De três ou mais amigos recebi - no meu WhatsApp - a comunicação do falecimento de Elias Mabjaia (1954-2020), simplesmente Mabjaia ou Capitão Mabjaia, o temível defesa central locomotiva (Ferroviário de Maputo) dos anos oitenta, em particular. Retribui a uma das mensagens com a seguinte: “…aí vai…atenção…o remat…CORTA Mabjaia!”. De certeza que este excerto lembra um relato dos jogos de futebol das tardes de domingo na Machava (Estádio) e que até podia ter sido extraído do arquivo da Rádio Moçambique.
Essas tardes de domingo quer na Machava quer em casa, tinham o sabor dos cortes de Mabjaia e, alguns deles, na leva, o adversário. Nesta matéria - fica a bola ou ambos - a dupla com o Zabo, outro e saudoso central locomotiva - não deixava os adversários sossegados. Fora os cortes, o potente remate na marcação de livres, e à boa distância, era também a sua marca. E um dos remates, em 1981, ainda roça-me no ouvido – então infantil - o som de golo da gritaria do relatador. Foi o golo de empate (1-1), nos últimos minutos do jogo contra o Têxtil de Punguè, numa das tardes (e triste) de domingo e desta vez, no caldeirão do Chiveve, cidade Beira.
Desse jogo, a memória de que o Ferroviário devia ter ganho para assegurar o título de campeão, mas o mesmo acabou ficando com o Têxtil de Punguè. Entretanto, no ano seguinte, Mabjaia e companhia, treinados ainda por Mário Coluna, uma lenda mundial do futebol, levaram o título – o primeiro na história locomotiva do período pós-independência - para a sede do clube, na baixa da cidade de Maputo, enchendo de júbilo os seus adeptos, e destes, inclui o autor destas linhas.
Há poucos meses, vi o Mabjaia à porta (e saída em seguida) de uma unidade hoteleira e com ares de alguma aflição. Ainda sem entender o que se passara, aproximei-me do porteiro - bem jovem para a função – e perguntei-o se conhecia o senhor que saíra à pouco e o que ele queria. A resposta foi a de que não o conhecia e de que ele pedira para usar os sanitários. Em seguida, perguntei-o se conhecia o jogador Piqué do Barcelona. De forma categórica, não só, respondeu de que sim como também enumerou uma lista de outros bons e famosos defesas de gabarito mundial. No final, disse-lhe: “Acabas de impedir a entrada de um dos jogadores dessa lista, ainda que não o tenhas citado, porque, acredito, não o conheces”. E porque entendera que ele não engolira, recomendei-lhe que perguntasse ao “barman” – bem mais velho - quem era o Capitão Mabjaia.
Por coincidência, nessa mesma unidade hoteleira, vira pela última vez e pouco antes da sua morte, uma outra lenda locomotiva e nacional. Falo de Joaquim João, o também capitão e conhecido por JJ, que fora, por alguns anos, a par de Mabjaia, a dupla de centrais da defesa locomotiva. Entrelinhas e desses avistamentos, o recado: rezo para que não volte a ver ou a cruzar, na unidade hoteleira que me refiro, com nenhuma outra velha-glória do nosso futebol ou de outra modalidade. E caso aconteça, nesse dia, serei o jovem porteiro.
Com a partida de Mabjaia, a História desportiva moçambicana fica a dever - e ainda em dívida com Zabo, Joaquim João, Mário Coluna e outros tantos e grandes desportistas nacionais - as páginas doiradas do seu livro. Às famílias Mabjaia e Locomotiva, as sinceras e sentidas condolências. Saravá, Capitão Mabjaia!
"O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons" (Martin Luther King), - principalmente, dos que fingem ser bons.
Muitas pessoas me perguntam onde arranjo tanta inspiração para falar ou para escrever. A minha resposta tem sido uma e única: neste país ninguém precisa de inspiração para falar ou escrever, o próprio país já inspira a qualquer um. Nós estamos a viver num ambiente inspirador, num país inspirador. Neste país não falta assunto para falar ou escrever. Só não fala ou não escreve quem não quer, quem não gosta.
