Director: Marcelo Mosse

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Actualizado de Segunda a Sexta

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Carta do Fim do Mundo

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Não seria caso para manchete de jornal, não fosse a suspeita generalizada nos últimos anos na opinião pública de que o actual Presidente, Filipe Nyusi, teria pretensões de se prolongar no poder. Nyusi está finalmente a conformar-se com a sua saída de cena. Há cerca de duas semanas, ele começou a “despedir-se” dos amigos. No seu inner circle, o Presidente anda a dizer que seu último dia na Presidência será 15 de Janeiro, quando passar o martelo ao novo incumbente saído das eleições de 09 de Outubro, cuja identidade ainda é desconhecida, pois o CC ainda não validou e nem proclamou os resultados anunciados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) que deram vitória ao candidato da Frelimo, Daniel Chapo.

 

Na passada quarta-feira, Filipe Nyusi manteve um encontro no seu gabinete com reitores de universidades públicas e privadas, alguns directores de institutos de educação e entidades afins. Estiveram também sete ministros do seu Governo, entre os quais o da Defesa e o do Interior. 

 

A tónica do encontro centrou-se nas possibilidades reais de um verdadeiro diálogo político com a oposição no quadro da actual tensão pós-eleitoral. Os reitores também sugeriram ao Presidente que um diálogo com Venâncio Mondlane seria incontornável para se apaziguar a tensão. 

 

De acordo com as nossas fontes, em resposta, Nyusi disse que dialogar, para ele, não era problema, tanto mais que no passado já o tinha feito. Mas ele não deixou claro se estava, de facto, disponível a ter esse encontro com VM7, virtualmente, como este teima em insistir.

 

E já quase no fim dessa reunião, o actual PR deu a informação que todo o mundo estava à espera de ouvir em Moçambique: ele vai entregar o martelo ao próximo incumbente justamente no dia que tiver de o fazer, de acordo com o calendário constitucional. Pela primeira vez, ele deixou claro, em ambiente extra-partidário, que vai mesmo deixar a presidência já, fazendo enterrar definitivamente os rumores sobre sua alegada apetência para um terceiro mandato.

 

Sob imensa pressão dentro da Frelimo

 

Na mesma reunião com os reitores na quarta-feira, Filipe Nyusi comunicou que vai também deixar a liderança da Frelimo no mesmo dia 15 de Janeiro. Esta declaração corrobora com relatos colhidos por este jornal, segundo os quais Nyusi tem dito aos amigos mais próximos que vai também deixar a presidência do partido no mesmo dia em que entregar o martelo de inquilino da Ponta Vermelha. 

 

“Ele diz que, nesse dia, enviará ao partido sua carta de renúncia”, disse uma das nossas fontes. Esta pretensão tem uma explicação. Ela responde a uma pressão cada vez mais acérrima dentro do partido, estando agora a correr um abaixo-assinado visando a convocação de uma sessão extraordinária do Comité Central, que uma reunião recente da Comissão Política (há duas semanas) não convocou, alegando motivos de “segurança”. 

 

O Comité Central extraordinário não convocado deveria promover a saída do actual Presidente (e a ascensão de Daniel Chapo, actual Secretário-Geral Interino), a indicação de um novo Secretário-Geral e de um novo Secretariado.

 

A “recusa” da Comissão Política (controlada por Nyusi) em convocar a referida sessão extraordinária caiu mal nas hostes mais “históricas” do partido, que apontam Nyusi como a "mãe" de todos os males que assolam Moçambique, incluindo a presente tensão eleitoral, que se alega ser fruto do excessivo “martelanço” com que Nyusi manipulou os resultados eleitorais. A reacção dessa corrente foi desafiar Nyusi com um "abaixo-assinado", para forçar uma cedência, obrigando a CP a convocar a sessão extraordinária do Comitê Central para já.

