Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

BCI

Blog

quarta-feira, 08 setembro 2021 13:04

O Poder pode cair

Em meados da década 2000 um conhecido e saudoso académico moçambicano aconselhara a um grupo de jovens activistas, que se empenhavam em campanhas públicas de influência da governação, para “não fragilizar ainda mais, mas fortalecer as instituições”. Para o académico, não estava em causa a razão que impelia os jovens activistas a endurecer as campanhas, mas o receio quanto ao resultado, atendendo que as instituições em Moçambique ainda eram/são frágeis e daí o receio de que elas pudessem cair em total descrédito diante da exposição em que se veriam confrontadas.

 

Para elucidar o seu conselho, o académico ainda advertira de que “não se augura que o país caia em situação semelhante a da Somália” e de que o objectivo, e assim lançava uma contraposta, deveria ser sempre no sentido do fortalecimento das instituições e que cabia aos jovens o papel motor para as mudanças requeridas.

 

Este sentido de Estado, fazendo jus ao dito pelo académico, até lembrava Marcelo Caetano, político e académico da área do direito, que na negociação dos termos da sua rendição como chefe do governo português, deposto pelo golpe de 25 de Abril de 1974, também advertira de que “O Poder não pode cair na rua”.

 

Veio-me à mente estes episódios na conversa habitual de café sobre o julgamento das chamadas “dívidas ocultas”, ora em curso, cujos factos em exame decorrem de processos de governação. Deste julgamento e por conta de ânimos que são notórios nos autos e nas audições e ainda em querelas de outras esferas em praça pública, que por porventura decorram da corrida para o preenchimento da candidatura partidária na rota da conquista do Poder, a conclusão de que, independentemente do desfecho do julgamento, as crispações no seio da Frelimo não cessarão e no final do dia, seguramente, que o partido ficará cada vez mais fragilizado.

 

O citado académico moçambicano, chamado a opinar do além, de certeza que aconselharia que não se fragilizasse ainda mais (caos), mas sim que o partido fosse fortalecido. E quem assumiria essa tarefa? Marcelo Caetano, diante da fragilização/queda do seu regime, fez questão de entregar o Poder a um General (mais velho) e não aos jovens capitães de Abril, os reais autores da mudança. Talvez estes não o merecessem.

 

Uma saída semelhante - o Poder continuar na mão dos mais velhos – seria uma opção actual do partidão? Não sei, mas de toda a maneira fica a lição de que a fragilização ou a crise em qualquer instituição é uma oportunidade de mudança e uma energética ocasião para a juventude assumir e com responsabilidade o devido protagonismo como uma alternativa viável e segura.

 

O certo, para fechar, é que como as coisas andam e embora o Poder, detido pelo partido em pauta desde a independência em 1975, não seja provável que caia na rua, a possibilidade que caia na urna é bem real. Perante este cenário, um devoto partidário respondeu: “Nem plano B temos!”. Na verdade, é o plano C de que fala, porque o B sempre foi o de implementar (e com sucesso) o plano A.

quarta-feira, 08 setembro 2021 06:11

IMEDIATISMO

Imediatismo - o que tem tendência a agir em função do que oferece vantagem imediata, sem considerar as consequências futuras.

 

A Mãe Natureza reflecte a base do conhecimento a que os seres humanos se podem inspirar no seu desenvolvimento cognitivo.

 

Nada nasce por acaso (biodiversidade), a existência de uma espécie tem influência num todo.

 

Ensina-nos, a Mãe Natureza, que, mesmo quando a inserção é adequada, todos os seres passam por dificuldades durante a aprendizagem e antes da maturidade.

 

“Aprendizagem é toda a mudança de comportamento, em resposta a experiências anteriores, envolvendo o sujeito como um todo, considerados todos os seus aspectos; os psicológicos, biológicos e sociais. Se algum desses aspectos estiverem em desequilíbrio haverá dificuldade de aprendizagem” (Piaget 1973).