Por exemplo, podíamos falar sobre o porta-voz da Polícia que convocou a imprensa para dizer que as Efe-Dê-Esse estão em prontidão combativa e reforçadas para fazer incursões contra os insurgentes em Cabo Delgado. A propósito dessa conferência de imprensa, gostaria de endereçar a minha admiração àqueles jornalistas que participam de eventos onde se falam esse tipo de piadas e não dão uma gargalhada sequer. É que eu teria caído na sala de tanto rir. Eu não consigo congelar piadas para rir mais logo. Eu havia de rir ali naquela sala até me expulsarem.
Mas, também podíamos falar sobre os mais de 50 milhões de meticais que o Estado irá oferecer aos 250 deputados para a sua "penosa" reintegração social. Confesso que este assunto já não me cria nenhuma indignação pelo nível de imbecilidade que carrega. Acho que os meus anticorpos acabaram criando resistência e imunidade a esse tipo de asnice. Este assunto, quanto a mim, já ultrapassou os níveis de idiotice eticamente permitidos.
Agora, em relação a este assunto, o que me deixa indignado mesmo é a unanimidade da casa. O consenso da família. O que me deixa perplexo é a concordância da nossa oposição parlamentar. Quando o debate é sobre benesses dos deputados, os argumentos da oposição escasseiam. A verborreia desaparece. A retórica se atrofia. Fica-se num mutismo triunfante de bradar os céus.
É muito triste isso! Onde estão aqueles "Messias" da RENAMO e do Eme-Dê-Eme que ano após ano chumbam os orçamentos do Estado por não reflectirem os reais problemas do povo?! Esses 50 milhões de meticais para reintegração dos deputados refletem os reais problemas do povo?! Os quatro milhões de meticais que cada deputado vai receber estão alinhados com os objectivos de desenvolvimento da população?!
Para ser sincero, eu estou preocupado com esse profetismo político dos partidos da oposição. Preocupa-me essa política de dízimo. Não se difere dos Onórios desta vida que desaparecem quando chega o momento de provarem a profecia. A RENAMO e o Eme-Dê-Eme tentam fazer entender que são diferentes da FRELIMO, mas, na verdade, não passam de sósias um do outro. São tão iguais e vulgares como rãs em tempo de chuva. São muito famintos. São muito cobardes e hipócritas. Por essas e outras coisas, dou graças às Deus por esses "profetas" não estarem no poder. Pior ainda quando sinto na pele os efeitos Tocova e Vahanle. Uma autêntica vergonha! A mim não enganam!
Sinceramente, eu esperava que malta Muchanga, Bismarque, Venâncio, Sousa, e companhia - que nos habituaram com o seu evangelho político - ligassem o seu microfone para dizer "meus senhores, vamos evitar coisas de vergonha aqui! Como é que vamos gastar 4 milhões para cada deputado num momento como este? Vamos deixar isso para o governo comprar ventiladores e cloroquina para aqueles nossos irmãos que não têm condições de ir ao ICOR. Na minha língua, há um ditado que diz isto e aquilo...". Ou será que alguém falou alguma coisa sobre isso e eu não ouvi!
- Co'licença!
O mundo partilha sentimentos de medo, incerteza, insegurança, desconfiança, crenças reforçadas da dualidade platónica, "corpo e alma". Uma parte refém da espera das descobertas dos " homo-deus", o poder e a 'vitória' da modernidade perante a grande noite, o grande apagão, os séculos das trevas, ou melhor, perante o período da idade média (matéria que o professor de história da 9° classe lecionava com muito gosto, numa das salas da Escola Secundária 25 de Setembro em Quelimane, mas nos níveis de estudo posteriores, descobres que afinal de contas, a idade média não era só trevas e escuridão). A outra parte refém na crença, na fé, nos espíritos, nos antepassados, ou seja, a alma é alimentada de várias formas, quanto mais tempo demorar a vitória da modernidade perante o Covid-19, mais as crenças da alma, do espírito, na consciência, da mente, serão reforçadas.
Em pleno século XXI, num mundo 'global' e avançado tecnologicamente, fica patente a relevância da dualidade corpo e alma e a 'cumplicidade' entre ambos. Enquanto o milagre do homem-deus não aparece, funciona o milagre das crenças, dos mukutos e das divindades. A crise é global, a vulnerabilidade é internacional, a solidariedade é a posição politicamente correta na moda, mas a máscara caiu de forma global, enquanto usamos as máscaras para nos protegermos, como se de uma peça de teatro se tratasse, as máscaras caem nos palcos das representações formais, perante a realidade crua e nua da Covid-19, como se fossem frutas a cair naturalmente das árvores.
