- A propósito do drama humano causado pela infeliz combinação do ciclone IDAI e cheias
Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Em primeiro lugar, felicito-o por ter chegado, em tempo oportuno, à conclusão de que o não cancelamento da Visita de Estado ao Reino de Eswatini, e que iniciou poucas horas depois de o ciclone IDAI fazer estragos na cidade da Beira e noutros pontos do centro do país e do extremo norte da província de Inhambane, não fora uma decisão feliz. É próprio de pessoas responsáveis se reconciliarem consigo mesmas quando se apercebem de que “meteram água”.
O facto de ter saído do Eswatini directamente para o sobrevoo das regiões afectadas sugere, por um lado, que se o Senhor Presidente da República tivesse tido noção, em tempo oportuno, da real dimensão da tragédia que estava iminente, muito provavelmente não teria abandonado o país e, por outro lado, que se não coibiu de agir como Chefe do Estado e, por essa via, cuidar da superintendência das operações.
A realização da última sessão do Conselho de Ministros na cidade da Beira foi, quanto a mim, uma decisão feliz do Senhor Presidente da República. Sobre a não participação do representante eleito dos beirenses nesse encontro, Daviz Simango, naturalmente como convidado, ainda não tenho opinião formada, havendo “informações contraditórias” quanto ao que terá concorrido para isso. Mas se o Senhor Presidente tiver tomado a decisão de o marginalizar, não o convidando, saiba que terá perdido uma extraordinária oportunidade de se posicionar como Presidente da República de todos, sem “cor partidária” no que aos assuntos de Estado diz respeito.
Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Como bem sabe, a gestão de eventos extremos no país tem sido plataforma para os malandros colocarem em prática os seus apetites criminais e animalescos. E esses malandros acham-se presentes em várias esferas, desde a esfera pública à privada, passando pelas igrejas e associações de vária índole, sem pôr de lado as acções desenvolvidas por grupos informais de titulares de direitos (cidadãos aqui inclusos!), sejam eles moçambicanos ou não.
Quando foi das cheias de 2000, por exemplo, uma avaliação especializada à resposta dada às mesmas, como o Senhor Presidente há-de estar recordado, chegou à conclusão de que houvera muitos malabarismos, incluindo o “misterioso desaparecimento”, do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC), de pouco mais de 100 barcos que tinham sido doados ao país. No mesmo contexto, negligência ou imperícia gerencial ou outra coisa fizera com que toneladas de mantimentos apodrecessem nos armazéns sob a égide do INGC, havendo gente extremamente necessitada. Alguns gestores de topo do INGC foram até julgados por um tribunal de Maputo.
Sobre o INGC, não será exagerado recordar as palavras de Leonardo Simão, na altura ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação (que tutelava na altura o INGC), sobre a mudança de nome de DPCCN (Departamento de Prevenção e Combate às Calamidades Naturais) para INGC, proferidas numa conferência no Hotel Rovuma, em Maputo: “Concluímos que a imagem do DPCCN estava muito gasta, devido a problemas de gestão e até fraudes, daí a mudança de nome”. Entretanto, o chefe máximo foi mantido, não tendo havido evidências de mudanças substanciais nos sistemas de gestão.
Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
A observância de uma gestão transparente, inclusiva e profissional da resposta ao desastre humanitário, que constitui o leit motiv desta missiva, pode nos ajudar, como país, a maximizar os esforços tendentes à mitigação dos impactos negativos do mesmo (desastre humanitário). Nisso, a centralidade do Governo de que o Senhor Presidente da República é chefe constitucional é mais do que óbvia.
Como bem sabe, o Senhor Presidente da República disse, quando proferia o seu ´Discurso Oficial de Investidura´, ali na Praça da Independência, em Maputo, a 15 de Janeiro de 2015, a dado passo do mesmo, que “...promoverei uma governação participativa fundada numa cada vez mais confiança e num efectivo espírito de inclusão”, pouco depois de ter referido, na mesma ocasião, que “O meu compromisso é o de respeitar e fazer respeitar a Constituição e as leis de Moçambique”.
Por falar em leis, no quadro da promoção de uma gestão transparente, inclusiva e profissional da resposta ao desastre humanitário essencialmente pelo centro do país, temos, há já sete anos, um diploma legal que nos ajudaria a promover uma situação tal, nomeadamente a Lei número 7/2012, de 8 de Fevereiro, que estabelece as bases gerais da Organização e Funcionamento da Administração Pública, também conhecida por LEBOFA.
