Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

BCI
quinta-feira, 14 novembro 2024 08:46

Nobel da Economia 2024: Que lições Moçambique pode tirar sobre a ‘Importância das Instituições Políticas e Económicas Inclusivas para a Prosperidade das Nações’?

Escrito por

SalimVala1411242424.jpg

Foi tornado público, a 14 de Outubro último, que os vencedores do Prémio Nobel de Ciências Económicas de 2024 são Daron Acemoglu (turco), James Robinson e Simon Johnson (britânicos), por terem estudado como as instituições são formadas e afectam a prosperidade das nações, explicando o motivo por que alguns países são ricos e outros pobres, colocando ênfase nas diferenças persistentes nas instituições sociais. Precisamente um mês depois do anúncio, é publicado este artigo que tem em vista, também, ser um mecanismo de promover a literacia económica.

 

A obra inovadora desses três economistas esteve orientada para compreender a relação entre a organização socioeconómica e a prosperidade, relevando como a criação de instituições influencia a criação de riqueza. Propus-me a reflectir sobre este assunto para mostrar a pertinência e acuidade do prémio e apontar as razões da escolha dos laureados para 2024, fazendo uma breve retrospectiva dos desenvolvimento nos últimos 26 anos nesta área de estudo, sem procurar, contudo, esgotar a temática.

 

Este artigo apresenta, sinteticamente, o contributo assinalável e peculiar de Amartya Sen, interpela as prováveis inter-relações entre a pobreza e desigualdades sociais com a prosperidade das nações, faz a resenha do pensamento académico dos economistas laureados em 2024 e termina indagando se Moçambique pode aprender algo com a obra desses reputados especialistas, que não têm dúvidas em afirmar que os países fracassam economicamente devido às instituições extractivas, que mantêm os países subdesenvolvidos na pobreza e impedindo-os de enveredar pela via do crescimento económico inclusivo e sustentável.

 

Essa realidade acontece em África, América Latina, Ásia e Médio Oriente, em países muito diferentes entre si, mas tendo como denominador comum possuírem instituições extractivas, que têm na sua base elites que concebem instituições económicas para se enriquecerem e perpetuarem o seu poder à custa da grande maioria dos cidadãos. Esta temática permite tirar ilações sobre a problemática desenvolvimentista moçambicana, que não tem logrado alcançar resultados mais notórios e consistentes nas estratégias de desenvolvimento económico e de combate à pobreza e às desigualdades sociais.

 

O Prémio Nobel e a sua relevância

 

O Prémio Nobel é um leque de seis prémios internacionais de são conferidos anualmente, por instituições suecas e norueguesas, como forma de reconhecer pessoas ou instituições que realizaram pesquisas, descobertas ou contribuições notáveis e de destaque para a humanidade.

 

Os Prémios surgem em homenagem  a Alfred Bernhard Nobel (químico, engenheiro, cientista, inventor, empresário e filantropo sueco), tendo sido estabelecido em 1895, e foram concedidos a partir de 1901, nas áreas de Química, Literatura, Paz, Física e Medicina. Em 1968, o Banco Central da Suécia estabeleceu o Prémio de Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel, também conhecido como Prémio Nobel de Economia. Nobel é mais conhecido por ter deixado sua fortuna para estabelecer o prémio e por ter sido o inventor da dinamite, embora tenha várias outras contribuições importantes para a ciência, tendo registado 355 patentes.

 

Várias instituições concedem o Prémio, com destaque para a Academia Real das Ciências da Suécia (Física, Química  e Ciências Económicas), Assembleia do Nobel do Instituto Kalolinska (Medicina), Academia Sueca (Literatura) e o Comité Norueguês do Nobel (Paz). Exceptuando o Prémio Nobel da Paz, cuja cerimónia de entrega é realizada em Oslo (na Noruega), todos os restantes são entregues em Estocolmo (na Suécia). Uma particularidade do Prémio Nobel da Paz é que pode ser atribuído à instituições, enquanto os restantes são atribuídos a indivíduos / cientista / pesquisadores / autores.

