Não é nova a ideia de venda de estrelas. Promotores turísticos colocam estrelas e constelações, como produto ao alcance de seus clientes. Assim, os pacotes turísticos ganham novos atractivos. Ponta Mamoli e alguns outros resorts, coincidentemente, já fazem uso e recurso destas técnicas promocionais. Não vendem estrelas, mas potenciam o paz, sossego e calmaria, como antídoto de qualquer stress. Tudo, obviamente, associado ao prazer de contemplar o potencial turístico, a culinária e a beleza exótica de ecossistemas especiais. No meio do turbilhão que sacode títulos e manchetes jornalísticas, Naomi Campbel, a célebre modelo, negra, britânica, passou alguns dias no sul de Moçambique. Mais exactamente, na Ponta Mamoli. Esse "lodge" encalhado no majestoso ecossistema Maputaland-Pondaland que, faz algum tempo, despertou os apetites e curiosidades de cientistas e ambientalistas, de todas as partes do mundo.
O "hotspot" de biodiversidade da Maputaland-Pondaland, que se estende por mais de 275.000 kms quadrados, através de Moçambique, Suazilândia e África do Sul, faz parte das 34 áreas de conservação de biodiversidade consideradas das mais biologicamente ricas e diversificadas do planeta. Porém, e infelizmente, são regiões ameaçadas e com algumas espécies endémicas em risco. Portanto, têm, por conseguinte, potencial para serem economicamente exploradas e viabilizadas, e possuem características sui géneris. Aliás, como diz a própria Naomi Campbel, o céu nunca foi o limite, pois nós próprios somos o limite que pretendermos.
Mas não foi apenas a Naomi Campbel que visitou o complexo White Pearl, neste 2019 que agora inicia. A modelo croata Nina Vagic, igualmente de enorme reputação mundial e colega de longa data da outra, veio junto. Luciano Huck, do Brasil, famoso e aclamado apresentador de televisão da Globo, e a sua esposa Angélica também estiveram no país, desta feita em Inhambane. Até o Presidente do Botswana escolheu este canto para repousar. Nada acontece por simples coincidência. O mais importante segredo do turismo é sempre um bom plano de marketing. O marketing quando estabelecido de forma estratégica e, com alvos definidos, tem a condição de atingir alvo certos e, depois, os resultados aparecem! Verdade que a estabilidade que o país vive, os sinais externos que emite, contribuem e mobilizam. As estâncias precisam de fazer a sua parte, assegurando que as estadias sejam serenas, tranquilas e, acima de tudo, proveitosas.
Estas presenças servem para ajudar e publicitam o emergente turismo moçambicano. Colocam o país na rota dos circuitos de turismo de baixa intensidade e alto rendimento. Deste modo, as instâncias turísticas ganham seus espaços de eleição e competitividade. As vantagens comparativas despontam e os padrões de qualidade criam seus segmentos de mercado. Assim funciona a indústria turística pelo mundo.
Mas, não basta potencial. Tão-pouco o marketing por si só faz milagres. Os contornos vão muito para além destes elementos. Temos de ser competitivos e propiciar as condições atractivas para os visitantes. Ao longo de anos, o maior diferenciador de incentivo foi o turismo cibernético. Para o interior das coutadas desaguavam caçadores desportivos que, a troco de troféus, a preço de banana, alimentaram as coutadas e comunidades vizinhas. A instabilidade militar reduziu consideravelmente a apetência pela fauna nacional!
Os furtivos, então, encontraram espaço para os desmandos. As praias, podem agora substituir estes segmentos e despontar como os novos delfins do turismo nacional. Convenhamos, desta forma, que estas e outras visitas não têm aparecido por acaso!
As estâncias ainda apresentam preços pouco competitivos e a promoção tem sido feita extras-muros. Próximo das constelações. As primeiras visitas do Prince Harry, seguidas depois do Dolce & Gabbana, abriram os caminhos para que estas novas visitas aconteçam. Poderemos esperar por mais, principalmente, se a mobilização boca a boca continuar. Porém, as exigências vão aumentar e o nível de preparação terá de ser outro.
Na recente visita da dupla Naomi e Nina ficou evidente o nível de exigência. Chegaram com volume de bagagem anormal e acomodar esses volumes exigiu perícia. Apenas bebiam, por força de seus contratos profissionais, água da Evian. Isso, porém, só foi alertado, com as visitantes já no terreno. Não adiantaria pensar em fazer compensações. Mesmo estando em locais remotos foi necessário encontrar soluções, bem como equacionar outras questões tão exigentes como sendo o cuidar do cabelo, das unhas e etc. Ter os mesmos funcionários, para o atendimento personalizado, também, foi uma experiência desafiante. Estes requintes e confortos, têm de ser associados a momentos de rara qualidade, educativas descobertas, pura diversão e relaxamento.
