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Hélio Guiliche

Hélio Guiliche

segunda-feira, 16 setembro 2024 07:40

Por uma Epistemologia da Governação

Tenho estado a pensar nos últimos tempos, e a conversar comigo mesmo e com alguns interlocutores do meu tabuleiro de xadrez, sobre o estágio da nossa governação, no concernente a existência ou não de um programa integrado, integral e compreensivo de governação.

 

Por governação, entendo, e quero dizer, a maneira ou abordagem que diversas instituições e pessoas da esfera estatal, pública e privada se conectam entre si e com outros actores a nível nacional e internacional para promover o bem-estar social, político, económico, religioso, etc., do país. Gostaria aqui de ressaltar a componente ou dimensão social do bem-estar colectivo, pois entendo que tem sido negligenciada por décadas.

 

Noto, (talvez erradamente) com alguma, aliás muita preocupação, a falta de clareza e até falta de um programa de governação responsivo e alinhado às demandas sociais. Um programa dialogante e atrelado em premissas do todo. Chamarei a este emaranhado de parágrafos de Pergaminhos: Por uma Epistemologia da Governação.

 

Pensei em chamar de Tratado Epistemológico para a Governação, mas um tratado, na sua essência e composição exigiria um exercício mais apurado e minucioso para a sua elaboração.

 

Nestes diálogos com as peças do meu tabuleiro, a primeira coisa que me ocorreu, e que não é novidade nem para o cidadão ordinário, nem para os governantes e tampouco para os estudiosos da governação, foi o facto de termos no país, uma síndrome crónica de descontinuidade processual e ausência de um compromisso tácito com a causa e acção governativa.

 

Em outras palavras, experimentamos a formação de diferentes governos nas últimas 4 ou 5 décadas (por sinal governos do mesmo partido), facto este que per si poderia ser sinal de alguma estabilidade e continuidade. O denominador comum nessas décadas foi o de cada governo adoptar uma linha discursiva e tentar deixar a sua marca própria, não se importando com as feridas e cicatrizes deixadas.

 

Ressaltam a priori, o desinvestimento na educação pública - área basilar para o progresso de toda e qualquer sociedade que se pretende próspera; um sistema de saúde moribundo e sem capacidade de acompanhar a situação do país; um sistema judicial com amarras e a reboque do executivo; desigualdades sociais gritantes e um grande fosso entre ricos e pobres - onde produzimos nos últimos tempos, muitos falsos ricos e milhões de pobres verdadeiros - (autênticas elites que se julgam ricas pela simples ideia andarem pelos ares em voos executivos, alguns pagos do erário público, ou por terra com carros de luxo em estradas mal conservadas.

 

Além deste fosso tremendo, fomos incapazes de produzir um discurso coerente, aglutinador e inter-geracional; também, não fomos capazes, enquanto país e enquanto cidadãos, de criar um distintivo, uma identidade e uma razão para lutarmos juntos. Por conseguinte, o que deveria ser um legado de fim de mandato torna-se, quase sempre, um grande erro e um grande fardo para o povo.

 

Nestes quase 50 anos entendidos num quadro contextual específico e respeitando as adversidades de cada época e ciclo de governação, tivemos momentos de exaltação e de união enquanto país e povo, todavia paulatinamente fomos permitindo que o espírito individualista, ambicioso e o ganancioso cavassem o sepulcro e enterrassem os nossos sonhos enquanto nação ainda em formação.

 

A incapacidade de se criar um sonho, matou a capacidade de sonhar um só Moçambique para todos; hoje, nos comportamos como autênticos visitantes e peregrinos no nosso próprio país, sem compromisso e sem interesse no devir; somos hoje, uma sombra da geração independentista que sonhou, lutou e até logrou alguns louros. Somos, tristemente, parte da geração de filhos de Moçambique que se sente traída, frustrada e que deseja emigrar e trabalhar na terra do colono branco que outrora a oprimira, em detrimento do colono preto que outrora a libertara mas que agora a asfixia.

 

De ciclos em ciclos, assistimos progressivamente a sedimentação e institucionalização da corrupção que escangalha, descaracteriza e putrefaz a nossa máquina estatal, as nossas instituições e os nossos quadros “deformados”.

 

Nós, enquanto classe académica, temos a nossa responsabilidade nisso, pois nos afastamos da nossa função de pensar, reflectir, criticar e construir novas narrativas, novas realidades e novos sonhos; uns afastaram-se por medo, outros por fome, outros ainda por cobardia e comodismo. Em boa verdade, nos demitidos e “desistimos” deste Moçambique; nós nos permitimos capturar pelas redes de pesca e anzóis que alguém lançou.

 

O escrito que aqui proponho não tem como objectivo o levantamento de problemas. Esse exercício é recorrente e figura em todos os mapas, planos, directivas, relatórios, reflexões, discursos dos últimos 49 anos.

 

Falar da paz, reconciliação nacional, luta contra pobreza absoluta, melhoria da educação, da saúde, da nutrição, das infraestruturas, da agricultura, da segurança, do sistema judicial, etc., num quadro de aparente demissão das instituições, soará a uma autêntica bazófia.

 

Estudar a genealogia da árvore governativa e tentar discutir a raiz dos nossos problemas faz-se necessário e premente antes de todo e qualquer exercício de ordem político, ideológica, doutrinária e partidária. Essa é a raiz que alimenta a espinha dorsal do país e faz correr seiva nos quatro pontos cardinais do Rovuma ao Maputo e do Zumbo ao Índico. 

