Certa vez, o filósofo francês Jean-Paul Sartre disse e ficou registado: "quando os ricos fazem a guerra, são sempre os pobres que morrem". E hoje, eu digo, quando numa guerra os generais ordenam a invasão de uma zona, há sempre o saque de bens alheios e morte dos pobres e inocentes. E foi sempre assim!
No caso moçambicano, vivenciou-se estes episódios, durante a guerra dos 16 anos, entre o governo (da Frelimo) e o movimento de guerrilha (RENAMO), em que milhares de moçambicanos viram seus bens saqueados por generais famintos de riqueza e com sangue nos olhos. E hoje a saga continua em Cabo Delgado, Manica e Sofala, onde a pólvora venceu a razão e a lucidez!
Se em tempos, o famigerado Imperador de Gaza, Ngungunhane nas suas incursões para expansão do seu reino, aniquilava os pequenos reinos e saqueava tudo que encontrava pelo caminho. Já nos finais da luta de libertação, assistiu-se à expulsão do colono com uma pasta e alcofa nas costas, tendo os novos donos do poder se apoderado de tudo e posteriormente apelidado de nacionalização.
Entretanto, nos tempos que correm percebeu-se que afinal quem ficou com as melhores coisas foram os combatentes daquele período. E foi sempre assim, entre vencedores e vencidos, o espólio fica com aqueles que deveriam trazer a harmonia e devolução das coisas às verdadeiras vítimas – o povo!
Da saga dos 16 anos da guerra civil, alguns conseguiram recuperar seu espólio, uma vez que conheciam quem havia cometido o duplo crime – entrar para matar e furtar bens alheios, numa guerra sangrenta que empobreceu mais o povo e destruiu propriedades e bens daqueles que aos poucos procuravam desenvolver suas vidas, depois das tenebrosas políticas socialistas-marxistas que se viviam após a independência – num mundo de blocos opostos e que obrigava as pessoas a escolher um dos lados!
Entretanto, muitas famílias perderam tudo e viram sargentos, coronéis, generais e seus parentes desfilarem pelas ruas e avenidas com seus bens espoliados durante a mortífera guerra da alegada democratização de Moçambique.
A situação devastou e provocou problemas cardíacos a alguns. Na guerra contra o terrorismo em Cabo Delgado, onde mais de 780 mil pessoas fugiram das suas casas, deixando tudo para trás, os militares em Palma rebentaram com as caixas de depósito e levantamento e em Mocímboa da Praia cavaram no interior das residências, uma vez que, culturalmente, as pessoas não depositam os valores nos bancos, enterram no quarto ou colocam no interior dos colchões e outros bens.
A situação pode ser mais tenebrosa. A título de exemplo, os filhos e vizinhos do falecido casal Hanekom, cidadão sul-africano que morreu em circunstâncias estranhas e sem uma explicação pública e jurídica sobre o que terá acontecido, depararam-se com a visita de uma ilustre família que contabilizava o património e questionava se o mesmo poderia ser vendido!
Em situações do género nas guerras que ocorreram na Pérola do Índico, sempre houve quem se apodera do espólio das famílias. Surgem sempre parasitas e oportunistas que, na ausência ou na dor dos inocentes, saqueiam os bens, colocam em camionetes e enviam as suas quintas recônditas e sem visibilidade pública.
E quem faz isso são os grandes líderes militares que, curiosamente, mesmo diante de tanto fogo intenso, seus pastores continuam a pastorear seus caprinos, bovinos e ovinos. Continuam a visitar suas fazendas em zonas quentes, enquanto os civis fogem do local com medo do cheiro da morte e da dor da bala.
Às vezes, acredita-se que as guerras vieram para eliminar aqueles que não têm força para se defender e cuja única salvação é morrer ou fugir do local e viver traumatizado para sempre, sem apoio e acumulando uma sociedade doentia e de psicopatas que vivem em constante ataque de nervos e de raiva. É importante que as nossas "guerras sejam apenas de palavras", porque as armadas acabam permitindo que os civis sejam espoliados e desgraçados para sempre!
