O governo moçambicano aprovou uma estratégia que visa reduzir a dependência do país dos combustíveis fósseis, estimando que a sua implementação custará 80 mil milhões de dólares até 2050, para obter financiamento para desenvolver a economia.
Os primeiros passos da Estratégia de Transição Energética, aprovada em Conselho de Ministros a 21 de Novembro, segundo um relatório publicado pela agência de informação financeira Bloomberg, incluem a adição de 2.000 megawatts de capacidade hidroeléctrica até 2030 e a expansão da rede de transporte para permitir a adição de mais energia renovável.
Segundo a mesma publicação, o programa completo será apresentado hoje pelo Presidente da República, Filipe Nyusi, na 28.ª Cimeira dos Chefes de Estado e de Governo das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP28), que se realiza no Dubai, Emirados Árabes Unidos. A Conferência começou ontem, devendo prolongar-se até 12 de Dezembro.
“O país tem um grande potencial para ser um líder global no desenvolvimento alinhado ao clima”, lê-se no documento, enfatizando: “a Estratégia de Transição Energética estabelece um caminho claro para aproveitar estes activos de uma forma que permita o crescimento sustentável a nível nacional, apoiando simultaneamente a redução das emissões”.
A COP 28 decorre sob o lema Unir, Actuar e Entregar Resultados″ e acolhe este ano dirigentes de 198 Partes e conta com a presença de mais de 30 mil delegados.
Moçambique é o último país em desenvolvimento a procurar financiamento internacional para financiar o seu programa de transição energética. O Senegal tornou-se o segundo país africano a garantir um pacote substancial de financiamento climático de 2,7 mil milhões de dólares para apoiar e acelerar a sua estratégia de transição energética justa.
Já em Setembro, a directora nacional de energia de Moçambique, Marcelina Mataveia, disse que tinham sido mantidas conversações sobre financiamento com a Bélgica, Alemanha, Reino Unido e Emirados Árabes Unidos, e que um plano de investimento seria anunciado na reunião COP 28.
Embora Moçambique seja um dos países mais pobres do mundo, possui abundantes recursos hidroeléctricos, eólicos, solares e de gás natural. O país também possui jazidas de materiais essenciais para a transição ecológica, como lítio e grafite, que são utilizados em baterias.
Para incentivar a construção de centrais privadas solares e eólicas, o governo anunciou que pretende realizar mais leilões e construir “parques industriais verdes” para incentivar o processamento dos seus minerais.
Moçambique pretende também aumentar a proporção de etanol e biodiesel adicionados à gasolina e ao gasóleo vendidos no país para promover a utilização de veículos movidos a electricidade e gás natural comprimido. Para o governo moçambicano, o objectivo é universalizar o acesso à electricidade até 2030.
COP 28 obtém vitória antecipada com 260 milhões de dólares para danos climáticos
Os delegados na cimeira COP 28 adoptaram ontem um quadro para o fundo patrocinado pelo Banco Mundial, após meses de negociações. Os Emirados Árabes Unidos, país anfitrião deste ano, disseram que contribuiriam com 100 milhões de dólares, juntamente com outros 100 milhões da Alemanha. O Reino Unido comprometeu 50 milhões de dólares e o Japão adicionou 10 milhões.
Quase 200 nações concordaram sobre como administrar um fundo para ajudar os países vulneráveis a lidar com condições climáticas mais extremas, e as nações ricas prometeram pelo menos 260 milhões de dólares para iniciar o programa, marcando um avanço na abertura das negociações climáticas globais no Dubai
John Kerry, representante dos EUA, disse que o governo de Joe Biden trabalharia com o Congresso para fornecer US$ 17,5 milhões. As contribuições anunciadas libertam um mínimo de 200 milhões de dólares necessários para lançar as operações, preparando o terreno para começar a desembolsar dinheiro no início do próximo ano.