 

Quer me parecer, muito particularmente, que não é uma questão simplista de termos de problematizar nomes deste ou daquele candidato para nos liderar. É sim uma questão de se lançar uma reflexão nacional verdadeira, e discutir ideias sobre a governação; caminhos para uma boa governação, construção de um ideal nacional com instituições e pessoas fortes. Acima de tudo, precisamos de discernimento e honestidade para assumir que estamos à beira do abismo com eventos como o conflito que grassa Cabo Delgado, pobreza generalizada, corrupção endêmica, segurança pública em colapso, descrédito e descrença do maior e mais valioso recurso do país - o Povo. Último e não menos importante - falta de coragem para dar mote a nova era de reconstrução do país.

 

A Epistemologia da Governação pressupõe antes de tudo a assunção da crise que insistimos em esconder debaixo do tapete. Não podemos continuar a fingir que estamos bem; ao abono da verdade, até quem governa sabe que não estamos. As narrativas de ontem já não produzem o efeito desejado; é preciso actualizá-las e ajustá-las ao contexto. O povo, a sociedade, os cidadãos em particular são movidos por narrativas, projectos e sonhos e não pela falsa ilusão de riqueza e aparente bem-estar.

 

Abandonemos a ideia e crença instituída em que os pobres se envergonham de serem pobres e humildes e os ricos orgulham-se da sua soberba, arrogância e prepotência.

 

Lancemos um diálogo aberto constante entre nós, onde o povo volte a ser centro da ação governativa e, de forma eficaz e realista vejamos reflectidos seus anseios e suas preocupações nos planos de governação.

 

Planifiquemos de forma inclusiva, com horizontes temporais e espaciais mais realísticos ao invés das falaciosas ilusões de 5-10 anos. Quem vier, ao fim de cada ciclo, de onde vier e como vier, deve assumir uma agenda nacional e um compromisso geracional.

 

Se depois de quase meio século disto, continuamos a brincar com a vontade do povo, a iludir o povo, e a matar seus mais profundos sonhos de um Moçambique melhor e para todos, que tenhamos coragem para aceitar as consequências deste e de outros actos.

 

E porque não encerrar com uma citação que muito inspira e que permanece actual em vários contextos: “O que espanta não é a loucura que vivemos, mas a mediocridade dessa loucura. O que nos dói não é o futuro que não conhecemos, mas o presente que não reconhecemos.” – Mia Couto

 

Por: Hélio Tiago Guiliche (Filósofo)

segunda-feira, 12 agosto 2024 12:37

O Nosso Manifesto

Quem somos nós?

 

Somos o povo. O povo deste país baptizado de Pérola do Índico.

 

Um povo forte, resiliente, porém cansado e talvez agastado com algumas (na verdade, muitas coisas) que não caberão neste manifesto. Somos o povo deste Moçambique que nos foi dado como pátria, e posteriormente nos ensinaram a amá-la.

 

A nossa formação política é a moçambicanidade que sente todos os dias, de sol a sol, a falta de comida, transporte, medicamentos, livros, escolas, segurança, até começa a faltar algum respeito e dignidade.

 

É nosso desejo enquanto povo, que o nosso manifesto chegue às mãos daqueles que detém poder e que irão governar o nosso país. No início, chegamos a pensar e a acreditar que o poder reside em nós, mas o tempo tem se encarregado de mostrar que houve uma mudança de direcção, e que, a demissão do povo outrora anunciada, é uma realidade factual. Se não houve total mudança, parece estar em curso e, a passos galopantes.

 

Pode parecer, à primeira vista, um manifesto romântico, e talvez o seja. Queremos neste curto documento influenciar os políticos do nosso belo e vasto país e aos homens de boa vontade. Fazemos por amor a causa nacional e puro patriotismo; porque temos ainda aquela réstia de esperança; porque vivem e ecoam em nós os ensinamentos do nosso Marechal Samora Moisés Machel.

 

Na carta apelidada de Carta ao Pai Natal que religiosamente publico no mês de Dezembro, tento lançar um olhar sobre a nossa sociedade, nossa vida política, nossa governação, nossos pecados e nossos legados. E quanto mais cartas escrevo, mais vontade de continuar a minha radiografia social e política. Socorri-me de algumas cartas já publicadas, para emprestar alguns pontos ao nosso manifesto.

 

Uso aqui, o termo “nosso” ainda que, sem permissão dos cerca de 33 milhões de Moçambicanos que vivem um dia-a-dia caracterizado por lutas frenéticas para vencer a pobreza extrema e carência dos bens mais básicos para uma vida condigna; bens inerentes ao que chamamos de dignidade humana e bem-estar social. Entendo que cada um deles (dos moçambicanos) irá se rever no que aqui apresentamos.

 

A pobreza ainda grassa o nosso país e são aos milhões os moçambicanos privados do básico e do mínimo nível calórico e proteico necessário para que haja um funcionamento normal e vital – (actualmente consta que cerca de 3,3 M de moçambicanos estão em crise de escassez alimentar e deficiência nutricional). Milhões de moçambicanos que não tem acesso a água potável e ao saneamento seguro; enfim, são mesmo aos milhões que não tem educação formal, serviços básicos de saúde, transporte e muito mais.

 

O nosso manifesto não é e nem deve ser confundido com um peditório. Não achamos que devemos pedir, o que deveria ser nosso por direito.

 

É um grito dos menos favorecidos; um grito por mais segurança, mais justiça social, mais redistribuição equitativa da riqueza, e um grito por mais respeito pela pessoa humana.

 

O período que o país vive, é marcado por uma efervescência política e social típica de época eleitoral – talvez o período mais áureo depois das primeiras eleições que experimentamos enquanto país ensaísta do modelo democrático – falo das eleições de 1994.