O último aumento dos combustíveis no país desencadeou uma onda generalizada de instabilidade em quase todos os sectores nevrálgicos da nossa sociedade, particularmente na economia. É que, logo a seguir ao aumento do preço na “boca” das bombas, os transportadores deixaram imediatamente clara a sua intenção de aumentar os preços que cobram aos utentes - e chegaram mesmo a aumentar em muitas cidades e vilas do país, apesar das manobras do governo de tentar impedir ou inviabilizar. Para surpresa geral, as próprias gasolineiras que acabavam de aumentar o preço dos combustíveis vieram a público indicar que poderiam paralisar as suas actividades caso o governo não lhes canalizasse o subsídio acordado, cujos valores, segundo as gasolineiras, andavam pelos 120 milhões de dólares na altura. Argumentam eles que o aumento efectuado continua aquém do pretendido e, assim, continuam a incorrer em prejuízos.
Os combustíveis são, sem dúvida, a parte mais sensível do sector dos transportes, este que é, por excelência, o “sangue” da economia de um país. Sem um eficaz e eficiente sector de transportes, nenhuma economia tem vitalidade. O transporte é central na economia; sem ele, não funciona, não se desenvolve. Não acontece nada. É através de transporte que um investimento é feito num determinado ponto, ou região; é através de transporte que se levam os factores de produção para os centros de produção; é através de transporte que se leva a produção para armazenamento e deste para a comercialização, seja ele interno ou externo/exportações.
E estes transportes podem ser rodoviários - ie., usam estradas; ferroviários - ie., usam as linhas/vias férreas; aéreos - ie., usam aviões; e marítimos - ie., usam as águas do mar ou dos rios. Todos estes meios têm um denominador comum: usam combustíveis.
Cada tipo de transporte tem as suas vantagens, mas complementam-se. Os transportes ferroviários (comboios) e os marítimos são mais vantajosos no transporte de carga, regra geral transportam enormes quantidades de carga diversa e por longas distâncias; os aéreos (aviões) são mais rápidos para longas distâncias; os automóveis são mais práticos no transporte intra e inter-urbano, não se tratando de longuíssimas distâncias.
Uma economia que se preze e que se quer mais robusta a longo prazo, que se pretende desenvolver, tem que fazer a combinação destes diversos meios de transporte. Não pode apostar em um único, não seria nem eficiente, nem eficaz. Temos de ter linhas férreas pelo país; temos de ter transporte marítimo (ao longo da costa e fluvial); temos de ter estradas em condições (auto-estradas, primárias, secundárias e terciárias). Isto é fundamental para uma economia.
Dito de outro modo, o sector de transportes de um país, de uma economia, deve ser robusto, pujante e em desenvolvimento. O movimento de pessoas e de mercadorias não pode ser constrangido por nenhum factor. As mercadorias devem chegar a qualquer ponto dessa economia em condições menos onerosas e em tempo útil; as pessoas devem poder movimentar-se para qualquer que for o ponto que pretendam, com custos que não onerem muito o negócio que pretendem ou estão a desenvolver. Isto é a dinâmica de economia.
Chegados aqui, a pergunta é: qual é o nosso plano estratégico para o desenvolvimento e robustecimento do nosso sector de transportes? Mais directamente: quando é que teremos uma linha férrea nacional? Ou linhas férreas ligando as capitais provinciais? Já ouvimos que a construção de uma linha férrea é muito cara; mas, vamos ser claros, os países que são desenvolvidos, são-o porque detém um parque ferroviário com robustez. Não reclamamos que se construa num ápice… claro que é impossível. Mas, no mínimo, que nos dissessem quando é que teremos uma linha férrea ligando o sul ao centro e ao norte, ou vice-versa, se preferirmos.
Pelo menos que nos dissessem quando é que teremos cabotagem. Quando é que teremos navios transportando mercadorias e/ou passageiros ao longo da nossa costa. Vários navios aportam nos nossos diferentes portos, vindos de todo o mundo. E a nós isso não nos excita, não nos dá que pensar. Assistimos impávidos e serenos!