Os delegados também chegaram a acordo sobre uma agenda sem o drama das reuniões anteriores, estabelecendo um início tranquilo para a COP 28. O plano sobre perdas e danos, contudo, é apenas um dos três principais resultados que os negociadores estão a trabalhar para alcançar. Uma luta mais dura está pela frente sobre como os países devem reagir ao ritmo inadequado de redução das emissões de gases com efeito de estufa, o que já provocou discussões sobre o que as nações deveriam colectivamente comprometer-se a fazer em relação aos combustíveis fósseis num mundo em aquecimento.
O texto aprovado ontem estabelece um plano para a reposição do fundo a cada quatro anos, com contribuições provenientes de uma “ampla variedade de fontes”, incluindo subvenções e empréstimos concessionais. Mas não chega a exigir pagamentos, limitando-se a exortar os países a fornecerem apoio “numa base voluntária” e a convidar as nações desenvolvidas “a assumirem a liderança” no fornecimento do capital inicial.
Os EUA lutaram para garantir que o texto-quadro fizesse referência a contribuições voluntárias, e Kerry enfatizou que os EUA já fornecem financiamento de ajuda humanitária através de outros canais.
“É importante que o fundo não represente qualquer expressão de responsabilidade” ou “qualquer tipo de novo requisito legal”, disse Kerry aos jornalistas na quarta-feira. “Acreditamos que este fundo — da forma como foi concebido — irá satisfazer as necessidades dos países vulneráveis” e “poderá ser implementado de forma rápida, mas com confiança”. (Carta/Bloomberg)
A Associação das Indústrias de Óleos e Produtos Afins (AIOPA) propôs mais cinco anos de isenção do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) na comercialização do óleo, sabão e açúcar, introduzida pelo Governo em Dezembro de 2020.
Segundo o Secretário-geral da AIOPA, João Matlombe, a prorrogação visa proteger as indústrias que operam num ambiente económico competitivo. A intenção da AIOPA foi apresentada esta semana à Comissão do Plano e Orçamento da Assembleia da República, no contexto de uma auscultação em torno da isenção em causa.
Durante a audição, Matlombe defendeu a prorrogação da isenção com o facto de o sector estar a enfrentar desafios de vária ordem, com destaque para o alto preço de aquisição das matérias-primas, a fragilidade das indústrias já existentes influenciada pela Covid-19, associado a incentivos nos países vizinhos que contribuem para a concorrência desleal com a indústria nacional.
Citado pelo “Notícias”, o Secretário-geral da AIOPA disse também, aos deputados, que se não houver a prorrogação há possibilidade do encerramento das indústrias e, consequentemente, a redução de postos de trabalho e o impacto nas famílias. Sem isenção, disse a fonte, a comercialização daqueles produtos vai encarecer e aumentar o custo de vida dos moçambicanos, o que vai criar a desnutrição crónica e a pobreza.
Além disso, Matlombe destaca a necessidade de estabilização e recuperação dos investimentos realizados pelas empresas do ramo, salientando que, sem esses recursos, as fábricas estarão condenadas à falência. De acordo com o periódico, a vice-presidente da Comissão do Plano e Orçamento, Cremilde Muchanga, disse, por sua vez, que os deputados vão avaliar a proposta apresentada, numa altura em que, com o levantamento da isenção do IVA, o Governo prevê arrecadar 1.6 mil milhão de Meticais em receitas ao Estado em 2024.
As transmissões do açúcar, óleos alimentares e sabões gozam de um benefício fiscal consubstanciado na isenção do IVA, incluindo os respectivos bens e prestações de serviços, matérias-primas, produtos intermédios, peças, equipamento e componentes para a indústria nacional com a aprovação da Lei n. ̊ 16/2020, de 23 de Dezembro, com o prazo de 31 de Dezembro de 2023.
Em Outubro de 2022, a Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA) realizou um estudo que comprovou que o sector está de facto a beneficiar-se da isenção do IVA, contrariando uma análise feita pelo Centro de Integridade Pública (CIP), que dava conta de que a medida não trazia benefícios, principalmente aos consumidores (pois, os produtos eram caros) e ao Estado que estava a ser lesado na colecta do Imposto. (E. Chilingue)
“A actuação da Polícia da República de Moçambique [PRM], nos processos eleitorais, tem sido ajustada à medida que se consolida o processo democrático no país, portanto, não actua de forma arbitrária [autoritária], mas derziva da lei que estabelece as regras e circunstâncias da sua intervenção”.