Perante o lavar as mãos e as máscaras, voltamos à escrita figurativa ou à linguagem figurada, voltamos ao palco das representações e de formas recorrentemente inconscientes. A nossa psicologia individual e social, cria mecanismos para pensarmos no sentido das máscaras e do lavar as mãos, pois é o momento de passarmos a conhecer melhor as nossas máscaras e a sujidade que lavamos quotidianamente nas nossas mãos, ou seja, é momento de revisitar a génese cínica social a partir da antiguidade, olhar para o "Cínico" Diógeneses e a partir dele(s) perceber a evolução e a deturpação actual desta forma de ser e estar em grupo, por um lado, e estabelecer a 'fácil' ponte entre as máscaras que caem e o cinismo como forma psicológica e forma de socialização, por outro lado, mas sempre questionando sobre o tipo de sociedade que almejamos para uma fase pós-Covid. A dupla, máscara e mãos limpas, fazem parte da dualidade corpo-alma, ao usarmos a máscara e ao lavarmos as mãos, a nossa psicologia sente uma proteção inter e intra.
Perguntas como: qual é o assunto?, onde?, quando?, quem? podem ter respostas globais, mas, perguntas como: como fazer?, como responder?, como enfrentar?, como prevenir? e como mitigar?, não irão encontrar coerência global, mas sim, uma coerência glocal, onde a realidade, o contexto e o local são importante nesta equação. Evitando o modelo past and copy, que fica na dimensão superficial dos problemas, próximo a nulidade, que dificilmente alcançará a profundeza das realidades locais.
O que a dualidade corpo-alma, máscaras e mãos limpas, almejam é a solução, ou seja, é o ponto final. Mas a realidade apresenta, vírgulas insaciáveis, exclamações recorrentes, interrogações impacientes, mas o ideal é o ponto final, para simbolizar o 'fim' da narrativa Covid-19, ainda invisível ao olho nu e ao olho das lentes microscópicas.
O planeta Terra está a mudar, e com ele nós somos ' forçados' a mudar, são impostas novas formas de aprendizagens e socialização. Ou seja, ou mudamos, ou mudamos. Mas, depois da tempestade, vem a bonança. Como estará a nossa memória a curta prazo e seletiva, depois da tempestade? A pandemia e os seus pandemónios 'unem' diariamente os humanos, cada realidade quer o ponto final, mas cada realidade fá-lo com base nos ingredientes que possui, onde as fórmulas mágicas ou receitas globais, podem não funcionar.
Pandemia Global em contextos Glocais
Moçambique não é uma ilha, faz parte da aldeia global. Mas no final do dia a aldeia global é feita de pequenas aldeias, que aparentemente estão juntas, mesmo sabendo que na prática elas são diferentes, a começar pelos conceitos e indicadores de desenvolvimento. Ora vejamos, temos três cenários, perante a mesma pandemia:
São realidades diferentes para enfrentar o mesmo problema, ou seja, a pandemia. A OMS tem uma posição formal e mundial, mas a capacidade de seguir com as suas medidas e recomendações, infelizmente são locais. Cada realidade entra para este jogo com os jogadores e o tipo de bola que tem. Se ficarmos fixos nas mensagens globais, perderemos oportunidades de olhar para a realidade local, que é ideológica, histórica, política, social, económica e culturalmente diferente. Uns são desenvolvidos, outros são subdesenvolvidos e outros estão em vias de desenvolvimento. Mas no final, todos só tem uma opção, encontrar uma resposta local para esta pandemia global.
Uma das formas mais práticas de enfrentar esta pandemia, passa necessariamente pela aceitação da realidade, ou seja, o nível de desenvolvimento do país. E com base neste reconhecimento, suplantar a resposta nacional, sem ignorar outras realidades. Não temos a capacidade de construir um hospital em 10 dias, como fizeram os chineses, a nossa capacidade e realidade é de fazer testagem só na província de Maputo.
