Rafael Marques de Morais foi o primeiro a chegar, com a Alexandra Simeão e eu próprio logo atrás. Fomos conduzidos para uma sala de espera, no “cerimonial”. Um primeiro jovem, educado, veio ter connosco e confirmar as nossas identidades. O nome do Rafael estava na lista dele. Uns minutos depois chegou o Frei Júlio Candeeiro da Mosaiko. Também o seu nome foi verificado. Quando passámos para o lado da estrada onde se encontra a entrada para o Palácio, o grupo engrossou-se com membros da ADRA, Omunga, AJPD, Open Society, OPSA, Mãos Livres e as duas representantes da "sociedade partidariamente civil" CNJ e AMANGOLA. Fomos informados que teríamos de deixar os telefones no raio-x e que iríamos passar um a um de acordo com a chamada da lista.
Desta vez, um segundo rapaz, com problemas de educação elementar pois, para além do tom rude, achou-se no direito de tratar pessoas mais velhas que ele por “tu”, sendo prontamente admoestado pela Alexandra, o que o tornou ainda mais azedo. Fomos entrando, um a um e avançando em grupos de 2 ou 3. Quando nos instalámos todos na sala de espera, notei a falta do Rafa e perguntei onde estava. Já não me lembro quem terá sugerido que estava numa sala à parte a ter uma conversa prévia com o PR.
Como o nosso encontro estava atrasado e porque o Rafa é mesmo “o próprio wi” com todos dossiers pesados da marimbondagem, não me causou nem uma ponta de estranheza a ideia. Mas depois de entrarmos na sala final onde, em fila indiana, se saúda o PR, comecei a olhar à volta um pouco mais inquieto e percebi que ele não viria. Aí pensei nas possibilidades: provavelmente zangou-se com alguma exigência protocolar que lhe pareceu excessiva, rodou sobre os calcanhares e regressou à sua cozinha onde confecciona aqueles textos cáusticos do Maka Angola
Enquanto todos iam falando, eu mentalmente estruturei a minha apresentação para começar com o assinalar daquele momento inédito e, ainda antes de apresentar os meus pontos de vista, revelar estranheza pela notória ausência do nosso companheiro. Na hora H, 20 minutos depois, a organização mental revelou as suas limitações provocando um eclipse total nessa segunda parte da minha introdução, facto pelo qual me remoí logo de seguida. Só na saída viríamos a aperceber-nos que na segunda lista, em posse do jovem mal-encarado, Rafael Marques não constava (ou ele, deliberadamente, o omitiu, sem pedir esclarecimento à sua chefe, provocando o retorno a casa do Rafa).
João Lourenço desejou-nos as boas vindas, abriu a reunião com uma introdução da praxe, fez uma piada sobre a certeza de vir a ser cilindrado pelas nossas críticas ao longo da conversa e escolheu como tema de partida à, diz ele, mal interpretada “Operação Resgate”. Solicitou a ajuda da sociedade civil nesse dito “resgate de valores” e abriu a discussão dando total liberdade para se fluir pelos temas que achássemos mais urgentes. Todos os intervenientes começaram com uma palavra sobre o tema de abertura e, mais do que “cilindrar”, houve um reconhecimento nas razões de fundo evocadas, mas uma polida discórdia nos métodos empregues e na perpetuação da ideia de que os problemas se resolvem com recurso, por vezes quase exclusivo, ao músculo.
Muitos argumentos pertinentes sobre a sociologia do caso em análise e sobre formas de corrigir a abordagem para evitar tensões sociais, que são a consequência óbvia para quem vê comprometida a ferramenta que desenvolveu para produzir uma mínima margem de lucro com a qual se remedeiam famílias inteiras. Não parecia haver retração por parte de nenhum dos intervenientes no encontro e o PR mostrou-se um ouvinte paciente, raramente interrompendo um interlocutor e, quando o fizesse, com o mero intuito de pedir um esclarecimento, sem contrariar ou refutar qualquer observação. O ambiente era distendido e salubre, o que reduziu parcialmente qualquer solenidade que se lhe pudesse querer atribuir. Foram muitas as coisas ditas por cada um dos presentes, cada associação frisando os assuntos mais preocupantes no seu domínio de ação (acesso à justiça, autarquias, registo civil, desnutrição/mortalidade infantil, agricultura familiar, ensino primário e alguns mencionaram o facto de ainda não terem sido certificados após 20 anos de atividade e não terem estatuto de utilidade pública).