Esta é a mais nova narrativa trazida pelo Ministro do Interior para justificar a carga policial verificada durante as principais fases do processo eleitoral (campanha eleitoral, votação e nas marchas de repúdio dos resultados), que resultou no assassinato de cerca de uma dezena de cidadãos, nas autarquias de Chiúre, Nacala-Porto, Nampula, Gurué e Quelimane.
Lembre-se que, no princípio deste mês, o governante disse, no Parlamento, que não houve uso excessivo e desproporcional da força durante as VI Eleições Autárquicas e que a Polícia “apenas garantiu a ordem e segurança públicas, protegendo todas as organizações políticas, criando condições de segurança e tranquilidade para que cidadãos exercessem e exerçam as suas funções sem nenhuma perturbação”.
Pascoal Ronda defendeu a sua nova narrativa, ontem, na Assembleia da República, durante a sessão de perguntas ao Governo, que termina esta quinta-feira. O governante respondia, assim, uma pergunta colocada pelo Movimento Democrático de Moçambique (MDM), que pretendia saber por que razão a Polícia se intromete sempre nos processos eleitorais.
Para o Ministro do Interior, nada aconteceu durante as eleições autárquicas que justificasse o repúdio e nem a contestação popular à actuação da Polícia, apesar de haver evidências que apontam para o assassinato, com armas do Estado, de cidadãos indefesos e desarmados.
Ronda diz não ter vislumbrado nenhuma irregularidade cometida pela Polícia e muito menos testemunhou a prática de actos que consubstanciem intromissão das forças policiais em prejuízo da liberdade dos cidadãos, da transparência e da justiça dos resultados, apesar de existirem evidências ilustrando a Polícia a carregar urnas e a introduzir mais de um boletim de voto nas urnas, com recurso ao voto especial.
“Pelo contrário, a Polícia da República de Moçambique sempre manteve a sua presença em todas as assembleias de voto com objectivo de garantir a protecção e segurança do processo de votação, bem como a efectivação do gozo das liberdades dos cidadãos”, defende Ronda, para quem a PRM pauta pelo rigor, respeito pela legalidade, isenção, imparcialidade, objectividade e apartidarismo, tomando em atenção o interesse público.
“Desde a introdução da democracia multipartidária, em 1990, a PRM sempre assumiu, com responsabilidade, o seu papel de garantir a protecção do processo eleitoral em todas as suas fases e em todo o território nacional”, reitera o mais novo membro do Governo, atirando a culpa aos membros da Renamo que saíram às ruas, dois dias depois das eleições para reclamar vitória, nas autarquias da Cidade de Maputo, Matola, Quelimane, Nampula, Angoche e Nacala-Porto.
“Estas manifestações [passeatas] desviaram a sua finalidade, alterando a ordem, segurança e tranquilidade públicas, gerando violência, que culminou com a destruição de património público e privado, para além de impedir a livre circulação de bens”, acrescenta o Ministro do Interior, defendendo que a Polícia “cumpriu com zelo e profissionalismo a sua missão de garantir a ordem e segurança pública em todas as fases do processo eleitoral”.
Refira-se que o clima de tensão causado pelas VI Eleições Autárquicas continua a caracterizar o quotidiano do país, com a Polícia a estacionar blindados em algumas Comissões Provinciais de Eleições, na Comissão Nacional de Eleições, no Conselho Constitucional e em algumas avenidas adjacentes à Presidência da República. (A.M.)
Depois do mal-entendido registado na segunda e terça-feira, as alunas muçulmanas na escola secundária da Catembe, na cidade de Maputo, já foram autorizadas a entrar na sala de exames com lenço, em cumprimento do ritual religioso. O caso deu-se com as alunas que pretendiam realizar exames da 10ª classe.
Inicialmente, as alunas muçulmanas foram impedidas pelo director daquele estabelecimento de ensino, Luís Rongo, de entrar na sala de exames com lenço, uma medida que gerou um ambiente de tensão nos últimos dois dias.
