"Temos feito progressos significativos nos últimos três anos na nossa luta contra a corrupção, apesar do cepticismo de pessoas com registos questionáveis", disse o presidente na quinta-feira da semana passada. "Reforçamos a estrutura legal para combater a corrupção, com a ajuda do parlamento, aprovando a Lei de Proteção a Testemunhas, o Gabinete da Lei de Promotoria Especial, a Lei do Direito à Informação e uma Lei das Empresas que fornece um quadro para um registo de propriedade benéfico".
"O governo aumentou as alocações orçamentais para todas as instituições de prestação de contas do Estado", incluindo o Parlamento, o judiciário, o Auditor Geral e o Gabinete do Promotor Especial, disse o presidente ao parlamento.
"Cerca de quarenta ou mais personalidades de alto nível estão atualmente perante os tribunais sob várias acusações de corrupção e outras estão em processo. Gostaria de repetir que, se forem apresentadas evidências de corrupção, ninguém será poupado, independentemente da posição ou filiação política. Ninguém está acima da lei. Esse é o verdadeiro significado de igualdade perante a lei ", concluiu o Presidente no seu discurso ao Parlamento na quinta-feira, 20 de Fevereiro.
Infelizmente, não foi o Presidente moçambicano falando ao parlamento moçambicano. Em vez disso, foi o Presidente Akufo-Addo, dando o seu discurso sobre o Estado da Nação ao parlamento do Gana. O discurso foi transmitido ao vivo pela rádio e milhões o ouviram dizer "ninguém está acima da lei".
Seria maravilhoso se o Presidente de Moçambique pudesse fazer tal discurso ao parlamento. E seria emocionante se o parlamento moçambicano, em apenas dois anos, pudesse aprovar quatro leis anticorrupção importantes. Quando é que ouviremos o presidente moçambicano a falar as palavras de outro presidente africano: "se forem apresentadas evidências de corrupção, ninguém será poupado".
Joseph Hanlon em Accra, Gana
A pequena vila de Mueda na província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, símbolo de resistência dos moçambicanos contra o colonialismo português na década de 60 do seculo XX, não faz transparecer a tensão política militar que ali se vive nesta segunda década do seculo XXI, tudo por conta da acalmia que se vive durante o dia. Mas, mal o sol se põe procede-se a uma retirada estratégica dos seus habitantes revelando assim o recolher obrigatório tácito que reina na pequena urbe.
A paródia que me ofereço quando estou fora de casa, livre da reclusão doméstica e controlada pela minha parceira fica comprometida por conta deste mal-estar social.
Mas mesmo assim arriscamos a ficar fora da estalagem depois das 19h00, habitamos um bar de terceira categoria, consumindo o que nos aprazia vigiados pela secreta a paisana e mal disfarçada.
Eramos três, eu, António Nangole e Paulino Atale provenientes de Maputo, estávamos em Mueda por conta de uma pesquisa sobre a dança mais representativa dos macondes, o Mapiko. O único natural de Cabo Delgado era António.
Nas vésperas da partida de regresso à Pemba, António lembram-nos que gostaria de passar da sua terra natal para visitar a sua família. Como o individuo estava levemente embriagado, não levei em consideração a sua solicitação.
Como precisávamos descansar para viajar na manhã seguinte, decidimos retirar-nos para a estalagem onde estávamos hospedados. Ainda tivemos um papo animado no quarto de António por conta da embriagues para depois cada um rumar para o seu.
Partimos pela manhã, eram já 9h00 de uma quinta-feira em que o sol já irradiava intenso, fiquei com a vaga sensação que o sol nasce primeiro nesta parcela do país.
A caminhada pelo asfalto conferido pelo “suv” ajudava-nos a subtrair a distância para o nosso destino a cidade de Pemba.
Enquanto descendíamos do planalto, eu segurando firme o volante e com os olhos fitos na estrada e os meus colegas desfrutavam da bela paisagem que se oferecia.
A manifesta volição de António ficou expressa quando afirmou convicto:
“Em Namaua tem um desvio”
Eu que havia pensado que ele se esquecera por conta do estado etílico que se encontrava quando apresentou o seu pedido, fiquei meio decepcionado com o juízo que fizera. Tive que fazer inversão de marcha pois já tínhamos passado do desvio que nos levaria para terra natal do meu colega.