 

A relevância do prémio em cada área decorre não apenas da ampla reputação que a marca Nobel e do prestígio das instituições envolvidas, mas a um complexo, exigente e faseado processo de selecção, conduzido por peritos e especialistas nas distintas áreas, e tendo em conta um amplo processo de consultas e auscultação. Os vencedores dos prémios recebem medalhas, diplomas e um valor monetário, e os premiados passam a deter um prestígio e reputação global em cada área, tornando-se praticamente autoridades reconhecidas mundialmente em cada um desses seis domínios.

 

“O Economista Errado Venceu!”

 

Quando em 1998, foi anunciado publicamente que o vencedor do Prémio Nobel de Ciências Económicas foi atribuído ao pesquisador, professor, economista, filósofo e escritor indiano Amartya Kumar Sen, não faltaram opiniões a defender que “o economista errado venceu”, porque o laureado passou o seu percurso profissional e a sua pesquisa a tratar de temáticas como pobreza, fome, liberdade  e aspectos filosóficos relacionados com a justiça social. Naquela altura, foi encarado com algumas reticências que um economista-filósofo, portanto “alguém fora do espartilho convencional da economia havia vencido”. De lá para cá, muita coisa mudou na forma como se encaram os fenómenos económicos, em decorrência de novas e arrojadas perspectivas, da exigência crescente de uma visão multidimensional, aspectos que vieram enriquecer e ampliar a visão da ciência económica e a abrir novas fronteiras de conhecimento, análise e reflexão.

 

Mas afinal qual foi a trajectória e o valor da obra de Amartya Sen? Ele foi professor de importantes universidades nos EUA e Reino Unido (Oxford, Harvard, Cambridge, Berkeley, Stanford, Cornell e MIT), foi o primeiro Presidente da Associação Económica Americana que não nasceu nos EUA e foi um dos criadores do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), desenvolvido sob os auspícios do PNUD, junto com o paquistanês Mahbub ul Haq.

 

Ele é mundialmente famoso pela sua extensa obra académica, em particular os livros “Desenvolvimento Como Liberdade”, “Pobreza e Fome”, “Escolha Colectiva e Estado Social” e “A Ideia de Justiça”. O Prof. A. Sen teve contribuições basilares para a teoria da escolha social e para a economia do bem-estar, e os seus trabalhos para o combate à pobreza foram, de tal forma inovadores, que é o primeiro a compreender a pobreza como privação das capacidades e não apenas como falta de renda.

 

Na óptica de Sen, a teoria tradicional do desenvolvimento considera como temas chave que influenciam o crescimento económico a industrialização, a acumulação de capital, a mobilização da mão-de-obra, o planeamento e o papel activo do Estado. Esses factores são obviamente importantes para o desenvolvimento económico, mas essa teoria apresenta certas limitações, dentre elas o facto de não perceber que o crescimento económico é apenas um meio para atingir outros objectivos e que a importância está nos benefícios gerados nesse processo de crescimento económico.

 

O trabalho académico de Amartya Sen lançou uma nova luz sobre muitos problemas sociais, como a pobreza, a fome, o subdesenvolvimento, as desigualdades e o liberalismo político, defendendo o conceito de desenvolvimento além do PIB, trazendo para o debate económico a componente social, e propondo que as sociedades devem orientar suas atitudes políticas e económicas por meio de uma moral e ética que respeite todos os indivíduos.

 

A abordagem de Sen está calibrada para entender a realidade económica em países subdesenvolvidos, e ele evidencia a necessidade de buscar um equilíbrio entre Estado, mercado, instituições políticas e sociais, defendendo o “caminho do meio”, entre o livre mercado e a intervenção estatal, e enfatiza que é preciso lidar com a eficiência por meio da liberdade do mecanismo de mercado e a gravidade dos problemas de desigualdade, e com os problemas de equidade, graves privações e pobreza.  Para muitos países pobres, defende Sen, a política fiscal implementada pelo Estado deve estar voltada para o combate à desigualdade, entendendo o desenvolvimento não apenas como o acúmulo de renda e riqueza, mas como um processo de ampliação das liberdades e capacidades das pessoas.