 

Para que o estimado leitor tenha uma ideia do imediatismo que praticamos quotidianamente, cito alguns exemplos da chamada Escola de Inteligência:

 

- Sentimo-nos na obrigação de saber ou, pelo menos, ter conhecimento de tudo;

 

- Desenvolvemos relações sociais superficiais;

 

- Tomamos decisões sem planejar e priorizar;

 

- Quando os resultados imediatos se tornam superiores aos valores e princípios. Fim de citação.

 

Assinalo ainda o uso exagerado nas redes sociais, do Imediatismo, ao se pretender resultados e satisfação instantânea, em questões que levam tempo a dar frutos, como: educação, profissão, saúde, bem-estar e amizade.

 

Este longo introito deve-se ao facto de cada vez mais nós querermos obter resultados positivos, sem que antes, tenhamos feito um trabalho aturado de estudar, planificar, projectar, construir, fiscalizar, corrigir, adequar e manter de acordo com o contexto.

 

Porque muitos de nós, cidadãos de países em vias de desenvolvimento, vivemos com a ilusão de que estamos no mesmo ciclo de evolução que outros cidadãos de países tecnologicamente desenvolvidos. Só porque partilhamos canais de televisão, porque estamos em directo nas redes sociais, temos em comum acesso aos motores de busca, consumimos os mesmos hábitos, mesmo que sejam em segunda mão, a exemplo de roupas “de calamidades ou veículos usados” ou porque outros têm de roubar, para comprar esses bens originais.

 

A mesma ilusão parece estar a acontecer entre os académicos que, tendo adquirido conhecimento teórico e diplomas, em escolas superiores nacionais e estrangeiras, querem aplicar esse conhecimento, sem tomar em conta os ensinamentos da Mãe Natureza, ou seja, sem a adequação ou contextualização de acordo com o meio ambiente.

 

Os políticos-governantes não podiam estar mais em contra-mão, já que, da sua parte adoptam modelos e ideologias de governação desajustados à realidade dos cidadãos, das infra-estruturas e das instituições. Para exemplo posso citar o INE segundo o qual “só 5% dos casamentos nacionais são formalizados em Conservatória”.

 

Cá entre nós, fala-se muito de Direitos e Obrigações. Porém, quando verificamos os beneficiários desses Direitos, como: a Educação, Saúde, Segurança, Liberdade de Expressão, do Direito à Informação, da Igualdade do Género, Justiça, do Direito de Eleger e de ser eleito, entre outros estabelecidos pela Constituição, constatamos que tais direitos servem,a menos de 5% da população nacional.

 

Chegamos ao ridículo de querer normalizar ou legislar particularidades da vida social, em especial dos cidadãos rurais, criminalizando hábitos e tradições.

 

Em contra senso, fazemos campanhas para legalizar anormalidades, hábitos e tradições de outros povos como sejam: o homossexualismo e o desnudamento da mulher, como símbolos da liberdade. Porquê?

 

Provavelmente porque estamos ansiosos para sermos reconhecidos como evoluídos, civilizados, desenvolvidos, modernos, etc., etc., por vezes, muito por culpa de um complexo de inferioridade e dependência.

 

Segundo Piaget, “Aprendizagem é o processo pelo qual as competências, habilidades, conhecimentos, comportamentos, ou valores são adquiridos ou modificados, como resultado de estudo, experiência, formação, raciocínio e observação”. Fim de citação.

 

O imediatismo de que temos vindo a falar tem a ver com políticas influenciadas, por supostos parceiros, paradoxalmente não aplicáveis nos seus países:

 

- Aplicar um modelo educacional inadequado - para atingir os objectivos do milénio entre outros;

 

-Promover a exportação de matéria-prima e importar produtos manufacturados provenientes dessa mesma matéria-prima;

 

- Erradicar e criminalizar cultura, hábitos e tradições porque “outros países” não praticam e desconhecem a antropologia em questão;

 

- Aceitar, de olhos fechados, recomendações e conselhos de “especialistas” que não conhecem a realidade dos factos;

 

- Admitir que 50% da sua população é “marginal ou informal” porque não se encontra registada no sector formal. Porém, casos similares nesses mesmos países “evoluídos” tratam esses marginais ou informais de “incubadoras” como um exemplo a seguir. Como exemplo nos USA, menores com 14 anos podem trabalhar um mínimo de horas (FLSA) de acordo com lei de trabalho justo.