Mesmo aos prantos por considerarem a medida contrária aos preceitos religiosos, o director arrancou o lenço das cabeças das alunas, depois destas entrarem na sala, alegando que “Allah o iria perdoar”.
Na ocasião, o director teria dito às alunas que, apesar do decreto ministerial permitir que estas se façam à sala de aula com lenço na cabeça, não podiam pôr durante o período de exames porque podiam usar para esconder as suas cábulas.
“Tudo começou quando um grupo de inspectores que presumimos que sejam da Direcção da Educação da Cidade de Maputo entrou em algumas salas de aulas e se apercebeu que algumas de nós tínhamos lenço na cabeça e deu ordem ao director da escola para nos retirar da sala".
O grupo de alunas muçulmanas recusou tirar o lenço e tentou explicar que aquilo era bastante pesado para elas, visto que a religião muçulmana impõe isso.
“Mesmo no meio de choros, o director não se importou, arrancou o lenço das nossas cabeças e foi jogar bem próximo dos baldes de lixo e só usamos à nossa saída. Já em casa, expliquei a minha irmã o que aconteceu e ela disse-me que não havia necessidade do director fazer isso, era só ordenar que fôssemos à casa de banho com algumas professoras para nos revistarem, o que não aconteceu”, contou uma das alunas.
“Tirar-nos o lenço é como se nos tivessem a tirar a nossa roupa. Essa situação deixou-nos envergonhadas porque nunca mostramos nossas cabeças a estranhos. Nós não tiramos o lenço mesmo perante os nossos primos, mas o director obrigou-nos a tirar perante os nossos colegas”.
As queixosas dizem que essa atitude não agradou aos pais e ao Conselho Islâmico que acabaram se dirigindo à escola para protestar, o que gerou uma confusão com o director que nesta quarta-feira (29) acabou permitindo que as alunas muçulmanas entrassem na sala com lenços.
“Hoje permitiram-nos entrar com os lenços, mas obrigaram-nos a não tapar as orelhas, alegando que podíamos esconder algum dispositivo. Ainda nesta quarta-feira, alguns professores obrigaram-nos a tirar o brinco do nariz, o que não aconteceu porque não conseguimos abrir”.
Entretanto, a nossa reportagem soube ainda que a escola proíbe o uso de camisolas durante o período de exames, alegando que pode ser uma artimanha para esconder a cabula.
Tentamos ouvir a reacção do director da escola para perceber o que aconteceu, mas tal não foi possível, porque uma funcionária que se encontrava na sua sala impediu-nos, alegando que durante o período de exames a direcção não pode falar à imprensa.
Depois de várias insistências, a mesma funcionária, que não se quis identificar, quase nos escorraçou e optou pelo silêncio. (M.A)
O escritor de “Raiz de Orvalho”, título da sua obra inaugural, de natureza poética, apresentou ontem em Maputo sua mais recente proposta literária.
Mia Couto é como que um camaleão. Ele se transmuda na arte de escrever, embrenhando-se de alma profunda nos gêneros em que aposta, de quando em quando, fazendo deles um apeadeiro de onde se atira para propostas distintas, ora prosa, ora romance, de novo poesia.
Quando em 1983 lançou “Raiz de Orvalho”, no período mais áureo da poesia moçambicana (no ano seguinte, a Geração Charrua daria a estampa seu primeiro bornal de poemas e prosa e contos), pensava-se que Mia era apenas poeta e prontos.
“Raiz de Orvalho" fez quarenta anos neste ano e, ao longo deste tempo, Mia sedimentou no mundo o perfil de um escrevinhador multi-género. Sua obra, poucos mais de 30 livros, se espalha entre a poesia, o conto, o romance e a literatura infantil, onde as marcas identitárias do seu estilo estão incólumes: o realismo mágico ou fantástico, o resgate da tradição, a busca da identidade nacional, a oralidade e a valorização da memória cultural, etc.