 

Na verdade, “não foi o economista errado que venceu”! Amartya Sen foi o economista que deu um contributo vital para abrir várias das portas para a análise e compreensão da pobreza em países pobres, discutiu e  ainda apresentou possíveis caminhos para que os pobres pudessem fugir da armadilha da pobreza com dignidade e com base no seu trabalho.

 

Há relação entre pobreza, desigualdades sociais e a prosperidade das nações?

 

Depois do reconhecimento internacional do Prof. Amartya Sen, em virtude de ter sido laureado com o Prémio Nobel de Economia, as temáticas da pobreza e desigualdades sociais passaram a fazer parte natural da agenda económica, tendo esse facto permitido que economistas como o escocês Angus Deaton fosse vencedor do prémio em 2015, pelo seu estudo sobre o consumo, a pobreza e o bem estar, e Abhijit Banerjee, Esther Duflo e Michael Kremer, fossem vencedores do prémio em 2019, pelos seus estudos sobre a redução da pobreza no mundo. 

 

Importa fazer um breve desvio do Prémio Nobel de Economia, e abordar a contribuição determinante do Professor Bengali, Muhammad Yunus, e do Grameen Bank, laureados com o Prémio Nobel da Paz, cuja cerimónia realizou-se a 10 de Novembro de 2006, em Oslo, pelos seus esforços em prol do desenvolvimento económico e social do Bangladesh, a partir das bases, mediante a criação de programas económicos inovadores como o microcrédito, que ajudaram a tirar milhões de pessoas da pobreza.

 

Em seus dois livros, “O Banqueiro dos Pobres” (2006) e “Criar um Mundo sem Pobreza: A empresa social e o futuro do capitalismo” (2008), Muhammad Yunus, um economista que com uma temática económica inovativa, como é o microcrédito, venceu o Prémio Nobel da Paz, e que podemos a seguir sintetizar a sua visão: (i) os pobres estão presos em uma armadilha da pobreza porque lhes falta acesso ao crédito; (ii) a pobreza não é um estado natural nem uma fatalidade; (iii) o crédito é um direito humano, já que se tornou indispensável para atender às necessidades humanas; (iv) os pobres são dignos de crédito, contrariamente à crença popular que os considera como sendo “de alto risco” e, portanto, não são bancáveis; (v) considerando que todo o mundo é um empreendedor potencial, o microcrédito surge como um mecanismo de as pessoas ajudarem a si mesmas; (vi) proporcionar aos pobres economicamente activos acesso ao crédito e à tecnologia de informação poderá contribuir para eles estarem dotados de ferramentas para eliminarem a sua pobreza com dignidade, e; (vii) a paz duradoira não pode ser atingida a menos que grandes grupos da população encontrem formas de sair da pobreza.

 

A atribuição do prémio Nobel da Paz ao Prof. M. Yunus e ao Grameen Bank foi para transmitir um sinal forte de que o acesso ao crédito pela a população de baixa renda, em particular as mulheres, está directamente vinculado à possibilidade de combater a pobreza, e que existindo muita população mundial a viver abaixo da linha de pobreza, e paz e a estabilidade estará sempre em perigo e ameaçada.     

 

Outra contribuição de relevo tiveram os Professores Banerjee e Duflo para a compreensão da multidimensionalidade da pobreza, e que os nossos preconceitos e “os óculos que usamos para enxergar e analisar a pobreza” ofuscam a nossa visão e assim tornam mais complexa a acção de conceber e implementar estratégias compreensivas para o seu combate. 