 

Sinais de uma sociedade imediatista está também entre outros, na ansiedade de sermos mais do que somos, de rapidamente ascender a um patamar sócio-económico superior, infringindo as regras, violando a lei, desviando bens públicos e privados, roubando, pensando apenas, num resultado imediato, ignorando as consequências para si, para sua família e para a sociedade no geral, mais grave quando praticado por políticos e governantes ou afins.

 

Nunca o mundo teve índices tão elevados de doentes com depressão, (os medicamentos antidepressivos estão entre os mais vendidos no mundo) causados por falsas expectativas, ou pela ilusão de que todos os conteúdos nas redes sociais são verdadeiros, e que estamos ligados ao mundo, quando, cada vez mais isola-nos desse mundo real em que muito queremos estar.

 

Vamos respeitar as regras, os processos, os retrocessos como parte do crescimento. Vamos aceitar sem complexos, de onde viemos, como somos e tomemos as virtudes e defeitos como partes integrantes do sucesso.

 

Nenhuma cultura é superior a outra. Nenhum povo está imune a dificuldades. Nenhum governo satisfaz, integralmente, os seus cidadãos. Nenhuma família é perfeita.  Nenhuma rosa de qualidade vem sem espinhos. Nenhum sábio sabe tudo.

 

Temos de conviver com realismo. O tempo das profecias milagreiras já passou há milhares de anos.

 

Paciência, sacrifício, tolerância, compromisso, são algumas das virtudes para uma coexistência pacífica consigo mesmo.

 

Devagar se vai longe!...

Correr não é chegar!....

 

A Luta Continua!

 Amade Camal

Um meu vizinho interpelou-me ontem, quarta-feira, o dia (útil) da regulamentada folga deste julgamento e fez-me, com sotaque brasileiro, o seguinte pedido: “Cara! Faça aí rapidinho um resuminho dos sete dias de julgamento.” E muito rapidamente, escolhi o objecto em pauta no julgamento e, a parte do objecto, o assunto da extradição do antigo ministro das finanças.

 

Até ao momento a ideia é a de um julgamento sobre a autoria da concepção do projecto de monitoria e protecção costeira na sua versão original, que é a empresa PROINDICUS cujo valor inicial final fora orçado em 372 milhões de dólares americanos e terminado em 622 milhões de dólares americanos. Do valor inicial, a acusação diz que mais de 50 milhões foram propositadamente empolados e que tais valores foram a posterior distribuídos por alguns dos réus, ora em julgamento, e que por terem participado no plano, bem como a forma de recebimento, movimentação e aplicação do dinheiro são acusados de vários crimes.

 

Decorrente da acusação e das audições fica a percepção de que a PROINDICUS fora concebida pelos serviços secretos, mas, salvo melhor informação, nada ou pouco consta ainda, em julgamento, sobre quem tenha de facto e de júri aprovado, tanto o projecto como a contratação dos empréstimos. Aliás, se se está em presença de dívidas ocultas, é natural que o processo para a sua contratação também seja oculto.

 

Quanto a extradição do antigo ministro das finanças, ora detido na África do Sul, em cumprimento de um mandato das autoridades dos Estados Unidos da América (EUA), duas correntes se posicionam: a que defende que o antigo ministro seja extraditado e julgado nos EUA e a que defende que seja extraditado para Moçambique. A primeira afirma que em Moçambique não existem garantias para a realização do julgamento e que a ocorrer é certo que será de forma manipulada. E para reforçar o posicionamento é ainda citado que em Moçambique não existe nenhuma acusação contra ele, contrariamente ao pedido de extradição dos EUA.