Não faz sentido que toda a mercadoria do norte para o centro e sul e vice-versa tenha que estar a ser transportada por camiões pela EN1. Uma das consequências visíveis a olho nu é que a nossa estrada está sempre a degradar-se. É muito camião a andar pelas estradas e com mercadoria em quantidades bastante grandes.
O que pretendemos no nosso sector de transportes é o que vemos no sector de energia… infelizmente, não em muitos outros! Sabemos que em 2030, a energia vai chegar a todos os moçambicanos. Sabemos que, até ao fim do mandato do Presidente Nyusi, todos os postos administrativos vão ter energia eléctrica e que em pouco tempo Moçambique vai-se tornar num pólo regional de produção de energia. Mas não sabemos nada sobre o sector dos transportes e outros. Não sabemos nada sobre o sector ferro-portuário. Queremos um plano estratégico de desenvolvimento dos nossos caminhos de ferro. Uma abordagem integral dos transportes no país, a expansão dos caminhos de ferro, das estradas, a cabotagem… uma Estratégia Nacional do Desenvolvimento do Sector dos Transportes na sua globalidade.
Temos que ter um instrumento orientador, se não, não vamos longe! Não é porque no sector de energia erguer infra-estruturas seja menos caro, ou porque a EDM está cheia de fundos para investir; tem o seu plano director, que é um orientador do desenvolvimento do sector!
ME Mabunda
Não é em vão que todos os dias nos deparamos com insólitos de que filho ou filha de Y ou Z ressuscitou. A verdade é que estamos num país de fantasmas. É fantasma para tudo que é canto, e só constitui surpresa para quem pensa que Moçambique real são redes sociais!
Aqui fantasmas recebem salários mensalmente. Engrossam até as listas do exército. Dão aulas sem nunca terem sido vistos em qualquer sala e nem escola – afinal são fantasmas! Engravidam mulheres de um bairro inteiro, sem nunca terem sido vistos – só podemos estar num país de fantasmas! São tantos fantasmas a viverem num só país que já ninguém entende se estamos num mundo real ou num projecto-piloto daquilo que deve ser o inferno!
É que já não está fácil conviver com tantos fantasmas. Temos fantasmas a leccionar, fantasmas a tratar doentes, fantasmas a lutarem na guerra, fantasmas a votarem, fantasmas a receberem doações, fantasmas a roubarem relva sintética no Zimpeto, fantasmas a levarem dinheiro da Covid-19, fantasmas a construir e destruir pontes e estradas, fantasmas a poluírem rios, fantasmas a pescarem em pleno período de veda, parteiras fantasmas que deixam gestantes morrerem em pleno serviço de parto, fantasmas que provocam acidentes cavando estradas, fantasmas a dirigirem instituições que todos os dias, na sua secretária, o que se vê é seu casaco, mas nunca o proprietário.
Estes fantasmas não são de hoje. Vasculhem os anais da nossa história. Analisem as cabeçadas protagonizada pelos fantasmas que mamaram a massa dos madjermanes, atirando milhares de famílias para a desgraça. Aqui os fantasmas saqueiam cofres da LAM, TDM, MCEL, FDA, Educação, AT, Aeroportos, EDM, Justiça e zarpam deixando todo pessoal hipnotizado e sem forças para exigir. Na Pérola do Índico, os fantasmas chegaram ao ponto de rasgar a página da Constituição da República que versa sobre o direito a manifestação e outras liberdades fundamentais!
Os fantasmas são tantos que até extravio documentos do badalado processo de julgamento das dívidas odiosas e apagam nomes de accionistas de empresas usadas para distrair a justiça e seus missionários da verdade. Aqui os fantasmas dão ordem ocultas nas instituições e na hora de responder, todos afirmam que estavam a cumprir ordens superiores – de quem ninguém diz! Talvez seja dos chefes fantasmas…
Aqui na Pérola do Índico, até temos esposos e esposas fantasmas. Alunos fantasmas – querem confirmar? Perguntem ao Rosário Fernandes que colocou o cargo à disposição quando viu as estatísticas inflacionadas em Gaza pelos caçadores de fantasmas da Comissão Nacional de Eleições (CNE) – os homens tinham capturado tantos fantasmas que o Instituto Nacional de Estatísticas (INE) teve de convocar todos os seus especialistas para saber se durante o censo não teriam esquecido de incluir os mortos de Gaza!