Quando finalmente alcançamos Namaua, embocamos em direcção ao posto administrativo de Imbuho. Depois de algumas curvas e contracurvas finalmente chegamos ao destino almejado.
“Entra daqui” – conferiu António depois de uma pesquisa ocular demorada, já não se lembrava do caminho.
Encaminhei a viatura para o caminho indicado, descemos uma pequena ladeira e paramos defronte de uma das três casas contíguas de adobe e cobertas com chapas de zinco.
António apeou-se, gingou estiloso pelo chão da terra natal, descobriu seus parentes que demoraram a reconhecê-lo por conta da surpresa.
Quando o reconhecimento facial efectuado por uma mulher terminou, esta correu de encontro a António e gritou:
“ Mano, você aqui!” – afirmou oferecendo um largo sorriso ao mesmo tempo que o abraçava.
Fomos então apresentados, ganhamos uns beijinhos carinhosos. Logo depois ela chamou por alguém que apareceu instantes depois. Era uma anciã, caminhava devagar, focou os estranhos que estavam no seu quintal sem nos reconhecer.
“Mama!” – gritou eufórico António.
Só quando a velhota se aproximou o suficiente de seu parente dilatou as pupilas ai o reconheceu. Envolvam-se num fraterno amplexo que me deixou emocionado. Não tardou para sermos apresentados.
Quando saudei-a, ela ofereceu-me um sorriso que enaltecia o seu rosto tatuado e falou em shimakonde algo que não percebi patavina, mas alegrei-me.
Enquanto conversavam alegremente em shimakonde, pondo as notícias em dia, eu e Paulino que não entendíamos nada do que falavam fomos trocando impressões, eu alertando que não podíamos demorar senão teria que conduzir durante a noite e isso não seria agradável.
Uma pequena assembleia familiar teve início, ofereceram-nos cadeiras, aguardamos, eu sempre lembrando que não nos devíamos demorar.
Um cacarejo efectuado fez-se ouvir e galinha derrapou perto de nós na fuga que empreendia dos seus verdugos.
Logo depois António aproximou-se e segredo-nos que a sua família convidava-nos a almoçar. Franzi a testa sem conseguir disfarçar o meu mal-estar, mas logo me refiz e falei algo para amortecer o meu descontentamento.
Capturei-a pelo visor da câmara, ela a anciã, estava sentada no chão e procedia ao preparo do madumbe, quando ela de relance me espiou, o seu olhar sossegava uma paz contaminante e cada vez que cruzávamos os olhares ela voltava a oferecer-me o seu sorriso, premi o gatilho da canon e ela ficou ali registada na memória do dispositivo. Mas o prévio dessa imagem já havia sido processado pelos meus neurónios e arquivada algures no cérebro.
Quando tentei escamotear a segunda fotografia, ela detectou e libertou um queixume na sua língua materna, desta vez, o meu colega de viajem natural de Imbuho, traduziu-me “ela pede para esperar”
Então ergueu-se e caminhou sem presa e entrou para uma palhota perto dali, não percebi porque ela me pedia para esperar, talvez não tivesse gostado que a fotografasse, magiquei e logo tratei de partir para explorar o local.
Decidi observar os lugares que o vilarejo proporcionava, desde a majestosa igreja ao monumento a uma santa até a pequena praça de heróis, ia vagando na minha pequena incursão.
Um pequeno alarido vinda do local onde havia estado fez com que interrompesse a investida turística e regressasse apressadamente.
Uma pequena turba olhava maravilhado para a eminente figura que desfilava sumptuosa na passarela de areia sem levantar poeira, a vestimenta de cor branca contrastava com o laço vermelho que lhe coroava a cabeça, todos os espectadores miravam atónitos. Ela dona de si alegrava-se com a admiração dos espectadores, largou um sorriso incrementando as rugas do seu rosto e fazendo sobressair a tatuagem que tinha no rosto.
Quando reconheci a minha estrela fiquei estupefacto e corri para o carro em busca da câmara fotográfica, posicionei-me defronte dela pronto para ganhar seu retrato.
A anciã veio calmamente, chegou perto, segurou-me a mão direita e puxou-me para lhe ladear, e com gestos indicou que o meu colega Paulino nos fotografasse.
Os actos I e II protagonizados pela velhota deixaram-me perplexo e ainda hoje, quase um ano depois, o enigma prevalece.
Depois sentados na esteira, deleitamos dos manjares, madumbe, água e sal de galinha e xima.