 

Neste sentido, a ausência de uma acusação em Moçambique concorre a partida para que o antigo ministro siga para os EUA e tal é ainda reforçado por este país ter sido o primeiro a pedir a extradição. Contudo, caso ocorra o contrário - o ministro aterre em Maputo - é de crer que será uma oportunidade para a primeira corrente confirmar ou não as suas acusações. Em caso afirmativo, uma outra suspeita ou acusação - a da possibilidade de que tudo não passa de um teatro encenado por uma rede que envolva os três poderes - também proceda e será um grande golpe para todo o país, para a região e para o mundo. “Não quero nem imaginar”, sincronizou o vizinho.

 

Feito o resuminho, a nota de que os dados ainda estão a correr e que qualquer opinião mais apurada e ilações destes e outros pontos do dossiê das “Dívidas Ocultas” só serão possíveis com o esclarecimento, em tribunal, de todo o processo, incluindo o último cêntimo dos 2, 2 mil milhões de dólares americanos, valor acrescido com os empréstimos de mais duas empresas (EMATUM e MAM), criadas no quadro do mesmo projecto de monitoria e protecção costeira.  

 

Na despedida, a promessa de que haja mais encontros para resuminhos e de preferência nas folgas das quartas-feiras. Ainda com o toque do cotovelo fresco, o vizinho perguntou-me se conhecia uma velha música que diz “eu canto o que o povo quer, eu canto o que o povo diz”. Em seguida, depois da minha confirmação, e recuperando o sotaque brasileiro, o vizinho dispara: “No tribunal não é bem assim, não!”. Se o leitor também não percebeu, no próximo resuminho já pergunto o que isto significa.  

quinta-feira, 02 setembro 2021 08:15

Este juiz tem dentes de tigre

Mas também como é que você queria que um homem que passou a sua infância na cidade Beira, não tivesse dentes de tigre! Este senhor, apesar de ter nascido na Zambézia, o sangue dele, na prática, é sena. Escute bem o sotaque dele, veja a sua determinação, e a sua capacidade de entrar na cova dos leões e sair intacto. Como Daniel, após o decreto do rei Dario.

 

Eu não vim aqui falar de Direito, não sei nada de Leis, mas apenas manifestar a minha admiração pela forma como Efigénio Baptista, brilha, com luz própria, sem precisar de usar o martelo. Aliás, ele bem dizia ao Ndambi Guebuza, “você não precisa  ser malcriado para fazer valer os seus direitos, não precisa ser mal educado”.

 

Efigénio Baptista não vocifera, mesmo que em muitos momentos, até aqui, tenha havido motivos para ele bater com o martelo na mesa e erguer a voz. Este felino não precisa mostrar os dentes para dizer às pessoas que ele é um dos animais  mais letais da selva. Quem se encarrega disso é a sua perfomance, a sua serenidade e a sua argumentação demolidora, que não poupa nem os gurus da advocacia.

 

Este magistrado  usa a sabedoria para desconstruir a narrativa de prováveis mafiosos. Uns mostrando astúcia, outros valendo-se da arrogância e malcriadice para dizerem que valem alguma coisa, ou valem muito, quando no fundo não conseguem ver longe. Efigénio Baptista está acima desse terreno, que agora engole, aos poucos, aqueles que nele se fundamenta(vam).

 

Eu não vim aqui fazer qualquer juizo de valor, mas apenas repetir aquilo que todos dizem na rua e nos chapas e em todo o chão. Há uma euforia global incontida perante um julgamento conduzido, como o povo diz, por um homem que tem “os dois” no lugar.  Efigénio Baptista, não tem “matchende ya mbuzi” (testículos de cabrito), mas “matchende de tigre”. Para além de ser o orgulho dos senas e dos matchuabos, é o orgulho de todos os moçambicanos.

