semi-providencialista e contextualizadas para comunidades marginalizadas de Cabo Delgado, Nampula e Zambézia; iii) O reconhecimento das desigualdades étnicas históricas e históricas elitistas no acesso aos meios de produção; iv) A identificação de formas inclusivas e progressistas para fazer face a informalidade que caracteriza a exploração dos recursos naturais pelo país; e v) A diversidade no acesso as diversas formas de poderes localizados. Estas e outras, são contradições históricas profundas e de longa duração que carecem de um devido reconhecimento e tratamento como uma agenda nacional.  

Nos olhos da juventude estão o destino e a história da nossa humanidade.” – (Thiago Mota)

 

A viagem era longa. Moçambique possui uma larga extensão de terra. Partindo da cidade de Maputo à capital provincial de Sofala, a cidade da Beira, são necessários aproximadamente 1200 quilómetros. Essa distância, de transporte rodoviário, similar ao que lavava Manuelinho, Jota e outros passageiros, numa velocidade média de 75 quilómetros, perfaz perto de 16 horas.

 

Ou seja, quando os carros partem de Maputo à Beira, ou vice-versa, geralmente, às 4 horas, nas escuras, chegam ao destino quando o relógio se aproxima da hora 20. No entanto, se a condição dos bolsos possibilitar, o que não é comum para a maioria da população que vive espalhada pelo nosso belo País, o transporte aéreo precisa de apenas 1 hora para chegar ao destino. Contudo, a circunstância de Manuelinho e Jota, na altura, permitia somente que ambos seguissem de autocarro. Aliás, mesmo para tal, era necessário um sacrifício a dobrar.

 

Ambos, na companhia de outros companheiros de viagem, seguiam rumo à Beira. Entretanto, uma coisa era visível no rosto dos passageiros: todos reclamavam da vastidão da Província de Inhambane. E com uma voz masculina berrante, desprovida de bons modos de cortesia, um passageiro, cansado de aquecer as suas nádegas nos ferros daquele autocarro, resmungou:

 

— Se fosse possível remover a Província de Inhambane do mapa terrestre, pouparíamos quase 7 horas de viagem. A estas horas, teríamos apenas 4 horas para chegar ao nosso distante destino, mas ainda temos 8 horas de estrada, à nossa espera, pela frente.

 

Ora, a fala daquele passageiro ressuscitou outras intervenções. Do fundo do autocarro, uma senhora avançada em idade, que se fazia acompanhar dos seus dois netos, reclamou:

 

— É verdade, meu filho! Eu até já não sei para qual lado virar de tão cansada de suportar os meus netos neste pequeno lugar. — Igualmente, outra passageira, que agitava todo autocarro com a sua voz potente, similar a das mamanas que guevam nos mercados, como se estivesse, insistentemente, a negociar o preço dos produtos que quisera comprar, acrescentou:

 

— A estas horas, nós já estaríamos a entrar em Muxúngue. Esse Motorista está a conduzir como meu filho de um ano e finge não saber que nós temos muitas coisas que nos espera em casa. — E, em seguida, gritou intensamente, com todas as suas forças, desviando a atenção daquele que, com o volante fixo em suas mãos, detinha o destino das nossas almas:

 

Motorista, vuna lá mais um pouco paaa!!! Estamos cansados de dividir as nossas bundas com estas cadeiras aqui. — Outras vozes, também, juntaram-se àquela e, sacudindo os ouvidos quase empoeirados do Motorista do autocarro, vociferaram:

 

— Mas, Motorista, sabes que nós não estamos a ir para Xiquelene, nem? E você está a conduzir como se estivesse no Mercado Compone na hora de ponta. Faz favor, paaa!!! — Disse um senhor. Enquanto devolvia a sua voz ao abrigo do silêncio, outra senhora acumulou:

 

— Motorista, vuna lá iwe…. Queremos chegar cedo em casa para cozinhar para os nossos maridos! — Dá lá esse volante aí. Vamos te mostrar o que é conduzir! — Disseram uns jovens.

 

Enquanto isso, várias vozes atropelavam-se, naquela circular rectangular de oito rodas que marchava, em terra descascada e cheia de valas comuns, com alcatrão incolor, rumo à cidade da Beira. Pela necessidade de chegar o mais rápido ao seu destino, quase todos ignoravam os variados acidentes de viação que se registam nas nossas estradas ao longo de todo o País.