Quando foi a minha vez de falar disse o que já tenho dito publicamente na minha conta do Twitter: que tenho ficado cada vez mais impressionado com a evolução nos discursos que vão ao encontro das expectativas da maioria, mas que era preciso que algumas dessas medidas começassem a fazer-se sentir com maior assiduidade e vigor para não suscitarem comparações com “tolerâncias zero” e “o futuro começa agora” de um outrora não muito distante. Que percebíamos que isso não se consegue de forma imediata, sobretudo com as limitações que todos conhecemos e que são transversais a todos os setores de toda a sociedade, mas que tinha de se encontrar uma forma de o fazer.
Mostrei a minha compreensão pela camisa de forças que a rubrica “serviço da dívida” no OGE representa (52% do total de receitas PREVISTAS para cumprir com compromissos de dívidas que herdámos sem sermos consultados), mas que não percebia porque ainda não se tinha acatado a sugestão de se elaborar uma auditoria a essa dívida para se estipular que parte tinha sido fruto de acordos espúrios e poderia ser renegociada e se não estaríamos então a realizar um esforço desnecessário com algumas dessas despesas, até porque o próprio executivo tinha anunciado que pelo menos 25% dessa dívida era de origem duvidosa.
Também sugeri que os relatórios de execução orçamental (bem como toda a informação acerca da gestão de fundos públicos) sejam disponibilizados para análise permanente de especialistas na matéria, pois só poderemos monitorizar e elaborar críticas construtivas se o acesso a informação passar a ser levado a sério, com os limites incluindo apenas assuntos que tenham estatuto de segredo de estado, que devem ser mínimos. Falei da resistência do governo e da polícia em perceberem a total amplitude do art 47º da CRA (apesar do notável aligeiramento na repressão que se tornou menos recorrente num contexto de manifestações que aumentaram exponencialmente), da incapacidade de se despirem da arrogância ao não lidarem bem com a fiscalização cidadã (apesar do MININT e do próprio PR pedirem à sociedade civil que o faça e que denuncie os abusos), pois, a cada vez que nos vêem empunhar um telefone, levam-nos para as esquadras onde temos de ficar horas à seca, sujeitos a ameaças e a imposições abusivas e chantagistas que condicionam a reposição da liberdade ao apagamento dos registos efetuados na via pública.
Frisei que a luta contra a corrupção deve forçosamente andar de mãos dadas com a transparência e a proliferação de rádios comunitárias e todos os meios possíveis de difusão de informação. Que essa será a forma mais eficaz da sociedade civil ajudar na “recuperação dos valores”, tendo uma voz que possa chegar a um número mais alargado de pessoas de uma só vez. Mencionei os processos judiciais políticos por resolver: o caso dos muçulmanos e, ajudou-me o Salvador Freire, o “caso dos 35” acusados de tentativa de golpe de estado (sempre o mesmo). Nesta parte João Lourenço mostrou particular preocupação, perguntando pormenores sobre o caso dos jovens muçulmanos e, sobretudo, porque nunca tinha ouvido falar do caso dos 35, instruindo ao seu diretor de gabinete, Edeltrudes Costa, que tomasse nota de ambos.
Aproveitei para introduzir uma ideia que pretendo desenvolver com mais profundidade brevemente: a mudança da capital e a relocalização dos Ministérios para províncias onde a sua ação faça sentido prático. O momento de alguma descontração surgiu quando o representante da AMANGOLA, Job Capapinha, alinhado no diapasão do resto da sociedade civil que clama por transparência e acesso à informação, cerceado pelas autoridades públicas e o papoite Jay começou a rir: “camarada Capapinha, peço que me desculpe estar a rir-me, mas permita-me que lhe pergunte: quando o senhor era governador, disponibilizava informação a quem lha viesse solicitar?”. Gargalhada geral. Capapinha aguentou no castanho e prosseguiu desportivamente. Na hora da despedida, João Lourenço fez a ronda da sala para saudar cada um dos presentes, fazendo uma ou outra piada e a que me coube foi “epá, vocês ficaram com fama de revús, agora estás mesmo a assumir o visual” (referindo-se à barba e cabelo desgrenhados). Fê-lo em tom amistoso e nada jocoso. Sorri e apenas desejei “coragem”.