Os Estados Unidos da América produziram filmes interessantes e brilhantes sobre epidemias e pandemias, Hollywood sempre a construir na imaginação coletiva a capacidade deste país de conter vírus e pandemias, mas na realidade, no filme do quotidiano, a própria resposta a pandemia pelos EUA, vai se costurando na tentativa e erro (como colocaria o psicólogo norte americano, Edward Thorndike) e nos reforços positivos e negativos (como colocaria o psicólogo norte americano, Burrhus Frederic Skinner) a medida que a pandemia imparável, não perde forças. Localmente tivemos a vantagem de fazer parte do grupo dos últimos países a serem atingidos pela pandemia, mas com as condições e soluções locais, que uso foi feito desta vantagem?
Liderança como denominador global comum, com líderes 'locais'
Mesmo com referências e imaginações globais, os ovos para a receita do bolo da liderança e dos líderes, devem ser ovos nacionais e locais. Não se produzem líderes num piscar dos olhos, particularmente em tempos de crises, mas o ocidente imortaliza o primeiro ministro britânico Winston Churchill, pelas suas capacidades impactantes de liderança em momento de crise e guerra, vamos pensar nele no sentido pedagógico, pelo facto de num cenário de dificuldades e carências, ter dito mensagens realistas e de esperança.
São cenários e realidades diferentes, e perante a pandemia somos chamados a olhar para o real, no lugar do ideal. Mas a lição a tirar pode ser que, perante cenários de crises, recessão, guerras e pandemias nasçam líderes, ou podem ser reforçadas as lideranças. E por vezes a liderança pode não estar num discurso bem escrito e formal, pode não estar num ecrã que temos que ler, mas, pode ser que a liderança esteja associada à transparência e à realidade, nas palavras que saem de dentro, com as palavras empáticas, nas palavras não mágicas, mas que conseguem tocar o interior e a consciência das pessoas, pelas mensagens simples e realísticas, se concordarem, nas palavras que matam 'fome' psicológica e que 'enchem' a barriga.
Enquanto o ocidente elege os líderes que saberiam comunicar em tempos de pandemia. Enquanto Yuval Harari de forma 'imperativa' questiona a ausência de líderes na resposta à Covid-19, com a frase: "there seem to be no adults in the room", perante a postura de alguns políticos com atitudes egocêntricas, narcisistas, irresponsáveis e acrescentaria cínicas, com foco na realidade dos EUA. Localmente existem doutos na área de comunicação para pandemia, ou melhor, comunicação para Covid-19.
Num contexto onde o global não deve suprimir o glocal na resposta e comunicação face à pandemia, através das televisões, e nos meios de comunicação no geral, existem comunicólogos a esmiuçar sobre a pandemia. Onde as redes sociais passaram a ocupar o lugar das universidades, onde diariamente surgem diplomados com Bacharelato, Licenciatura, Mestrados e Doutoramentos sobre a pandemia, o que é naturalmente expectável no atual cenário de incertezas e medos, perante as máscaras caídas.
Localmente, desde o início desta pandemia é interessante ouvir nas sextas-feiras o comentador Tomas Viera Mário, que com uma pedagogia atilada, com maturidade, e sobretudo com muita sabedoria, de forma incansável, sem pretender ser 'mais papista que o papa', explica sobre a urgência e a necessidade de sabermos comunicar no contexto da pandemia, comunicar para a nossa realidade, comunicar não para o formalismo, mas sim para uma realidade concreta, num cenário concreto. A comunicação sábia faz parte das características dos líderes e da liderança. Mas quantos irão concordar com o comentador? Quantos irão dar relevância a esta mensagem com uma boa forma e tom? O comentador Tomas Vieira Mário, dentro da área que domina, sugere técnicas e métodos de como comunicar.
Mas a realidade precisa de narrativas fortes locais, lendas e 'epopeias' com o poder de evocar a consciência coletiva, capaz de acalmar os taxistas de bicicleta da província da Zambézia, os táxi-mota do distrito de Mocuba e da província de Nampula, as mulheres da província de Sofala que saem de casa limpas e chegam ao destino sujas por conta das ausência dos meios de transportes habituais, assim como a situação de carência de chapas cem em Maputo. Uma comunicação capaz de prevenir o caos, o colapso social e o social disruption.
Temos referências quase que consensuais no país: o Marshall Samora Moisés Machel e a sua capacidade de oratória, ou seja, "a luta continua"; a Dr.ª Joana Simeão, uma intelectual com o projeto civil e político ainda válido para Moçambique. Estes são dois exemplos, incapazes de esgotar narrativas e referências do Ruvuma à Maputo.