Obviamente, tudo isto serve e serviu de aprendizado para a gestão do White Pearl, como de toda a cadeia que esteve envolvida. A primeira impressão, como diz um adágio popular, é a que mais conta. Então, para começo de jornada, elas ficaram impressionadas, como têm ficado os restantes visitantes. Moçambique tem, por natureza, o dom da hospitalidade, por conseguinte, beneficia desse factor de forma proveitosa. Este teste foi muito mais que um investimento, foi o reafirmar de uma vontade de todos nós, de fazer do país um destino privilegiado.
Naomi, assim que terminou a visita, fez um "post" na sua página onde agradece ao White Pearl e a Moçambique por a ter acolhido, pelas experiências e hospitalidade. Oxalá, está exclusiva menção chegue aos olhos e banhe os ouvidos de outros tantos candidatos visitantes. Como promotora da Channel e outras marcas, abrem-se perspectivas de novas visitas e outras estrelas e constelações.
A evolução das sociedades demonstrou ao longo do tempo que nem todas elas dependem de si mesmas. Há momentos em que claramente se conclui que alguém (estranho) manda nalgumas sociedades e determina o que deve ser feito e como deve ser feito. Isto acontece em sociedades onde o poder político é fraco ou depende dos outros, ou quando está comprometido com outras agendas que o povo desconhece. São outros que, geralmente, determinam as regras de jogo político-económico e que acabam influenciando o ser e estar da sociedade no seu todo. Se a soberania de um Estado reside no seu povo, conforme se tem defendido nas ciências políticas e sociais, verdade é que esse mesmo povo nalgum momento deixa de ter o poder de exercer e decidir sobre matérias que lhe dizem respeito. Não se pode compreender um Estado que se deixa amordaçar por interesses alheios ao seu povo que é a razão da sua existência. Da mesma forma que não se pode deixar de criticar uma actuação passiva em relação a matérias de grande interesse e impacto social como é a das dívidas contraídas sem legitimidade e muito menos obedecer o que a Constituição da República preconiza.
O mais grave é o facto de todo o poder instituído parecer desconhecer (!) que era necessário que a Assembleia da República se pronunciasse e autorizasse previamente a realização de tais dívidas. Valeu a pressão popular para clarificar o mal cometido e exigir a responsabilização, que, infelizmente, ainda não aconteceu.
O arranjo político protagonizado pela Assembleia da República para que as dívidas ocultas fosses inscritas na Conta do Estado, peca por não ter aguardado pela clarificação de todo o processo relacionado com as mesmas, razão pela qual o questionamento popular. Não se pretende com isso dizer que não se podia votar a favor, o que se pretende dizer é que a votação deveria ter obedecido os princípios da prudência e certeza. Ora, se já está claro que as dívidas foram contraídas sem o consentimento da Assembleia da República e se elas estão a causar um mal-estar maior ao povo, então, no mínimo, o que o poder político deveria fazer é pedir desculpas e reconhecer o erro cometido, recuar na sua decisão e exigir que se clarifique a situação antes de se carimbar o voto de aceitação parlamentar. Para além disso, é necessário que se mostre ao povo que há vontade política de se responsabilizar os autores da referida dívida e não deixar que qualquer pessoa especule sobre matérias tão sensíveis de que não possui conhecimento. Tudo quanto se tem dito não mostra clareza absoluta sobre o que aconteceu ou está a acontecer, colocando ainda mais confusão na mente das pessoas.
Não se fala doutra coisa senão das dívidas ocultas. Vive-se um ambiente de especulação e desconfiança que não é benéfica para o País. Uma coisa é certa: Contraiu-se uma dívida que não se sabe ao certo quanto é como é que foi gasto o dinheiro. Ora, os últimos pronunciamentos e desenvolvimentos em face da detenção do ex-Ministro das Finanças, Manuel Chang, sugerem que fomos mesmo enganados. Aliás, considerando o que alguns membros do Governo tem dito, também não sabem ao certo o que aconteceu, senão de que há uma dívida por pagar, resultante de um empréstimo feito a favor das empresas Ematum, Proindicus e Mam. Então, se o Governo não sabia ao certo o que estava a acontecer com as referidas dívidas, porque é que remeteu à Assembleia da República para o seu reconhecimento? Quer parecer que a Assembleia da República ao votar a favor de inscrição das dívidas ocultas fê-lo na plena consciência de que o Executivo estava consciente de que as mesmas eram reais.