 

Abhijit Banerjee & Esther Duflo escreveram dois livros interessantes, nomeadamente “Good Economics for Hard Times” (2019) e “Poor Economics: A radical rethinking of the way of fight global poverty” (2020), que questionam uma visão da economia que normalizou problemas de vulto, como pobreza, desigualdades e desemprego. Eles consideram que um certo tipo de economia apoiou os enormes benefícios concedidos aos ricos e a redução dos programas de ajuda social, vendeu a ideia de que o Estado é impotente e corrupto, de que os pobres são preguiçosos, e preparou o caminho para o impasse actual de explosão da desigualdade, defendendo que o comércio é bom para todos, que o crescimento económico rápido pode estar em todo o lado, e que é apenas necessário trabalhar e tentar com afinco e suportar todos os esforços necessários.

 

Os autores referidos anteriormente criticam essa abordagem da economia que não tomou em conta que a globalização não beneficia a todos, não se apercebeu da explosão da desigualdade em todo o mundo, fez vista grossa ao facto do sistema capitalista estar a gerar crises económicas que empurram as populações para a pobreza, propicia a fragmentação social e o questionamento do próprio Estado. Essa visão da economia não tratou devidamente dos efeitos dos eventos climáticos extremos, dos desafios da transição energética, da problemática demográfica e epidemiológica, bem como da efectiva gestão das tensões geoestratégicas.

 

Banerjee & Duflo (2020) sublinham que grande parte das políticas de combate à pobreza falhou ao longo do tempo devido a uma incapacidade para compreender a própria pobreza. Com muita frequência, a economia dos pobres é confundida com uma pobre economia. Os pobres não são menos racionais do que os outros, bem pelo contrário. Precisamente por terem tão pouco, verificamos muitas vezes que são muito mais cuidadosos com as suas escolhas, tendo que ser economistas sofisticados para sobreviverem. Isso implica a possibilidade de aproveitar ao máximo os seus talentos e que para assegurar o futuro da sua família é exigido muito mais habilidade, força de vontade e empenho dos pobres.

 

Os dois laureados com o Prémio Nobel da Economia 2019 reconhecem que não há soluções miraculosas para acabar com a pobreza em muitos países, mas há cinco lições a levar em consideração, nomeadamente: (a) os pobres tem frequentemente falta de informações críticas e acreditam em coisas que não são verdadeiras; (b) os pobres são responsabilizados por demasiados aspectos das suas vidas; (c) Há boas razões para alguns mercados estarem a falhar aos pobres, ou para os pobres neles enfrentarem preços desfavoráveis; (d) os países pobres não estão condenados ao fracasso por serem pobres, ou por terem tido uma história infeliz, e; (e) as expectativas acerca daquilo que as pessoas são capazes ou não de fazer acabam, com demasiada frequência, por se tornarem em profecias que se cumprem a si mesmo.

 

Autores como como Jeffrey Sachs, com a sua obra “The End of Poverty” (2005), Paul Collier, no seu livro “Os Milhões da Pobreza”, Ha-Joon Chang, com o livro “Kicking Away the Ladder” (2002), Ruchir Sharma, que escreveu “Os Milagres Económicos do Futuro” (2013), entre outros economistas de renome internacional, tem dedicado atenção especial a estudar a pobreza, como combatê-la, de que forma se pode promover o crescimento económico inclusivo e, portanto, pró-pobres, e como gerar riqueza e prosperidade.

 

Vou terminar esta secção com a síntese do pensamento do economista francês Thomas Piketty, na sua obra “O Capital do Século XXI” (2013), em que o autor analisou a dinâmica da repartição dos rendimentos e da riqueza nos países desenvolvidos desde o século XVIII, e constatou que a repartição das riquezas constitui um problema político de tal magnitude que até está a por em causa a estabilidade das sociedades democráticas contemporâneas. Os resultados da pesquisa de Piketty puseram em causa a “Curva de Kuznets”, estabelecida na década de 1950, que apontava que o desenvolvimento económico era mecanicamente acompanhado pelo declínio das desigualdades de rendimento, advogando que o sistema capitalista e a abordagem do mercado livre, além de gerar periodicamente crises, se não for devidamente regulado, gera desigualdades sociais e espaciais crescentes, que afectam os pilares fundamentais para a estabilidade das Nações.

