Por conta recorrente da ocorrência do fenómeno de enchimento de votos na urna em cada pleito eleitoral moçambicano trago à mesa para reflexão um episódio longínquo e interessante de enchimento ocorrido na altura em que frequentei o ensino primário. Sublinho que o interessante foi o desfecho.
Corriam os anos oitenta de Samora Machel. Na turma, quarta classe, entre os colegas havia uma competição acirrada pelo pódio das notas que era sempre disputado por três alunos em cada teste ou prova. Entre estes despontava e levava sempre a melhor nota a colega Eduarda cujo pai, que nunca soubemos o nome, o tratávamos carinhosamente por ῎Pai da Eduarda῎.
O ῎Pai da Eduarda῎ era praticamente nosso colega. Era muito presente e de fazer inveja aos ῎Pais Turma῎ de hoje. No seu velho Peugeot trazia a sua filha e a levava de volta à casa no final da jornada estudantil. Ele fazia o mesmo quando a levasse ao clube e quase sempre ficava para acompanhar os treinos, incluindo em dias de competição.
O ῎deixar e pegar depois῎ ou ῎deixar, ficar e juntos regressarem῎ era a regra para todas as saídas de casa. Umas vezes apenas os dois e outras tantas os três: a Eduarda, o pai e a mãe. Uma bela imagem e marca que amiúde ocorre-me quando o papo são as saudades em encontros ocasionais ou não com colegas da altura da escola primária.
Porque o país vive mais uma turbulência pós-eleitoral veio mais uma vez à ribalta o ῎Pai da Eduarda῎ num encontro recente que tive com um colega da primária, por sinal também da mesma turma da quarta classe. Entre lembranças da altura, a do desfecho dado pelo ῎Pai da Eduarda῎ a um fenómeno de enchimento então ocorrido. Foi assim:
Numa certa prova a Eduarda teve a melhor nota e era a máxima, 20 valores. No dia seguinte o ῎Pai da Eduarda῎ não só deixou a filha como foi até a sala com ela. O assunto era a nota, pois na contagem paralela feita por ele a sua filha tinha apenas 16 Valores.
Tenho até hoje a nítida memória do momento em que o ῎Pai da Eduarda῎, diante do professor e perante toda a turma reclamava e exigia ao professor que repusesse a verdade. Feita a recontagem, confirmou-se a nota de 16 e no pódio da prova a Eduarda teve a terceira melhor nota da turma.
Lembro-me que no final da solenidade da reposição da verdade - que foi o momento em que o professor alterava a nota - e diante de sorrisos de satisfação do ῎Pai da Eduarda῎ e da sua filha, a turma aclamou o instante com uma longa e estrondosa salva de palmas. Foi bonito e recomenda-se.
PS: Em anteriores lembranças deste episódio, incluindo a última acima, sempre fica uma dúvida ou falta de consenso em relação ao enchimento feito pelo professor. Terá sido por mero engano ou propositado? Seja o que for, o facto é que o desfecho foi solenemente aplaudido e celebrado por todos.