 

A efervescência política é, também, caracterizada pelas movimentações partidárias e dos seus candidatos, seja em ações, seja em intervenções e aparições públicas – e o denominador comum é a conquista do eleitorado e do seu valioso voto. A persuasão e a caça ao voto alias dominam os holofotes e a agenda actual.

 

Nesta época somos todos povo, entendemos os problemas do povo, vivemos como o povo, compadecemo-nos com o sofrimento do povo, e fingimos entender o que o povo pede.   

 

Mas e depois?

 

Terminada a azafama, contados os votos e publicados os resultados finais, vivemos mais do mesmo: tomada de posse, formação do governo, distribuição de posições e a corrida desenfreada ao tacho, que parece não ser pouco. Em muito pouco tempo, esquecem-se  que pretenderam e quiseram ser povo de ocasião; as andanças e passeatas com povo, são feitas de forma diferente, com cordões militares e escoltas intermináveis. Porque o povo que conferiu poder aos dirigentes, é, já nocivo e pode ser uma ameaça à integridade dos políticos, é imperioso proteger-se dele em nome da segurança, do protocolo e de toda culpa que carregam enquanto gestores da coisa pública. Poderia acrescentar que há medo de aproximação do povo, um medo causado pelo peso na consciência devido a má gestão da coisa pública, corrupção, nepotismo, clientelismo e putrefação da máquina estatal.

 

Neste vaivém todo, nós “o povo”, com ou sem filiação político-partidária, experimentamos ciclicamente, promessas cuja materialização quase sempre se esbarra numa realidade cada vez mais asfixiante – como algumas vitórias de certos pleitos.

 

Por um lado, o desejo de ver mudanças na vida da sociedade, aliado a esperança e a fé quase inabalável de fazer desenvolver Moçambique, e por outro, a ideia e desejo de ver alguma alternância governativa, fazem com que se deposite o maior recurso enquanto eleitores (o voto) neste ou naquele candidato. E porque não há almoços grátis, os shows, marchas de campanha, almoços e jantares beneficentes, camisetes, bonés, capulanas, etc., têm um preço: cinco ou mais anos de (des) governo, de neocolonialismo nacional, de exploração do homem pelo homem, de empobrecimento programado e progressivo da sociedade, com a degradação do sistema de educação e destruição do sistema de saúde.

 

Assim caminharemos rumo a celebração dos cinquenta anos da nossa mítica noite na Machava – o 25 de Junho de 1975.

 

O nosso manifesto é político, social, económico e acima de tudo humanístico. É de simples compreensão, alcance e materialização. Não obedece a uma estrutura metodológica convencional e não apresenta pontos formais e estilísticos que os partidos políticos concebem depois de longas reuniões de discussão e deliberação. O nosso manifesto não apresenta páginas bonitas, mas espera que se possa traduzir em páginas bonitas para o presente e futuro do nosso país.

 

Começamos por pedir mais empatia com povo – somos 33 milhões hoje, e amanhã seremos muito mais. Se os modelos governativos, as políticas públicas, leis e instrumentos de governação não levarem em consideração as demandas e as reais necessidades do povo, seremos uma eterna promessa enquanto país. Seremos uma página nos anais da história; um país lembrado como um exemplo perfeito da maldição de recursos, da má governação e da fraca ou inexistente vontade política. Talvez até a literatura futura irá catalogar-nos como um exemplo de despesismo e de produção de novos ricos num contexto extremamente pobre.

 

O nosso manifesto não pede promessas nem compromissos vazios; pede verdade e responsabilidade; pede que se pense no povo antes de tudo e que se leve o povo para o centro da reflexão. O nosso manifesto diz e acredita que, todos juntos podemos construir um Moçambique forte, próspero e seguro – Um Moçambique em que os seus filhos não sejam forçados a migrar por desgosto e por descontentamento causado pela ausência de oportunidades e pelas más condições criadas ao longo de décadas, por uma governação que tarda em acertar o relógio; Um Moçambique em que àqueles que optem por ficar, não fiquem por falta de alternativas, mas por um desejo de ser mais um braço entre os milhões e uma só força que nos vai ajudar a vencer todas as adversidades.

 

Não deixemos Moçambique transformado em um meme, numa caricatura e numa sátira.

 

Por: Hélio Guiliche (Filósofo)

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Tem sido assunto candente nos últimos dias, a avalanche crítica por parte de um segmento dos fazedores de difusores de opinião, o facto de alguns membros de organizações da sociedade civil figurarem nas listas de candidatos a deputados a Assembleia da República para a próxima legislatura.

 

Entre argumentos e contra-argumentos, vai se sedimentando uma tentativa de elitização da participação na política activa, uma posição e um espírito pouco dialogante e pouco tolerante por parte da ala castrense de fazedores da política de estômago. Na verdade, a luta para desacreditar as Organizações da Sociedade Civil em Moçambique não é de hoje. Há uma luta titânica para se provar que elas são organizações que defendem interesses externos e agendas ocultas.

 

As narrativas depreciadoras contra as organizações da sociedade civil, não são novas no país e são um fenómeno que tende a solidificar-se e a dominar certos debates de (des) informação. Elas consubstanciam-se na sua forma mais crua de fechamento do espaço cívico e de todas as liberdades a ele inerentes - (liberdade de associação, de expressão, de movimento, de imprensa, de religião, etc). Subentendo eu, que é um lugar propício para o florescimento de uma nova aurora social, política e intelectual fecunda. Fechar o espaço cívico é asfixiar e amputar o direito de sermos nós mesmos e realizar nossos desígnios enquanto cidadãos emprestados à polis.