Partindo do princípio de que os Bancos emprestaram o dinheiro àquelas empresas tuteladas pelo Estado e este avalizou tais empréstimos através das garantias que prestou, certamente que alguém do Governo esteve envolvido nesta operação. Além disso, e ao que se sabe, a empresa promotora da operação foi a Privinvest que montou todo o negócio juntamente com alguns dirigentes moçambicanos. Quanto é que cobrou pelo trabalho? A actual tese de que o Governo não tem conhecimento exaustivo do dossier não é aceitável, embora se compreenda que se trata de membros do novo Executivo, contudo, um dossier que vale 1 bilião de dólares não passa despercebido. Aliás, um dos grandes problemas que ainda não foi esclarecido é se todo o dinheiro foi usado ou ainda existe algum por usar?! Se porventura ainda existe, onde está depositado tal dinheiro e quem foi que depositou? Será que todos os equipamentos foram fornecidos? Se as empresas que beneficiaram de tal montante são do Estado, significa que pertencem ao povo, por isso, o mais certo seria que os seus responsáveis convocassem uma conferência de imprensa e informassem ao povo sobre o que aconteceu em relação aos projectos que ditaram a contracção das tais dívidas e o estágio das empresas em causa!
Se o Governador do Banco de Moçambique apareceu em público (embora pressionado) para explicar sobre o apagão das ATM’s, os tais responsáveis deveriam, também, dar a cara. Da mesma forma que seria bom, senão mesmo imprescindível, que um representante da Privinvest viesse a público informar o que aconteceu, pois, quer parecer que em relação ao seu trabalho, se pode aferir um cumprimento defeituoso do contrato, que lhe sujeita a ressarcir o Estado moçambicano pelos danos causados. O mesmo em relação aos bancos que concederam o empréstimo sabendo de antemão que tais projectos não eram viáveis. Depois de o povo conhecer a história, o resto seria deixado a cargo da justiça. A propósito, o Governo moçambicano até poderia (e ainda vai a tempo) intentar uma acção judicial contra todos os que orquestraram as dívidas ocultas, ou seja a Privinvest, os bancos, membros do Executivo moçambicano, funcionários, beneficiários das comissões, etc. e vasculhar o envolvimento de tais empresas americanas que se diz terem sido lesadas e que levaram com que a justiça americana emitisse o mandato de captura internacional contra o ex-Ministro das Finanças moçambicano, os trabalhadores dos bancos mutantes e funcionários da Privinvest.
A não ser isto feito, nada mais resta senão dizer que fomos de facto enganados, e de que maneira! A detenção do antigo Ministro das Finanças é um filme para desviar as nossas atenções, pois, não visa discutir o cerne da questão, mas sim, as comissões recebidas. Isto é assunto dos outros. O que interessa aos moçambicanos é saber dos meandros da dívida no seu todo. Já agora importa dizer que a nossa justiça brincou em serviço e propiciou um espectáculo barato ao não avançar com os processos na base dos factos em seu poder. Ela tinha tudo para iniciar um ou vários processos judiciais sobre a matéria e mostrar interesse em desvendar este caso. A questão de fundo não são as comissões, mas sim, o grosso do dinheiro que constitui a dívida que pelos vistos foi contraída com o apoio dos bancos que concederam o dinheiro e que os seus responsáveis deveriam ser chamados a esclarecer. Como se pode ver, ao invés de nos atermos ao caso do ex-Ministro das Finanças, devemos prestar maior atenção ao assunto principal que é de facto a dívida no seu todo e que afecta todo o povo moçambicano. Finalmente, o que pagar e como pagar, só é possível dizer depois de tudo estar devidamente esclarecido. Enquanto isso, está mais que claro que a dívida não deve ser paga.
*Docente da Faculdade de Economia - UEM
O Centro de Integridade Pública (CIP) está sob ataque. Este começou nas redes sociais com acusações que sugeriam que o CIP que estava a fazer uma campanha política para derrubar o Governo da Frelimo a mando da habitual “mão externa”, donde seguiu-se uma intervenção do Governo, através da Polícia da República de Moçambique, que passou a impedir que os cidadãos interessados se dirigissem à sede do CIP para obter as camisetas da campanha ou, então, para esbulhar violentamente aqueles que já as tivessem conseguido.
Quem aterrasse hoje (dia 21 de Janeiro) no Aeroporto de Mavalane e se apercebesse dos actos públicos preparatórios e executórios desse ataque organizado contra o CIP pensaria que esta organização estaria eventualmente a organizar uma sublevação armada, manifestações violentas ou a fazer apelos ilícitos de desobediência civil – mas de facto nada disso está a acontecer.