 

“Carta” apurou que esse “abaixo-assinado” foi despoletado há mais de uma semana pela célula partidária "8 de Março", onde fazem parte figuras sonantes como Joaquim Chissano, Graça Machel, Jacinto Veloso, Castigo Langa, José António Chichava, Alcinda de Abreu, entre outras. Consta que o documento está a ter uma adesão favorável. Os proponentes pretendem que o CC extraordinário se realize já em Dezembro, mesmo antes de o Conselho Constitucional proclamar os resultados do pleito de Outubro.

 

É no quadro deste ambiente de hostilidade interna que Nyusi vai deixar a chefia da Frelimo. Mas, contrariando a pressão, ele tem vindo a afirmar que não quer sair antes de 15 de Janeiro, data oficial da sua saída da Ponta Vermelha. 

 

Esta resistência esbarra com a percepção generalizada, segundo a qual, se Nyusi deixasse agora a liderança da Frelimo e também abdicasse da Presidência da República, a tensão pós-eleitoral no país reduziria bastante. 

 

Qualquer que seja o cenário, um facto parece já certeza definitiva: Nyusi vai mesmo deixar a Ponta Vermelha em Janeiro, e qualquer narrativa sobre um alegado terceiro mandato só pode ser por défice de informação. Ele já está a fazer as malas...a questão mais intrincada que se coloca é: onde é que Florindos e companhia guardarão sua extensa frota de viaturas de luxo?

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segunda-feira, 25 novembro 2024 09:41

Tensão pós-eleitoral: diálogo dos surdos e mudos

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domingo, 10 novembro 2024 13:37

Guerra e Paz na terra do Sol de Junho

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Um autêntico cenário de guerra, escaramuças, tumultos, pneus em chamas e barricadas, actos de vandalismo e destruição de infra-estruturas, assassinatos e violações grosseiras de direitos humanos pelas forças policiais. São algumas das inúmeras palavras-chave e caracterizações dissonantes que os anais da história associarão à Moçambique, nas páginas sobre a primeira semana de Novembro de 2024. A violência nas ruas de Maputo-cidade e província e de Inharrime em Inhambane marcaram as manifestações dominadas por uma geração que não viveu os horrores da guerra civil, enquanto grupos de intelectuais tentam promover iniciativas de diálogo e reconciliação para o alcance da Paz, a mesma Paz que já foi interrompida por uma mão cheia de ocasiões em 30 anos de democracia multipartidária. A Paz, aliás, que a dilacerada província de Cabo Delgado almeja.

 

Carros queimados, estabelecimentos comerciais vandalizados, vias bloqueadas por pedras, troncos, restos de pneus queimados  e contentores de lixo são alguns dos restos e resquícios da guerrilha urbana que assaltou Maputo a 7 de Novembro. Nos hospitais, contabilizam-se as mortes (ainda em número inferior a 10, oficialmente), tratam-se os feridos nas várias especialidades clínicas, e nos corredores da política, da sociedade civil e da academia envidam-se esforços para aproximar as partes... enquanto o país e o mundo aguardam ansiosamente que o Conselho Constitucional delibere e anuncie o veredicto sobre as mais contestadas e descredibilizadas eleições em 30 anos de pluralismo democrático.

 

Na contramão, o Presidente da República cessante se esmera em acrobacias de relações públicas, para ficar bem na memória fotográfica onde lhe falta discernimento para tomar decisões que garantam uma transição sem crises para uma nova administração na Ponta Vermelha depois de 10 anos de uma desastrosa governação.

 

Se na cidade de Maputo, a confrontação entre grupos de manifestantes e forças policiais, e a pilhagem de lojas e um supermercado são os recortes do impacto imediato interno dos protestos durante a semana que hoje finda, a destruição das instalações das Alfândegas no posto de fronteira em Ressano Garcia e encerramento por um dia da fronteira sul-africana de Lebombo no mesmo ponto constituem a imagem do efeito directo na economia da região.

 

O drama humano no Hospital Central

 

Três óbitos e 66 feridos é o número de vítimas reportado pelos Serviços de Urgência do Hospital Central de Maputo, que resultam das manifestações de quinta-feira (07) convocadas pelo candidato do partido Povo Optimista pelo Desenvolvimento de Moçambique (PODEMOS), Venâncio Mondlane.  