 

Quando escolhas e opções político-partidárias diferentes tornam-se alvo de repúdio e combate, a nossa civilização decresce degraus qualitativos. O pensar diferente do ordinário e do comumente aceite, não deve ser visto como ultraje a ordem instituída, mas sim como mais um ingrediente para a evolução da interação humana dentro de um quadro social e político.

 

Tivemos num passado recente, alguns académicos e comentadores/ analistas políticos que decidiram emprestar seus conhecimentos à política activa, apresentando-se com cores e ideias de outros partidos e agremiações políticas, tentando dar seu contributo ao debate de ideias em prol de um Moçambique mais heterogéneo e pluralista. E se não constituiu problema o facto de académicos terem enveredado pelos pergaminhos da política, não deveria sê-lo agora; pelo menos não na dimensão que se pretende dar ao fenómeno que está ecoar a onda de activistas que decidiram emprestar seu saber e seu conhecimento a política activa.

 

Socorro-me da definição clássica de Aristóteles, segundo a qual o Homem é, por natureza, um animal político e social. Político porque vive inserido na polis e faz parte dos processos de discussão e tomada de decisão – passa de simples indivíduo e torna-se um cidadão, por inerência a vida dentro da polis. Social porque uma vez inserido numa sociedade, ele desenvolve laços naturais de socialiabilidade que por seu turno também a impingem a se distanciar da mesma. Mais tarde, esta dinâmica é mais desenvolvida e explicada por Immanuel Kant com a sua ideia de Insociável Sociabilidade - conceito que descreve a tensão entre o indivíduo e a sociedade. Por um lado, os seres humanos têm uma inclinação natural para a cooperação e a vida em comunidade. Por outro lado, também possuem características egoístas e competitivas. Essa tensão entre o desejo de se unir e a necessidade de se proteger cria um ambiente propício para o desenvolvimento cultural, tecnológico e social.

 

Com isto, quero deixar o meu entendimento e o meu contributo em torno do espaço político activo. Não nos enganemos nem tentemos equivocar-nos que o exercício político activo é apanágio de alguns, supostamente mais experimentados, capacitados e dotados. Tampouco, deixemos de sonhar a ideia de termos um debate político aberto, vibrante e profícuo, nem uma Assembleia da República mais pluralista, de discussão de ideias progressistas, e não apenas um lugar para apupos, assobios e palmas.

 

O espaço político pertence a todos nós sem excepção; abarca o activismo social e o exercício político activo; Ele existe em si, e é alimentado por indivíduos que se doam apaixonada ou desapaixonadamente, interessada ou desinteressadamente, e perseguem um ideal comum ou individual; uns por egoísmo e outros por altruísmo. É uma conquista secular para a humanidade e relativamente nova para nós enquanto país; deve ser cultivada, respeitada e preservada por todos e por cada um de nós.

 

Se académicos, podem emprestar-se a política e colocarem sua ciência a serviço da sociedade, entendo eu, que outros actores que possam agregar valor ao debate, a discussão e a construção de um Moçambique próspero e inclusivo sejam igualmente bem-vindos.

 

A política não pode nem deve ser elitista.

 

Disse!!!

 

Por: Hélio Guiliche

segunda-feira, 13 maio 2024 14:28

Do Conclave à Acção: A Via Sacra de Chapo

Foi manchete nas últimas semanas e até meses, e dominou vários debates públicos em círculos de opinião, a questão da sucessão dentro do partido FRELIMO, bem como sobre quem incidiria a escolha do próximo candidato às eleições de Outubro próximo.

 

Na reunião dos ACCLIN que antecedeu a sessão ordinária do Comité Central do Partido FRELIMO, José Óscar Monteiro, quadro sénior, ideólogo da FRELIMO e veterano da luta de Libertação de Moçambique, com a verticalidade e frontalidade habitual deu mote a um assunto que a todos preocupava, mas poucos tinham coragem de abordar.  Ao levantar de forma estilística a imagem do elefante na sala, abriu uma nova página na agenda do dia – era inevitável não se falar do tema da sucessão.

 

No épico “conclave” extraordinário que durou três dias, contra tudo e todos, emergiu uma figura inesperada. Surgiu de uma lista restrita proposta por um núcleo duro, e que poucos deram a devida relevância na altura – chamarei a esta figura, de forma analógica de “Furacão Chapo”.

 

Dos retiros hermenêuticos que realizei para tentar perceber o outro lado do fenómeno, permiti-me acompanhar alguns debates a vários níveis, desde os órgãos de comunicação como televisão, rádio e jornais às redes sociais – estas últimas com uma quantidade anormal de análises. Neste exercício pude encontrar uma nota e um denominador comum – uma tentativa de catalogar e rotular o candidato escrutinado e relacionar com os tão almejados ventos da mudança. E dessa constatação formulei algumas perguntas que orientaram a reflexão.

 

Afinal de contas, de que mudança tanto se fala? Do novo paradigma governativo? Da tomada de consciência e atitude dos jovens quadros do partido? Ou apenas e simplesmente da mudança de um candidato mais velho por outro mais jovem?

 

Que nuances essa propalada e celebrada mudança carrega consigo?

 

Sobre a matemática e racionalidade dos votos, prefiro guardar para uma outra reflexão, sob o risco de desfocar-me do cerne da reflexão.