Quando não existem fantasmas, os semi-deuses que desgovernam o país criam-nos ou eliminam os existentes, é só olharem para a história eleitoral de Nacala-Porto, nas últimas eleições autárquicas – as estatísticas estimam existir mais de 600 mil habitantes, mas os sábios da fantasmaquia subtraíram cerca de 400 mil, ficando apenas mais de 200 mil que garantiram a vitória a actual edilidade, deixando os planificadores das fraudes com os nervos à flor da pele!
Temos tantos fantasmas que até quadros importantes do país são mortos ou empurrados em pleno trabalho e perdem a vida, e o crime fica esquecido, os processos que o mesmo seguia queimados. E os fantasmas continuam a circular. Não é em vão que homens são sequestrados, espancados, assassinados e injuriados por fantasmas. É só olharem para o caso Siba Siba, Gilles Cistac, Jeremias Pondeca, Américo Sebastião, Mahamudo Amurane, Marcelino Vilanculos, Dinis Silica, Rosa Chukwa, Ibraimo Mbaruco, entre outros – só podem ter sido fantasmas para não serem achados – também como é que a PRM e SERNIC vão perder um fantasma – uma espécie invisível?
Na pátria dos fantasmas até os números de mortes em desastres naturais são inflacionados, para que os doadores possam alimentar e aumentar os tamanhos dos bolsos do pessoal que monta as tendas para os fantasmas. Vivemos num país cheio de fantasmas, porque já não existem humanos e quando aparece um homem comprometido com alguma causa, o transformamos imediatamente em nosso quadro predilecto, arrumado numa sala climatizada, sem trabalho e gastando internet com filmes pornográficos e ociosidade!
De tanto ouvir falar de fantasmas, até o edil das taxas, acabou tentando cobrar uma taxa agressiva para o repouso dos mortos – na casa dos fantasmas – com o recente barulho nas FADM dos 7 mil militares fantasmas, não se admirem, se um dia descobrirmos que, dos mais de 30 milhões de habitantes oficialmente anunciados pelo INE/Estado, afinal parte significativa deles são fantasmas? Não sei, aqui tudo é possível…!
Imaginem vocês a viver num país, onde todos os anos a Autoridade Tributária (AT) ultrapassa as metas anuais de recolha de receitas, mas estranhamente muitos não pagam impostos e as contas públicas têm sempre défice, facto que obriga as lideranças locais a recorrerem a empréstimos que chegam em forma de doações. Imaginem vocês que estas doações acabam não sendo direccionadas para o real objectivo e, como consequência, os funcionários pagos para pensar sobre como aumentar as receitas na AT, que todos os anos ultrapassam as metas previstas, devem procurar inventar novos impostos e formas de arrecadação de mais receitas.
E uma das formas encontradas na Pérola do Índico é a selagem das cervejas. Uma prática que em nenhuma parte do mundo é feita. Mas os nossos "grandes cientistas da economia" decidiram avançar, estabelecendo metas e sanções para as empresas que não cumprirem com a ordem. O caricato é que quem pensou nesta medida nunca fez trabalho de campo e nem de produção de cervejas. Talvez quando a pessoa vê a mesma na sua mesa ou no copo pensa que a sua produção é como assinar um documento escrito por outro profissional apenas!
A realidade no terreno mostra outra coisa. Imaginem uma fábrica que por hora produz mais de 40 mil garrafas de cerveja, numa velocidade da luz, ter de parar para colocar a rotulagem do selo em cada uma destas garrafas. Quanto tempo levaria e como justificaria o atraso da demanda da mesma no mercado interno? O caso está deixando as empresas cervejeiras nacionais e internacionais nervosos com os cientistas da AT. Aquilo que seria mais uma empresa do estilo Kudumba ou Inspecção Nacional de Viaturas (INAV) parece estar a ser mais um mito – por ser uma prática que nenhum país do mundo já implementou!