 

Naquele autocarro, quase todos desconheciam o facto de em nossa amada Pátria, dos 35.600 quilómetros de extensão de estrada, as estatísticas revelavam que, em 2019, perto de 73% das nossas estradas não estavam revestidas de alcatrão ou pavimentadas. E os poucos 27% que possuíam coberturas em seu corpo deitado horizontalmente, como a Ene Um que seguíamos, grande parte delas se encontrava em avançado estado de sangramento contínuo, reclamando, diariamente, às lideranças governamentais, seus negligenciados pedidos de socorro.

 

Além disso, poucos, naquele autocarro desprovido de qualidade, sabiam que naquele mesmo ano, em 2017, as Províncias de Manica, Sofala e do Sul do País, incluindo Inhambane, por onde passavam, haviam registado altos índices de acidentes de viação, principalmente, devido às condições das estradas, com ligaduras há tempo abandonadas, e altas velocidades. Afinal, os acidentes de viação são uma das principais causas de mortes em todo o território nacional.

 

Muitos desconheciam, identicamente, como se sabe que os números não mentem, exceptuando-se os do último Recenseamento Eleitoral da Província de Gaza, que o número de vítimas, feridos graves e mortos, que ao céu aberto tombavam sem dizer adeus aos seus familiares, resultantes de acidentes de viação nas estradas do nosso País, apresentava uma tendência crescente, principalmente naquele ano, bem como nos dois anos seguintes.

 

Outros, que não estavam naquele autocarro, tinham, em largas mesas dos seus escritórios, a quase desconhecida Política Nacional de Segurança Rodoviária, já aprovada, que, como pastor alemão envenenado por ladrões, sossegava impávida sem a devida implementação. Aliás, não havia interesse claro de se investir nessa área, principalmente pelos sectores responsáveis.

 

Naquele instante, o Jota, contemplando o semblante de Manuelinho, que, já cansado, enviava mensagens de quem precisava de tempo para pagar a dívida que o seu corpo cobrava, uma vez que ele não havia fechado os olhos na noite anterior à viagem. Manuelinho, estendido apertadinho no seu lugar, sonhava com as cerimónias fúnebres da sua irmã Marciana.

 

Contudo, não lhe corria em mente que se a irmã fosse enterrada na Cidade das Acácias, em Maputo, teria o espírito preocupado com os valores de renda, mensal e anual, que se lhes cobrariam para enterrá-la, além dos custos referentes à placa de identificação e licença de construção da campa, bem como uma factura quatro vezes superior ao salário mínimo base, se desejasse uma campa de alvenaria, para proteger os seus ossos da chuva e de ladrões. Afinal, a tia Marciana era uma simples doméstica. Graças a Deus que ela seria sepultada na Beira!

 

Neste interlúdio, o Jota arrumou as malas dos seus neurónios e, com todas as passagens devidamente pagas, fez uma viagem ao futuro, lembrando-se de uma conversa que teria com o seu amigo de infância, o Aizeque, que se outorgou Androide, por causa das suas “aplaudidas” habilidades de memória. Assim, em poucos segundos, estava na capital moçambicana. Parado nas margens da esquecida Praça da Juventude, localizada no abraço romântico da extensão das Avenidas Julius Nyerere e Lurdes Mutola, no distrito Municipal KaMavota, afirmou:

 

Brada, o nosso País, com a população jovem que possui, tem tudo para ser uma nação de referência em muitas áreas, não achas? — Questionou o sobrinho do tio Manuelinho.

 

Aizeque, estendendo os seus olhos cansados de ver a miséria dos seus irmãos, espalhados naquela desgraçada praça, desfolhada de beleza, brilho e vigor, que em nada dignifica a nossa esperançosa juventude, prontamente, respondeu ao seu estimado amigo de infância:

 

— Meu brada, isso até me dói! Segundo os últimos dados do Censo Geral da População, Moçambique é um País com quase 65% da população jovem abaixo dos 35 anos, e é considerado uma das nações mais jovens do mundo. Porém, ter uma população maioritariamente jovem pode significar, por um lado, que grande parte da população sejam potenciais agentes de mudança e contribuam para o crescimento e desenvolvimento do País. Ou, por outro, pode significar que essa maioria da população, por não produzir ou depender de outras pessoas para produzir, constitua uma grave ameaça que deve ser combatida, um fardo a ser descarregado ou mesmo um grande problema para o avanço da nossa sociedade. — E após uma pausa, acrescentou: — Sonho com um dia em que essas estatísticas, sobre os jovens, não apenas serão números, mas se transformarão para o benefício do nosso País.