O que na verdade está a fazer o CIP? No âmbito das suas atribuições, o CIP organizou uma campanha pública contra o pagamento das famigeradas dívidas ocultas. Não sendo a primeira campanha do género que apoia, a novidade é que o CIP estampou camisetas nas quais na parte da frente escreveu “Eu Não Pago as Dívidas Ocultas” e por trás colocou o montante total dessa dívida contraída ilegalmente. Seguidamente, convidou os cidadãos interessados a, querendo, irem buscar à sede do CIP uma camiseta dessas ou então a mandar estampar uma com dizeres semelhantes para com o seu uso manifestarem contra o pagamento das dívidas ilícitas.
Objetivamente este foi “o crime lesa-pátria” cometido pelo CIP. Promover uma campanha para mobilizar os cidadãos interessados a dessa forma pressionarem ou persuadirem o Estado moçambicano a não pagar as fatídicas dívidas ilícitas – em bom rigor, deveria ser para pressionar a não continuarmos a pagá-la; pois há muito que já as pagamos directa e indirectamente e com graves repercussões negativas a nível político, económico e social.
A primeira perplexidade que se me coloca é a seguinte: porque se considera ilícito uma que uma ONG cujo objectivo – contido no seu Estatuto aprovado pelo Governo – é a promoção e defesa da integridade pública, esteja a cumprir com o propósito para o qual foi criada? Conquanto, goste-se ou não se goste da campanha do CIP, ela traduz uma acção de cumprimento dos objectivos para o qual esta organização foi criada e autorizada a exercer actividade no nosso País. Mobilizar os cidadãos para se manifestarem a fim de pressionarem o Poder Político a não continuar a pagar uma dívida ilegal, odiosa e altamente danosa; contraída criminosamente contra os interesses e prioridades do povo moçambicano não é nada mais e nada menos do que uma actuação dentro da esfera da promoção e defesa da integridade pública. Ninguém em sã consciência pode acusar o CIP de neste caso não estar a cumprir as funções para os quais foi criado – note que o CIP existe porque o Governo aprovou os seus Estatutos, considerou os seus objectivos lícitos e socialmente relevantes e, por isso, deu-lhe existência jurídica e autorizou a sua entrada em funcionamento.
O segundo motivo de espanto é o de não saber ter a capacidade de antever que teoria jurídica foi desenvolvida – certamente por uma mente brilhante – para considerar esta campanha do CIP um acto de Polícia e contra ela se mobilizar uma força policial expressiva para impedir que esta organização cumpra com a sua missão e que os cidadãos e interessados em dar expressão à campanha do CIP possam livremente manifestar-se contra a continuidade de pagamento das mal-afamadas dívidas ocultas.
Há alguma dúvida que tais são ilegais? Não há! Nem o Parlamento se atreveu a tanto. Lembremo-nos que Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (constituída maioritariamente por deputados da Bancada da Frelimo e um deputado do MDM) sobre as referidas dívidas também as considerou ilegais, embora recomendasse que o Estado moçambicano assumisse o seu pagamento. Não existe nenhum órgão de soberania deste País que tenha considerado que tais dívidas, sobretudo que a emissão de garantias soberanas para cobri-la, eram legais. Nem mesmo a Resolução da Assembleia da República que mandou inscrever a referida dívida na Orçamento Geral do Estado (cuja constitucionalidade ainda está por apreciar há mais de um ano no Conselho constitucional) considerou tal dívida legal. A justificação dada na altura era que se Moçambique tivesse que pagar, tais montantes deveriam estar preventivamente inscritos no orçamento. O que sempre foi o pomo da discórdia era discutir se neste circunstancialismo ilícito em que a dívida foi contraída, se o Estado moçambicano deveria assumi-las, por força das garantias ilegalmente emitidas, ou repudia-las. O Poder político instituído defendia a assunção, a oposição, várias organizações da sociedade civil e seguramente milhares de cidadãos moçambicanos defendiam o repúdio.
Não foi o CIP que inventou a tese de que os moçambicanos não deveriam pagar esta dívida. Esta tese nem sequer é nova. Uma das primeiras vozes, que eu me lembre, que se fez ouvir e escreveu fundamentadamente contra o pagamento da mesma, há pelo menos mais de 2 anos, foi o Professor Carlos Nuno Castelo Branco. A eles seguiram-se vários outros renomados e anónimos cidadãos, grupos de cidadãos, ONG’s, etc. Actualmente, o CIP apenas tenta dar expressão material – através esta campanha - à indignação colectiva de um numero elevados cidadãos moçambicanos que acham que não devemos continuar a pagar essa dívida ilícita.