O que é ser 'oposição' e como ser 'oposição' em tempos de Covid-19?
Podemos olhar para esta categoria 'oposição' no lato sensu e no stricto sensu.
Lato Sensu
Em Moçambique ser rotulado ou conotado como ser de oposição não está associado só a filiação partidária, basta que tenhas um pensamento ou uma ideia diferente da maioria, ou que não concordes com a ditadura da maioria para que sejas batizado e legitimado como sendo da oposição ou oferecem a 'perdiz' ou o 'galo'. O ser da oposição ainda parece muito dogmático e inflexível, como se de um tabu ou dogma se tratasse, ou seja, como se fosse pecado ser da oposição, e para tal a melhor forma de tratamento seria a purificação e o castigo. O pensar diferente vai se afunilando como receio de ser rotulado por ser alguém da oposição. Aqui neste grupo não só cabem os 'críticos sociais', como a sociedade civil, muitas vezes vista como um 'braço' da oposição. Existe uma tendência de transformar a sociedade rica pela sua diversidade cultural numa ditadura do like, ou seja, a necessidade de naturalizar o yes, mas um yes forçado pela estrutura cínica suplantada no tecido social como forma de 'controlar' as forças físicas com as suas cargas negativas e positivas. Esquecendo que quer as cargas negativas, quer as cargas positivas são cargas moçambicanas, ou seja, ambos são moçambicanos.
Stricto sensu
Temos a própria oposição, ou seja, os partidos políticos com bancada parlamentar e extraparlamentares. Um grupo que não têm uma vida fácil. Ainda são vistos como uma espécie de praga ou vírus. Pois a moda é a pedagogia da maioria, o pensar em maioria não de forma diversificada, mas de forma linear. Mas em tempos de Covid-19, eles são chamados a resignificar as suas mascaras e lavarem as suas mãos de forma a serem mais 'práticos' para o país.
Mas, neste momento o que temos é uma sociedade polarização, de trincheiras, onde o tolerante vai perdendo várias batalhas, onde posturas e atitudes rígidas como “ou estás comigo ou estás contra mim”, vao legitimando a ditadura do like e as institucionalização e burocratização do 'cinismo', como partes da realidade e 'socialização'.
O nossismo (inter-relações sociais quebradas a partir do momento que aparecem indicadores de formas de pensamento diferentes), a intolerância perante a crítica e o pensar diferente, cria assim uma sociedade de trincheiras. Mesmos em tempos de Covid-19, em Moçambique de forma acentuada, e um pouco por todo o mundo entre a esquerda e a direita (ambos com seus extremismo e radicalismo) e as torres de marfim (as universidades), o que importa já não é a utilidade da ideia, mas sim o para-choque, ou melhor, o rosto da ideia. Sabendo que um dos riscos ou vulnerabilidade inconsciente do trincherismo é o desperdício de ideias que podem ser úteis para o bem-estar de alguns ou de muitos. O “estás comigo ou contra mim” pode ser um retrocesso em tempos de resposta 'nacional' ao covid-19.
A realidade que enfrentamos perante a pandemia é frágil e vulnerável. Representa uma fragilidade e vulnerabilidade global, mas com velocidades e impactos locais. A física da pandemia é singular num cenário de globalização, onde a solidariedade global da ouvidos aos nacionalismos (olhar primeiro para dentro e depois para fora).
A melhor maneira de fazer oposição, para a oposição no Stricto sensu seria a aproximação ao governo, seria um momento de tolerância e tréguas entre o partido no poder e os partidos de oposição. Claro que é importante que exista abertura por parte do governo para receber os braços da oposição.
A fotografia que falta, a imagem que falta nos telejornais e nas primeiras páginas dos jornais, é dos partidos juntos e unidos, e o governo e a oposição juntos nas respostas locais e reais face a pandemia.
Eu, cidadão do bem, venho por este meio denunciar às autoridades do Estado, particularmente, a Polícia da República de Moçambique, que os insurgentes não estão a obedecer o Estado de Emergência decretado pelo Chefe de Estado. Não lavam as mãos com água e sabão regularmente, nem álcool-gel têm, os gajos. Não estão a manter o distanciamento social. Os gajos andam em grupos numerosos. Não estão a usar máscaras em espaços públicos como recomendou o Conselho de Ministros.