A ordem da AT é abalada pela crise de sheeps no mercado internacional, pois, devido à Covid-19 e a guerra de Titãs nas velhas repúblicas soviéticas, os miolos dos homens que fabricam este importante dispositivo tecnológico, para que a selagem tenha efeito esperado, esteve centrado na busca de soluções para a pandemia e outros para a nova correria armamentista – brincadeira! Mas o facto é que não há sheeps suficientes para responder à demanda de produção das cervejeiras locais e estrangeiras.
Uma outra situação é que as datas antes previstas já venceram todas, porque não existem sheeps e o país virou piada no mercado internacional, devido a uma decisão "infantil" de pessoas que recebem para pensar e defender a bandeira de Moçambique. Esta decisão da AT não passa de um mito. Não passa de uma disfuncionalidade tributária, a não ser que queiram falir todas as fábricas que, ao que tudo indica, respiram saudavelmente nos seus lucros!
Avançar com a selagem das cervejas é impedir o desenvolvimento desta indústria. É mutilar um investimento que muito bem representa o país. É afugentar investidores e parcerias comerciais importantes, uma vez que as marcas estrangeiras que vendem “a bessa” e consumidas com pompa e vividez na Perola do Índico não aceitam que sacanagens económicas do género aconteçam e já comunicaram que não vão ceder à pretensão das nossas autoridades, porque tal medida é impraticável para o mercado da cevada.
Mesmo as empresas que produzem tais selos não estão em condições de produzir milhares em pouco tempo e o caricato é que quem influenciou na medida não fez uma análise exaustiva do sector para depois decidir com esta medida. Tudo parece ser mesmo um mito. A não ser que a AT queira fechar a vaca leiteira e a menina de olhos azuis da elite frelimista por não cumprir com o desejo de certos gananciosos que vêem oportunidade de comer em tudo!
Se querem agravar o preço da cerveja, devem encontrar outras fórmulas, porque esta não foi acertada – como se sai deste imbróglio tributário? Recuasse definitivamente ou avançasse mesmo com todos os prejuízos que isto possa vir a representar? – O facto é que o consultor contratado para desenhar este projecto talvez gostasse de como os mesmos aparecem nos vinhos e quis inventar a roda!
- Moçambicanos, temos de parar de brincar de trabalhar e pensar o país racionalmente, porque a época do Asterix e Obelix ficou na mitologia gaulesa! Quem sabe no dia que os homens tiverem seis mãos, esta decisão tenha algum efeito, se pelo menos existisse um projecto-piloto para ver como seria – mas nada! Ou vamos fazer de conta que…
Existe uma história de um animal pequeno, chamado porco-espinho. Conta a lenda que num dia de frio, alguns destes porcos-espinhos juntaram-se para se aquecerem com o calor dos seus corpos. Mas, logo, viram que se espetavam e se afastaram. Ficaram com frio. Na tentativa de reaproximação, descobriram a distância adequada.
Assim, também, acontece na nossa sociedade. O vazio, a descrença, a pobreza, a mingua e as amarguras existenciais, aproximam as famílias e o cidadão comum. Porém, muitos de seus defeitos desagradáveis os repelem. Por outras palavras, toleramos a proximidade dos outros só quando é necessária à nossa própria sobrevivência e bem-estar, porém, de outro modo, evitamo-nos.
É comum a abordagem dos nexos e conexões que se estabelecem entre os diferentes grupos religiosos, pois é nesses nexos e conexões que se encontram as linhas estruturantes para o diálogo intra-religioso, elemento fundamental para uma convivência pacífica entre eles. Para Moçambique, em particular, intriga e fascina rever o processo de construção do Estado moçambicano e a interacção com os diferentes grupos religiosos. Com a implantação do Estado colonial, viu-se que, por exemplo, a igreja católica era parte integrante do processo de espacialização, territorialização do aparelho burocrático-administrativo, nos espaços assumidos como Moçambique. É certo que a igreja católica teve essa relação íntima com o Estado colonial, porém, outras confissões religiosas, os protestantes e os de confissão islâmica, em particular, foram parte integrante da construção do Estado.