 

Ao anúncio formal do candidato - “Furacão Chapo”, seguiram-se dias de azafama e muita euforia no seio de alguma franja da sociedade. Seguiu-se igualmente aquele processo de catalogar e curricular o novo candidato, vasculhando um pouco a sua história, seu percurso, ligações, conexões, desconexões e tudo o que pudesse conferir alguma autoridade e legitimidade para dizer que o conhecemos minimamente.

 

O até então, apenas Governador da majestosa província de Inhambane (que ostenta o nome de Terra da Boa Gente), surge como o escolhido, e é já apelidado e adjectivado por um grupo de analistas e comentadores de “salvador e portador de esperança”. Os adjectivos surgem por um lado devido ao facto de Daniel Chapo ter infringido uma pesada e inesperada derrota ao tal “colosso indesejado”, conhecido como alguém de matriz autoritária, pouco ávido a discussões e de poucos consensos; e por outro lado, porque a eleição marca um ponto de viragem histórica em relação as últimas tendências percebidas como semi-autoritárias, pouco dialogantes, pouco transparentes e pouco democráticas no seio do partido. Um ponto de viragem e de advocacia dos jovens quadros do partido que deram um murro na mesa – os mesmos quadros que foram criticados e acusados de forma veemente de pouco ou nada fazer para reverter a situação actual.

 

A questão paradigmática que aqui tento trazer não é tanto que descrever o que aconteceu no conclave da Matola, mesmo porque não teria novidade nenhuma nem propriedade alguma para trazer seja lá o que fosse. Mas, como moçambicano, filho desta terra e que ama o seu país de forma profunda, me propus escrever e oferecer este texto onde discorro sobre a possível via sacra do conclave da Matola ao acto de governar. De como pode este processo ser capitalizado para que o Sol de Junho recupere o brilho que vem perdendo. Como é que esta viragem pode significar a recuperação ou reinvenção da mística de setenta e cinco.

 

A nossa reflexão como sociedade, não deve cingir-se a caras nem a coroas, tampouco a teorias sobre etnicidade, religiosidade, racialismo, ou seja, lá que variável a equação política queira tomar. Não pode ter como pressupostos a personificação de um indivíduo seja ele do Sul, do Centro ou do Norte, mas sim olhar para Moçambique como um todo globalizante, seus povos, suas pessoas, suas matrizes culturais e sociais, seus defeitos e suas qualidades, seus problemas e soluções. 

 

A eleição de Daniel Chapo a candidato, não encerra uma discussão. Na verdade, a meu ver, reinicia um debate já antigo sobre a necessidade do partido que governa o país se ajustar às novas tendências, aos novos tempos, e retocar ligeiramente a narrativa já desgastada sobre a libertação do jugo colonial e descolonização, sobre o conflito dos 16 anos – essa narrativa desgastou-se e fatigou até aos que a compraram, e pouco convence e comove o eleitorado mais novo.

 

Chapo herda enquanto candidato, um partido de certa forma fragmentado e com tendência de clivagens que podem abalar a estabilidade; um partido com algumas forças internas a andarem em contramão guiadas por interesses particulares. Pesa sobre ele, o fardo de ser o candidato sem o tal traquejo e preparo ideológico e até rotação governativa de nível central e que ousou derrotar um peso pesado. Mas a democracia é isto mesmo: entrar ao sufrágio e saber que todos resultados são passiveis e possíveis.

 

Ser candidato pela FRELIMO, num momento em que a oposição se encontra num sono profundo, e de oposição só tem nome, confere uma vantagem competitiva a Chapo; confere uma vitoria quase certa em Outubro (se retumbante, esmagadora e asfixiadora ou não, isso as urnas irão dizer).

 

Chapo irá, caso se confirme a premissa, enfrentar três grandes desafios:

 

O primeiro grande desafio que enfrentará enquanto candidato será o de gerir as várias animosidades das chamadas alas que foram sedimentando sua posição no xadrez interno e reclamando cada uma o seu protagonismo e no acesso ao tacho e a riqueza do país. Sendo ele novo em idade e em experiência político-partidária deverá se dar tempo de moldar-se num processo simultâneo de aprender fazendo.

 

O segundo desafio, será o de se tornar o presidente de facto e de jure do partido e ter poderes suficientes e liberdade para ser ele mesmo – claro que sabendo respeitar limites, os estatutos e os demais instrumentos do partido. Aqui terá um árduo trabalho de resgate da imagem do partido, do orgulho da onda vermelha, recuperação do eleitorado descontente e frustrado e, conduzir um processo interno de reconciliação e valorização da história do partido, dos seus ideais e legados.

 

O terceiro e último desafio que vislumbro, e talvez o mais importante será o de governar Moçambique. Governar um país vasto e com muitos problemas que não foram devidamente acautelados no passado (pobreza generalizada, a segurança alimentar, choques climáticos, educação decadente, saúde doentia, o dossier das dívidas ocultas e de outras que poderão surgir, a insurgência em Cabo Delgado, a corrupção no aparelho do estado, nepotismo, segurança pública, a segurança do país, a defesa da nossa soberania, etc).

 

Preparando o voo, para aterrar de forma segura e sem estrondo, digo de forma objectiva e sem rodeios: onde muitos veem Chapo como um herói e salvador, eu vejo como produto e consequência de uma circunstância, uma vez que a escolha dele não se baseou numa prerrogativa nem numa premissa previamente estudada e acordada. Dizendo por outras palavras, subassumo que Chapo não terá desenhado, apresentado nem submetido uma manifestação de interesse para o efeito.

 

A circunstância a que me refiro é daquelas conspirações difíceis de explicar; e pode ter um final feliz se as peças do xadrez se assentarem no tabuleiro sem pressões internas e externas. Enquanto governante, deverá saber ser lobo em alguns momentos e ovelha noutros.