Isso é um acto de desobediência fragrante. Como cidadão preocupado com o respeito rigoroso da lei, gostaria que os mesmos fossem obrigados a obedecer as ordens do Chefe de Estado, o Comandante em Chefe. As ordens do Chefe de Estado são de cumprimento obrigatório.
Caso não saibam onde estão, gostaria de dizer que esses desobedientes vivem em Cabo Delgado. Andam ali entre Macomia, Mocímboa da Praia, Quissanga, e ontem foram avistados em Muidumbe. Estão a passear naquelas bandas muito folgados como se não estivessem a viver neste país onde o Presidente da República decretou Estado de Emergência. É preciso pôr esse grupo em quarentena domiciliar obrigatória e fazer "uma bateria de exames".
Achei importante fazer esta denúncia quase anónima porque sei que Estado de Emergência é a única coisa que tira sono a nossa autoridade. Parece-me que, quando a Polícia ouve que alguém violou o Estado de Emergência em algum lugar deste país, chega logo. Parece-me que este Estado de Emergência é mais importante que tudo neste país. A Polícia não dorme quando ouve dizer que alguém deixou o nariz escancarado e a boca solta.
Aldeias podem destruir. População podem humilhar, esquartejar, queimar, matar. Bens públicos e privados podem destruir. Comida podem roubar. Quartéis e esquadras podem tomar de assalto. Vilas podem tomar de assalto. Vossas bandeiras podem pendurar onde e quando quiserem. Tudo, menos desrespeitar o Chefe de Estado. Tudo, menos desobedecer as ordens do Chefe de Estado, o Comandante em Chefe. Se conseguissem arrancar aquelas armas como fizeram com bicicletas e "mai-love", digo moto-taxi, seria muito bom.
Na esperança de ter ajudado e aguardando que cheguem logo para fazer cumprir a lei, subscrevo-me com elevada consideração e obesa estima.
Atenciosamente.
- Co'licença
O debate sobre a “Unidade Nacional” em Moçambique fora inacabado, e talvez por isso, é um assunto espinhoso, pois agita muitas sensibilidades e algumas delas altamente inflamáveis. À distância, e sem que vá à fundo, entendo a “Unidade Nacional” como o sentimento de pertença à uma nacionalidade e para o caso, a moçambicana. A realização do campeonato nacional de futebol, vulgo “Moçambola” (sobretudo nos moldes clássicos de todos contra todos), é apontado – e até nos círculos do poder - como uma das vias da consolidação da “Unidade Nacional” e desse entendimento são mobilizados fundos e mundos para assegurar a sua periódica concretização anual.
Confesso que nunca engoli que o “Moçambola” fosse (merecesse) assim tanto. E porque gosto de Basquetebol (até podia ser uma outra modalidade), sempre exigi o mesmo tratamento. A resposta é de que este desporto não movimenta massas (muita gente). Aliás, nenhuma outra modalidade desportiva no país movimenta massas como o futebol e talvez por isso, a justificação do reiterado carinho do Estado ao “Moçambola” e em detrimento das outras actividades desportivas que movimentam menos massa e assim, e já agora, com menor ou nulo potencial para contribuírem para a “Unidade Nacional”.
Neste contexto e com o impacto da pandemia COVID-19, a não realização do “Moçambola” não será uma ameaça para a “Unidade Nacional”? Por força ou não da COVID-19 a sua não realização não constitui nenhuma ameaça, pois julgo que o “Moçambola” não é e nunca foi um factor de “Unidade Nacional”. Para mim, e para citar um de tantos de índole desportivo, um exemplo de factor de unidade nacional – o sentimento de pertença a uma nacionalidade (moçambicana) – foi o gerado pela Lurdes Mutola quando conquistou a medalha olímpica de atletismo, que é, a propósito, uma modalidade que não movimenta massas no país.
Como ameaça, a COVID-19 é apenas para o “Moçambola” e não para a “Unidade Nacional”, pois, fora o uso quotidiano da máscara e outros, a COVID-19 deixará como legado da sua passagem o facto de ter desmascarado a utopia de que o “Moçambola” é um factor de “Unidade Nacional” e daí a luz verde para o assalto aos parcos recursos das empresas e do Estado. Ademais, e a ser uma ameaça, provavelmente fosse contra um outro tipo de unidade e para o caso em questão (futebol), a passional.