As relações entre o Estado colonial e as duas confissões retrocitadas nunca foram pacificas, ou seja, foram de desconfiança, de conflito e de confrontações. Este tipo de relações conflituosas ou de desconfiança manteve-se durante a primeira República. Foi, portanto, uma relação com rupturas, mas, desde os finais dos anos 1980, mormente, depois da constituição de 1990, muito esforço e empenho para entendimentos foram feitos, com o fito de aproximar as confissões religiosas, na sua diversidade, ao Estado.
Em boa hora, foi celebrada, a jornada Mundial da Religião, que teve o beneplácito das Nações Unidas, apelidada como dia internacional da fraternidade humana. Esta celebração serviu, para o nosso país rever os diálogos que englobam as diferentes confissões religiosas, repensar suas raízes e percursos. Foi, sobretudo, uma reflexão sobre a multiplicidade de religiões e o seu papel no processo de pacificação de um país que tarda a encontrar os caminhos da paz, da tranquilidade, da justiça social e da reconciliação.
Considerando a diversidade religiosa em Moçambique, subdividida entre cristianismo, islamismo e animismos, e outras formas de religiosidade, constatou-se que os distintos grupos são constituídos por pessoas de fé e, até, inegável alcance espiritual. Os discursos podem, salvaguardadas as devidas proporções, seguir na contramão dessa religiosidade e espiritualidade sã e estruturante para o bem do nosso país. No fundo, os diferentes discursos das confissões religiosas ainda ajudam a amolecer os corações, encaminham seus rebanhos para o bem supremo, veiculam união, fraternidade e amor entre os homens.
Acedi, gentilmente, o desafio de debater a fraternidade humana e o diálogo religioso, no contexto moçambicano, à semelhança dos vários seminários e conferências que ocorrem, um pouco pelo país, promovidos pela academia ou pelas organizações da sociedade civil. Convocar o diálogo religioso, ou a utopia de um diálogo religioso, que englobasse mais do que a fé, mas, que tivesse subjacente a reconciliação nacional, a paz efectiva, a concórdia e harmonia social. Quer dizer, revisitar a ideia da ausência de hierarquias entre as profissões ou confissões religiosas, a inexistência, portanto, de religiões superiores ou inferiores, de convicções mais ou menos comuns e incomuns, que perpassam a vontade de aglutinar os seus fiéis.
Comecei, precisamente, por uma revisão conceptual sobre a misantropia, quer dizer, como se posicionariam as nossas congregações e confissões religiosas diante de tantas desilusões, planos económicos e sociais falidos ou falhados e, até, pelo crescente vilipêndio pelas liberdades civis e pela vida. Indaguei se o diálogo religioso serviria de trampolim para libertar os crentes e fiéis das desconfianças, do sarcasmo do pessimismo e das aporias de um Moçambique que tarda a se reencontrar com o destino que deveria ser o seu, um Moçambique onde reina a concórdia, a justiça social e o progresso económico inclusivo.
Iniciei as minhas reflexões retomando conceitos clássicos sobre a fraternidade humana, rebuscando diferentes autores e o próprio “frater”. Concordamos que essa fraternidade era um pouco mais que irmandade, pois, abarcava aspectos relacionados com os direitos humanos, o respeito pela dignidade da pessoa humana e, sobretudo, a igualdade de direitos e deveres. Ou seja, a consagração da própria ideia de ser Homem, tanto no plano filosófico como no antropológico.
Revisitamos outrossim as encíclicas do Papa Francisco, que exalta a “Fratelli Tutti”, uma ideia que ele buscou em São Francisco de Assis. A propósito, o Papa Francisco afirma que a humanidade “cresceu em muitos aspectos, porém continuava analfabeta no acompanhar, cuidar e sustentar os mais frágeis e vulneráveis nas sociedades desenvolvidas”. Então, essa fraternidade não se reflecte num convívio social são, muito menos no amor, na convivência ou no reencontro são e fraterno. O Papa Francisco, ao voltar ao século XII para buscar as raízes da ideia que encerra a “Fratelli Tutti”, indaga-se sobre o sentido de humanidade nas sociedades pós-modernas, onde o individualismo excessivo, a indiferença e as desigualdades sociais tornaram-se a característica fundamental dos tempos hodiernos.