 

Há uma ovação estrondosa em vénia a este jovem, mesmo antes de o julgamento chegar ao fim. E no meio deste entusiamo popular, diz-se que estão arrependidos aqueles que puseram Efigénio Baptista à frente deste processo. Aliás, para além dos que dizem que este juiz tem dentes de tigre, há outros que preferem afirmar que ele é um boi furioso dentro de um supermercado, está a deitar abaixo todas as prateleiras que afinal só estão douradas por fora. Por dentro é ferro velho que pretende estupidificar-nos a todos.

 

Mas eu estou aqui apenas para bater palmas, como todos aqueles que estão ávidos de justiça. E não vou dizer mais do que aquilo que é dito pelo povo, do qual faço parte. Ou seja, também canto essa música, cujo refrão é “este juiz é lixado!”

quarta-feira, 01 setembro 2021 09:24

A Tanzania virou-nos as costas? Virou?

 

PRÉVIO: ESTE TEXTO FOI PRODUZIDO ANTES DE O GOVERNO NORTE-AMERICANO REVELAR ALGUNS NOMES DE TERRORISTAS E DA DECISÃO DA SADC DE ENVIAR TROPAS PARA AJUDAR MOÇAMBIQUE A COMBATER O TERRORISMO EM CABO DELGADO.

 

Há a sensação geral de que a Tanzania, o berço da nossa República, virou-nos as costas. Do apoio incondicional que dispensou antes e durante a luta de libertação nacional e depois da proclamação da independência nacional, hoje, pouco ou nada quer saber de nós!

 

De facto, os desenvolvimentos dos últimos anos levam a essa conclusão. A Tanzania proclamou em vários fora que a responsabilidade de garantir segurança, paz e estabilidade de Moçambique é dos moçambicanos e que não vai apoiar uma guerra cujo inimigo não tem rosto. Mais do que mera retórica, os nossos irmãos (ou ex-irmãos?) têm-se recusado terminantemente a abrir centro de refugiados para albergar moçambicanos fugidos de terrorismo no norte de Cabo Delgado, repatriando-os compulsivamente e nem sequer lhes dando assistência humanitária!

 

E esta foi a atitude que atraiu muitas críticas e condenações internacionais e de muitos moçambicanos em particular. Dados do ACNUR indicam que mais de 9.600 deslocados foram repatriados à força de Janeiro a Junho deste ano, sendo que cerca de 900 foram literalmente “empurrados” de regresso a Moçambique em apenas alguns dias de Junho.

 

A Tanzania tem razão: o inimigo que devasta a zona norte da província de Cabo Delgado não tem rosto. Sabe-se que é terrorismo! Grupos de insurgentes ou terroristas aqui e acolá… De concreto, identificado e assumido, nada! Muito estudo foi e continua a ser feito, mas ainda não apontou um nome em concreto! Serviços secretos de todo o mundo batem as cabeças para encontrar rasto, identidade e localização… quase nada! Continuamos completamente no escuro. Mas isto (a inexistência de rosto dos grupos dos terroristas) não é motivo para os nossos irmãos tanzanianos não juntarem os seus braços aos dos outros da Região e do mundo no combate a este pesadelo. E muito menos para escorraçar humilhantemente todo e qualquer refugiado que em suas terras pouse o pé, contra todas as disposições legais internacionais e contra os valores básicos de humanismo! Menos ainda de nos virar as costas!

 

A Tanzania é o berço do nosso Moçambique independente! Acolheu no seu solo pátrio todos os moçambicanos fugidos das atrocidades do colonialismo português em Moçambique, entre os quais jovens que iam lutar para libertar a sua terra e os que simplesmente se refugiavam, os refugiados. A Tanzania co-organizou os moçambicanos aglomerados no seu território para lutarem contra o colonialismo português. Ajudou os moçambicanos a lutarem contra o colonialismo português. A Tanzania recebeu no seu território todas as formas de ajuda à luta armada de libertação de Moçambique, incluindo material de guerra. A Tanzania aceitou e aguentou todas as acções hostis de retaliação do governo colonial português em Moçambique. Numa palavra: a Tanzania fez tudo o possível e o impossível para Moçambique ser independente! Conquistada a independência, a Tanzania ocupou a chapa número um dos registos diplomáticos de embaixadas! Samora e Nyerere eram… irmãos!