 

O que os autores referidos enfatizam é que desenvolvimento deve resultar da convergência de variáveis económicas e sociais, sem perder de vista as dimensões políticas, ambientais, territoriais e institucionais. Onde há crescimento económico rápido e robusto, mas esse crescimento convive amigavelmente com a pobreza, fome, desigualdades sociais e desemprego, as condições para a crise e instabilidade estarão sempre a espreita, e a paz pode sempre ser fragilizada e atacada.

 

O que advogam os laureados com o Prémio Nobel de Ciências Económicas 2024?

 

Daron Acemoglu & James Robinson, autores de “Porque Falham as Nações: As origens do poder, da prosperidade e da riqueza” (2013) mostram que embora as instituições económicas sejam cruciais para determinar a pobreza ou a prosperidade de um país, são a política e as instituições políticas a determinar as instituições económicas que um país tem, ou seja, as instituições políticas e económicas interagem para gerar pobreza ou prosperidade e como as diferentes partes do mundo acabaram por ter conjuntos tão diferentes de instituições como, por exemplo, os EUA e o México, o Botswana e a Serra Leoa ou a Coreia do Sul e a Coreia do Norte.

 

Nos países ricos, as pessoas são mais saudáveis, vivem mais anos e possuem um grau de instrução muito mais elevado, têm acesso à melhores serviços públicos, e diversas opções de vida como habitação, alimentação, transporte, cultura e recreação. A Revolução Industrial que emergiu em meados do século XVIII, na Inglaterra, e depois se disseminou pela Europa Ocidental, EUA, Canadá, tendo-se expandido pela Austrália, Japão, Nova Zelândia, Singapura, Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong, entre outros países mais tarde, fez com que os cidadãos desses países usufruíssem de uma vida muito diferente e melhor que a de outros habitantes do resto do planeta, porque as instituições, tanto políticas como económicas, estabeleceram os incentivos às empresas, aos indivíduos e aos políticos.

 

Os autores defendem que “países como a Grã-Bretanha e os EUA tornaram-se ricos porque os seus cidadãos derrubaram as elites que controlavam o poder e criaram uma sociedade em que os direitos políticos eram mais amplamente distribuídos, em que o governo era responsabilizado e tinha de responder perante os cidadãos, e onde a maioria das pessoas podia aproveitar as oportunidades económicas” (Acemoglu & Robinson, 2013:14).

 

As instituições económicas estabelecem os incentivos para as pessoas se instruírem, pouparem, e investirem, para inovarem e adoptarem novas tecnologias, e é o processo político que determina o tipo de instituições políticas que determinam como esse processo funciona, incluindo para assegurar a estabilidade e a continuidade. O talento individual é importante, a todos os níveis da sociedade, mas necessita de um quadro institucional que o transforme numa força positiva, ou seja, são as instituições económicas que permitem criar facilmente empresas, sem ter-se de vencer barreiras insuperáveis, e também viabilizar o financiamento dos seus projectos.

 

Na obra, os dois economistas que foram muito influenciados por Adam Smith e Douglass North, questionam os argumentos que apontam que o destino económico de uma nação depende da geografia, clima, história, cultura ou religião. Recorrendo a conhecimentos de economia, história e ciência política, Acemoglu & Robinson mostram que são as instituições económicas e políticas inclusivas que geram riqueza, prosperidade e estabilidade, enquanto que as instituições económicas e políticas extractivas ficam presas na armadilha da pobreza, miséria, instabilidade e subdesenvolvimento.

 

Outra obra de Acemoglu & Robinson, cujo título é “O Equilíbrio do Poder: Estados, sociedades e o futuro da liberdade” (2020), enfatiza que para a liberdade surgir e se desenvolver, tanto o Estado como a sociedade têm de ser fortes. É preciso um Estado forte para conter a violência, impor as leis e fornecer os serviços públicos fundamentais para que as pessoas possam fazer as suas escolhas, sendo também preciso uma sociedade forte e mobilizada para conter e acorrentar o Estado forte, supervisionando o Estado para que este promova a liberdade das pessoas, em vez de a esmagar. A liberdade, advogam os autores, precisa de uma sociedade mobilizada que participe na política, proteste quando é necessário e, quando pode, expulse pelo voto os governos no poder.