 

Chapo tem um desafio à altura da sua altura _ Amar Moçambique em primeiro lugar para poder governar com sabedoria e ponderação. É meu (e talvez de muitos) o ensejo que esta caminhada seja gloriosa. Lembrar que apesar de ter espinhos, a rosa não perde a sua beleza – este é o Moçambique que Chapo vai herdar em breve. Terá de aprender a lidar com nuances e vicissitudes de vária ordem.

 

Homens e instituições fortes podem fazer Estados fortes e prósperos.

 

Disse!!!

 

Por: Hélio Guiliche

Começo este pequeno rabisco com um trecho da música do renomado grupo moçambicano de HIPHOP – Gpro-Fam. Um clássico com mais de 20 anos, e que permanece actual pela sua forte mensagem de caris socio-político e pela futurologia que estes rapazes emprestaram ao momento.

 

Com o título (País da Marrabenta), a música diz logo no início: “Passe o tempo que passar, um nome ficará eternamente gravado na história de Moçambique – O Nome de Samora Moisés Machel (…)

 

O País da Marrabenta vai de mal a pior, mas paciência Moçambicanos tem de melhor”.

 

A música é uma clara alusão ao Patriotismo de Samora Machel, figura incontornável do nosso Moçambique; e também ao espírito de paciência e optimismo do povo Moçambicano.

 

Terminado o ciclo governativo liderado pelo Presidente Armando Guebuza, inaugurou-se um novo ciclo; ciclo este sob liderança de Filipe Jacinto Nyusi. Diga-se, um ciclo inaugurado com um tema antigo e candente, que ocupa lugar de destaque dentro e fora do país, e domina a agenda do dia – as dívidas ocultas. Dívidas estas que colocaram o país numa situação degradante e com um descrédito internacional nunca antes visto.

 

A já difícil vida da população da Pérola do Índico piorou exponencialmente; a retirada do apoio dos principais financiadores do Orçamento Geral do Estado colocou o país numa situação bem mais difícil, com contas por pagar e processos internacionais por gerir; a nova carga fiscal, o agravamento dos preços de produtos básicos começaram a asfixiar o bolso do cidadão ordinário que já vivia em situação contingencial.

 

A escolha de Filipe Jacinto Nyusi para candidato pelo partido do batuque e da maçaroca, colocou imediatamente a máquina de propaganda a trabalhar dia e noite – era importante garantir que a socialização acontecesse dentro do tempo e que a aceitação popular fosse uma certeza inequívoca.

 

Gerou-se uma grande expectativa em torno destes dois mandatos. Dez anos em que a popularidade chegou a ser das mais altas no início, muito por conta do seu discurso incisivo e arrebatador da tomada de posse e, pragmatismo promissor na formação do seu primeiro governo. Mas a popularidade foi se enfraquecendo a medida em que sua governação dava marcas de pouca assertividade.

 

A forte, audaz e inteligente a máquina de campanha do seu partido fez milhões de moçambicanos, do Rovuma ao Maputo e do Zumbo ao Índico cantarem, dançarem e acreditarem que a confiança depositada brotaria em mudanças práticas e visíveis para o país, e que de facto o país tinha tudo para dar certo.

 

Confesso que para mim, particularmente as duas campanhas destes dois mandatos foram das mais bem conseguidas em termos de envolvimento e cadência – parecia haver uma sintonia inegável entre as músicas e as mensagens de prosperidade e de confiança. Por isso escutamos, cantamos e dançamos todos o “Eu confio em ti Nyusi”.

 

Nyusi chega ao poder com muita responsabilidade enquanto estadista; carrega um fardo que ele mesmo ajudou a encher enquanto Ministro da Defesa Nacional. Apresenta-se como um Presidente de ruptura com o guebuzismo, e auto proclama-se empregado do povo – para o delírio de milhões de moçambicanos que se sentiram patrões do Presidente.

 

Vivemos, nos últimos dez anos, dois mandatos de muita sagacidade governativa com muitas experiências para mais tarde lembrar e tirar as devidas ilações.

 

A meias com um fardo pesadíssimo e super delicado – das ocultas, sua governação foi também marcada pelo recrudescimento da insurgência que grassa Cabo Delgado desde 2017, pela passagem de ciclones altamente destrutivos e mortais, sofisticação do crime organizado, aprimoramento das redes de raptos e pela carestia do nível de vida no seu todo. Estes são apenas alguns dos aspectos que me ressaltam trazer em revista.

 

Cinco anos mais tarde, a máquina brindou o eleitorado com mais um hit forte e envolvente - “É contigo que dá certo”. É o último mandato e, era preciso corrigir e melhorar o que não correu bem no primeiro mandato. Mas entre a teoria e prática há uma distância considerável.

 

No ano em que mais um reinado chega ao fim, penso que como sociedade devemos lançar um debate público, sincero e honesto sobre o actual estágio do nosso país; sobre o país que queremos deixar para os nossos filhos e netos. Precisamos de um manifesto social que deve guiar todo e qualquer governante que pretenda governar e promover o desenvolvimento, a justiça social, os direitos humanos e o respeito pela dignidade da pessoa. Este manifesto deve necessariamente conter as demandas, os anseios e sonhos deste povo amordaçado, sofrido, porém resiliente.

 

Na hora do adeus, podemos dizer que foram dez anos em que aprendemos a adjectivar e a positivar o Estado Geral da Nação; tivemos muita melodia, muita dança e poucos resultados governativos.