Ontem, Mia Couto lançou em Maputo um “Compêndio para Desenterrar Nuvens”. Na véspera, ele conversou brevemente com o editor de "Carta de Moçambique", Marcelo Mosse, explicando, entre outras, o sentido de desenterrar nuvens. Leia:
Este "Compêndio para Desenterrar Nuvens” é uma cartilha para nós agirmos a que níveis?
Mia Couto: A ideia é que o que a gente procura tanto na literatura como na nossa vida quotidiana já está aqui, está oculto debaixo do chão, vamos dizer assim! Então, é um convite para revolvermos aquilo que a gente chama "realidade", que parece ser muito real, mas, afinal, é uma construção social, e termos coragem de revolver o nosso próprio chão, onde estão nossas grandes certezas e que as mesmas depois originam conflitos, situações de tensão porque cada um tem a sua própria certeza, cada um está convicto que está certo e, afinal, se a gente revolver esse chão lá para baixo, debaixo das nuvens, pode estar uma nova luz. Só que a gente tem medo de escavar!
Digamos que é um contraponto à ideia de enxergar longe?
M.C: É exactamente sobre isso! Esse longe está aqui, o longe está perto e temos medo de mexer no nosso próprio chão, sobretudo quando dizem que aquele é o único chão possível...as certezas de ordem política, filosófica, científica, etc.
Imagina tu…eu vi um cientista que ganhou um Prémio Nobel há dois anos, e ele só se questionou ... “eu acho que há outros factores de mudanças climáticas que não estão a ser bem equacionados como por exemplo a cobertura das nuvens… nós ainda não temos grande certeza…”.
Ele disse isso e foi logo atacadíssimo. Ele foi uma heresia! Só levantar uma incerteza sobre aquilo que agora é tido como absolutamente certo, seguro, resulta num ataque pessoal, transforma-se numa coisa completamente polarizada.
Não é que eu defenda que não há mudanças climáticas, e que não temos que nos preocupar. Mas quando tu fazes uma projecção a longo prazo, nessa linha ou nesse gráfico que tu estás a fazer do que vai acontecer daqui a cinco anos, se nesta linha em 2023 altera-se um milímetro que seja, lá na ponta em 2040 ou 2050, a mudança dessa linha ou a configuração desse cenário mudam profundamente.
Tu és um pró ou um pessimista em relação às mudanças climáticas?
M.C: Eu acho que é visível que há alterações climáticas. O que eu sou é contra uma visão que não seja fundada na verdade científica. E a ciência está sempre a se questionar. Tem que ter essa liberdade de se questionar, porque se fica presa num assunto político, sabes tu que, de repente, surge gente que vem com as grandes soluções, milagres…por exemplo, agora, de repente, tu tiras os combustíveis fósseis e tens a energia eléctrica, os carros são movidos por energia eléctrica. Mas será que isto foi bem questionado?
Isto tem a ver também com a discussão sobre se devemos ou não avançar com o Gás do Rovuma. Há um radicalismo exacerbado sobre o assunto, que, pior, resulta claramente de uma demanda de fora…
Exactamente! O ponto para mim é que vão acontecer soluções combinadas. Podes ir progressivamente restringindo o uso dos combustíveis fósseis. Agora, a ideia de que é preciso parar tudo neste momento e quem tem que pagar essa factura somos nós, povos que poluíram muito pouco em comparação com os ricos, essa ideia mostra que há uma agenda qualquer que eu acho ser de muito pouco interesse para Moçambique.
Essa ideia da interdição total, essa intolerância, esse fechar de portas acontece também, por exemplo, em relação às barragens, que são energias ainda mais limpas. Num momento em que os factores energéticos são os grandes factores de desenvolvimento dos países, hoje, para sairmos desta encruzilhada da pobreza, estão a fechar as portas ao nosso próprio país?!!
Mas é assim: o que posso dizer é que sou contra soluções mágicas totais, como sou contra a condenação total como se fosse a diabolização ideal: tipo se não tivermos o petróleo ficamos muito bem, se não tivermos o gás ficamos bem.