Creio que ninguém ignora que esta intervenção policial contra as actividades do CIP e contra os cidadãos que através dela se querem manifestar contra o pagamento das dívidas ocultas é uma afronta à Constituição e aos direitos, liberdades e garantias nela formalmente assegurados. Desde logo, contra o direito à liberdade de expressão e de pensamento. Seguidamente, contra a liberdade do CIP informar os cidadãos moçambicanos, no contexto dos fins para os quais foi criado, e o consequente direito destes cidadãos serem informados. Há igualmente uma clara agressão ao direito fundamental à manifestação, porquanto o uso da camiseta com a inscrição “Eu Não Pago as Dívidas Ocultas” é uma forma lícita, pacífica e ordeira de um cidadão ou um grupo de cidadãos manifestar-se contra aquilo que entende ser a violação dos seus direitos e legítimos interesses.
Portanto, o uso de força estatal contra a campanha do CIP não é apenas um ataque contra esta organização, mas também e sobretudo, contra a Constituição e contra a cidadania activa ... no fundo uma agressão -mais uma - contra o Estado de Direito democrático que insistimos em dizer que somos, mas materialmente recusamo-nos a sê-lo. Que ninguém se engane a pensar que esta manifestação autoritária e autoritarista do Estado têm que ver apenas contra a campanha do CIP ou contra a distribuição de camisetas estampadas. Não é o medo da campanha do CIP que levou os nossos dirigentes a enviarem força policial para tentarem contê-la à nascença.
É o medo das consequências desta perante o circunstancialismo interno e externo altamente desfavorável que presidiu à reacção despótica. Os nossos governantes não temem um mero apelo popular contra o não pagamento das dívidas ocultas, tanto mais que se percebe que este tipo de campanhas poderia de alguma forma ajudar à posição do Governo na negociação da dívida com os “credores”. O temor é que o descontentamento revelado a partir desta campanha se alastre para algo maior e se torne incontrolável. Receia-se que o CIP possa estar involuntariamente ou voluntariamente – depende dos pontos de vista - a acender um palito de fósforos muito perto de um barril de pólvora.
Portanto, o autoritarismo hoje exibido contra a campanha do CIP funda-se, por paradoxal que pareça, no medo. Seguramente por causa de uma série de circunstâncias internas e externas politicamente adversas que enumeraremos a título meramente exemplificativo: (i) a prisão de Manuel Chang; (ii) o conhecimento público da matéria indiciaria criminosa contida na acusação formulada pela Justiça norte-americana contra Manuel Chang e mais 2 moçambicanos; (iii) As tentativa feitas pelo Estado moçambicano de impedir a extradição de Chang para os EUA para ser julgados pelos crimes de que foi acusado; (iv) o exemplo do movimento dos coletes amarelos em França que resilientemente se manifestam contra o Governo de Emmanuel Macron e pedem a sua queda há mais de 4 semanas; (v) as manifestações populares no Sudão que duram há cerca de 1 mês e clamam pela queda do Presidente Omar Al Bashir e (vi) bem mais próximo, as manifestações contra o aumento do preço do combustível no vizinho Zimbabwe, as quais duram há mais de uma semana e inclusivamente já obrigaram ao regresso antecipado do Presidente Emerson Mnangagwa, que se encontrava na Rússia, ao País.
Repito, não se teme a campanha do CIP em si, temem-se eventuais efeitos de contágio dessa campanha por causa de um contexto político interno e internacional altamente desfavorável. Receia-se um eventual efeito dominó que este movimento de cidadania pelo não pagamento das dívidas ocultas possa provocar. E é em nome desse medo maior que o CIP está ser atacado. O CIP está a ser uma vítima ocasional do seu “timing”, das circunstâncias políticas interna e externas e do recurso ao autoritarismo para combater o medo.
Por isso, não adianta o CIP declarar que a sua campanha não tem fins políticos, pois isso é sabido. Mas, o medo de eventuais derivações políticas desta campanha, atentas as circunstâncias já referidas, não irá favorecer a compreensão neste sentido. O ataque continuará, pois o medo dirá que esta campanha do CIP não deve acontecer: não porque ela é política, mas porque é entendida nos meios do Poder como “politicamente inoportuna”. E no nosso País, como sabemos, a regra é a da “Política no Comando”. Na verdade, tudo isto aparenta ser um ataque do "Receio de Integridade Pública" (RIP) contra o Centro de Integridade Pública (CIP).
Quando olhamos para o mundo aí fora, percebemos que o xadrez político mudou muito rapidamente desde 11 de Setembro de 2001. O Ocidente aumentou a sua paranóia de perseguição aos muçulmanos – não deixa de ser paradoxo que a “civilização” ainda não tenha conseguido abrir-se, de facto, para o Outro. No campo político, a extrema-direita, na sua franja designada populista, por jogar com a demagogia com peculiar competência, tomou conta do poder em países-chave. A esquerda fracassou um pouco por todo o mundo, à excepção da sui generis China, que mantém uma estrutura comunista para governar uma economia capitalista que tenta ombrear com os Estados Unidos da América. É na categoria de extrema-direita populista que se encaixa, por exemplo, conforme a descrição que é feita pelos media internacionais, Donald Trump. A baixeza chega a ponto de se cogitar a possibilidade de que, durante a campanha, se teria recorrido à produção de fake news para fragilizar o adversário. Na França, Marine Le Pen. No Brasil, Jair Bolsonaro.