O livro a “Origem” do romancista e escrito americano, Dan Brown, ajuda-nos a percorrer os caminhos das religiões abraâmicas, ou seja, religiões monoteístas. Concebidas por Abraão, e com tradições e identidades e princípios muito aproximadas. Elas, à semelhança das religiões asiáticas, sobretudo, a Indiana, Darma, se espalham por todo o mundo e dominaram as diferentes crenças humanas que se estabeleceram.
O Cristianismo, o Judaísmo e o Islamismo converteram-se nas religiões com o maior número de seguidores e espalharam-se globalmente. Neste século são contabilizados mais de 3.8 biliões de seguidores das três principais religiões monoteístas. Cerca de 54% da população mundial. Portanto, se 16% da população não professa uma religião, significa que os restantes 30% professam outras religiões.
Extrapolando estes indicadores no contexto Moçambicano, em particular, podemos dizer que as tendências globais podem ter algumas parecenças. Moçambique é, também, monoteísta, sem descurar o animismo que mora em todos nós.
Numa conversa que fluiu, e na qual fomos unânimes em muitos aspectos, discordamos noutros, fomos fundo nalgumas questões fundamentais, sobretudo, na utopia, no sentido que o cultor do deste termo, Thomas More, quis dar, de um diálogo mais consentâneo, mais inclusivo e pacífico.
Um primeiro questionamento, cingia a obrigatoriedade de entender a comunhão do diálogo religioso, e ao surgimento de uma teologia contemporânea africana centrada, tal como nos foi proposta por Mbog Bassong no seu livro “La réligion africaine: de la cosmologie quantique à la symbologie de Dieu (2014). Como seria que os africanos poderiam criar uma fraternidade religiosa, sem deixar de ser africanos; como é que essa fraternidade, poderia ser evocada, sem deixarmos de ser moçambicanos. Estas duas interrogações integram-se nas primeiras interrogações, da primeira e segunda gerações dos que desenvolveram a teologia africana, a teologia que assumia que se o cristianismo é único, ele é vivido de forma diferente, em função das praticas culturais de cada contexto. Há aqui questões de ordem meramente teológico-religiosas, mas igualmente de ordem epistemológicas profundas.
Em segundo lugar, tocamos nas nossas crenças animistas e avaliamos como elas conflituam com o processo de evangelização que foi apanágio dos diferentes missionários e pregadores, geralmente vindos do ocidente, que criaram as diferentes seitas religiosas no nosso país. Vivemos com o animismo impregnado em nossas consciências, em nossas práticas culturais e sociais. Podemos, por isso, dizer que o animismo é parte integrante da nossa percepção sobre o mundo, no geral, e do mundo religioso, em particular. É habitus, no sentido que lhe dá Pierre Bourdieu. Os momentos mais difíceis nos levam de volta às origens, porque é nelas que se encontram as estruturas e as potenciais respostas às nossas principais indagações existenciais e religiosas.
Aliás, os escritos de Desmond Tutu testemunham uma variedade de teólogos africanos que estudaram essa transição de interculturalidade entre as religiões monoteístas e as religiões animistas africanas. Existem precursores bem conhecidos como Joseph-Albert Malula, Meirand Hegba, Vicent Mulago, Engelbert Mveng, Jean-Marc Ela, John Mbiti e Fabien Eboussi Boulaga.
Uma terceira questão estava relacionada com a questão da misantropia, nas relações humanas, e como este espírito de fraternidade religiosa, que nos deveria unir, por vezes, nos separa. Diante de tantos problemas, pobreza, guerras e terrorismo, esse espaço de religião converteu-se num refúgio. Então, a normalidade da vida e da produção vai retirar os fiéis de suas igrejas?