 

— Então, no seu entender, meu amigo, o que se deve fazer para que essa maioria, os jovens, se transforme em verdadeiros agentes de mudança e não pedrinhas rígidas entre os dedos dos pés num salto bem apertado? — Questionou, calmamente, o Jornalista-Estagiário.

 

— Olha, Jota! É importante entender que o problema não é, necessariamente, a população de um País ou sociedade, mas a qualidade da população que esse País ou sociedade possui. Por isso, podemos ter uma maioria, como alguns camaradas diriam, retumbante e visivelmente esmagadora, mas sem efeitos práticos. Será apenas uma maioria cosmética, como batom e enfeites de maquiagem, usada para impressionar o mundo ou quem simplesmente olha para a aparência externa e não cava para, de perto e aos detalhes, aferir o conteúdo dessa maioria.

 

Em seguida, olhando para os lados, tentando ver se havia, por perto, alguém com um gravador ou ouvidos estendidos e atentos àquela conversa de simples jovens, adicionou:

 

— Olha só para a nossa Praça. Nem vou comparar com as outras, como as do Xiquelene, da Junta, ou da OMM! Não quero entrar neste barulho, senão hei-de ressuscitar fantasmas. Já viu como nós, os jovens, somos considerados neste País? Custa investir um pouco nesta praçinha, dar um banho com pedras e flores, cobrir com uma rotundinha, pintar de brilho e devolver a vida e energia dos jovens? Custa, mesmo!? — Desabafou Aizeque, para depois acrescentar:

 

— Eu penso que se deve investir seriamente na educação e formação dos jovens. Este aspecto tem um grande peso e constitui uma mais-valia para qualquer sociedade ou País, especialmente Moçambique. Atenção, não falo de passagem automática, para depois, num futuro não muito distante, termos mentes que, de igual modo, não pensam por si, se não forem activadas e, automaticamente, reproduzirem discursos da minoria ditadora e absolutista! — Referiu, espontaneamente, Aizeque, jovem e estudante contínuo de Filosofia e outras ciências.

 

— Olha, o que dizes é realmente interessante, brada. Além disso, na minha opinião, nenhuma sociedade ou País deve olhar para os seus jovens como líderes do futuro se, no presente, negligenciar a sua educação e formação. — Sublinhou o sobrinho do tio Manuelinho, que já se encontrava entre os mais brilhantes astros galácticos, a sonhar com um Moçambique onde aos mortos não lhes é cobrado uma renda, mensal ou anual, para que os seus ossos habitem nas areias da terra que lhes viram nascer.

 

Jota sabia que faltavam apenas poucos dias para a celebração do Dia Internacional da Juventude que, anualmente, é celebrado a cada 12 de Agosto. Nestas celebrações, vinca-se, a cada 365 dias que passa, que o principal objectivo desta data é destacar a educação e conscientização dos jovens a respeito da responsabilidade que eles assumem como representantes do futuro do planeta, sem, contudo, esquecer-se do seu papel no presente!

 

— Sim, do futuro! O presente só se conjuga em períodos vizinhos ou durante os pleitos eleitorais, bem como nas comemorações das festividades do Dia dos Jovens. Fora disso, o papel dos jovens é delegado para o futuro, quando eles forem adultos e, maltratados pela vida, estiverem velhos e sem vigor para fazer a diferença! — Declarou, profeticamente, o Aizeque.

 

Shiii, Aizeque, acabaste de reproduzir o que eu estava a pensar. És mesmo um Androide, paaa! Já agora, sabes que faltam apenas alguns dias para celebrarmos o Dia Internacional dos Jovens? Assim, vamos comprar máscaras de vergonha e viremos celebrar aqui nesta praça?