Seguidamente, todos animados despedimo-nos; uns em português, outros em shimaconde e partimos, ainda pelo retrovisor e a rectaguarda empoeirada vi acenos até perdê-los de vista.
Imobilizou-se repentinamente na berma do passeio, perscrutou o ambiente que residia na via depois de olhar para esquerda e para a direita, carros, bicicletas e pessoas moviam-se rapidamente de um lado para o outro, numa azáfama que caracterizava a cidade de Quelimane no fim do dia laboral.
Ela ensaiava pousar o pé direito na estrada, mas o medo demovia-lhe de tal aventura.
Um carro passou rente ao passeio ela deu um pulo para trás, franziu a teste e a sua jovialidade ficou subtraída naquele acto.
O seu cabelo oleoso com brilhantina reluzia quando as folhas da acácia deixavam escapar tiras de sol, o seu rosto completamente maquiado era evidenciado pelo batom vermelho pronunciando os lábios e para rematar os seios erectos agregavam os seus dotes femininos. Usava uma saia de caqui castanha que combinava com a sua tez escura e uma blusa branca sem mangas. Calçava umas sandálias pretas que deixavam visíveis as unhas pintadas.
Um homenzinho acantonado na esplanada gesticulava ininterruptamente procurando captar a atenção do atarefado servente, ignorado por este o senhor levantou-se e toda a extensão da sua altura mediana ficou exposta. Gesticulou mais umas vezes até ser descoberto.
Quando estava para sossegar no seu acento e esperar pelo atendimento eis que descobre a moça na sua tentativa de atravessar a rua. Arregalado não perdia de vista o pequeno espectáculo.
- Sim faz favor – abordou o servente, distraindo-o
- Um café – disse sem tirar os olhos da moça
Quando o café prontamente chegou, absorveu num trago pediu a conta e retirou-se energizado ao encontro da moça.
Quando a alcançou abordou-a:
- O que se passa moça? perguntou solícito.
- Tenho medo.
- Vamos – convidou ele.
Um pico da sua pulsação cardíaca sacudiu o seu peito quando ela segurou a sua mão esquerda, caminharam calados pelo passeio até ao semáforo, ele esperou que o vermelho brilhasse e então iniciaram a travessia pela passadeira. Este conctato físico fez com que ele libertasse gotículas de suor que sulcaram pela testa apesar da frescura vespertina.
Quando finalmente alcançaram a outra margem da via, ele quis se libertar da mão dela apesar de estar a gostar do calor que ela transmitia, mas a rapariga continuou segurando firme.
- Tenho medo de atravessar as estradas ajuda-me a chegar a paragem de chapa? – solicitou timidamente.
O homenzinho demorou a responder, apreciando a beleza que ela emanava.
- Sim, sim – disse sem pensar completamente enfeitiçado pela sua beldade.
Taxistas de bicicletas pedalavam em fila indiana conversando animados com os seus respectivos passageiros.
Continuaram caminhando de mãos dadas como um casal de namorados atravessando as vias a caminho da paragem.
Quando alcançaram a terminal de transportes semi-colectivos o último chapa acabava de partir superlotado, bufando pela via em direcção a Nicoadala.
Eles entreolharam-se calados, já passavam das 18h aquela hora era improvável que conseguisse um carro que a levasse para o seu destino.
- Como te chamas? – perguntou-lhe repentinamente o senhor preocupado.
- Zainabe – respondeu - não sei como faço vivo em Nicoadala, não sei onde vou passar a noite – desabafou ela entristecida.
Arrojado no espírito solidário o senhor avançou com uma proposta:
- Podes passar a noite no hotel onde estou hospedado e de manhã segues para o teu destino.
Ela anichada na oferta que acabava de receber, ficou divagando digerindo a boa nova.
- Obrigado senhor – titubeou ela.
- Trata-me por Juventino – afirmou ele afável.
Uma dupla timidez conferia a caminhada um ambiente tenso, até que ele recebeu um zéfiro no coruto descabelado e então lembrou de perguntar.
- O que fazes?
- Perdi a matrícula escolar e agora faço pequenos negócios.
Um bando de marriés partiu num voo rasante e foi ganhando altitude gradualmente em busca dos seus ninhos.
Os candeeiros das vias já brilhavam para minimizar a escuridão que chegava com a noite, eles caminhavam lado a lado sem pressa de chegar.