Em quarto lugar, verificamos que uma postura misantropa e pouco solidária, já adoptada, tem feito dos moçambicanos concidadãos pouco solidários com as angústias e vicissitudes vividas dos outros. Dividimo-nos por questões de ideologia ou, ainda, por uma questão de supremacia de determinados partidos sobre os outros, ou ainda de aspirações pseudo-religiosas sobre os outros. É a própria ideia de Moçambique que tem sido desafiada quando estas clivagens se tornam normais e comuns na nossa sociedade, pois somos, como país, um projecto cujo sucesso depende do que formos capazes de fazer, e que a ideia de ser moçambique signifique aceitar e aquiescer o outro como sua própria continuidade. Somos solidários tão somente em casos de desastres naturais.
E esta postura que desperdiça oportunidades, convívio fraternal e um assumir de não fazermos parte do mesmo grupo. Mantemos um diálogo estéril e de desproveitos. Por vezes, consideramos que os contactos, para além dos mesmo grupos, são contaminação ou violação, o que é contrario aos fundamentos fundacionais da ideia de Unidade Nacional, elemento que nos é muito caro como moçambicanos.
Não poucas vezes, olhamos para irmãos e concidadãos, de diferentes ideologias e ideais, e achamos a aproximação inaceitável e perigosa. Acontece no plano politico, social, étnico e, agora, no religioso. Atitudes que são exacerbadas por discursos inflamados e produtores de rupturas e conflitos entre as pessoas. Aqueles jovens que passam pela doutrinação, sobretudo no norte do país, respaldam-se num discurso religioso fanático, teologicamente irracional, socialmente inconcebível, antropologicamente diruptivo e violento. Essas escolas religiosas, cuja liderança, assente em pessoas nacionais e estrangeiras mais radicais, têm fabricado fanáticos religiosos perigosos para a nossa unidade, para o nosso contrato social, para a fraternidade que tentamos, tão bem construir e consolidar.
As confissões religiosas necessitam de prestar mais atenção a estes processos que criam problemas até de sua própria legitimidade, de sua imagem social. Existem relatos assustadores de promoção de ódio e vingança, com base no sentimento de pertença religiosa. A questão da religião é hoje, como nunca foi, um problema central no processo de construção e formação do Estado moçambicano, de construção e consolidação da Unidade Nacional, do aprofundamento no nosso contrato social.
Existe muito interesse, em muitos de nós, em procurar o espírito da tradição para que possamos encontrar o espírito da reconciliação. Isto tem sido parte das subjectivações, quer das nossas classes mais esclarecidas, como do cidadão comum. Será que o diálogo inter-religioso e intra-religioso da paz, irmandade e reconciliação, ajudaria na difusão dos valores essenciais dessa narrativa de fraternidade humana?
Encerrei a conversa, com os líderes de todas as confissões religiosas ali presentes, regressando aos tempos de infância e adolescência. Passei uma parte da adolescência na cidade de Nampula, convivendo com jovens cristãos e islâmicos. O meu discernimento juvenil jamais encontrou diferenças entre um lado e o outro da fé e espiritualidade.
Numa das missas, na S. Catedral, ainda com o Bispo Dom Manuel Vieira Pinto, dei conta de um jovem cujo nome era Omar Momad, que foi chamado para uma das leituras sagradas. Só, anos mais tarde, dei conta do significado desse gesto.
Este foi dos exemplos que mais e melhor me remeteu à questão da solidariedade humana e do convívio religioso que perpassa todos os valores e preceitos. Mas foi, também, um ponto de partida e de ruptura, para entender como nos podemos reconciliar e aniquilar preconceitos, como moçambicanos, e manter os exemplos de convivência religiosa que nos tipificam. Abraçar essa fraternidade como um dos principais factores nas nossas relações.
O nosso país tem muito mais conflito e muito mais dissonância entre políticos, do que propriamente entre religiosos. Precisamos de uma nova utopia, de uma moçambitopia, e de um diálogo que nos una, não apenas como moçambicanos, mas como irmãos e pessoas de fé e espiritualidade. A fé africana de Desmond Tutu, que despe de preconceitos e desconfianças. (X)