África não está alheia às alterações. Não que tenha seguido o mesmo destino. O Zimbabwe, embora se confunda com a réplica da parte inicial de Hamlet de William Shakespeare, Mugabe foi destituído. Do outro lado, por corrupção, Zuma caiu. Em Moçambique, o antigo Ministro das Finanças, Manuel Chang, pode ser extraditado para os Estado Unidos da América, onde responderá por vários crimes financeiros.
A estas realidades caóticas a sorte do jornalista não deixa de ser o azar. A classe continua a sofrer agressões. O mundo não para de nos escandalizar com terrores ao nível de esquartejamento na sala de um embaixador, com os media a contar que o acto macabro de desumanização foi transmitido através de uma videoconferência. Ou seja, do camarote, os mandantes assistiram à tragédia deleitando-se com o sofrimento do nosso colega da Arábia Saudita, Jamal Khashoggi. A impunidade não perdeu a oportunidade de vir à baila diante de provas confirmadas pelas investigações turcas e norte-americanas. A impunidade esfrega na cara de todos que, enquanto a verdade não for a de conveniência, o jornalista continuará a ser o alvo do poder estabelecido.
O país, igualmente, vive neste momento uma situação similar, em que a busca da verdade, a crença na frase de Carlos Cardoso, cujo credo era “não se pode colocar algemas nas palavras”, valeram o sequestro de um colega nosso. De acordo com o portal da Deutsche Welle, Amade Abubacar, jornalista da Rádio e Televisão Comunitária Nacedje, no distrito de Macomia, província nortenha de Cabo Delgado, encontra-se desde 5 de Janeiro preso por autoridades militares. Consta que foi levado para o quartel de Mueda. Conforme outro portal, a Carta Moçambique, o profissional de comunicação social é acusado de instigar publicamente ao crime, usando meios informáticos. Ouvida a família, colegas e próximos, ninguém acredita que a acusação vá ao encontro da verdade. A percepção com que se fica é a de que se trata de uma tentativa de silenciar a nossa classe, de amedrontar a busca do inconveniente – que é uma das missões basilares do jornalismo. Amordaçar a classe jornalística é ameaçar a democracia, que só funciona com cidadãos informados e esclarecidos. Sem informação, a liberdade é uma miragem. E este quadro não se encaixa nos nossos anseios. Não é esse país que queremos, não é nele que acreditamos.
Com efeito, a condição de Amade Abubacar aflige a classe jornalística. É preciso que se tenha consciência de que tal pode acontecer com qualquer um em exercício, no terreno, em busca de informação. Sou da opinião de que tratarmos este assunto de forma leviana é conduzir-nos para o interior do célebre romance “1984”, do britânico George Orwell. É abrir espaço para o totalitarismo, ainda que em regime democrático. Enquanto classe, devemos unir-nos para apelar a quem o tenha em seu poder para o libertar imediatamente a fim de que possa voltar ao calor da sua família, que o aguarda com lágrimas e a perder forças de tanto soluçar. Não é a primeira vez que temos um jornalista nesta situação. É certo que o silêncio é também uma mensagem que, neste caso, não parece a mais acertada. A passividade é uma ameaça ao nobre ofício de informar. Penso que não há ninguém melhor do que nós mesmos para exigir que nos tratem com mais respeito; doutra forma, ninguém o fará. Temos de nos unir para que o nosso labor jornalístico não seja ameaçado por interesses contrários à verdade. Temos de dizer que estamos juntos para defender a nossa classe.
Libertem incondicionalmente Amade Abubacar!
Na gênese do Estado moçambicano há uma indelével ligação com os Estados Unidos da América. A atender pelo mito fundador, “Chitlango, filho de chefe”, estudou e trabalhou naquele país e teve um trajecto tão "fecundo” que se casou com uma americana. Na lógica de familiaridades alargadas, para estas outras gerações que, eventualmente, sabem algo de Eduardo Mondlane, aquele país é terra de origem da “avó" Janet Mondlane, visões (dis)torcidas sobre “modernidade”, “50cent”... e nada mais!
Por conveniência, exacerbamos o significado de “soberania” e amplificamos pressupostos e fundamentos errôneos para vincar uma acepção maniqueísta do termo, com interesse instrumental e de defesa de agendas dúbias.