A referida lei, que se aplica aos órgãos e instituições da Administração Pública, bem assim às autarquias locais e demais pessoas colectivas públicas, como o INGC, possui um artigo interessante sobre a participação do cidadão na gestão da coisa pública (artigo 14), que a seguir o transcrevemos na íntegra:
“Artigo 14
(Participação do cidadão na gestão da Administração Pública)
1. Os órgãos colegiais da Administração Pública promovem a integração da sociedade civil interessada na sua composição.
2. Para os efeitos do disposto no número anterior, são considerados membros da sociedade civil os representantes de associações, sindicatos, organizações não-governamentais ou quaisquer outras formas de organização colectiva legítima, cujo objecto esteja relacionado com as atribuições de determinado órgão ou instituição da Administração Pública.
3. O disposto nos números anteriores não é extensivo aos partidos políticos.”
A democratização de órgãos colectivos da Administração Pública e de outras pessoas colectivas públicas, a partir dos seus órgãos colegiais, seria, Senhor Presidente, uma boa notícia para a nossa jovem democracia. E, atentos ao causado pelo ciclone IDAI e cheias, bem assim às lições de um passado (relativamente) recente, aplicar a fórmula de inclusão sugerida pela LEBOFA ao INGC afigura-se mais do que urgente. E, a partir dali, expandir a outras entidades públicas, como os Conselhos de Administração da Rádio Moçambique (RM) e da Televisão de Moçambique (TVM), que, em mais um ano eleitoral, precisam de ser factor de estabilidade e não o contrário.
Obrigado por qualquer atenção dispensada, Senhor Presidente da República.
Ericino de Salema, aos 21 de Março de 2019
"A Renamo diz que não correspondem a verdade os números até aqui tornados públicos sobre os estragos provocados pelo ciclone tropical IDAI (...). Apesar de discordar dos números anunciados pelo governo, Juliano Picardo, assessor político do Presidente da Renamo, Ossufo Momade, afirmou durante uma conferência de imprensa realizada está quarta-feira (20), em Maputo, que é prematuro avançar números porque estaríamos a ser hipócritas" - "Carta", 20/03/2019.
Arri!!! Convocar uma conferência de imprensa para desmentir uma informação que também não sabe a verdade? Convocar jornalistas para lhes encher de fofocas e mentiras do "feicibuki"? Não faça isso, ó RENAMO. Olha, senhor assessor, não é isso que as pessoas querem ouvir da RENAMO neste momento. O próprio Pê-Ere Filipe Nyusi já reconheceu que os números que se propalam não são reais. Contra todas expectativas, Nyusi foi o primeiro a reconhecer que o número de mortos pode chegar a mil. Nyusi já disse que a situação é muito mais grave do que parece, tanto que se decretou o estado de emergência nacional.
O senhor assessor já devia saber que este assunto é fraco e sem novidade. A sociedade espera da RENAMO muito mais do que esse "esconde-esconde". A RENAMO tem de começar a fazer política a sério. A RENAMO tem de começar a farejar oportunidades e aproveitá-las. Não é tempo para apontar erros dos que estão a trabalhar. As moças querem ver o rapaz que está na pista de dança a dançar. Querem saber o seu nome, onde mora, onde estuda. As meninas querem saber quem é esse rapaz atrevido, não querem saber de quem está a falar mal dele. Se não quer dançar, ao menos aplaude então! É que amanhã, depois da babalaza, as pessoas só se lembrarão daquele que estava a dançar (bem ou mal), ou daquele que estava a aplaudir maningue tipo louco.
Para um partido sério, esta é uma "boa" oportunidade de fazer aproveitamento político. É oportunidade para fazer populismo positivo (não sei se isso existe em ciências políticas). É uma oportunidade para estar no terreno ajudando as pessoas. É oportunidade para mobilizar os seus membros, simpatizantes e parceiros internacionais para porém a mão na massa, angariarem donativos e mostrarem solidariedade. É oportunidade para a Liga da Juventude do partido aparecer com jovens ajudando na colecta de bens. Chamem aqueles latagões que estavam a protagonizar espectáculos de karaté na sede do partido na Beira para, desta vez, salvarem os seus irmãos. É oportunidade para inundaram à mídia. É oportunidade para mostrarem que vocês estão aqui com o povo. É oportunidade para socorrer as pessoas e serem vistos que estão a socorrer de verdade. É hora de pôr ovo e cacarejar.