 

E, como diriam os ingleses, what went wrong?

 

À parte o viranço ou não das costas por parte das autoridades tanzanianas, temos a obrigação de fazermos uma introspecção. Vermos o que podíamos ter feito de outra maneira, não necessariamente para agradar os irmãos tanzanianos, mas para evitar que estivéssemos nesta situação em que nos encontramos hoje, de lutar com um inimigo sem rosto, mas que está claro que se trata de terrorismo com ligações ao terrorismo internacional!

 

Na minha linha de pensamento, um grande erro foi a não reconstituição e apetrechamento de um grande e forte exército nacional, depois do Acordo Geral de Paz de Roma, de Outubro de 1992. Não há nenhum Estado em segurança e estabilidade sem um exército forte. Enquanto não tivermos, a nossa vida, como Estado ou sociedade, será porosa. Este foi e continua o erro capital que continuamos a cometer gritantemente!

 

A segunda coisa nociva para nós próprios, no meu entender, foi a abertura do centro de refugiados em nosso solo pátrio - e este centro continua lá imponente. A sairmos de uma guerra sangrenta que a Renamo moveu e sem termos as condições apropriadas, tivemos a vaidade de abrir um centro de refugiados e ‘convidamos’ todo o mundo para cá vir refugira-se - estávamos a mostrar a nossa solidariedade. E todo o mundo cá veio, mesmo pessoas que não qualificavam. Chegamos a admitir pessoas que tivessem atravessado seis fronteiras, o que contraria as regras internacionais. Depois, a nossa capacidade de controlar essa gente toda que pulula para o nosso país… era e continua diminuta! Muito precária. Muitos dos tais “refugiados” não tinham nada de refugiados, estavam, sim, à procura/espera de oportunidades para seguirem os seus planos e destinos completamente desconhecidos para nós. Aglomerámos tanta gente ali e hoje é o que vemos/choramos com os nossos próprios olhos! Quantos países têm centros de refugiados funcionais em seus territórios? A propósito, por quê não encerramos aquele centro em Marretane? Ganhamos o quê? Trar-nos-á piores custos que estes que estamos a viver no sangue, o terrorismo?

 

A outra menos bem pensada foi a proliferação de aeroportos internacionais. E esta tendência até hoje ainda se verifica. Quase todos os aeroportos nas capitais provinciais são aeroportos internacionais… só não há voos internacionais regulares porque os operadores não viram/vêem vantagens nisso. Decretamos aeroportos internacionais sem a acompanhante necessária e fundamental de controlo de entradas de estrangeiros nesses pontos: segurança. Nalguns deles nem scanners havia, nem aquela vara detectora de metais… As coisas foram acontecendo, os estrangeiros foram entrando… aos magotes e hoje estamos aqui: terrorismo! Por quê não escolhemos três a quatro aeroportos (Maputo, Beira e Pemba, por exemplo?) e ficamos por aí...

 

E este é um elemento crítico: a falta de controlo sério nas nossas fronteiras. De tempo a tempo, não muito distante um do outro, temos notícias de estrangeiros detidos em algum lugar do nosso país… etíopes, somalis, nigerianos, ruandeses, etc., etc. e em quantidades assustadoras. Ou a caminho da África do Sul, ou de um outro ponto. Preocupantemente, com a facilitação e ou envolvimento dos nossos agentes de segurança. Temos que encarar com muita seriedade a questão da segurança nas fronteiras!

 

Depois da nossa introspecção profunda, aí, sim, podemos procurar o tesouro perdido some where! Ou apontar o dedo a… Tanzania! Encontrando-o ou não, uma coisa impõe-se: sentarmos à mesma mesa com os irmãos tanzanianos  e conversar a sério com eles. Não podemos deixar morrer uma fraternidade genuína como esta, seja por causa de recursos ou não. A Tanzania e os tanzanianos são um povo muito generoso!

