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sábado, 26 outubro 2024 17:23

O apagão político da internet móvel no país

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 Ao segundo segundo dia de paralisação geral, manifestações e confrontos entre populares e as unidades de Intervenção Rápida (UIR) e de protecção da Polícia da República de Moçambique - Maputo, Matola e outras cidades capitais do país sofreram um apagão no serviço de internet móvel. O apagão ocorreu ao princípio da tarde de ontem, sexta-feira (25), e prevaleceu para além das primeiras horas de hoje, sábado, no fecho desta edição. O serviço foi restabelecido ao nascer de um tímido sol desta esta manhã. Subitamente. Tal qual foi desligado, por ordem política.

 

A internet foi "desligada" por volta das 12 horas de sexta-feira. Na ausência de uma explicação oficial, ''Carta'' foi à procura das  razões por detrás do sucedido. Especula-se que o desligamento visa evitar a viralização dos vídeos das manifestações e bloquear a mobilização via Whatsapp e Facebook para a escalada de desobediência civil em protesto aos resultados que dão vitória absoluta à Frelimo e Daniel Chapo nas eleições de 9 de Outubro.

 

Duas razões técnicas furadas

 

Fontes do sector avançaram três narrativas explicativas do que realmente aconteceu. Duas se sustentam em razões técnicas, bastante especulativas por sinal. E uma, a verdadeira afinal, é de ordem política.

 

Fonte ligada à Tmcel alegou que o tráfego intenso de dados, ao longo dos últimos dias, congestionou a rede de internet nas três operadoras de telefonia móvel do país, Tmcel, Vodacom e Movitel, resultando em queda por sobrecarga do serviço. Tese lacónica.

 

Outra fonte por nós ouvida apresentou-nos uma razão, no mínimo, peregrina. Explicou-nos que o apagão na internet móvel pode ter origem na desintegração do satélite Intelsat 33e na sua órbita órbita em torno da Terra, afectando o serviço de satélites em todo o mundo.

 

Concebido pela Boeing e denominado Intelsat 33e ou IS-33e, o satélite perdeu energia a 19 de outubro devido a uma “anomalia”, afectando utilizadores em toda a Europa, África Central, Médio Oriente, Ásia e Austrália.

 

Na segunda-feira, dia 21, a Intelsat comunicou que a anomalia divulgada a 19 de outubro resultou na perda total do satélite Intelsat 33e, que só tinha oito anos em órbita geostacionária.

 

Tal coincidiu com o primeiro dia da paralisação geral convocada pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane em Moçambique, em protesto contra resultados eleitorais que considera fraudulentos e agravado pelo assassinato de seu advogado e do mandatário do PODEMOS.

 

O IS-33e era um satélite de comunicações geoestacionário. Estes satélites são amplamente utilizados para serviços de telefonia, internet e comunicação móvel e para a transmissão de sinais de televisão e rádio.

 

Voz de comando político

 

Uma investigação básica permitiu-nos fazer a crítica desta razão técnica e apurar que se trata de uma teoria furada. Os serviços de internet móvel no país são sustentados por cabos submarinos de fibra óptica do grupo Seacom, da  East African Submarine Cable System (Eassy) e da 2Africa. O único serviço público de internet via satélite no país é da Starlink de Elon Musk, e está a funcionar com alta fiabilidade.

 

A terceira explicação para o desligamento da internet móvel é política. Foi, precisamente, uma ordem política de alto nível que provocou o apagão à internet móvel. Seguiu-se escrupulosamente, dizem as nossas fontes, o protocolo de comando vertical estabelecido para estes casos: o Serviço de Inteligência e Segurança do Estado (SISE) enviou um Memo com instruções claras ao Instituto Nacional das Comunicações de Moçambique (INCM) - Autoridade Reguladora dos Sectores Postal e de Telecomunicações, de mandar desligar; e o INCM instrui às operadoras, que de imediato cortaram o serviço.

 

Uma fonte em uma das operadoras confirmou que, taxativamente, as companhias de telefonia celular desligaram a netmóvel, cumprindo uma voz de comando. O que confirma a tese de mão política.

 

A mesma fonte adiantou que o serviço seria restabelecido a qualquer momento. Sem qualquer aviso prévio. Quando as autoridades estiverem seguras de que os focos de confrontação urbana nas principais urbes do país se extinguiram. E foi o que ocorreu, nas primeiras horas do amanhecer de hoje.

 

Bloqueio de internet como estratégia política

 

Nos últimos dias, o candidato presidencial Venâncio Mondlane tem feito mobilizações à paralisação geral via transmissões ao vivo na internet, ignorando e superando as audiências de canais de televisão ao atingir a centena de milhares de visualizações, com réplicas nas redes sociais e em canais do YouTube.

 

Cidadãos comuns e repórteres têm divulgado ao vivo as manifestações e confrontos entre protestantes e a UIR e a polícia de protecção, com bloqueio de estradas de acesso a e dentro das principais cidades. Esses vídeos circulam por plataformas como o WhatsApp, alarmando o mundo e inflamando novas franjas de protestos pelo país.

 

O bloqueio de internet como estratégia política pretende conter esta onda. O conceito de bloqueio da internet (internet shutdown, em inglês) foi desenvolvido em 2016 por um conjunto de pessoas interessadas, entre formuladores de políticas públicas, activistas, sociedade civil, técnicos. Fizeram-no durante a RightsCon, uma conferência pelos direitos humanos na internet realizada em Bruxelas (Bélgica).

 

O fenómeno é caracterizado pela interrupção voluntária da internet e meios de comunicação eletrónicos para uma população específica ou um território, tornando-os inacessíveis ou inoperantes. Pode ser marcado, também, pela suspensão de redes sociais e, geralmente, tem a intenção de controlar o fluxo de informações, ao limitar a capacidade das pessoas de se organizarem e se expressarem, seja ''online'' ou ''offline''.

 

Em geral, as narrativas oficiais justificam-no com a prevenção da partilha de ''fake news'', desinformação e discursos de ódio, segurança nacional. Todavia, esses argumentos mascaram as verdadeiras motivações que, na maioria das vezes, têm cunho político e repressor, em situações de instabilidade política e desordem pública. (Carta da Semana)

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