O mundo partilha sentimentos de medo, incerteza, insegurança, desconfiança, crenças reforçadas da dualidade platónica, "corpo e alma". Uma parte refém da espera das descobertas dos " homo-deus", o poder e a 'vitória' da modernidade perante a grande noite, o grande apagão, os séculos das trevas, ou melhor, perante o período da idade média (matéria que o professor de história da 9° classe lecionava com muito gosto, numa das salas da Escola Secundária 25 de Setembro em Quelimane, mas nos níveis de estudo posteriores, descobres que afinal de contas, a idade média não era só trevas e escuridão). A outra parte refém na crença, na fé, nos espíritos, nos antepassados, ou seja, a alma é alimentada de várias formas, quanto mais tempo demorar a vitória da modernidade perante o Covid-19, mais as crenças da alma, do espírito, na consciência, da mente, serão reforçadas.
Em pleno século XXI, num mundo 'global' e avançado tecnologicamente, fica patente a relevância da dualidade corpo e alma e a 'cumplicidade' entre ambos. Enquanto o milagre do homem-deus não aparece, funciona o milagre das crenças, dos mukutos e das divindades. A crise é global, a vulnerabilidade é internacional, a solidariedade é a posição politicamente correta na moda, mas a máscara caiu de forma global, enquanto usamos as máscaras para nos protegermos, como se de uma peça de teatro se tratasse, as máscaras caem nos palcos das representações formais, perante a realidade crua e nua da Covid-19, como se fossem frutas a cair naturalmente das árvores.
Perante o lavar as mãos e as máscaras, voltamos à escrita figurativa ou à linguagem figurada, voltamos ao palco das representações e de formas recorrentemente inconscientes. A nossa psicologia individual e social, cria mecanismos para pensarmos no sentido das máscaras e do lavar as mãos, pois é o momento de passarmos a conhecer melhor as nossas máscaras e a sujidade que lavamos quotidianamente nas nossas mãos, ou seja, é momento de revisitar a génese cínica social a partir da antiguidade, olhar para o "Cínico" Diógeneses e a partir dele(s) perceber a evolução e a deturpação actual desta forma de ser e estar em grupo, por um lado, e estabelecer a 'fácil' ponte entre as máscaras que caem e o cinismo como forma psicológica e forma de socialização, por outro lado, mas sempre questionando sobre o tipo de sociedade que almejamos para uma fase pós-Covid. A dupla, máscara e mãos limpas, fazem parte da dualidade corpo-alma, ao usarmos a máscara e ao lavarmos as mãos, a nossa psicologia sente uma proteção inter e intra.
Perguntas como: qual é o assunto?, onde?, quando?, quem? podem ter respostas globais, mas, perguntas como: como fazer?, como responder?, como enfrentar?, como prevenir? e como mitigar?, não irão encontrar coerência global, mas sim, uma coerência glocal, onde a realidade, o contexto e o local são importante nesta equação. Evitando o modelo past and copy, que fica na dimensão superficial dos problemas, próximo a nulidade, que dificilmente alcançará a profundeza das realidades locais.
O que a dualidade corpo-alma, máscaras e mãos limpas, almejam é a solução, ou seja, é o ponto final. Mas a realidade apresenta, vírgulas insaciáveis, exclamações recorrentes, interrogações impacientes, mas o ideal é o ponto final, para simbolizar o 'fim' da narrativa Covid-19, ainda invisível ao olho nu e ao olho das lentes microscópicas.
O planeta Terra está a mudar, e com ele nós somos ' forçados' a mudar, são impostas novas formas de aprendizagens e socialização. Ou seja, ou mudamos, ou mudamos. Mas, depois da tempestade, vem a bonança. Como estará a nossa memória a curta prazo e seletiva, depois da tempestade? A pandemia e os seus pandemónios 'unem' diariamente os humanos, cada realidade quer o ponto final, mas cada realidade fá-lo com base nos ingredientes que possui, onde as fórmulas mágicas ou receitas globais, podem não funcionar.
Pandemia Global em contextos Glocais
Moçambique não é uma ilha, faz parte da aldeia global. Mas no final do dia a aldeia global é feita de pequenas aldeias, que aparentemente estão juntas, mesmo sabendo que na prática elas são diferentes, a começar pelos conceitos e indicadores de desenvolvimento. Ora vejamos, temos três cenários, perante a mesma pandemia:
- Universalmente a Organização Mundial da Saúde, diz " test, test, test".
- Nacionalmente a Organização Mundial da Saúde, diz " prevenção, prevenção, prevenção",
- Internacionalmente, a Correia de Sul, diz, " trace, test and treat".
