Trabalhava como jornalista quando fui apontado para cobrir a inauguração de uma fontanária numa província do sul do país. O gabinete do senhor Governador deu-nos ajuda de custo, mas tudo evaporou nas mãos do meu editor; dia seguinte o homem apareceu bêbado no jornal e disparou em todos lados: “vocês sabiam que o primeiro homem a ir à lua não bebeu remédio de lua”?.
Seguimos para a inauguração da fontanária. A fontanária tinha sido coberta com capulanas do Partido, rodeada por senhoras descalças de seios pingando de vazio e dois, três líderes comunitários com os ossos enterrados em pesados mantos de poder. Estava ali uma senhora da AMETRAMO que afiava uma lâmina para degolar pescoços de galinhas e verificava atenta a validade da farinha de milho que seria servido aos verdadeiros donos do bairro, os mortos.
Quando o senhor Governador chegou, as senhoras descalças de papaias caídas no lugar dos seios começaram a cantar hosanas e mais hosanas. E o senhor Governador, com sua esposa que deixava pegadas devido ao seu salto de madeira, saudou a população e descansou as nádegas numa cadeira que já tinha sido benzida pelo seu secretário. Não me esqueço de um jornalista que, de quando em quando, corria ao sol para buscar as pilhas do gravador que recarregava com os raios, não me esqueço de uma criança que ali vi, meu Deus, que tinha os lábios cercados por uma fortaleza de moscas que sorvia as bolhas de saliva que surgiam pelos cantos da boca.
O senhor Governador leu um enorme discurso, a senhora da AMETRAMO decapitou as galinhas que se puseram a rodopiar drogadas de morte, os líderes comunitários, de joelhos, falavam para um tronco e até hoje não sei o porquê de os mortos que tapamos no cemitério vivem, depois, debaixo das árvores. As senhoras descalças do bairro tropeçavam nos buracos que os saltos da esposa do senhor Governador deixavam no chão.
E chegou a hora da inauguração da fontanária, o senhor Governador inclinou-se para arrancar as capulanas do Partido, mas a sua blusa curta elevou-se e as suas nádegas enormes, que puxavam as calças para baixo, projectaram-nos a sua cueca. As senhoras do bairro cantavam com alegria ao verem a fontanária que surgia aos poucos do embrulho das capulanas e eu, ali atento, assistia à cueca suja do senhor Governador. A cueca era suja e tinha o elástico gasto que mesmo assim não se largava da cintura oleosa do senhor Governador.
Vi a cueca e pensei nos tantos elásticos gastos que rodeavam o senhor Governador. Pensei nos elásticos de dinheiro que tinha gasto com milhares de pessoas para inaugurar uma torneira de uma simples fontanária, pensei nas milhares de cuecas que se nos mostram em todo país, porque afinal de contas vale a pena ter um Governador que não mede esforço para gastar tanto e mostrar o seu elástico gasto.
A população agradeceu pela fontanária e não se esqueceu de dizer ao senhor Governador que, tal como ele, já andava com o elástico da paciência gasto; o Governador aplaudiu e todos esticaram os elásticos das vozes nas cinturas das gargantas. O mesmo Governador depois de alguns dias foi seguido os passos por um tribunal porque tinha gasto às escondidas os elásticos dos cofres do seu gabinete. Ao tribunal puxou a blusa, apertou o cinto e negou que tinha gasto o elástico do dinheiro público.
E parece-me que nós um pequeno país de elásticos gastos; quem não acredita que vá levantar as camisas dos governadores para ver os elásticos gastos que têm nas cinturas. É tanto malabarismo que fazem com a cintura para permanecer no poder e talvez seja por isso que têm os elásticos gastos e sujos. Quanto sofrem os Governadores, obrigados a governar províncias e nem um minuto resta-lhes para governar as suas cuecas, nem um minuto têm para verificar se a sua governação tem ainda elástico suficiente para se segurar à cintura da política.
Depois de abrir a torneira de bronze da fontanária o senhor Governador fechou a cerimónia dizendo: “nós sempre nos esticaremos e incluiremos a todos na nossa elástica cintura do desenvolvimento”.