 

ME Mabunda

Não se pretende explorar conceptualmente numa praxe académica os conceitos de ciências de riscos, mas faz-se um empréstimo para ilustrar o histórico territorial de risco para suportar a afirmação. Na região centro de Moçambique há uma situação multirrisco de ponto vista físico-climático e outros problemas societais em combinação e se mal geridos podem conduzir a uma crise humanitária profunda. Aliás não querendo ser catastrofista essa região vive permanente em crise desde a primeira república em poucas evidências de gestão integrada de riscos. Entende-se por região centro de Moçambique as províncias de Sofala, Manica, Tete e Zambézia.

 

Primeiro, vale apenas definir-se cientificamente os conceitos de “bacia de riscos” como a região ou território onde há convergência de dois ou mais riscos que até podem vir a manifestar-se ao mesmo tempo originando crises complexas (Rebelo, 2003 Apud Dagnino & Junior, 2007). E o “sistema de riscos” é utilizado para enfatizar quando um risco é fortemente interligado a outros no espaço e/ou no tempo (Perrow, 1983 Apud Dagnino & Junior, 2007). A situação actual da região Centro de Moçambique principalmente as províncias de Manica, Sofala e Tete encontra um ajuste destes dois conceitos que seguidamente se tenta demonstrar de modo a sencebilizar as lideranças locais, centrais e parceiros estratégicos a ser mais proactivos nas acções de redução do risco de desastres.

 

Algumas constatações condicionantes para fatalidades e desastres na região centro

 

  1. Ciclicamente afectado por tempestades, inundações e seca

 

A região centro comporta vários rios importantes do ponto de vista hidrográfico em Moçambique. Os que mais afectam a região do ponto de vista de inundações e colocam em risco as populações e seus bens são rio Zambeze, Licungo, Save, Pùngué e Rovubwe. Estes rios de uma frequência de inundabilidade de 1 a 10 em média; querendo dizer que a região anualmente tem casos de cheias/inundações. Esta região é porta de entrada de ciclones do canal de Moçambique e por conceito os ventos fortes são acompanhadas por precipitações intensas terminam sempre em fatalidades (Figura. Alguns exemplos).

 

 

Apenas no ano de 2019, antes do mortífero ciclone Idai a região já tinha sido afectado pelas inundações do rio Licungo na Zambézia, Save e Púnguè em Sofala, Zambeze e Rovubwe em Tete. Enquanto as populações se recuperavam das inundações foram afectadas pelo ciclone Idai que passado mais de 2 anos ainda se encontram num processo de reconstrução pelo impacto que teve e ainda este 2021 tiveram outros dois eventos extremos.

 

  1. Região com alta dependência de recursos naturais e regularidade pluviométrica

 

Os recursos naturais (florestas, pesca, fauna bravia, etc), a agricultura familiar de pequena escala são as actividades que garantem o sustento das comunidades locais e geram muita renda informal nas famílias em quase toda a região centro e a província de Manica ainda com maior produção de citrinos e produtos de avicultura. Estas actividades têm época própria porque dependem especificamente do período chuvoso. E por questão de sobrevivência as comunidades se instalam nas planícies inundáveis e locais com potencial de deslizamento devido a exploração artesanal de recursos minerais.

 

  1. Região com conflitos políticos militares pós-eleitorais e desde 2014 latentes.

 

A região vem sofrendo sevícias e incursões militares desde 2014 com altos e baixos que nunca pararam completamente. Todas condições agro-ecológicas, recursos naturais e recurso mineiras que podiam ou podem colocar esta região mais desenvolvida e com comunidades mais imponderadas são menos exploradas.

 

Os conflitos militares impedem o desenvolvimento das comunidades, inibem investimentos e colocam o ritmo de desenvolvimento desta região bastante lento.