E a fechar, nem tanto a ver, e pelo que se consta dos meandros da bola e com uma certa naturalidade e tradição, não fica bem que o Estado insista em drenar recursos em algo conotado, entre outros, com a alta corrupção, tráfico de influências, sonegação de impostos, falsificação de documentos, lavajem de dinheiro, pancadaria, racismo e o tribalismo. Isto sim: talvez atente contra a “Unidade Nacional” e como prevenção, rezo que não falte muita água e sabão, um outro legado da COVID-19 para o “Moçambola” e não só.
Aqui ao lado da minha casa mora um homem despromovido a categoria de alcoólatra. Um indivíduo que passa a vida no “Senta-baixo”, onde não pára de contar as mesmas histórias de uma Alemanha Democrática que agora só existe na memória. Repete-as de tal forma que já ninguém as presta atenção. Mas ao que parece, a vida do meu vizinho só fez sentido uma vez, quando ele esteve na Europa nunca antes sonhada, amealhando a provisão para os tempos de estiagem que provavelmente viria enfrentar em Moçambique, sua mátria.
Lembro-me dele quando acabava de chegar, nos princípios da década de noventa, cheio de vigor, inesperadamente repatriado sem nada no regaço, a não ser a moto da marca MZ, uma mulher loira rendida aos encantos do negro, e uns poucos marcos (antiga moeda alemã) que passou a esbanjar em esbórnias sem fim, se calhar sem saber que toda aquela exuberância era falsa, e que a loirinha não iria suportar viver em condições de miséria. Aliás, ele próprio não percebeu de imediato que tinha regressado a miserabilidade, por isso ainda andou por aí, espalhando um charme de nada.
Tinham-lhe dito que regressaria ao trabalho e ao frio da Europa, logo que passasse a tempestada provocada pela derrocada do muro de Berlim, e isso dava-lhe alento. Podia gastar tudo, pois, as mãos para trabalhar estarão sempre prontas para repor o que se tirou do celeiro. Sou jovem e forte, dizia ele, e tenho o amor da minha namorada. Com a força que ela me dá, nada vai abalar a minha alma, nem o meu corpo, nem os meus sonhos.
Porém o que o meu vizinho não sabia, é que o seu destino estava nas mãos de outras pessoas. Algumas delas sem honestidade. Capazes, por isso mesmo, de apagar em definitivo o sol que começou a descer para o poente, no dia em que os barcos de cabotagem atracaram e de lá foram descarregadas as motos e as geleiras e pouco mais, e algum dinheiro no bolso, que nem era nada. Ele não previu a desgraça que lhe esperava, nem pressentiu que todo o amor florindo a sua volta, corporizado pela mulher loira que trazia nos braços, iria cair no escuro. Ela capitulou e deixou o madjerman no meio do oceano, como uma bóia a deriva.
Passam mais de trinta anos, e o meu vizinho continua na longa espera de nada. Aliás, pode ser que esteja a espera de partir profundamente magoado, rumo ao desconhecido, pois já percebeu que da Alemanha, provavelmente não haverá mais sinal. Nem do governo. O Próprio Jehová, segundo diz este homem que vai minguando a cada gole de aguardente, não tem certeza de que algum dia cairão nas nossas mãos, as notas do sangue que vertemos. E se Deus de Jacob e de David e de Abrahama não tem certeza sobre o nosso futuro, isso significa que o diabo já tomou conta de tudo”.
Na verdade o meu vizinho faz-me lembrar um piloto de guerra que, impedido de voar por lhe terem amputado um pé como consequência dos nefastos efeitos da diabetes melittus, ia todos os dias à base para ver os pássaros metálicos em pleno gozo de liberdade. No ar. Sentia como se fosse ele a pilotar, voando como águia, que voa com as suas próprias asas. É como o meu vizinho, fala constantemente de Dresden onde viveu e trabalhou, como se ainda estivesse lá. Está louco!
Basta uma “garrafinha” para toda a Alemanha descer-lhe a memória. Conta com entusiasmo as mesmas histórias já deturpadas pelo tempo e pelo álcool, e ninguém lhe escuta. Mesmo assim não pára, é como se estivesse no palanque, discursando para uma multidão só existente na sua imaginação. E ele tem uma necessidade urgente de delirar, de uivar como um cão selvagem abandonado e despojado de todos os seus haveres, na floresta de pedras pontiagudas. Removeram-lhe o coração!