São realidades diferentes para enfrentar o mesmo problema, ou seja, a pandemia. A OMS tem uma posição formal e mundial, mas a capacidade de seguir com as suas medidas e recomendações, infelizmente são locais. Cada realidade entra para este jogo com os jogadores e o tipo de bola que tem. Se ficarmos fixos nas mensagens globais, perderemos oportunidades de olhar para a realidade local, que é ideológica, histórica, política, social, económica e culturalmente diferente. Uns são desenvolvidos, outros são subdesenvolvidos e outros estão em vias de desenvolvimento. Mas no final, todos só tem uma opção, encontrar uma resposta local para esta pandemia global.
Uma das formas mais práticas de enfrentar esta pandemia, passa necessariamente pela aceitação da realidade, ou seja, o nível de desenvolvimento do país. E com base neste reconhecimento, suplantar a resposta nacional, sem ignorar outras realidades. Não temos a capacidade de construir um hospital em 10 dias, como fizeram os chineses, a nossa capacidade e realidade é de fazer testagem só na província de Maputo.
Os Estados Unidos da América produziram filmes interessantes e brilhantes sobre epidemias e pandemias, Hollywood sempre a construir na imaginação coletiva a capacidade deste país de conter vírus e pandemias, mas na realidade, no filme do quotidiano, a própria resposta a pandemia pelos EUA, vai se costurando na tentativa e erro (como colocaria o psicólogo norte americano, Edward Thorndike) e nos reforços positivos e negativos (como colocaria o psicólogo norte americano, Burrhus Frederic Skinner) a medida que a pandemia imparável, não perde forças. Localmente tivemos a vantagem de fazer parte do grupo dos últimos países a serem atingidos pela pandemia, mas com as condições e soluções locais, que uso foi feito desta vantagem?
Liderança como denominador global comum, com líderes 'locais'
Mesmo com referências e imaginações globais, os ovos para a receita do bolo da liderança e dos líderes, devem ser ovos nacionais e locais. Não se produzem líderes num piscar dos olhos, particularmente em tempos de crises, mas o ocidente imortaliza o primeiro ministro britânico Winston Churchill, pelas suas capacidades impactantes de liderança em momento de crise e guerra, vamos pensar nele no sentido pedagógico, pelo facto de num cenário de dificuldades e carências, ter dito mensagens realistas e de esperança.
São cenários e realidades diferentes, e perante a pandemia somos chamados a olhar para o real, no lugar do ideal. Mas a lição a tirar pode ser que, perante cenários de crises, recessão, guerras e pandemias nasçam líderes, ou podem ser reforçadas as lideranças. E por vezes a liderança pode não estar num discurso bem escrito e formal, pode não estar num ecrã que temos que ler, mas, pode ser que a liderança esteja associada à transparência e à realidade, nas palavras que saem de dentro, com as palavras empáticas, nas palavras não mágicas, mas que conseguem tocar o interior e a consciência das pessoas, pelas mensagens simples e realísticas, se concordarem, nas palavras que matam 'fome' psicológica e que 'enchem' a barriga.
Enquanto o ocidente elege os líderes que saberiam comunicar em tempos de pandemia. Enquanto Yuval Harari de forma 'imperativa' questiona a ausência de líderes na resposta à Covid-19, com a frase: "there seem to be no adults in the room", perante a postura de alguns políticos com atitudes egocêntricas, narcisistas, irresponsáveis e acrescentaria cínicas, com foco na realidade dos EUA. Localmente existem doutos na área de comunicação para pandemia, ou melhor, comunicação para Covid-19.
Num contexto onde o global não deve suprimir o glocal na resposta e comunicação face à pandemia, através das televisões, e nos meios de comunicação no geral, existem comunicólogos a esmiuçar sobre a pandemia. Onde as redes sociais passaram a ocupar o lugar das universidades, onde diariamente surgem diplomados com Bacharelato, Licenciatura, Mestrados e Doutoramentos sobre a pandemia, o que é naturalmente expectável no atual cenário de incertezas e medos, perante as máscaras caídas.
Localmente, desde o início desta pandemia é interessante ouvir nas sextas-feiras o comentador Tomas Viera Mário, que com uma pedagogia atilada, com maturidade, e sobretudo com muita sabedoria, de forma incansável, sem pretender ser 'mais papista que o papa', explica sobre a urgência e a necessidade de sabermos comunicar no contexto da pandemia, comunicar para a nossa realidade, comunicar não para o formalismo, mas sim para uma realidade concreta, num cenário concreto. A comunicação sábia faz parte das características dos líderes e da liderança. Mas quantos irão concordar com o comentador? Quantos irão dar relevância a esta mensagem com uma boa forma e tom? O comentador Tomas Vieira Mário, dentro da área que domina, sugere técnicas e métodos de como comunicar.