 

Com as três constatações referenciadas acima fica óbvio que o centro é “bacia de risco” que se associam e podem conduzir a uma crise humanitária profunda se por exemplo os conflitos políticos militares prevalecerem, porque os eventos extremos estes sim vão se repetir (inundações, seca/estiagem e ciclones/tempestades) sem dúvida alguma.

 

Algumas sugestões para reduzir o risco de desastre na região centro de Moçambique

 

A discussão actual na área de Redução do Risco de Desastres caminhou para o consenso de que avaliar a vulnerabilidade social de um determinado território, ou região, é chave para ações de prevenção e redução de desastres, bem como para a promoção de uma cultura de resiliência (Oliveira et al, 2020).

 

Com todas as adversidades acima elencadas na região sugere-se:

 

  1. Envolver as lideranças locais e descentralizadas para acções de redução de risco de desastres. Vezes sem conta as comunidades recebem doações, ajudas humanitárias e projectos de empoderamento comunitário que muitas vezes não se enquadram com o seu contexto. Fraco envolvimento dos actores locais gera soluções fracas. O modelo centralista na gestão de risco de desastre se mostra menos eficaz em maior parte do mundo.
  1. Capitalizar o uso sustentável dos recursos por parte das comunidades de modo a tirarem maior proveito para reduzir os níveis de desemprego e pobreza na região; isso evitará uma provável manipulação das comunidades para se associar a conflitos com motivações “ocultas”.
  1. Encontrar uma plataforma de governação de riscos na região que possam incorporar os aspectos culturais e étnicos para reduzir as assimetrias regiões, bem como quebrar as narrativas seculares a esse respeito.
  1. Estabelecer uma paz sustentável durante e pós-eleições, porque esta região tem sido palco de qualquer revindicação eleitoral (mesmo dentro do mesmo partido) e coloca a região fragilizada. É preciso que as acções humanitárias se limite ao alívio. A reabilitação e recuperação são parte integrante da acção humanitária e devem ser dadas a atenção necessária e recursos suficientes. A acção humanitária deve ir para além da resposta de emergência e ser entendida como parte de uma estratégia de paz e estabilidade e de desenvolvimento a longo prazo (Africana, 2016).

 

Hélio Nganhane

 

Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar. 

 

Aluno do Doutoramento em Geologia na Especialidade do Ambiente na Universidade de Coimbra, assistente universitário na Universidade Pùngué.

 

Referencias

 

Africana, U. (2016). Posição comum Africana (PCA) sobre a eficácia da ajuda humanitária. Addis Ababa.

 

Dagnino, R. D. S., & Junior, C. S. (2007). Risco Ambiental: Conceitos E Aplicações. CLIMEP – Climatologia e Estudos Da Paisagem2(2).

 

Dgedge, G., & Chemana, C. (2018). Os comités locais de gestão do risco de calamidades e a educação sobre inundações no Baixo Limpopo, Moçambique. Revista Internacional de RiscosII, 123–132. Https://doi.org/10.14195/1647-7723_25-2_10

 

GFDRR, & PNUD. (2014). A recuperação de cheias recorrentes 2000-2013 MOÇAMBIQUE Estudo do Caso para o Quadro de Recuperação de Desastres. Retrieved from https://www.gfdrr.org/sites/default/files/publication/report-mocambique-recuperacao-cheias-recorrentes-2014_0.pdf

 

INGC, I. N. de G. de C. (2009). Estudo sobre o impacto das alterações climáticas no risco de calamidades em Moçambique Relatório Síntese. Retrieved from www.ingc.gov.mz

 

Oliveira, S. S., Portella, S. L. D., Antunes, M. N., & Zezere, J. L. (2020). Dimensões da vulnerabilidade de populações expostas a inundação: apontamentos da literatura. In (Org.). Redução do Risco de Desastres ea Resiliência no Meio Rural e Urbano (Vol. 1, pp. 1-22). Unifesp São Paulo.