 

— Sim, eu sei, Jota. Sabe, quando penso nesta Resolução 54/120, que, em 1999, por iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU), reuniu, na terra dos Tugas, que, durante séculos, em consórcio com outras potências imperialistas, sabotaram os nossos sonhos e recursos, aprovada em conferência mundial dos Ministros dos Jovens, questiono-me: Quantos jovens têm a noção da sua influência em relação aos destinos, não somente das suas vidas, mas também dos seus Bairros e Distritos, das suas Localidades, Províncias e Nações?

 

— Sabes, Aizeque, do mais alto órgão, ao nível mundial, até às nossas bases locais, temos iniciativas que se assemelham a flores embelezadas, mas o seu efeito é de pouco alcance! Lembras-te do Programa Mundial de Acção para a Juventude, da ONU, que visa incentivar um conjunto de acções políticas e directrizes para melhorar a qualidade de vida dos jovens de todo o mundo? O que dizer da quase desconhecida Carta Africana da Juventude (CAJ), adoptada em 2006 durante a Conferência de Chefes de Estado e de Governo, em Gâmbia, sendo Moçambique um dos países que a ratificou. Será que se esqueceu da importância da participação e do envolvimento da juventude para o desenvolvimento dos Países do nosso rico, porém, empobrecido continente? E se a tua memória for fiel contigo, diga-me, meu irmão, qual foi a última vez que se ouviu falar da nossa quase enterrada Declaração Juvenil da Matola?

 

Virando-se para o seu amigo, Aizeque, em seguida, rematou audaciosamente:

 

— Não se pode falar do Renascimento Africano sem um investimento sério e adequado na juventude, que representa cerca de 65% da população Africana (incluindo nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), como Angola, Guiné Bissau, Guiné Equatorial e Moçambique). Sabias que cada Estado-membro da CAJ tem responsabilidades no desenvolvimento da juventude, de tal forma que devem facilitar o intercâmbio e a cooperação entre organizações juvenis para promover a solidariedade regional, a consciência política e a participação democrática da juventude em colaboração com os parceiros de desenvolvimento?

 

— Sim, meu amigo. Por exemplo, no ano passado, tanto se falou de “A África que Queremos”. Apesar de se reconhecer que o maior recurso de África são os jovens, que pela sua participação plena e activa, os Africanos podem ultrapassar as dificuldades com as quais são confrontadas, continuamos impávidos face aos problemas que sufocam as nossas vidas e de toda população Africana, moçambicana e mundial! É muito triste! Nem sabemos que África, realmente, nós queremos! Isso é muito triste, meu irmão. — Indicou o Jornalista-Estagiário, tentando segurar os baldes de lágrimas que espreitavam dos seus entristecidos olhos.

 

— É verdade, Jota. A Carta Africana da Juventude estabelece um quadro que permite aos responsáveis definir políticas que integrem as questões da Juventude em todas as estratégias e programas de desenvolvimento. Neste sentido, a CAJ possui uma base jurídica que garante a presença e a participação dos jovens em estruturas governamentais e fóruns a níveis nacional, regional e continental. Mas em quantas partes do País isso acontece? — Exigiu, Aizeque.

 

— Olha, mesmo aqui, vários estudos mostram que a participação dos jovens em fóruns governamentais e de liderança é quase uma incógnita. Por exemplo, o Estudo de Base sobre a Participação e Engajamento da Juventude em Processos Políticos em Moçambique, organizado pelo Instituto Eleitoral para a Democracia Sustentável na África (EISA), denuncia que poucos jovens participam activamente em processos políticos e espaços de tomada de decisão. E as mulheres são quase excluídas! E a minoria que participa, junta-se, principalmente, por causa dos benefícios que espera ou pode obter com a sua participação. — Nisto, Aizeque adicionou:

 

— É verdade! Alguns participam a fim de ser eleitos ou manter uma posição nos órgãos do poder executivo ou legislativo. Outros, por vestirem camisetes coloridas, veem o benefício de ter os seus problemas facilmente resolvidos, destacando-se o acesso ao emprego ou promoções profissionais e acesso às oportunidades económicas. Como consequência, os que caminham descamisados, ainda que unidos em associações, são marginalmente excluídos!