- O que fazes cá? – perguntou ela envolta na sua timidez suburbana
- Estou de passagem venho de Maputo e amanhã parto para Mocuba em missão de serviço – replicou à vontade.
Antes de se embrenharem no hotel pararam num restaurante e tomaram uma leve refeição.
Encontraram a recepcionista embrenhada no seu telemóvel, Juventino pigarrou para não a assustar.
- Chave 14
Sentaram-se no sofá da recepção, ela ofereceu-lhe um olhar benevolente pelo acolhimento oferecido. Ele replicou o gesto com um sorriso terno antes de lhe falar.
- Podemos dormir no mesmo quarto pois, possui duas camas – alertou para evitar qualquer mal-entendido.
Ela ponderou demoradamente antes de proferir qualquer resposta, como se buscasse na sua mente a afirmação mais acertada.
- Sim podemos – sussurrou ela meio acanhada.
Seguiram pelo corredor em direcção ao quarto sob o olhar inspectivo da recepcionista.
Cavaquearam durante horas enquanto o sono não chegava, falavam disto e daquilo, como velhos amigos. Primeiro foi ela que bocejou e logo Juventino ficou contaminado.
- Boa noite! – sussurrou ensonado.
Um elemento calorifico conferiu um aumento substancial da temperatura corporal, ele despertou não demorou muito para encontrar Zainabe ali na sua cama completamente nua.
O impulso animal catapultou-o para cima dela, não demorou muito para o gemido unilateral expelido por ela catapultasse mais a sua apetência carnal.
Evoluíam no coito libertando duplo gemido sonoro que confiscava o silêncio da noite, copulavam selvaticamente como verdadeiros animais indistintos de qualquer norma ética que aprisiona os humanos. Ela animada pelo vigor do seu parceiro derrubou e trepou-o, assumindo agora a liderança movia-se devagarinho sentindo cada centímetro da penetração nos seus múltiplos nervos genitais. Gozava e gozava mais ainda quando via Juventino rendido a sua grandeza de governante do prazer.
Suavam e esse odor tornava-se num perfume afrodisíaco que excitava mais o ritual sexual.
O domínio dela demorou o tempo suficiente dele se revigorar, saiu debaixo e posicionou-se por trás reiniciou a penetração com uma das mãos segurava um dos seios e com outro a omoplata, movia-se rapidamente fazendo com que ela deixasse escapar pequenos grunhidos. O acto demorou pouco mais de vinte minutos até que a sua euforia masculina encheu o balão que lhe revestia o órgão genital, ela sentiu aquela volúpia sensacional deixando os músculos afrouxarem completamente relaxados. Ele libertou um suspiro e capturou todo o oxigénio que pode para refrescar o seu ser agora também mais descontraído.
Deixaram-se cair na cama, respirando fundo, descobrindo o teto escuro, cada um pensou em nada ainda apreendidos pelo prazer que haviam sentido. Encontraram espaço na pequena cama e adormeceram.
A manhã encontrou-os ainda dormitando estafados pelo exercício nocturno, o pio dos pássaros, o som dos motores, misturada com a vozearia popular compunham um alarme madrugador.
Descobriram-se mutuamente com a luminosidade fosca que entrava pelas cortinas.
Ela desembarcou da cama que lhe acolhera completamente despida, caminhou pelo soalho em direcção ao quarto de banho, deixando bem evidente cada parte do seu formoso corpo na passada lenta que executava, não era a mesma menina que temia atravessar a estrada, era outra, toda poderosa, ele todo babado limpou os olhos remelados com as mãos para capturar cada quadro daquele movimento soberbo.
Mil projecções eróticas chegaram a sua mente quando a perdeu de vista, não sabia o que fazer estava agora vigiado pela luz diurna.
Quando ela reapareceu a tela voltou a ganhar vida Juventino pulou da cama completamente nu o seu membro viril erecto desafiava a força de gravidade e pulsava ao ritmo cardíaco. Arrebatou-lhe de encontro a parede levantou-lhe a perna direita descobriu o manto de pelos púbicos com o seu falo e entrou, o movimento de vaivém foi ganhando cadência, as suas matunas iam serpenteando seu membro viril, ela soltou um vagido e logo ele beijou-a. A sua boca ora a beijava ora sugava os seios, ela o abraçava e arranhava nesse momento de êxtase sublime. Quando finalmente derramou o fluido seminal libertou um suspiro e a largou. Ela caminhou para se preparar e ele dirigiu-se ao quarto de banho.