 

Segundo o porta voz do Serviços de Urgências do HCM, Dino Lopes, um paciente perdeu a vida no hospital e os restantes deram entrada como óbito e presume-se que tenham sido baleadas.

 

“Dos 66 pacientes, 57 foram vítimas de lesões, possivelmente por feridas, arma de fogo, tivemos quatro agressões físicas, um por queda e dois por arma branca, como é o caso de esfaqueamento e outros objectos, há um outro paciente que foi operado, mas está numa situação crítica”, Lopes.

 

Os feridos incluem 15 pacientes internados nos diferentes serviços do HCM, dos quais, quatro casos graves e dois pacientes beneficiaram de grande cirurgia, outro encontra -se na unidade dos cuidados intensivos.

 

Até quinta-feira o HCM notificou a entrada de 138 pacientes, sendo oito na urgência de pediatria, maternidade e ginecologia (29) e um cumulativo de 101 na urgência de adultos.

 

O Hospital Central de Maputo, recebeu igualmente quarenta (40), transferências provenientes de outras unidades sanitárias periféricas e outros que vinham por conta própria.

 

O porta-voz explica que é difícil apurar as causas dos dois óbitos ocorridos na Missão São Roque, pelo facto de os óbitos terem sido declarados na medicina legal, mas a fonte garante que os dados indicam estarem associados às manifestações.

 

O HCM afirma que conseguiu dar vazão a demanda, graças ao apoio de voluntários, estudantes da Faculdade de Medicina, médicos de clínica geral de algumas organizações não governamentais. 

 

Escritores pedem “encontro

 

urgente” entre Mondlane e Chapo

 

A Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO) pediu um “encontro urgente” entre os candidatos presidenciais Daniel Chapo e Venâncio Mondlane, para discutir a constituição de um Governo de “inclusão efectiva” e acabar com as manifestações. Os escritores pedem, na carta que a Lusa teve hoje acesso, que os dois candidatos presidenciais mais votados, segundo dados divulgados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE), realizem um encontro visando o alcance de um acordo para “terminar” com o que consideram de clima de instabilidade e violência, perda de vidas e destruição de infra-estruturas.

 

Segundo os escritores, Venâncio Mondlane e Daniel Chapo devem encontrar-se para assumir um compromisso “sério e verdadeiro”, fazendo “cedências mútuas", sem se pautarem por “arrogância ou posições radicais”.

 

“Iniciar o processo negocial para a criação de uma plataforma de entendimento que inclua a constituição de um Governo de inclusão efectiva, com vista a abrir portas para um processo de reforma profunda do Estado, envolvendo e beneficiando toda a Sociedade, sem exclusão, com particular realce para a camada jovem”, lê-se no documento da AEMO.

 

O mesmo documento pede igualmente a aparição pública dos dois candidatos para um comprometimento com a paz, a estabilidade e o desenvolvimento do país, ultrapassando “expressões de ódio e outras que incitem à violência”.

 

O coletivo apela à “constituição de um Comité de Sábios, para desenhar a arquitectura do diálogo entre os dois candidatos presidenciais mais votados, fazer a moderação dos encontros entre ambos e comunicar ao povo sobre o seu progresso”, acrescenta-se no documento.

 

Nyusi em novas acrobacias  de relações públicas

 

Na sexta-feira, no que já virou sua imagem de marca, o chefe de Estado moçambicano, Filipe Nyusi, voltou a ensaiar suas acrobacias de relações públicas: visitou os feridos das manifestações de quinta-feira que se encontram internados no Hospital Central de Maputo (MCM).

 

“A minha grande preocupação imediata foi ir ver os feridos. Então fui ao Hospital Central onde estão jovens feridos que estiveram envolvidos na manifestação, considerada violenta”, disse Nyusi.