 

No “Eu confio em ti”, o povo até chegou a confiar em ti e no seu governo Senhor Presidente. Mas no “É contigo que dá certo”, parece que deu tudo, menos certo.

 

Por: Hélio Guiliche

Escrevi e publiquei recentemente dois artigos de opinião. Um tinha como título (IN) Dependência: Não se esqueçam de voltar e, o outro, A Demissão do Povo. No primeiro, tentei fazer um chamamento aos libertadores de ontem, por alguns considerados opressores de hoje; conforme pode ler-se num dos parágrafos do artigo: “Os nossos libertadores, os nossos heróis e os nossos referenciais de luta e verticalidade foram se transfigurando ao sabor do vento, e alguns deles viraram, nossos opressores. Nasceram elites negras, que se esqueceram dos ideais da revolução e se preocuparam em vestir a máscara de ovelha em corpo de lobo. Os nossos libertadores, tornaram-se obcecados pelo poder e pela posição de destaque no banquete pós-independência. Recriamos e personificamos a aquilo a que Frantz Fanon designou de “Pele Negra e Máscaras Brancas”, onde pretos oprimem outros pretos e se acham dignos para o fazer em virtude do tempo emprestado na mocidade e juventude para que fossemos hoje o país livre que somos. E Será que realmente somos?”

 

No segundo, A Demissão do Povo, iniciei aludindo o facto de o povo ter sido demitido. Em diálogo aceso entre eu, a folha e a esferográfica, não sabia se dizia que o povo se demitiu ou se o povo foi demitido.

 

Disse: “O povo foi demitido do seu papel de fiscalizador. Foi demitido de monitorar, de reclamar, de pedir para ter dignidade mínima. (…) A pobreza generalizou, as assimetrias agudizaram, a corrupção institucionalizou-se, as liberdades reduziram-se, o espaço cívico afunilou-se, e o povo começou a sentir-se estranho na sua própria terra.”

 

Longe de pretender fazer futurologia, o alcance era lançar uma reflexão em torno do país que estamos a (des) construir, e perspectivar o amanhã que queremos para nós. Revisitei estes dois textos e vi neles alguma actualidade. Encontrei neles o mote para escrever este artigo que baptizei de resignificar Moçambique. Por resignificar entenda-se a necessidade de dar um novo significado ou recuperar a mística que com o tempo fomos perdendo – A mística da moçambicanidade.

 

Ouvi, recentemente, a mamã Graça Machel, numa das suas aparições públicas – se dirigir ao povo no geral, mas focando mais à juventude como alvo. Um dos pontos que mais chamou atenção foi quando ela disse: “Jovens, não se sentem em cima do legado de Samora (...) Não deixem o legado deste grande homem se perder.” Entendi como um recado, como uma chamada à acção e um convite à reflexão sobre o legado do Primeiro Presidente de Moçambique independente; à preservação e seguimento do legado deste estandarte da nossa moçambicanidade.

 

Na cerimónia de outorga do Doutoramento Honoris Causa à renomada e consagrada escritora e activista social – Paulina Chiziane, durante a sua alocução disse em viva voz, socorrendo-se do famoso adágio popular - “A boa fruta se conhece pela sua árvore”; a fruta que temos hoje é azeda, é tirana. O que se passa com a árvore então? E quem é a árvore? – indagou.

 

A árvore somos nós os mais velhos; somos nós que dirigimos o estado, as instituições, as religiões e a sociedade. E se essa geração esta assim, é porque alguma coisa está errada na árvore. - Retorquiu!

 

Poderia trazer algumas vozes que ecoam de forma audível entre os mais comprometidos com o projecto de dar um rumo ao país. Vozes de valor agregado para o debate da construção de uma nação em que os valores sociais são mais importantes que todos restantes.  Severino Ngoenha, Adriano Nuvunga, Óscar Monteiro, Teodoro Waty, Elísio Macamo, Mia Couto, e outros tantos nomes que não trarei por economia de tempo e espaço, são unanimes em afirmar que precisamos repensar Moçambique e dar um significado a luta pela independência e construção do Estado-nação.

 

Urge pensar um país mais inclusivo, onde as liberdades individuais e colectivas sejam respeitadas. Um país com independência das instituições, dos três poderes e com uma máquina estatal mais capaz, progressista, comprometida e livre de amarras político-partidárias. Um país em que a corrupção, o despesismo e o nepotismo não figurem entre as primeiras palavras do dicionário social e político.

 

Precisamos criar uma narrativa para o presente e que possa criar bases de um futuro onde a moçambicanidade possa rimar com a integridade. Uma narrativa que se desconstrói a ideia de existência de sucesso sem trabalho, sem mérito e sem sacrifício. Uma narrativa que coloca o cidadão, e a pessoa humana no centro de todo o processo governativo e como elemento primordial para o desenvolvimento do país. Enfim, uma narrativa que o forte não é quem tem mais recursos e mais poder, mas aquele que pensa de forma mais inclusiva, englobante e acima de tudo nutre amor pelo país.

 

Precisamos igualmente de sedimentar o pluralismo na nossa sociedade; revigorar a unidade nacional e a aceitação do diferente, combatendo o divisionismo e o etnicismo. Uma sociedade em que os vários pensares confluem para a solidificação deste longo, contínuo e complexo processo da moçambicanização da nossa identidade, de edificação de bases fortes para uma governação forte, altruísta e progressista.

 

No país conhecido comummente como o país de Mondlane e Machel, onde as liberdades vem sendo sistematicamente reprimidas e asfixiadas, a dúvida é uma realidade não assumida e o medo tomou conta de vários sedimentos da sociedade.