Juventino encontrou-a se maquiando e foi-se preparando para deixarem o hotel.
– São dez mil meticais – disse ela estreando as palavras nessa manhã de quinta-feira
Ele percebeu que ela emitira um som, mas não foi capaz de descodificar.
– Não ouviste eu disse que são dez mil! – voltou a proferir alto e serena.
– Dez mil de quê? – perguntou ele estupefacto.
– Pelos serviços da noite passada e desta manhã – conferiu ela e toda a meiguice de moça inocente ficaram dissipadas.
– Menina você não esta boa, quem te mandou vir para minha cama nua? – disse ele com a voz tremula deixando transparecer algum nervosismo.
– Senhor eu não sei quero meu dinheiro. – gritava ela.
– Você é puta? – questionou visivelmente fora de si.
– O que eu sou não interessa, quero o meu dinheiro senhor.
Ele não quis divagar em busca de qualquer interpretação ainda sentia nas suas entranhas o gozo do sexo que tivera.
– Vamos embora, preciso de viajar - disse ele.
Já na rua uma baforada de ar fresco renovou-lhe o ânimo caminhava meio apressado e ela logo ali no seu encalço. Eram nove horas, não tinha tomado o pequeno almoço, estava sem apetite, precisava mesmo de apanhar o carro para Mocuba. Ela interrompeu a sua caminhada prostrando-se a sua frente.
Uma passageira montada na garupa de um táxi bicicleta pede o condutor para parar quer presenciar o pequeno espetáculo onde um grupo de jovens uniformizados que estavam a caminho da escola já fazem parte dos espectadores.
– Estou a pedir pagar-me senhor! - diz muita convicta.
Ele fuzila-lhe com um olhar vítreo afasta-lhe de seu caminho e continua o seu percurso apressando o passo. Ela alcança-o logo de seguida e pega-lhe pelo cinto.
O pequeno público liberta murmúrios animados ainda lhes seguem até perderem interesse.
Quando Juventino percebeu que ela não desarmava das suas intenções convidou-lhe a irem a um posto policial.
– Não vou a lado nenhum até você dar o meu dinheiro – agora ela gritou.
Já tinha alcançado a terminal de autocarros para os distritos da província.
Um a um ia chegando curiosos desocupados para se entreter com o pequeno espectáculo que ela investia.
Juventino começava a sentir-se acossado com a determinação da moça segurou-lhe pela mão e mudaram de posição para fugir os mirones.
– Não tenho esse dinheiro.
– Paga-me.
O homem desesperado puxou da carteira tirou o dinheiro que tinha e antes de conferir ela confiscou-o.
Ele olhou pasmada para ela sem sabe o que fazer e dizer.
Eram sete mil e quinhentos meticais, ela ainda tirou quinhentos e ofereceu-lhe para que ela apanhasse o chapa para Mocuba. Depois largou um sorriso trocista.
– Estás arrependido nem!
O Estado moçambicano terceirizou a defesa do território nacional aos mercenários russos do Grupo Wagner. Podia ter sido aos americanos da Blackwater ou aos sul-africanos da Hawks, mas o governo quedou-se no Grupo Wagner.
Por que o Grupo Wagner? Apenas podemos especular a razão. Há alguns candidatos mas os favoritos de muitos são o preço; a ligação histórica militar entre Moçambique e Rússia; e a necessidade de se ter um actor militar não vindo de um país Ocidental.
Analistas apontam ao facto de que geralmente os russos cobram entre $360.000 a $940.000 por mês para 200 soldados de fortuna. Mas há que se considerar que o preço está mais próximo dos $360.000 porque há mais ex-militares rasos do que oficiais.
Do outro lado da escala, os Black Hawks cobram aos governos entre $750.000 a $1.250.000 por mês para 50 ex-soldados. Mesmo assim a factura deve se aproximar ao primeiro valor por conta do facto de que há mais soldados rasos que oficiais, que estão no topo da escala.
Um outro factor sobre o que poderá ter pesado para que Moçambique se decidisse sobre a escolha de mercenários russos é um passado histórico militar e económico comum no auge da Guerra Fria. Esse passado envolveu uma dívida militar à Rússia (então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) que rondou os $2.4 milhões em termos nominais. Essa dívida só foi parcialmente cancelada com a entrada da Rússia no Clube de Páris, no âmbito dos Países Pobres Altamente Endividados (HIPC).