 

Apertado entre o medo e a repressão forjados pelos Estados despóticos e a violência e a anarquia que surgem na sua ausência, existe um estreito corredor para a liberdade, e é nesse corredor que o Estado e a sociedade se equilibram entre si. Há uma constante e quotidiana luta entre esses dois actores, e essa tensão permanente trás benefícios, pois o Estado e a sociedade não só competem, mas também cooperam. O que torna isso um corredor, e não uma porta, é que alcançar a liberdade é um processo, porque o Estado e as suas elites têm de aprender a viver com as grilhetas que a sociedade lhe impõe e os diferentes segmentos da sociedade têm de aprender a trabalhar em conjunto, apesar das suas diferenças. A liberdade depende quase sempre da mobilização da sociedade e da sua capacidade para alcançar um equilíbrio de poder com o Estado e as suas elites.

 

Num livro recente de Daron Acemoglu & Simon Johnson, intitulado “Poder e Progresso: A nossa luta milenar pela tecnologia e prosperidade” (2024), os especialistas referem que o progresso nunca é automático, e que o progresso actual voltou a servir para enriquecer um pequeno grupo de empreendedores e investidores, ao passo que a maioria das pessoas está a ser desapossada e pouco ganha. Hoje, grande parte da população mundial está melhor do que os seus pais e avós porque os cidadãos se organizaram, contestaram as escolhas das elites quanto à tecnologia e às condições laborais e impuseram formas mais equitativas de partilhar os lucros obtidos com os desenvolvimentos técnicos, podendo usar as inovações para solucionar problemas reais, para ajudar as pessoas, mas não é esse o rumo que hoje seguimos.

 

Uma visão nova e mais inclusiva da tecnologia só pode emergir se a base do poder social se alterar, confrontando as ideias convencionais e a opinião dominante, afastando o rumo da tecnologia do controlo de uma elite fechada. Ao longo da história, a evolução tecnológica tem sido considerada o principal motor da prosperidade. Porém, a tecnologia é moldada pelos interesses, desejos e convicções dos poderosos, gerando riqueza, respeito social, domínio cultural e uma influência política acrescida para os que já detém esse poder.

 

A tecnologia está a a influenciar tudo, todos e em todo o lugar do mundo, automatizando empregos, acentuando as desigualdades e criando ferramentas de vigilância e desinformação que, em última instância, ameaçam a liberdade e a democracia. Os autores demonstram que o rumo da tecnologia não é uma força da natureza que escape ao controlo humano, e que ela pode ser direcionada para promover o bem comum e não apenas a prosperidade para uma minoria. Actualmente, algumas das pessoas mais ricas do mundo estão ligadas à empresas de tecnologia, e ela está conectada com o acesso e manutenção do poder, à economia e ao sistema financeiro, ao controlo social, aos conflitos e guerras, à educação e saúde, e à todas as áreas da vida económica, social e política. A tecnologia é demasiado importante, segundo Acemoglu & Simon (2024), para ficar entregue aos multimilionários, exigindo uma participação abrangente no processo de tomada de decisões e que se pode e deve recuperar o controlo.

 

Os três vencedores do Prémio Nobel de Economia 2024 têm tido preocupações de pesquisa focadas no poder, prosperidade, riqueza, pobreza, sociedade, Estado, instituições, inclusão, democracia, autocracia, liberdade e tecnologia. Como esses elementos vão ser combinados e articulados para poderem influenciar positivamente o desenvolvimento económico das nações? De que forma se pode garantir que as políticas e as instituições estejam focadas em promover o bem-estar na maioria da população das nações? Hoje sabemos que a geração de riqueza e prosperidade dependem de políticas e instituições que favorecem o desenvolvimento económico, sem contudo perder de vista a necessidade de combater a pobreza, reduzir as desigualdades sociais e espaciais e promover empregos. Como engendrar círculos virtuosos de desenvolvimento? Esse enigma persiste e não acredito que existe os que tenham uma “varinha mágica” …    

 

Moçambique pode aprender algo?