Simplificamos e trivializamos tudo. Em roupagens de “complexidade”, propalamos a ininteligibilidade das relações internacionais, pretensamente incompreensíveis para os comuns dos mortais. Nesta matéria, somos pródigos o suficiente para viabilizar uma “escola superior de proteção da soberania”. A extramudanização discursiva coverteu-se em subterfúgio e artefacto de arremesso para aterrorizar eventual desavisado.
Que ironia. Tão soberanos quão levianos!
Se nos ativarmos à memórias de longa duração (ode à memória curta) certamente que não teremos dificuldades em lembrar que, quando lutamos pela “pátria” e pela “soberania”, também conspiramos no exterior, acampamos no exterior, pedimos armas ao exterior, adoptamos ideologias inventadas no exterior, saltitamos entre socialismos e capitalismos abundantes no exterior!
Os montantes “superiores" ao orçamento do Estado são traficados e depositados no exterior! Para os que podem e querem, questões existenciais (saúde, turismo, negócios) tratam-se no exterior. Estudar, trabalhar, estabelecer parcerias... no e com o exterior é parte constitutiva das nossas “tradições”. Bastaria dizer que a simples agulha com que ajustamos os elásticos das nossas tangas vem… do exterior.
Mas entre nós, no contexto das relações com o exterior, a “fortuna” é tratada como dádiva e qualquer infortúnio é pregado como afronta à tal da soberania. Espanta-me essa cultura de “entitlement”(de direito) que se reserva o privilégio de aceitar as “sortes” e vilipendiar os “azares” decorrentes das relações com o... exterior.
Accionar todo um aparato Estatal (instituições e pessoas) para uma defesa canina da "classe meliante", revela muito sobre a estrutura que sustenta o poder dos governantes e não tem nada a ver com “qualidade” dos cidadãos. Pois, não se fiem nessa de "tal povo qual governança”. Até soa bem como frase feita mas não diz tudo sobre a estrutura das relações! A escravatura diz menos sobre os escravizados e mais sobre os escravocratas e seu regime.
Com recurso à força, aparelho repressivo do Estado, mídia pública, charlatões ideológicos patrocinados, esquadrões do terror, conivente inoperância das instituições de justiça e uma vergonhosa cumplicidade da bancada parlamentar majoritária (que mais se distingue pela sincronia nos aplausos e menos pela disposição para, genuína e criticamente, deliberar sobre qualquer matéria), o partido que monopoliza o poder e o governo do dia, assoberbado pela ganância, estendeu tapete vermelho e floreou o palco de actuação de pessoas inescrupulosamente audazes para venderem todo um país.
Parte da ironia, reside aqui. Em seduzir e cativar uma legião de pseudo-iluminados para fazerem a vez de "advogados de Deus”. Como se precisasse! Em circunstâncias como estas, que o Diabo se ponha à pão! No mercado da consciência pode perder aquele delicioso croissant!
Os que ousaram marchar contra tão óbvia falácia foram sistematicamente vilipendiados, estigmatizados e rotulados, entre outros, como “meia dúzia de inconsequentes gatos pingados”. Concidadãos foram torpemente descaracterizados, senão fisicamente seviciados, em nome dum “progecto” dito "soberano”, centrado no umbigo e vaidade de pouco mais de duas dezenas de pessoas.
O chulo, não é só a linguagem avícola adoptada para transacionar todo um projeto de bandeira, ainda que frágil. “50 Milhões de frangos” por poleiro é menos insidioso do que a predisposição de verdadeiros legionários que viviam em permanente sentinela, com espada em riste, prontos para lançarem-se contra os que faziam simples questionamentos metódicos e “razoáveis”.
Todo o papo em torno dos piratas, soberania marinha, estrada nacional número zero, peixe para alimentar as crianças desnutridas, atum que se comia sem se ver (como no poema sobre o amor que arde sem se ver), drones, desenhos e organogramas interligando empresas “laranjas” não passou disso mesmo. Subterfúgios costurados para encobrir o vilipêndio ao interesse colectivo e protecção de interesses de indivíduos e de grupos, se chegarem a tanto!
Despudoradamente, reinventaram a porporção dos monstros que habitam a nossa costa, exacerbaram a tacanhisse da místificada "mão externa", disseram que questionávamos a lisura dos actos porque estávamos cegos e porque não tínhamos tino suficiente para discernir que uma dúzia de canoas furadas não fazem uma fragata.
Hiper-cientificizaram as relações internacionais, insinuando que eram impossíveis de serem compreendidas por almas mundanas. Delataram o papel dos governantes e elevaram-nos a incontestáveis mandatários de uma massa amorfa sem vontade e nem capacidade, que deveria submeter-se às decisões dos “eleitos”, ainda que os levassem, perceptivelmente, ao desaire.