O relacionamento entre Moçambique e Rússia ficou em banho-maria durante 32 anos até à visita do Presidente Filipe Nyusi à Moscovo, em Agosto, onde manteve conversações com o seu homólogo russo, Vladmir Putin. Provavelmente o impulsionador do reatamento do relacionamento é o facto de Nyusi ter se se licenciado em Engenharia Mecánica na antiga Checoslováquia.
Seguiu-se uma interacção entre os ministros dos negócios estrangeiros moçambicano e russo em 2018, em Maputo, que abriu caminho para uma maior cooperação na segurança e contra-terrorismo, bem como a assinatura de vários acordos de cooperação económica. E finalmente, Nyusi retornou à Rússia em finais de Agosto, tendo assinado uma série de acordos de energia e segurança – entretanto, poucos viram os textos desses acordos, sendo que, não se sabe o que cada parte deu a outra.
Mas possivelmente o que pode ter interessado mais a Moçambique foi evitar colocar todos os ovos na mesma cesta. É que os maiores actores nos projectos de petróleo e gás em Cabo Delgado são empresas ocidentais. E o país tem séries problemas em controlar a quantidade de recursos que saem para o exterior, dependendo dos números que recebe dos próprios investidores.
Sendo que, se quiser monitorar o que entra e sai, provavelmente faça mais sentido buscar ajuda de um antigo parceiro com interesses de também voltar a flexionar os seus músculos na arena internacional, em busca de um passado glorioso.
Um outro factor é o facto do país não ter ao momento dinheiro para fazer o pagamento de vários serviços, e muito menos ter mais espaço de manobra para solicitar empréstimos nos mercados financeiros, sabido é que a escandaleira do calote das dívidas ocultas dificulta a mobilização de recursos financeiros nos mercados financeiros internacionais, agravado ao facto de que os doadores têm condicionado as suas contribuições ao Orçamento do Estado. Sendo que, fazer um negócio em troca de futuros rendimentos ou exploração de recursos minerais ou energéticos parece ser mais apetecível a curto e médio prazos.
Todavia, independentemente do tipo de negócio que Moçambique fez com a Rússia, terceirizar a guerra contra os insurgentes custa uma pipa de massa. Daí que, se perguntar não ofende, quanto é que custa a nossa factura de segurança?
Mais: como é que vamos pagá-la? Se por via dos recursos, que recursos são esses? Petróleo? Gás? Diamantes? Pedras preciosas? Camarão? Atum? E quais são os termos de pagamento? Que implicações terá isso no nosso peso da dívida? Quando é que isso reflictir-se-á no Orçamento do Estado? Ou será que vai ser também uma dívida oculta?
O diâmetro da base opaca do copo era menor que a do topo, o copo estava assente numa mesa rectangular de pinho, o conteúdo interior borbulhava até desaguar na superfície espumante, a frescura do líquido dourado transpirava deixando a parte externa deste completamente ensopada.
O proprietário do recipiente olhava meditabundo sem se importar com o barulho produzido por outros clientes que conviviam procurando fazer-se ouvir ante a música ensurdecedora expelida por potentes colunas.
Momentos de regressão inolvidável assaltaram a sua mente, um sorriso inocente errou-lhe pelos lábios ainda sequiosos.
Segurou o copo, sentiu o frescor fluir corpo adentro animando o seu estado de espírito; era a primeira vez em um ano que tinha o privilégio de usufruir de um momento especial, não demorou, deu um gole.
- Ahh! – estalou a língua.
Depois num trago prazeroso eliminou o que ainda restava da cerveja.
Buscou a servente, submersa num mar de gente segurando acrobaticamente uma bandeja com inúmeros copos.
Quando a capturou com o olhar, levantou a mão direita com o dedo indicador erecto, a moça voltou a perder-se para retornar instantes depois com outro copo.
Enquanto aguardava ansiosamente que outro copo chegasse desequilibrou-se devido a estrutura deficiente do banco onde se encontrava sentado, movimentou-se para esquerda com o propósito de equilibrar-se, este movimento fez com que o guarda que se posicionava no limiar do bar o fuzilasse com um olhar inquiridor, mas quando percebeu que o seu vigiado não constituía ameaça manteve-se na posição de o controlar a partir da porta.