 

O empreendedorismo é a alma do desenvolvimento económico, e o que faz com que nos países subdesenvolvidos como o nosso exista um número significativo de pobres não é a ausência de energia empreendedora a nível pessoal, mas a insuficiência e carência de tecnologias produtivas e organizações sociais evoluídas, especialmente a empresa moderna e as instituições de suporte ao desenvolvimento de negócios. Nos países ricos e industrializados, os empreendedores como Bill Gates, Mark Zuckenberg, Elon Musk, Warren Buffet, Jeff Bezos, Bernard Arnault, Larry Ellison, Steve Balmer, Larry Page, Steve Jobs, Paul Allen, Sergey Brin, entre outros, tornaram-se no que são porque operaram num ambiente económico nivelado, em que um conjunto de instituições colectivas favoreceram a sua emergência e desenvolvimento. Há um mérito pessoal em cada um deles, seja feita justiça, mas a envolvente político-institucional, económica e social favoreceu e fez desabrochar os seus talentos, diferentemente do que acontece nos países pobres.

 

Com instituições económicas e políticas apropriadas, que possam influenciar e moldar o comportamento e os incentivos na vida real dos indivíduos / empreendedores, o êxito e sucesso empresarial  é uma meta que pode estar ao alcance de muito mais cidadãos que enveredam pela aventura empreendedora. O talento individual é importante, a todos os níveis da sociedade, mas necessita de um quadro institucional que o transforme numa força positiva, como a seguir enumero alguns elementos fundamentais: (i) um sistema educativo que prepare engenheiros, gestores e trabalhadores qualificados, que fazem funcionar as empresas; (ii) a infraestrutura científica que lhes permita adquirir conhecimento e também experiência; (iii) as leis que regulam as actividades das empresas e outras leis comerciais que lhes possibilitem construir empresas lucrativas; (iv) o sistema financeiro que lhes permita mobilizar capital à um custo comportável; (v) as leis de patentes e direitos de autor que protejam as suas invenções, e; (vi) um mercado facilmente acessível para os bens e produtos poderem ser livremente transaccionados, com custos controlados.

 

O Estado terá de edificar instituições económicas que permitam criar facilmente empresas, sem terem de vencer barreiras insuperáveis como a corrupção e a ineficácia administrativa, que possa viabilizar o financiamento para os projectos de negócio dos empreendedores, de ter um mercado laboral que facilite a contratação de pessoal qualificado e motivado, e que os empreendedores acreditem que os seus projectos podem ser concretizados em decorrência do seu mérito, e não com base no compadrio, nepotismo, cleptocracia ou outros interesses de grupos ou assentes em afinidades políticas, étnicas, religiosas, raciais, sociais, regionais ou de outra natureza. A eficiência alocativa dos recursos, a sustentabilidade, a viabilidade económica e social, a meritocracia, a transparência, o impacto e a contribuição para o bem comum, devem ditar as escolhas.

 

A confiança nas instituições, o primado da lei, a segurança dos direitos de propriedade, e o facto de as instituições políticas assegurarem a estabilidade e a continuidade é vital para que “as regras do jogo não possam ser alteradas de forma arbitrária ou em benefício dos mais poderosos, influentes e dos donos da bola”. Tal como Ha-Joon Chang, na obra “23 Coisas que Nunca lhe Contam sobre a Economia” (2014), Acemoglu & Robinson (2013) também rejeita o “mito do empreendedor individual talentoso e heróico”, defendendo que é vital erguer instituições que permitam que os empreendedores possam florescer, afirmar-se e ser o motor da economia. Moçambique precisa de instituições económicas e empresas fortes que estejam apostadas em viabilizar projectos de negócios que tragam novos bens e serviços ao mercado, que criem empregos e possam gerar renda para as famílias.