À saída, quase já a recuperar o telefone e a perceber o que se tinha afinal passado com o nosso Rafa, um dos momentos altos para mim: um funcionário (aparentava ser jardineiro) veio ter comigo, fixou-me com intensidade, apertou-me a mão vigorosamente e deixou que apenas os seus olhos falassem por si, sem pronunciar uma palavra.Entendi “obrigado e continua”. Captei a mensagem papá!
*Texto escrito por Luaty Beirão e publicado na sua pagina do facebook, um dia depois de ter sido recebido pelo Presidente Joao Lourenço, juntamente outros activistas angolanos como Rafael Marques e Alexandra Simeão.
O fascínio exercido pela Ilha de Moçambique, sem par em Moçambique e na linha dos grandes tesouros patrimoniais da Humanidade, explica o muito que se tem escrito sobre ela, em termos de História, Arquitectura, Religião, Cultura, Poesia. A Ilha, Muipiti, tem sido um tema irresistível para os poetas. N“Os Lusíadas”, Camões dedicou-lhe uma estrofe, embora não das mais notáveis do épico. Seguiram-se outros grandes poetas: Alberto de Lacerda, Virgílio de Lemos, Glória de Sant’Anna, Luís Carlos Patraquim, Nelson Saúte, outros, e o meu preferido, Rui Knopfli, com o seu extraordinário livro de poesia e fotografia, “A Ilha de Próspero”, ponte entre a Ilha e o Bardo.
Até o final do dia de hoje (25 de Novembro), cinco mulheres terão morrido nas mãos de um parceiro íntimo, e dezenas terão sido estupradas, mutiladas e agredidas. Temos que encarar os fatos: a violência contra as mulheres é endêmica e pode - e deve - ser equiparada à guerra. As mulheres mortas em incidentes de violência com base no género devem ser consideradas vítimas da guerra e as que foram feridas - física ou emocionalmente - devem ser consideradas sobreviventes da guerra. Os números nos dizem que somente quando mudamos nossa mentalidade para reconhecer esse estado de coisas, a extensão da violência baseada no gênero que as mulheres enfrentam diariamente pode ser confrontada e tratada.
As estatísticas são grosseiras. As Nações Unidas estimam que, globalmente, 35% das mulheres sofreram alguma forma de violência física ou sexual, chegando a 70% em certas regiões. Então, quando começamos os 16 Dias de Ativismo para a Não Violência Contra Mulheres e Crianças, precisamos admitir que, confrontados com a escala do problema, 16 dias por ano não é suficiente. Todos os dias devem ser um dia de ativismo contra a violência baseada em gênero. E todo sul-africano precisa fazer parte do esforço para reduzir e, eventualmente, eliminar esse flagelo, tanto em casa quanto no exterior.
Quando o dia terminar e o sol tropical não tiver mais cores para projetar, na imensidão de todas as superfícies e montanhas, nos lagos e baías, nas florestas e nos Palmares, não nascerá somente um novo dia, mas a vontade de lutar e vencer de quem faz da vida uma bandeira, do estudo um trunfo, das oportunidades um espelho. Gostaria de ter dito estas e outras palavras a Mércia. Jovem menina da UP Maxixe, estudante de leis e interpretações jurídicas, que acredita em Deus e, entende que Deus jamais escreve torto por linhas direitas ou, igualmente, torto em linhas tortas.
Nesta terça-feira, Rogério Zandamela, Governador do Banco de Moçambique, disse que o sistema informático nacional foi alvo de um ataque cibernético nuclear. O dedo acusador foi apontado à Bizfirst, os donos do software usado pela Sociedade Interbancária de Moçambique, SIMO. Estranho é que diante um tamanho ataque, "nuclear", não tenham sido acionados (pelo menos não se sabe até ao momento) os devidos mecanismos que o Estado tem para se prevenir de situações que atentam com a soberania, tal como se tem dito.