Não é tempo para conferências de imprensa sem assunto, sem sentido e sem novidade. As pessoas esperavam ouvir que "falamos com os nossos amigos da Europa e da Ásia e estão a enviar medicamentos e comida". Não é tempo para comunicados e posicionamentos ocus. Não é tempo para perder tempo. Que assessor é esse que convida jornalistas para falar do sexo dos anjos num ano eleitoral? Que assessor é esse que não faz leitura do cenário num ano eleitoral? Já vai uma semana depois do ciclone que a RENAMO não aparece com algo de concreto, algo que faça dela assunto. Até parece que estão a espera que o pior aconteça para dizerem "nós sabíamos!".
Quer queiramos quer não, a FRELIMO soma e segue no teatro das operações. A FRELIMO está a ganhar pontos. Esses membros do governo que estão aí são da FRELIMO. Essas caras que estão sendo vistas aí na Ponta-Gea, no Maquinino, no Luabo, em Mopeia, etecetera, são do governo da FRELIMO. Serão essas mesmas caras que em Setembro e Outubro estarão no mesmo terreno angariando votos. A própria directora do I-Ene-Gê-Cê ha-de voltar para pedir votos para o seu partido: FRELIMO. Isso é uma realidade. E temos que admitir que a FRELIMO tem essa maturidade política. Ela consegue fazer boa leitura do contexto.
Dorme, RENAMO! Dooorme! Quando acordares, a FRELIMO já estará a matabichar.
- Co'licença!
Moçambique é dos moçambicanos. Este país é nosso. Nós todos. Não há moçambicanos de gema nem de clara, de primeira nem de segunga. Somos todos moçambicanos, os donos deste Moçambique.
Aqueles famosos mercenários do Ocidente estão aqui. Os assalariados dos americanos também estão aqui. Os conspiradores e vendedores da pátria estão aqui. Os que estão a fazer "check-in" de Manuel Chang estão aqui também. Aqueles que não querem pagar as dívidas ocultas também estão aqui em peso. Os apóstolos da desgraça estão todos aqui.
Com a Beira profundamente ferida, surge o Governo central a encher o palco num expediente simbolicamente cheio de significado mas que vai fazer parar por um dia os trabalhos da reparação do tecido social, comercial e industrial da cidade. Do ponto de vista psicológico, a cúpula do Governo reunir-se na Beira reconforta e mobiliza as almas violentadas pelo IDAI mas há sempre o efeito da distração e da perda instantânea do foco. Em ano de eleições, qualquer Governo do mundo faria o mesmo.
Mas vamos lá ver se esse Conselho de Ministros reúne-se num oásis de luxo no meio de tamanha destruição ou se as sumidade se sentarão nos escombros do Hospital ou de uma escola arrasada.
E espero que o Governo central abandone a politiquice bacoca e faça dessa reunião um encontro alargado ao Conselho Autárquico da Beira, que é quem aliás melhor sabe o que a cidade (no caso específico da cidade) precisa para se reerguer. Também espero que por artes de berliques e berloques o Governo central não tenha vaporizado o Daviz Simango. Seu sumiço é gritante. E não me venham dizer que ele está a ser censurado pelos canais de televisão (TVM, STV, Miramar) controlados pelo regime.
Ele tem alternativa. Através da Motivel, Simango podia estar a fazer circular vídeos nas redes sociais com testemunhos da destruição, partilhando para o mundo o espírito do lugar, desse lugar que já quase não existe, para roubar do Mia sua expressão de desolação pelo desastre que deixou seu lugar de infância sob escombros.
Onde raio se meteu do Daviz Simango?
O ciclone IDAI foi tão devastador que o Governo devia recomendar, amanhã, na sua reunião do Conselho de Ministros, o Conselho de Estado a decretar uma situação de Emergência Nacional. A destruição, no centro de Moçambique, vai certamente obrigar a uma revisão em baixa do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) estimado, para este ano, em 3,4%.
Toda a infraestrutura produtiva de Sofala foi arrasada. A Estrada Nacional Nº 6, essencial para o fornecimento do “hinterland”, está interrompida em vários pontos. A reconstrução das pontes destruídas levará tempo, assim como a reposição de electricidade e de parte do sector de telecomunicações. Estes dois sectores são essenciais para a vitalidade da economia. Na cidade da Beira, hospitais e escolas foram arrasados. No interior, há relatos de vastas áreas de produção dizimadas e milhares de pessoas desalojadas. E depois, há o risco da eclosão de epidemias de malária e cólera.
O IDAI destruiu, enfim, boa parte do tecido produtivo e social do centro de Moçambique. O parque empresarial foi violentado: edifícios e transportes. O Porto da Beira depende, grandemente, de uma rede viária já precária, mas agora inoperacional para as suas operações de importação e exportação. Uma massa de água inundou cerca de 20 km da EN6 e da linha férrea de Sena. A produção agrícola, no centro, está comprometida. As culturas nas margens dos rios Buzi e Púnguè estão praticamente perdidas.
