Os artistas, muitas vezes, dizem, em
poucas palavras, o que nós, filósofos,
não conseguimos expressar em
volumes de textos. Entre esses artistas
visionários, houve aquele que compôs
a canção "Vinde, Vinde,
Moçambicanos, Exaltemos Mondlane."
Com uma capacidade rara de ler as
dinâmicas do momento e de antever o
que nos aguardava, ele escreveu
versos profundos que marcaram a
Primeira Republica moçambicana.
Na última estrofe dessa canção,
salmodiava:
"Os frutos já vamos colhendo:
liberdade, pão e paz."
Essas palavras, entoadas com fervor
por gerações, eram mais do que
versos; um pacto, uma
promessa, um ideal pelo qual
Mondlane viveu e morreu. Hoje,
volvidos cinquenta e seis anos após o seu sacrifício,
olhamos para trás e nos perguntamos:
colhemos, de fato, esses frutos?
Liberdade: Uma Promessa Ameaçada
As liberdades que Mondlane sonhou e
que tantos outros deram a vida para alcançar
hoje ja não estão ameaçadas
por potências coloniais, mas pelas nossas
próprias incongruências e divisões internas.
Pela nossa incapacidade de criar consensos, de
dialogar, de construir juntos, o que corrói a
liberdade como cupins em madeira
antiga. Mas a liberdade não é apenas a
ausência de opressão: é também
responsabilidade. Não há liberdade
plena sem que sejamos senhores
das nossas vidas, sem que possamos
produzir o suficiente para atender às
necessidades básicas de cada moçambicano.
Dependemos ainda, em demasia, da
boa vontade externa, da ajuda que
chega com condições ou que é
retirada conforme interesses alheios.
Como podemos ser livres quando
nossas mesas dependem de um “sim”
vindo de fora? Não há liberdade
quando não conseguimos garantir o
pão com nosso próprio suor, nosso
trabalho e nossa criatividade coletiva.
Pão: O direito ao Necessário
O pão, metáfora do sustento e da
dignidade, continua sendo um
privilégio para poucos. Em muitas mesas
moçambicanas, ele falta. Em
algumas, sobra em excesso,
perpetuando uma oligarquia insensível
às necessidades da maioria. Mas o pão
só será suficiente quando deixarmos
de esperar por milagres e assumirmos,
como povo, a tarefa de garantir a nossa subsistência.
O sacrifício de Mondlane e de tantos
outros heróis nos ensinou que
independência política sem
auto suficiência económica é uma
liberdade incompleta. Trabalhar pelo
pão para todos não é apenas uma
questão de justiça, mas de
sobrevivência nacional. É um chamamento
à solidariedade, à construção de uma
economia capaz de responder às
necessidades reais do povo.
Paz: O Maior Anseio
Por fim, a paz, o maior dos frutos,
continua a nos escapar. Conflitos
velados e abertos nos dividem,
ameaçando não apenas a nossa
estabilidade, mas nossa própria
identidade como nação. Esses
conflitos, alimentados por ambições
pessoais, disputas políticas e
desigualdades estruturais, impedem
que nos sentamos à mesa como
irmãos.
A paz verdadeira não é apenas o
silêncio das armas, mas a construção
de uma convivência harmoniosa,
baseada na justiça e na igualdade.
Sem paz, nenhuma liberdade é segura,
e nenhum pão pode ser
compartilhado.
O legado de Mondlane: Um Apelo a Ação
Lutar por Moçambique hoje é mais do
que recordar os heróis do passado. É
continuar a luta pela liberdade, pelo pão e
pela paz. É assumir a responsabilidade,
como cidadãos, intelectuais, políticos
e jovens, de transformar sonhos em
realidade.
É garantir que a liberdade seja
sustentada pela nossa capacidade de
sermos auto suficientes. Que o pão
seja fruto do trabalho coletivo e esteja
na mesa de todos. E que a paz seja
conquistada pelo diálogo, pela justiça
e pela reconciliação.
Celebrar Eduardo Mondlane e os
heróis moçambicanos não é apenas
lembrar os nomes deles, mas honrar os seus
ideais. É continuar a luta, custe o que
custar, para que Moçambique seja,
enfim, um país onde a liberdade seja
plena, o pão seja suficiente e a paz
seja duradoura.
Lutemos, então, com coragem e
unidade, pois o sonho de Mondlane
não pode morrer. A luta continua.
Severino Ngoenha