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terça-feira, 18 fevereiro 2025 07:34

A rádio e memórias do Niassa

Escrito por

TomasVieiraMario2608 (2).jpg

Ocorreram, na semana que ora termina, dois factos que me motivam a escrever este texto, que são os seguintes:

 

Na Quarta-feira foi assinalado o dia mundial da rádio e, na Sexta-feira  o escritor Ungulani Ba Ka Khosa publicou uma belíssima crónica na sua conta do Facebook, na qual lembra a data em que eu e ele chegamos a Lichinga: Fevereiro de 1978.

 

Bem jovens, na Casa dos 18 anos, cada um para lá enviado pela sua entidade empregadora, íamos ambos em missões mais patrióticas que meramente profissionais, chamados a participar na preparação das primeiras machambas do Estado que estava a nascer. 

 

Se o Ungulani ia integrado no primeiro grupo de professores secundários, da agora chamada 'Geração 8 de Março", eu ia na condição de repórter júnior da Rádio Moçambique (RM), igualmente como primeira "leva" para a planatica cidade.

 

Digo missões mais patrióticas que meramente profissionais porque, dadas as condições precárias em que elas ocorriam - sem alojamento no destino nem qualquer forma de integração ou compensação - pelo menos no meu caso - estas missões eram verdadeiras "provas de fogo" juvenil, de forma alguma imagináveis hoje.

 

Comigo vai a Lichinga o Ricardo Dimande, amigo desde a Escola Secundária Josina Machel, após um estágio de preparação político-ideológica e alguns prolegomenos em jornalismo, na sede da RM.

 

Quando ingresso nos quadros editoriais da RM,em Outubro de 1977, através de concurso público, quase todos os profissionais de comunicação social eram, se não membros com cartão, pelo menos militantes e defensores públicos da FRELIMO. Bastará referir que no seu primeiro seminário nacional, de 1977, os membros desta classe, dirigidos pelo partido único, tinham atribuído ao sector a missão de "Fazer da Informação um Destacamento Avançado da Luta de Classes e na Revolução". Uma missão pesadíssima, diga-se de passagem.

 

Em Maputo, quando eu e o Ricardo Dimande comunicavamos a familiares e amigos que tínhamos sido colocados em Niassa...havia sempre alguma reacção de incredulidade, se não mesmo de alguma comoção, em que em silêncio as pessoas nos perguntavam: "por que estão a ser castigados?" Porque era essa a conotação geral de Niassa: uma terra sinistra, para onde eram desterrados aqueles em conflito com a Revolução, fossem "reacionários",  fossem "corruptos" de variada estirpe.

 

Mas vai ser em Lichinga, e neste calor de revolução e temor, onde, iniciando-me em jornalismo, vou tomar contacto com a rádio, à  altura um verdadeiro fenómeno comunicacional, simultaneamente prestigiante e poderosíssimo, enquanto principal instrumento de indução politico-ideológica do Partido-Estado.

 

Mas como tudo nessa altura, a nossa missão, nós os dois repórteres, guiados pelo Delegado,o recém-falexido Tiago Viegas, era efectivamente iniciar um emissor provincial...a partir de equipamento absolutamente precário e obsoleto, herdado de uma pequena emissora colonial local, ora integrada da RM. 

 

Nos três anos em que lá  permaneci, (1978-1981) nunca tivemos uma única viatura para trabalhar. Nem casa para viver. Trabalhavamos a pé. Ou em boleias de viaturas de direcções provinciais  do governo: educação, saúde, agricultura, comissão provincial das aldeias comunais. 

 

Outras alternativas eram o velho comboio para Cuamba, tão lento que fazia você preferir descer e continuar a viagem a pé! Ou os desconjuntados machimbombos  da ROMON (Rodoviária Moçambique Norte).

 

Aprendemos, à força, a pernoitar em aldeias recônditas, acolhidos calorosamente em casas de camponeses,  que  nos ofereciam camas de paus pregados ao chão e bases feitas de cordas entrelaçadas. Dores nas costas? Você só vai sentir no primeiro dia seguinte. 