 

— Sabes, os jovens, se bem-intencionados, podem fazer a diferença! Além dos meios tradicionais, temos em nossa total disposição a internet e as redes sociais, canais relevantes para promover a participação e o engajamento dos jovens, bem como partilhar ideias e projectos inovadores, negócio e muito mais. Contudo, estes meios, apesar de estarem disponíveis, grande parte de jovens usa-nos para partilhar memes e conteúdos que em nada ajudam a desenvolver o ser cívico e agente de mudança de que nos referimos. Mentes que seriam a chave de grandes transformações estruturais, nas diversas áreas, sócio-económicas, técnicas, agrárias, médicas, de desenvolvimento espiritual, entre outras, estacionam as suas habilidades nos memes, vídeos engraçados, pornografias e mensagens atrofiantes! Outros até só partilham fake news e discursos de ódio. Desta forma, como será possível ter uma Juventude Engajada na Produção Alimentar para a Saúde das Comunidades? Não é por isso, também, que até a nossa Praça se encontra descabelada? — Realçou, inconformado, o Jota.

 

Naquele instante, Manuelinho estendeu a sua mão esquerda em direcção ao vidro do carro, exactamente no lado onde ele estava assentado. Com os seus olhos, espreitando, contemplava a vastidão de troncos altos cobertos de verde que não parava de receber reflexos de uma câmera de Huawei preto de um Chinês, único passageiro que fotografou as nossas florestas.

 

— Jota, mesmo assim, eu conheço muitos jovens que dedicam as suas energias para vencer a bandeira da pobreza, resultante da escassez de acesso ao emprego, à habitação, aos meios de transporte, bem como à educação, sobretudo nestes tempos difíceis marcados pelos estragos da pandemia da Covid-19. — Mencionou Aizeque, para depois acrescentar:

 

— Até porque, todos estes assuntos foram discutidos na quase desconhecida Declaração da Matola, realizada em 2019. Mas quantos jovens tem a informação dos escritos daquele documento que até se confunde com Segredo de Estado, senão os pouquíssimos que os redigiram e outros que tiveram a oportunidade de cheirar o aroma das suas páginas só naquele dia? Outros apenas participaram daquela Assembleia Juvenil, na Matola, mas desconhecem os desdobramentos deste manual proibido, tal como fizera o papado em relação à leitura da Bíblia antes de Martinho Lutero lançar as sementes do Protestantismo. — Rematou, Aizeque.

 

— É verdade, meu amigo. É por isso mesmo que até os gestores de associações juvenis estão mergulhados em actos de corrupção, falta de transparência, discriminação no acesso às oportunidades políticas e económicas, barramento de reposta às iniciativas empreendedoras juvenis. Sabe, tudo isso gera, também, como nos adultos, a falta de credibilidade e confiança nos jovens líderes. — Referiu o Jornalista-Estagiário, enquanto vigiava o seu redor.

 

— É tempo de os jovens se levantarem e unir as forças para mudar o actual cenário que se vive em nossa pátria de Cabo queimado. É necessário melhorar a participação política dos jovens, o ambiente de governação e prestação de contas, a boa gestão dos processos eleitorais, estimular e ampliar os programas de educação e informação sobre os processos políticos e incentivar o uso de novas formas de comunicação, para sairmos deste beco quase sem saída!

 

— De facto, Androide. — E desatou em risos! — Claramente, nós temos tantos documentos e informações para gerar mudanças desenvolvimentistas. Até o Plano de Acção de Implementação da Política da Juventude (PAIPJ) 2020 é, nada mais, senão um manual de receitas e boas intenções que, se não colocado em prática, apenas irá atiçar o nosso apetite, mas a comida necessária para matar a nossa fome, não irá produzir! — Asseverou o Jota.

 

Enfim, os jovens devem, de igual modo, criar mecanismos para desenvolver uma cultura da paz e tolerância para desencorajar a participação em actos de violência, terrorismo, xenofobia, discriminação racial e baseada no género, invasão estrangeira, tráfico de armas e de drogas, tendo em mente que, como assegura Thiago Mota, “nos olhos da juventude estão o destino e a história da nossa humanidade”, da nossa África e do nosso belo e extenso Moçambique, nos quais o seu maior tesouro não são os abundantes recursos naturais, mas sim, os seus jovens!