Mais do que encaregar o governo como instância de poderes delegados, reiventaram-no e atribuiram-lhe poderes transcendentais e concessionários, a ponto de o simples acto de pedir esclarecimento demandar bondade ou voluntariosos actos de generosidade por parte de tais governantes. Abriam e fechavam portas à bel prazer!
Abusaram do privilégio de maioria parlamentar para apaludirem, como pereferem, em contraposição ao debate, os seus actos lesa-pátria. Colegialmente, aprovaram a trafulhice e, embevecidos, juraram que fariam tudo de novo! Como se algo tivessem feito senão sucumbir à ganância e entregarem-se, "à franga”, à mercenários económicos que tudo compram e vendem.
Essa tal da soberania a que tanto apelam para nos afrontar... venderam-na. Um punhado de indivíduos usou dos privilégios da função, manietou e patrocinou ovelhas e desencadearam campanhas de defesa do espúrio.
Não houve ingenuidade, mas uma actuação sincronizada de novos nababos que se imaginavam sentados na "cocada preta". Os candidatos à capatazes verboreiaram e executaram atrocidades contra os que vocalizavam algum “desalinhamento”.
Apelaram para o histórico de precedentes desencontros com a Renamo para legitimarem o “bypass" institucional, ainda que, contraditoriamente, evidenciassem que a negociata era de cariz privado, mesmo que pudesse coincidir com potenciais interesses de Estado. Não tiveram parcimônia em estatizar burlas e recolher comissões!
Soberana, não é a costa que precisa de ser protegida, mas dívidas que tem de ser pagas e, para isso, descobriram que podiam extorquir no preço do pão, da energia elétrica, da água, do combustível e de tudo que se possa taxar ao habitante do poleiro (galinheiro mesmo).
E vierem os sofomaníacos. Desenharam “estratégias", “esquemas" e “diagramas" de "protecção costeira", no mínimo, exdrúxulas, ao mesmo tempo que asseveravam que seu partido guia era suficientemente visionário e iluminante. Ao sabor das boladas, declararam-se prontos a governarem, no mínimo, por mais meio século. Na mesma base!
Quando parte da velha guarda, do mesmo partido, entrou em histeria em cadeia nacional, rotularam-na senil e, com cortesia forçada, convidaram-na a encolher-se nos subúrbios de Maputo. Anciãos quase tiveram “tacardia” em horário nobre, quando tentavam denunciar o tamanho da sujeira. Memorável o "cuspilento" “tenho nojo” que SV deixou na STV.
Esculhambaram as ONGs, a sociedade civil e atribuiram-lhes o onus da "cumplicidade com ocidente", como se a dívida danosa tivesse sido contratada por estes, a sul dos sofridos e “tristes trópicos”. Filosofaram sobre os colonialismo e neocolonialismos, acrescentarm elementos à noção de pátria e patriotismo, apresentaram-se como arautos do progresso e da capitalização financeira dos oprimidos contra, estranhamente, “doadores” e instituições ocidentais opressores, com quem, efectivamente, contrataram tais negociatas. Posicionaram-se como escudos ideológicos entre as “massas” e seus líderes, ainda que não houvesse ideal algum que fosse defensável, além dos níqueis que sustentam facções políticas e hegemônicas que instrumentalizam o aparelho repressivo do Estado, num país depauperado.
Agora que “galinhas” enrustidas são chamadas pelos nomes, a insistência no apelo à soberania, à necessidade de "abrir o olho" contra o expansionismo “yankee", a facilidade com que desresponsabilizam os "visionários líderes” e catam pouco mais de uma dúzia de assessores funcionais para vestirem a carapuça, meus receios é que, em nome da soberania, roubem os veredictos. Experiência não lhes falta
Tenho vergonha de ser britânico pela primeira vez na vida. O Reino Unido tomou medidas duras contra Moçambique por causa da dívida secreta de 2 mil milhões de USD, cortando toda a ajuda dada directamente ao Governo. O Reino Unido, ao deixar cair o caso contra o Credit Suisse, deixou claro que esta punirá os países pobres que aceitam subornos, mas não os bancos de Londres que dão subornos. O povo de Moçambique sofre duas vezes - primeiro de um governo corrupto e depois do Reino Unido, cortando a ajuda à saúde e à educação. Mas em Londres, os corruptores vão em liberdade - até os Estados Unidos exigirem a prisão de quem subornou. O Reino Unido pareceu-se com Moçambique, recusando-se a processar os culpados e punindo os pobres, mas não os ricos. Mas, no caso do Reino Unido, a relutância em processar a Credit Suisse e a lavagem de dinheiro pode ser compreensível. Se o Reino Unido deixar a União Europeia, dependerá cada vez mais de dinheiro ilegal para manter a economia à tona. E precisará do apoio dos grandes bancos globais. (Joseph Hanlon)