 

Para explorar ao máximo o material noticioso que recolhia nos distritos, preparava reportagens paralelas para a lendária revista "Tempo", pedindo a sua publicação a custo zero: a mim bastava  saber que um texto da minha autoria seria publicado numa revista com nomes como: Albino Magaia, Aerosa Pena, Filipe Ribas , Alves Gomes...E ficava verdadeiramente  empolgado de cada vez que recebia uma cópia da "Tempo" com um texto em que em baixo vinha: 'Tomás Vieira Mário'. Assim aprendi também a líder com o jornalismo de imprensa.

 

A partir de Lichinga enviavamos as notícias para a sede em Maputo, lendo-as ao telefone , a meio da tarde. Para tanto, era preciso pedir chamada telefónica ao PBX da delegacia da empresa Correios,Telégrafos e Telefones(CTT), - ja extinta - para uma determinada hora. E como a linha telefônica tinha sempre muito ruído, era preciso saber ler bem em voz alta, para a Central Técnica da sede gravar as notícias em bobinas.

 

Sendo poucos, no emissor provincial fazíamos todos um pouco de tudo: desde reportagens, montagem de peças e de programas em fitas magnéticas,realização de emissões, etc. Esta circunstância, de graves carências de técnicos, dava-nos, em contrapartida,uma enorme recompensa: a oportunidade de conhecer o fenómeno da radiodifusão em toda a linha de produção de conteúdos.

 

Além daqueles gravadores de cassetes, a que chamávamos de tijolos, ainda tínhamos um enorme gravador de bobinas, muito pesado, que carregavamos,  para reportagens mais longas.

 

Um dia, levando este pesado gravador às costas, a gravar um longo comício popular ,dirigido pelo Governador da Província,  Aurélio Manave, na história localidade de Matchedje,depois de horas em pé, senti-me de repente sem ar e cai, zonzo. Era muita fome acumulada. E sede.

 

Ocorreram, na semana que ora termina, dois factos que me motivam a escrever este texto, que são os seguintes:

 

Na Quarta-feira foi assinalado o dia mundial da rádio e, na Sexta-feira  o escritor Ungulani Ba Ka Khosa publicou uma belíssima crónica na sua conta do Facebook, na qual lembra a data em que eu e ele chegamos a Lichinga: Fevereiro de 1978.

 

Bem jovens, na Casa dos 18 anos, cada um para lá enviado pela sua entidade empregadora, íamos ambos em missões mais patrióticas que meramente profissionais, chamados a participar na preparação das primeiras machambas do Estado que estava a nascer. 

 

Se o Ungulani ia integrado no primeiro grupo de professores secundários, da agora chamada 'Geração 8 de Março", eu ia na condição de repórter júnior da Rádio Moçambique (RM), igualmente como primeira "leva" para a planatica cidade.

 

Digo missões mais patrióticas que meramente profissionais porque, dadas as condições precárias em que elas ocorriam - sem alojamento no destino nem qualquer forma de integração ou compensação - pelo menos no meu caso - estas missões eram verdadeiras "provas de fogo" juvenil, de forma alguma imagináveis hoje.

 

Comigo vai a Lichinga o Ricardo Dimande, amigo desde a Escola Secundária Josina Machel, após um estágio de preparação político-ideológica e alguns prolegomenos em jornalismo, na sede da RM.

 

Quando ingresso nos quadros editoriais da RM,em Outubro de 1977, através de concurso público, quase todos os profissionais de comunicação social eram, se não membros com cartão, pelo menos militantes e defensores públicos da FRELIMO. Bastará referir que no seu primeiro seminário nacional, de 1977, os membros desta classe, dirigidos pelo partido único, tinham atribuído ao sector a missão de "Fazer da Informação um Destacamento Avançado da Luta de Classes e na Revolução". Uma missão pesadíssima, diga-se de passagem.