Mas a realidade precisa de narrativas fortes locais, lendas e 'epopeias' com o poder de evocar a consciência coletiva, capaz de acalmar os taxistas de bicicleta da província da Zambézia, os táxi-mota do distrito de Mocuba e da província de Nampula, as mulheres da província de Sofala que saem de casa limpas e chegam ao destino sujas por conta das ausência dos meios de transportes habituais, assim como a situação de carência de chapas cem em Maputo. Uma comunicação capaz de prevenir o caos, o colapso social e o social disruption.
Temos referências quase que consensuais no país: o Marshall Samora Moisés Machel e a sua capacidade de oratória, ou seja, "a luta continua"; a Dr.ª Joana Simeão, uma intelectual com o projeto civil e político ainda válido para Moçambique. Estes são dois exemplos, incapazes de esgotar narrativas e referências do Ruvuma à Maputo.
O que é ser 'oposição' e como ser 'oposição' em tempos de Covid-19?
Podemos olhar para esta categoria 'oposição' no lato sensu e no stricto sensu.
Lato Sensu
Em Moçambique ser rotulado ou conotado como ser de oposição não está associado só a filiação partidária, basta que tenhas um pensamento ou uma ideia diferente da maioria, ou que não concordes com a ditadura da maioria para que sejas batizado e legitimado como sendo da oposição ou oferecem a 'perdiz' ou o 'galo'. O ser da oposição ainda parece muito dogmático e inflexível, como se de um tabu ou dogma se tratasse, ou seja, como se fosse pecado ser da oposição, e para tal a melhor forma de tratamento seria a purificação e o castigo. O pensar diferente vai se afunilando como receio de ser rotulado por ser alguém da oposição. Aqui neste grupo não só cabem os 'críticos sociais', como a sociedade civil, muitas vezes vista como um 'braço' da oposição. Existe uma tendência de transformar a sociedade rica pela sua diversidade cultural numa ditadura do like, ou seja, a necessidade de naturalizar o yes, mas um yes forçado pela estrutura cínica suplantada no tecido social como forma de 'controlar' as forças físicas com as suas cargas negativas e positivas. Esquecendo que quer as cargas negativas, quer as cargas positivas são cargas moçambicanas, ou seja, ambos são moçambicanos.
Stricto sensu
Temos a própria oposição, ou seja, os partidos políticos com bancada parlamentar e extraparlamentares. Um grupo que não têm uma vida fácil. Ainda são vistos como uma espécie de praga ou vírus. Pois a moda é a pedagogia da maioria, o pensar em maioria não de forma diversificada, mas de forma linear. Mas em tempos de Covid-19, eles são chamados a resignificar as suas mascaras e lavarem as suas mãos de forma a serem mais 'práticos' para o país.
Mas, neste momento o que temos é uma sociedade polarização, de trincheiras, onde o tolerante vai perdendo várias batalhas, onde posturas e atitudes rígidas como “ou estás comigo ou estás contra mim”, vao legitimando a ditadura do like e as institucionalização e burocratização do 'cinismo', como partes da realidade e 'socialização'.
O nossismo (inter-relações sociais quebradas a partir do momento que aparecem indicadores de formas de pensamento diferentes), a intolerância perante a crítica e o pensar diferente, cria assim uma sociedade de trincheiras. Mesmos em tempos de Covid-19, em Moçambique de forma acentuada, e um pouco por todo o mundo entre a esquerda e a direita (ambos com seus extremismo e radicalismo) e as torres de marfim (as universidades), o que importa já não é a utilidade da ideia, mas sim o para-choque, ou melhor, o rosto da ideia. Sabendo que um dos riscos ou vulnerabilidade inconsciente do trincherismo é o desperdício de ideias que podem ser úteis para o bem-estar de alguns ou de muitos. O “estás comigo ou contra mim” pode ser um retrocesso em tempos de resposta 'nacional' ao covid-19.
A realidade que enfrentamos perante a pandemia é frágil e vulnerável. Representa uma fragilidade e vulnerabilidade global, mas com velocidades e impactos locais. A física da pandemia é singular num cenário de globalização, onde a solidariedade global da ouvidos aos nacionalismos (olhar primeiro para dentro e depois para fora).
A melhor maneira de fazer oposição, para a oposição no Stricto sensu seria a aproximação ao governo, seria um momento de tolerância e tréguas entre o partido no poder e os partidos de oposição. Claro que é importante que exista abertura por parte do governo para receber os braços da oposição.
A fotografia que falta, a imagem que falta nos telejornais e nas primeiras páginas dos jornais, é dos partidos juntos e unidos, e o governo e a oposição juntos nas respostas locais e reais face a pandemia.