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terça-feira, 27 agosto 2024 11:49

Os 7 milhões de Mukukuni

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O candidato da FRELIMO à presidência da República, Daniel Francisco Chapo, afirma que, se for eleito, vai reactivar o Fundo de Desenvolvimento Distrital, mais popularmente conhecido por programa dos 7 milhões, iniciativa emblemática da presidência de Armando Guebuza.  

 

A ideia, muito aplaudida pelas populações, e com grande potencial para catalizar iniciativas empresariais juvenis locais, pode vir a ser um dos marcos definidores da governação de Daniel Chapo, na sua reiterada determinação de luta tenaz contra a corrupção, se impedir que ela seja, de novo,  transformada  em mecanismo estatal de fomentar clientelismo partidário – o que passaria por delegar a sua gestão a uma instituição vocacionada e protegida de pressões políticas.

 

Ao falar recentemente num comício em Chiure, o Secretário-Geral da FRELIMO colocou nos mesmos termos  da iniciativa original, os fins a que o fundo deverá de ser destinado: estimular o desenvolvimento socio-económico local, financiando iniciativas de geração de renda, com os joven na linha da frente, porem sem excluir outros empreendores elegíveis, designadamente mulheres.

 

Chapo evocou esta iniciativa com visivel convicção, e articulou com segurança o potencial que o Fundo representaria na monetarização da economia rural  e na promoção de  fontes de renda para os jovens e mulheres, através da criação, consolidação ou expansão de mini empresas. E foi entusiasticamente ovacionado, indicação de recepção positiva da ideia, ainda muito fresca na memória das populações.

 

Menos não seria de esperar.  Com efeito, o projecto “7 milhões” , teoricamente enquadrado na estratégia de fazer do distrito polo do desenvolvimento, foi das empreitadas da governação de Armando Guebuza que mais simpatia terá  granjeado  junto das populações, primeiro limitada ao meio rural, e mais tarde, alargada ao combate à pobreza urbana.   Porque foi, a todos os titulos, uma iniciativa inovadora. Com um grande potencial para ajudar a mudar o paradigma dominante, de “pedir apoio”, inimigo da “auto-estima” ,outra das bandeiras do discurso Guebuziano.

 

Mas, se é inegavel o  impacto “galvanizador” da iniciativa, ao promover a cirulação de dinheiro no campo e estimular a  ideia de empreender e, consequentemente, de assumir e gerir riscos próprios – se isso tudo foi verdade – é também indiscutivel que, em grande medida, o fundo viu os seus objectivos oficiais disvirtuados e, em alguns casos, pervertidos.

 

Com efeito, numa primeira fase, o fundo foi posto nos Gabinetes dos administradores distritais sem agenda nem critérios de aplicação claros , resultando na cobertura de gastos superfluos, como a construção de  vistosos alpendres ...para “receber condignamente  as presidências abertas” -  como ouvimos no Distrito de Moma -  ou no seu uso como meio para “massagear” duvidosas fidelidades partidárias. Nas fases seguintes a iniciativa perdeu as  suas caracteristicas de fundo rotativo, pois os níveis de reembolso ficaram bem abaixo dos 20 por cento, como foi na época relatado.

 

Ainda que estes “desvios” não tenham, de forma alguma, retirado todo o mérito à iniciativa, parece porém relevante compreender-lhes as motivações, para evitar a sua repetição, no caso de sua retoma no próximo ciclo de governação.

 

Obviamente que uma definição inequivocamente (mais) clara dos objectivos do Fundo  e dos critérios de elegibilidade é uma condição since qua non, para a sua gestão transparente e aberta à monitoria e prestação pública de contas.  Esta condição será certamente crucial, se o novo Presidente da República estiver efectivamente  determinado a atingir um outro objectivo critico da sua governação: o combate efectivo à corrupção. Pois a transformação de iniciativas como esta em mecanismos estatais de premiação à militância partidária foi sempre, sobretudo ao longo dos lútimos 20 anos, um dos maiores incentivos à corrupção, cujo combate sempre embelezou a retórica oficial.

 

Daniel Chapo, em diferentes ocasiões, quer de entrevistas com orgãos de comunicação social, quer em campanha eleitoral, tem sido muito vocal no discurso de combate à corrupção, “não só com leis e discursos, mas de forma efectiva” (sic) .

 

De outro modo, reeditar-se-ão os episódios de Dondo e de Mukukuni, nas provincias de Sofala e de Inhambane, respectivamente, que na verdade replicados através do país inteiro No primeiro caso, em pleno dialogo com as populações, mobilizando-as para a necessidade de devolução do fundo recebido, um ancião disse ao administrador do Distrito: “Mas  esse dinheiro afinal não é para nos agradecer pelo nosso voto a favor da FRELIMO? Agora...devolver...como?”.

 

Por seu lado, em Mukukuni, uma localidade remota da baia de Inhambane, sempre destemida como sede de terríveis feiticeiros – conhecidos localmente como “dzindroyi”, quando o Secretario do Bairro informou que estava a caminho uma delegação do Governo Provincial, com a missão de ir cobrar os emprestimos do Fundo junto dos mutuários, a população local disse, em reunião pública: “Mas eles querem vir buscar o quê? Esse dinheiro não são os restos das festas deles lá em Maputo?”. E no auge da sua “indignação”, a população lançou ameaças para quem as quissesse aouvir:  “Aqui é Mukukuni! Quem ousar vir para aqui... cobrar dinheiro...vai ver sozinho as consequências...”. Assim, diz-se que em Mukukuni ninguém, do governo ousou ir cobrar um centavo do fundo dos sete milhões! Anos a fio!

 

Parece-nos, pois que, aprendidas todas as lições, fica a convicção da relevância da iniciativa e, logo, da acertada ideia do seu relançamento, mas com um grande “porém”: a gestão do fundo deverá, agora, ser confiada a uma instituição vocacionada e seguramente protegida de qualquer forma de  ingerência ou influência político-partidária: uma das formas de prevenção da mataquenha!

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