 

Para que o crescimento económico tenha probabilidade de se transformar em desenvolvimento, é importante que além da renda, a população seja adequadamente educada, seja saudável e bem alimentada, e se os cidadãos se sentirem suficientemente seguros e confiantes para investir nos seus filhos e lhes permitir que deixem as suas casas para encontrar novos empregos na cidade. Se deixar-se que a miséria, frustração, crispação e ansiedade possam emergir e afirmar-se, e que a raiva, a violência e o desespero levem a melhor, o bem-estar e o desenvolvimento humano serão apenas utopias. Uma política económica e social que resulte, que impeça as pessoas de se revoltarem por sentirem que não tem nada a perder, poderá ser um passo crucial para preservar o encontro do país com as condições de arranque para o desenvolvimento sustentável.

 

A experiência transformativa do microcrédito, embandeirada por Muhammad Yunus e o Grameen Bank, quando popularizada, permite que pequenos empréstimos possam ser feitos com base em garantias solidárias, a beneficiários sem acesso ao crédito formal, particularmente para fomentar o empreendedorismo entre as mulheres e os jovens. Este mecanismo tem o potencial de inserir no circuito económico e produtivo uma parte significativa de indivíduos e famílias, que podem combater a pobreza com o seu próprio esforço, engenho humano e dignidade. Para países com elevados índices de pobreza, desigualdades sociais e desemprego, como Moçambique, a massificação do microcrédito, a capacitação profissional, o adequado enquadramento das micro e Pequenas e Médias Empresas (PME´s) e a disseminação de serviços de apoio ao desenvolvimento de negócios, podem ser medidas poderosas para reduzir a pobreza e despoletar o crescimento económico inclusivo nas zonas rurais e nas zonas urbanas. 

 

Amartya Sen, na sua obra “Desenvolvimento Como Liberdade” (1999) enfatiza que a liberdade deve ser encarada como o fim básico e como o meio mais eficaz para a sustentabilidade da vida económica e para o combate à pobreza e à insegurança, sustentando que o desenvolvimento económico é, por natureza, um processo de alargamento das liberdades substantivas que as pessoas usufruem. Quer A. Sen, quer D. Acemoglu, J. Robinson e S. Johnson, encaram o desenvolvimento como um processo de remoção dos vários tipos de restrições que deixam às pessoas poucas oportunidades para exercerem a sua acção racional em alguns domínios, a saber: (i) acesso à renda, ao emprego e aos mercados; (ii) os benefícios políticos relacionados com a democracia, transparência, participação, prestação de contas e o primado da lei; (iii) oportunidades sociais de educação, saúde, habitação e protecção social, e; (iv) usufruto de serviços essenciais e infraestruturas como energia, água, estradas, transportes e comunicações, cultura, desporto, recreação. Esses elementos não só se reforçam mutuamente quando estão em interacção, como também contribuem para a eliminação das principais fontes de vulnerabilidade. O suporte conceptual e teórico desses autores pode ser vital para Moçambique encarar que os pobres devem estar, necessariamente, na centralidade das estratégias de desenvolvimento para os próximos 25 anos.

 

A pobreza, fome, desigualdades sociais e o desemprego não são fenómenos naturais, não são uma desgraça de Deus, nem são fatalidades, pelo contrário, resultam de processos de desenvolvimento concretos e de limitações no que concerne à políticas, instituições, capital humano e capacidade de implementação. As mesmas políticas e instituições que permitiram que esses fenómenos surgissem e bloqueassem o desenvolvimento da nação, não serão elas mesmas a removerem esses problemas. Um outro tipo de políticas, instituições de economia e da sociedade devem ser concebidas e medidas implementadas, e elas devem estar calibradas para ampliar crescentemente das liberdades e as oportunidades que as pessoas usufruem, na perspectiva do desenvolvimento pleno do seu potencial humano. A prioridade cimeira de Moçambique é, inspirando-nos nos laureados com o Prémio Nobel de Ciências Económicas 2024, fortalecer as instituições políticas e económicas inclusivas. 

Sir Motors

Ler 3441 vezes