E esta é apenas ainda uma fotografia preliminar, um retrato de relance do efeito conjugado das cheias e do ciclone IDAI. O tamanho da destruição não se esgota em qualquer descrição exaustiva. E, mais importante, a resposta para esta tragédia extravasa qualquer plano de contingência. Estamos perante um desastre de proporções gigantescas cuja resposta exige que o Conselho de Estado decrete uma situação Emergência Nacional.
Isto permitirá ao Governo rever em baixa as perspectivas económicas para este ano, elaborando um Orçamento Retificativo para definir realocações orçamentais, de modo a robustecer a resposta ao desastre. Permitirá também a redefinição do défice orçamental, de modo a mobilizar recursos da comunidade internacional, no quadro de uma resposta estruturada ao desastre que esteja em consonância com o Plano Económico e Social, também ele redefinido em função das novas necessidades de investimento.
Não vejo outra saída. Repito, a resposta ao desastre ultrapassa qualquer paliativo contingencial. E as zonas afectadas precisam de um forte sinal do Governo central com uma intervenção substancial. Este é um desastre nacional de proporções gigantescas e exige uma resposta enquadrada numa emergência nacional.
Acabo de chegar à casa vindo do trabalho, cansado e revoltado contra a minha incapacidade de perceber que tudo isto já foi anunciado pela Palavra. Nunca quis ouvir os apelos do Noa, “meus irmãos e minhas irmãs, vamos construir a arca porque vem aí o Dilúvio”. Qual dilúvio que vai engolir casas e árvores e montes e montanhas! Que dilívio é esse? Desde que eu nasci e desde que nasceram todos os meus antepassados, jamais ouvi dizer que as águas que caem do Céu alguma vez subiram até aos montes, devorando-os inteiros. Isso não passa de imaginação, ou de loucura por velhice do Noa. Noa está obsoleto.
Isto é um delírio. Talvez um suspiro. O penúltimo. Estou debaixo do choveiro entregando-me ao prazer de sentir a água deslizando pela cútis, no bairro de Macurungo onde moro, nesta cidade da Beira despojada dos bosques que a ornamentavam. Já tenho a informação, “vem aí um temporal, um ciclone de grande magnitude e torrentes de chuva. Precavejam-se, procurem lugares seguros, não fiquem debaixo de árvores, fechem as portas e as janelas”.
Está a chover desde manhã, mas isso não me preocupa mesmo depois do Noa avisar com palavras claras, “vem aí o dilúvio, vamos construir a arca”. Isto vai passar, por enquanto deixem-me gozar este deleite que o choveiro me oferece. Também se vier essa tal hecatombe e engolir a minha casa eu sei nadar. De mariposa e de livre e de costas e de bruços. O meu corpo vai servir de jangada para a minha mulher e meus filhos.
Troveja fortemente em toda a cidade da Beira. O Davis Simango é o Noa, “meus irmãos, não deixem as crianças ir à escola, vocês também, que trabalham perto da orla marítima, fechem as empresas, fiquem em casa com as vossas famílias porque isto não é brincadeira, não!
Davis parece um pastor que vai à frente do rebanho quando fala do dilúvio que já está, aos poucos e poucos, lavrando para transbordar o Chiveve e submergir as casas. Chove forte agora, o vento sibilia como várias mambas ao mesmo tempo, e eu sinto que sim, que tenho de cingir o lombo para levar a minha família quando o tecto da casa estiver por debaixo da água.
Espreito pela janela da casade banho e vejo as palmeiras que os manhambanas e os maquelimanes trouxeram para aqui, dançando a dança do Idai. É um lindo espectáculo. É a arte em si. Que me faz sorrir ao pensar que a morte também pode vir do lado do belo. E se calhar todos nós podemos morrer aqui na terra dos senas e ndaus. A ver vamos, diz o cego!
Vou à sala para ver televisão e o corte de energia eléctrica é sagaz. Implacável. Pego no meu celular para efectuar uma chamada e do outro lado é o mutismo que me responde. As torres de comunicação tremeram nas bases. Lá fora o vento continua a sibilar. Agora uíva como os mabecos. Cada vez mais forte. E a chuva ruge no lugar dos trovões, fazendo-me lembrar, tudo isto, que não somos nada. Podemos ser executados agora mesmo, sem apelo nem agravo. Mesmo com os lombos cingidos.