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quarta-feira, 05 julho 2023 01:41

Manuel Chang será extraditado para os EUA entre os dias 8 e 10 de julho e poderá ser absolvido, escreve Marcelo Mosse

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O Governo sul africano e a Interpol (Polícia Internacional) já terminaram todos os procedimentos administrativos necessários para a extradição do antigo ministro moçambicano das Finanças, Manuel Chang, detido em Joanesburgo desde Dezembro de 2018. Chang será transportado para Nova Iorque entre os dias 8 e 10 de Julho, apurou “Carta” de fonte credível, familiarizada com o processo.

 

Manuel Chang, de 67 anos de idade, foi indiciado pelo Departamento de Justiça americano da prática de três crimes, nomeadamente uma acusação de conspiração para cometer fraude electrónica, uma acusação de conspiração para cometer fraude de valores mobiliários e uma acusação de conspiração para cometer lavagem de dinheiro. Chang foi preso pela Interpol a pedido do Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América.

 

A confirmação de que Manuel Chang vai ser extraditado para os EUA indica que a preparação para o seu julgamento já está em curso, embora exista ainda uma questão prévia que sua defesa arguiu junto do juiz Nicholas Garaufis, do Tribunal dos Estados Unidos para o Distrito Leste de Nova York (Brooklyn).

 

O escritório de defesa de Manuel Chang nos EUA, a Ford O'Brien Landy LLP, representado pelo advogado Adam Ford, avançou, a 8 de Junho, com um pedido ao juiz para anular a acusação, sob o argumento de que sua detenção na África do Sul, desde 29 de Dezembro de 2018, negou a Chang o direito a um julgamento rápido, violando  a Sexta Emenda da Constituição dos EUA. Uma conferência entre as partes foi aceite pelo juiz e já tem data marcada. A defesa de Chang tem ainda a esperança de que o caso seja anulado, dado a enorme jurisprudência e o estipulado constitucional sobre a matéria, vertido na Sexta Emenda.

 

Se Garaufis não atender ao pedido de anulação do caso, Chang vai agora ter de responder em solo americano por suspeitas de ter defraudado os investidores americanos que adquiriram os Eurobonds (Obrigações) que serviram para financiar parcialmente os projecto da Ematum e o de protecção costeira.

 

Os Eurobonds a favor da EMATUM, vendidos pelo Credit Suisse, foram emitidos pela TMF Management B.V., uma firma holandesa que presta serviços financeiros e jurídicos a multinacionais. Por causa do seu papel no caso, o Credit Suisse, reconheceu suas falhas em matéria de “complaince” e concordou, em 2021, em pagar cerca de US$ 475 milhões às autoridades britânicas e americanas, em 2021 para resolver acusações de suborno e fraude, tendo prometido perdoar US$ 200 milhões em dívidas de Moçambique.

 

Veredicto do caso Boustani pode favorecer Manuel Chang

 

Manuel Chang é acusado da prática dos mesmos crimes de que foi acusado o famoso vendedor de barcos libanês da Privinvest, Jean Boustani, de 44 anos, preso no Aeroporto John F. Kennedy em Nova York em 2 de janeiro de 2019, indiciado mais tarde naquele dia e absolvido quase um ano depois.

 

A absolvição de Boustani fez correr muita tinta na imprensa, com debates fervorosos em sites de "think tanks" da área da acção penal contra a corrupção nos Estados Unidos da América. Analistas consideraram que a absolvição de Boustani destacou alguns dos limites da capacidade do governo (americano) de processar actores estrangeiros por corrupção e crimes relacionados à lavagem de dinheiro sob a lei dos EUA, designadamente a Lei de Práticas de Corrupção no Exterior (FCPA, na sigla em ingles), a mesma que vai ser usada contra Manuel Chang.

 

Durante um julgamento de aproximadamente seis semanas, Boustani depôs em sua própria defesa. Ao longo do seu depoimento, que durou três dias, ele reconheceu ter pago milhões de dólares a um agente moçambicano e a um banqueiro do Credit Suisse, Andrew Pearse. No entanto, Boustani sustentou firmemente que tais pagamentos não eram subornos, alegando que eram apenas “taxas de sucesso” para ganhar negócios para a Privinvest.

 

A acusação retratou Boustani como um jogador central na fraude a investidores americanos, alguém que ajudou a organizar e ocultar subornos para empréstimos vendidos a cidadãos dos EUA em Nova York e Los Angeles.

 

Boustani testemunhou que não teve nenhum papel na organização dos empréstimos aos investidores supostamente defraudados. O advogado de Boustani argumentou que o seu cliente não tinha conhecimento de que o dinheiro pago por meio de um banco do Médio Oriente passaria pelos Estados Unidos.

 

De acordo Sydney Kaplan, um bloguista da firma Lowenstein Sandler, os jurados foram influenciados pelo argumento da defesa segundo o qual as acusações americanas não deviam ter sido feitas contra Boustani, pois este trabalhava para a Privinvest, com sede em Abu Dhabi, e nunca havia pisado nos Estados Unidos antes de ser preso.

 

O que está claro é que o veredicto de Boustani questionou o alcance extraterritorial das leis destinadas a combater crimes financeiros. Resta saber como é que os procuradores reavaliarão suas tácticas, à luz da absolvição do libanês, agora no caso de Manuel Chang, cuja defesa pode muito bem usar a jurisprudência do anterior caso para a conseguir absolvição do antigo ministro.

 

Pois, tal como Boustani, Chang não participou na emissão das Eurobonds, nem dos roadshows aos investidores nos EUA. O que ele fez foi assinar garantias soberanas em Moçambique para os empréstimos do Credit Suisse e do banco russso VBT.

 

Ou seja, tal como Boustani, Chang nunca vendeu um empréstimo do Credit Suisse a um investidor americano, nem usou uma linha telefônica americana ou grampeou o sistema financeiro americano.

 

E tal como Boustani – ele não é um cidadão americano, e, por isso, a acusação de violar a Lei de Práticas de Corrupção no Exterior ao subornar funcionários moçambicanos não cola –  Chang também poderá gozar do mesmo veredicto.

 

Em suma, a grande desafio do Departamento de Justiça contra o antigo ministro é provar que Chang: i) defraudou investidores americanos, pois eles compraram os empréstimos que o Credit Suisse (os Eurobonds) fez a Moçambique sem saber que os empréstimos foram obtidos por meio de suborno; ii) praticou fraude eletrónica, porque algumas das comunicações sobre o esquema de suborno passaram por linhas de telecomunicações americanas; e iii) fez lavagem de dinheiro, porque parte do dinheiro usado para pagar subornos passava pelo sistema financeiro americano.

 

Estas três acusações não vingaram contra Boustani. Poderão vingar contra Chang?, eis a questão? (Marcelo Mosse)

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