 

Em Maputo, quando eu e o Ricardo Dimande comunicavamos a familiares e amigos que tínhamos sido colocados em Niassa...havia sempre alguma reacção de incredulidade, se não mesmo de alguma comoção, em que em silêncio as pessoas nos perguntavam: "por que estão a ser castigados?" Porque era essa a conotação geral de Niassa: uma terra sinistra, para onde eram desterrados aqueles em conflito com a Revolução, fossem "reacionários",  fossem "corruptos" de variada estirpe.

 

Mas vai ser em Lichinga, e neste calor de revolução e temor, onde, iniciando-me em jornalismo, vou tomar contacto com a rádio, à  altura um verdadeiro fenómeno comunicacional, simultaneamente prestigiante e poderosíssimo, enquanto principal instrumento de indução politico-ideológica do Partido-Estado.

 

Mas como tudo nessa altura, a nossa missão, nós os dois repórteres, guiados pelo Delegado,o recém-falexido Tiago Viegas, era efectivamente iniciar um emissor provincial...a partir de equipamento absolutamente precário e obsoleto, herdado de uma pequena emissora colonial local, ora integrada da RM. 

 

Nos três anos em que lá  permaneci, (1978-1981) nunca tivemos uma única viatura para trabalhar. Nem casa para viver. Trabalhavamos a pé. Ou em boleias de viaturas de direcções provinciais  do governo: educação, saúde, agricultura, comissão provincial das aldeias comunais. 

 

Outras alternativas eram o velho comboio para Cuamba, tão lento que fazia você preferir descer e continuar a viagem a pé! Ou os desconjuntados machimbombos  da ROMON (Rodoviária Moçambique Norte).

 

Aprendemos, à força, a pernoitar em aldeias recônditas, acolhidos calorosamente em casas de camponeses,  que  nos ofereciam camas de paus pregados ao chão e bases feitas de cordas entrelaçadas. Dores nas costas? Você só vai sentir no primeiro dia seguinte. 

 

Para explorar ao máximo o material noticioso que recolhia nos distritos, preparava reportagens paralelas para a lendária revista "Tempo", pedindo a sua publicação a custo zero: a mim bastava  saber que um texto da minha autoria seria publicado numa revista com nomes como: Albino Magaia, Aerosa Pena, Filipe Ribas , Alves Gomes...E ficava verdadeiramente  empolgado de cada vez que recebia uma cópia da "Tempo" com um texto em que em baixo vinha: 'Tomás Vieira Mário'. Assim aprendi também a líder com o jornalismo de imprensa.

 

A partir de Lichinga enviavamos as notícias para a sede em Maputo, lendo-as ao telefone , a meio da tarde. Para tanto, era preciso pedir chamada telefónica ao PBX da delegacia da empresa Correios,Telégrafos e Telefones(CTT), - ja extinta - para uma determinada hora. E como a linha telefônica tinha sempre muito ruído, era preciso saber ler bem em voz alta, para a Central Técnica da sede gravar as notícias em bobinas.

 

Sendo poucos, no emissor provincial fazíamos todos um pouco de tudo: desde reportagens, montagem de peças e de programas em fitas magnéticas,realização de emissões, etc. Esta circunstância, de graves carências de técnicos, dava-nos, em contrapartida,uma enorme recompensa: a oportunidade de conhecer o fenómeno da radiodifusão em toda a linha de produção de conteúdos.

 

Além daqueles gravadores de cassetes, a que chamávamos de tijolos, ainda tínhamos um enorme gravador de bobinas, muito pesado, que carregavamos,  para reportagens mais longas.

 

Um dia, levando este pesado gravador às costas, a gravar um longo comício popular ,dirigido pelo Governador da Província,  Aurélio Manave, na história localidade de Matchedje,depois de horas em pé, senti-me de repente sem ar e cai, zonzo. Era muita fome acumulada. E sede.

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