O que não é verdade porque, por exemplo, mesmo esse hidrogênio que está agora a ser descoberto como a grande salvação para o futuro, "e é o futuro!", como se o futuro fosse uma única coisa, para produzir esse hidrogénio terás que gastar imensa quantidade de energia e de onde vem essa energia? Vem do petróleo; vem do gás!
Estás a lançar um livro poucos dias depois de um acórdão polémico do Conselho Constitucional (CC) em relação aos resultados das eleições de Outubro. O que pensas sobre o momento político actual?
M.C: Eu acho que a democracia em Moçambique tem que ser medida, avaliada, em vários pilares. Se um pilar for a ausência do medo, estamos razoavelmente bem! Na sociedade em geral não há medo para as pessoas se expressarem, falarem, manifestarem-se.
Eu acho que este foi um passo positivo, por exemplo, ver as manifestações, mesmo que elas tivessem sido reprimidas e com uma violência excessiva em algum lugar.
No geral, elas foram um passo positivo se tivermos em conta um país onde há 12 ou 15 anos não tinhas polícias a protegerem esses manifestantes e, provavelmente, elas nunca teriam sido autorizadas.
Então, acho que essas pequenas vitórias não podem ser apagadas em nome de uma contestação política que tem cor partidária, seja ela qual for.
Por mais que possa haver contestação sobre o modo como foi conduzido todo este processo eleitoral, o facto de haver tribunais que actuaram no momento próprio, mesmo que essa actuação seja agora contestada tecnicamente, isso já foi positivo. Isso não havia há dez anos.
Mesmo o Conselho Constitucional, que muitos podem ter dito que não agiu com todaa verdade, para mim a sua actuação foi um passo em frente, mesmo que falte, por exemplo, apurar as responsabilidades onde se provou que houve fraude.
Há também uma percepção de que o voto não foi soberano. O que Moçambique tem que fazer para devolver o voto ao eleitor?
M.C. Eu acho que algumas dessas recomendações estão contidas no acórdão do Conselho Constitucional, que já aponta para fragilidades da própria lei. É preciso questionar como é que se vai criar, com isenção, os STAE’s e as Comissões Nacionais de Eleições? Tem que se começar por aí. Quem faz a gestão quotidiana do processo eleitoral e quem depois vai devolver a verdade e certificar a veracidade desses resultados, tudo isso devem ser instrumentos completamente credíveis. Temos que ir até ao um ponto em que esses órgãos vão conferir credibilidade aos processos, isentos de influência partidária.
Este livro é um regresso à poesia, à prosa?
M.C: São crónicas que eu tenho publicado como colaboração na Revista Visão. Depois eu faço uma selecção e revejo esses textos transformando as crónicas em contos. Já tinha feito com “O Caçador de Elefantes Invisíveis”, que lancei há um ano e meio em Maputo, e agora são novos contos que têm a ver com a guerra em Moçambique, com a situação social que se vive, a injustiça que é uma pessoa morrer em Cabo Delgado e não ser notícia em lado nenhum, e quando morre um israelita ou um ucraniano é notícia global. (Marcelo Mosse)
Na sequência de uma denúncia feita através de redes sociais, o Gabinete Provincial de Combate à Corrupção de Tete (GPCCT) instruiu o processo n° 18/05/GPCCT/2021, por existirem fortes indícios da prática de crimes de Peculato, Falsificação de Documentos, Branqueamento de Capitais e Associação Criminosa, contra sete funcionários da Autoridade Tributária, Delegação de Tete.
Com efeito, em nota enviada à “Carta”, o GPCCT refere que, no dia 27 de Novembro de 2023, os indiciados em questão foram detidos e presentes ao Juiz de Instrução Criminal para efeitos do primeiro interrogatório, pois, no uso das suas competências, apoderaram-se de recursos financeiros recebidos a título de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRPS) em benefício próprio.
As acções perpetradas pelos indiciados lesaram o Estado num valor global de 164.502.841,41 Meticais. Neste contexto, o GPCCT apela a todos os cidadãos a se absterem da prática destes actos, pois, representam uma afronta aos princípios de Ética e Integridade, ditames orientadores para a construção de um Estado de Direito e Democrático. (Carta)