A servente pousou o copo na mesa, ele não demorou a segurar e a levar para a boca, tragou sofrivelmente, limpou a barba de espuma, a animação que morava no seu ser redobrou.
Depois levantou-se e caminhou calmamente em direcção à porta onde estava o guarda, estendeu ambas as mãos e este algemou-o, depois cobriu as mãos com uma camisola.
Iniciaram a caminhada de regresso a penitenciária localizada num dos bairros da cidade. Enquanto caminhavam, a movimentação popular fazia-se sentir com os citadinos aglomerados nas paragens, muitos dos que aguardavam o seu momento de embarcar, estavam submersos nos seus telemóveis. Invejo-os pela liberdade que usufruíam, mas estava grato pelo momento de liberdade prematura que lhe permitiu beber dois copos.
“ Museu vazio” – gritou um cobrador de chapa.
Não demoravam para chegar, quando adentraram para o recinto prisional, o recluso verteu lágrimas de saudades dos breves momentos em que foi um homem livre. O guarda prisional acompanhou-o até a sua cela e libertou-o das algemas.
António Murrada cumpria a sua pena de prisão de dois anos devido a posse ilegal de “soruma”.
Dias antes da liberdade provisória, António era hostilizado pelo seu verdugo que de forma implacável infligia pesado castigo, mas Murrada procurava a todo custo cumprir com as normas da cadeia para não sofrer a punição que o seu carrasco prazerosamente impunha.
Mas o guarda penitenciário Rafael Salgado, apossado por um agente maligno encontrava sempre motivos para castiga-lo. Havia dias de cacetadas injustificadas e outros de serviço pesado.
Num desses dias Salgado apresentou-se imponente em frente à cela de Murrada e pediu que o acompanhasse, o prisioneiro resmungou, seu carrasco alvejou-o com olhar incisivo fazendo com que o recluso obedecesse.
Quando chegaram ao destino, o guarda penitenciário indicou-lhe o trabalho que deveria efectuar.
- Desculpa chefe, mas eu limpei as latrinas ontem, hoje é dia de outro – bradou serenamente.
- Preso cento e vinte – cumpra ordens!.
Olhou furioso para Salgado, todo o seu nervosismo ficou condensada nos olhos injectados de sangue. Depois de cumprir a nefasta tarefa regressou para o seu domicílio prisional acompanhado do seu fiel verdugo.
Num dia pela manhã, quando António Murrada tomava o seu banho de sol no quintal da prisão era vigiado severamente pelo guarda Salgado que o fitava sem desarmar.
De repente uma queda aparatosa do guarda Rafael Salgado levantou um reboliço no quintal prisional, ninguém se aproximava da vítima estatelada que esperneava e esbracejava, os seus colegas que estavam longe demoravam a chegar.
Quando todos chegaram, guardas e reclusos ninguém se prontificou a socorrer a vítima pois estavam reféns das suas superstições.
Quando Murrada percebeu do que acontecia correu para socorrer a seu implacável verdugo que sofrera um ataque epilético, o socorrista introduziu um pedaço de pano entre os dentes para evitar que este mordesse a língua e colocou a cabeça da vítima na lateral porque este se babava.
Quando as autoridades médicas chegaram, o primeiro socorro já tinha sido acautelado, recolherem o enfermo, colocaram numa maca e procederam a retida do recinto prisional em direcção ao hospital central de Maputo.
Comentaristas não remuneráveis entre reclusos e guardas debatiam a pronta intervenção de Murrada que apesar de massacrado socorrera o seu mais directo inimigo.
No dia seguinte o pequeno herói da penitenciária foi chamado a presença do director.
- Caro senhor António, estou imensamente grato pela atitude e préstimos oferecido ao nosso colega – afirmou o director. – Graças a sua intervenção o nosso colega escapou.
Murrada manteve-se firme e calado.
- Gostaríamos de recompensa-lo, diga-me o que deseja?
Não demorou para que o recluso levantasse a mão direita e esticasse dois dedos, indicador e o mediano.
- O que significa esses dois dedos, recluso Murrada?
- Dois copos - respondeu por fim – e logo acrescentou. – De cerveja.
- Muito bem, irei pedir a um dos guardas que comprem uma garrafa – afirmou o director.
- Desculpe senhor director, mas o meu pedido não está completo.
- Diga.
- Gostaria de beber os dois copos como um homem livre.