 

Disse que num contacto estabelecido com os jovens feridos apurou que alguns são vendedores, pedreiros ou desempregados. ''Conversei com eles pois ia lá mais para me solidarizar. Na mesma enfermaria de Ortopedia encontrei também um membro da polícia. Ele sofreu muito com alguma gravidade no pé. Fez a primeira cirurgia de resolução e depois vai fazer a segunda de destabilização”, acrescentou.

 

Nyusi insistiu que se deslocou ao hospital para manifestar a sua solidariedade com os jovens feridos e não para fazer um julgamento porque esse é um papel que cabe as autoridades.

 

Depois do HCM, o chefe de Estado deslocou-se ao centro comercial Shoprite para se inteirar da destruição causada por actos de vandalismo.

 

“É aqui onde a mensagem da violência se reflecte”, disse Nyusi, explicando que mesmo que alguém queira distorcer os acontecimentos as imagens falam por si.

 

Para ficar bem na fotografia, Filipe Nyusi manteve ontem um encontro de cortesia com o dono da Igreja Ministério Divina Esperança, Apóstolo Luís Fole, considerado líder do espiritual do candidato presidencial do PODEMOS, Venâncio Mondlane.

 

O encontro, que teve lugar no seu gabinete de trabalho foi divulgado pelo Chefe do Estado, na sua página oficial da rede social Facebook. Referiu que serviu para a troca de impressões sobre a actual situação política em Moçambique marcada por tensão pós-eleitoral.

 

A Igreja Ministério Divina Esperança, liderada por Fole, tem vindo a ganhar expressão a nível da cidade de Maputo. Aliás, foi o próprio apóstolo Luís Fole que colocou Venâncio Mondlane como pastor da sua congregação religiosa. Também apadrinhou os seus primeiros passos como servo de Deus.

 

Mondlane remete para 2.ª feira 

 

anúncio de "medidas dolorosas"

 

O candidato presidencial moçambicano Venâncio Mondlane, que não reconhece os resultados anunciados das eleições gerais de 09 de outubro em Moçambique, disse ontem que na próxima segunda-feira revelará a 4.ª fase de contestação que, garantiu, “será extremamente dolorosa”.

 

“A quarta fase vai ser extremamente dolorosa, porque notamos que o regime está a querer fazer um braço de ferro com o povo. O regime quer usar a força das armas contra o povo. Usar a força policial e balas verdadeiras”, afirmou Venâncio Mondlane, que disse que são já 40 o número de mortos em consequência da reação do poder às manifestações por si convocadas.

 

Venâncio Mondlane anunciou na quinta-feira que as manifestações de protesto são para manter até que seja reposta a verdade eleitoral. Ontem Mondlane, que falava numa ‘live’ na rede social Facebook - “a partir de parte incerta”, como destacou -, disse que os moçambicanos se devem preparar “porque a economia [moçambicana] vai ser apanhada de forma severa”.

 

“Vai haver danos muito severos na economia de Moçambique. Tenho que ser sincero, porque as medidas vão ser pesadas e duras”, limitou-se a dizer e agendando para segunda-feira, dia 11 de novembro, o anúncio de quais serão essas medidas e, sobretudo, quando é que começarão a ser postas em prática.

 

Venâncio Mondlane garantiu que a 4.ª fase “será a última das manifestações em Moçambique”. “Não vamos vacilar”, garantiu.

 

Relativamente aos protestos ocorridos quinta-feira em Maputo, Venâncio Mondlane assegurou que estiveram nas ruas da capital 1,5 milhões de pessoas. Até segunda-feira, pediu que continuem apenas os chamados “panelaços”, ruidosas pancadas em objectos metálicos que ecoam durante a noite.

 

“Temos pessoas que têm de ter tratamento médico, pessoas que têm de ser enterradas. Sexta-feira, sábado e domingo a única coisa que vamos fazer nesses dias é continuar com a manifestação das panelas”, defendeu.

 

“Ontem (quinta-feira) foi o dia da libertação de Moçambique, que seria o dia que encerraria a 3.ª etapa das manifestações para reposição da verdade eleitoral, para salvar a nossa democracia e acabar com a ditadura em Moçambique”, salientou.

 

(Carta da Semana/AIM/Lusa)

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