 

Sim, temos medo de reivindicar o direito de sermos nós mesmos. Sentimento este que gera um questionamento sobre o nosso contributo social e humano para o país, e ao mesmo tempo convida-nos a abandonar esta longa noite escura que nos engole; noite esta caracterizada por discursos vazios, demagogias e descrédito sobre o nosso ser como país.

 

Agora temos dúvidas sobre a nossa gloriosa epopeia e medo de afirmar que Moçambique é dos Moçambicanos. Parafraseando Mia Couto: Há quem tenha medo que o próprio medo acabe. E eu acrescento, que há quem tenha medo de dormir e acordar sem personalidade jurídica.

 

A herança da violência do homem branco contra o homem preto – o chicote colonial -, não pode nem deve ser replicada pelas instituições de defesa nem pelos famosos esquadrões na sua mais crua forma de reprimir aquilo que julgávamos ter conquistado com a independência – a liberdade, o direito à autodeterminação e a participação no processo de construção de um estado-nação.

 

É meu entendimento, e talvez não apenas meu, que a bolha social da tolerância estoirou, e, é resultado de um acumular de situações que levaram anos e talvez décadas para se cristalizarem. Com ela (a bolha social), emergem e as ditas formas de ação popular punitiva e apelo a alternativa e a alternância, ainda que se subassuma que seria mais do mesmo. Nesta manifestação silenciosa, mas bastante ruidosa assistimos a segunda vaga da auto-demissão do povo.

 

Neste exercício de resignificar precisamos buscar as referências e as bases da criação do nosso Estado - O Estado que outrora foi motivo e objecto de orgulho e júbilo. Um estado onde o bem-estar social e o respeito pelas liberdades individuais e colectivas são respeitadas; onde a educação é um instrumento emancipador e não fonte de opressão e destruição, e onde os mais básicos serviços estejam disponíveis para a maioria.

 

Entre consonâncias e dissonâncias, uma coisa está a ganhar forma - há uma tentativa de busca incessante por um significado para a nossa existência como povo – a busca por um futuro melhor em que todos nos sintamos parte integral e integrante deste projecto chamado desenvolvimento.

 

No final o sonho de todos é apenas ter um Moçambique para todos.

 

Por: Hélio Guiliche

sexta-feira, 22 dezembro 2023 12:27

Carta ao Pai Natal

Olá Pai Natal!!!

 

Como de costume nestas alturas do ano, dedico um tempo e escrevo a minha cartinha, e faço alguns pedidos – alguns meio extravagantes e outros talvez utópicos. Porém, imagino que pela sua idade e experiência perceberá o alcance de muitos dos pedidos.

 

Imagino que pela minha faixa etária não seja mais elegível nem prioritário para ver meus pedidos satisfeitos, mas como deveis saber, eu raramente peço para mim, mas tento interceder pelos menos favorecidos.

 

Escrevo a partir de Moçambique – um país extenso e muito belo; também apelidado de Pérola do Índico. País com uma riqueza de dar inveja a qualquer um, mas com níveis de pobreza alarmantes e muito preocupantes. É conhecido por uns como a terra do gás que jorra pela bacia do Rovuma; como a terra dos rubis localizados maioritariamente em Namanhumbir; da grafite de Balama; das areias pesadas de Moma; e a terra que hospeda uma biodiversidade marítima, faunística e florestal única. Por outros é conhecido como o país que vive horrores do terrorismo que grassa a província de Cabo Delgado desde 2017 e, também como o caminho das tempestades tropicais devastadores, sejam elas de alta, média e baixa intensidade.

 

Mas o escopo da minha carta não é publicitar as riquezas e potencialidades do meu belo país, tampouco sugerí-lo às apetências dos senhores do mundo. É sim, deixar ficar um pedido muito nosso, para que interceda a favor do nosso país junto ao concerto das nações e faça o grito dos moçambicanos ser ouvido e respeitado além-fronteiras.

 

Na carta que escrevi no ano passado, acabei me empolgando e fiz muitos pedidos. Será perceptível que não tenha dado cobro a todos, todavia escrevo de forma convicta e com alguma esperança no coração. Lembro-me de forma clara, que dos vários pedidos que fizera, destacou-se o de pedir mais responsabilidade e assertividade por parte dos que governam e “decidem” o futuro do país.

 

Do Índico surge um pedido normal e algo ainda muito cortinado – mas que a meu ver deve ser visto como um direito inalienável e inegociável – O Direito a sermos um país uno e indivisível; com a autodeterminação e um lugar audível e respeitado nos holofotes do mundo.

 

Nesta carta trago pedidos de índole político-social. E acredito que pela sua versatilidade podes tornar-te um actor relevante e um campeão que carrega mensagens aos políticos e decisores. Quero usar deste canal de influência que é “a carta”, para levar a voz de todo um povo sofrido mas esperançado, que clama por mais justiça social, mais empatia, mais inclusão e mais respeito pela dignidade humana.

 

Por veleidade, podia aqui acrescentar alguns pedidos que tenho em mente – chamarei de pedidos de ocasião, mas com um alcance muito realístico pois, preocupam a mim enquanto cidadão ordinário, e a todos enquanto actores e sujeitos activos e passivos da ação climática. Sem egocentrismo, olho para o mundo como um todo e vejo que a crise climática é uma realidade e está cada vez mais severa. Suas consequências são nefastas e seus efeitos tem se mostrado avassaladores. Nunca antes o agora e o hoje foram tão prementes e convidativos a uma ação global urgente, coordenada e sem precedentes. Nenhuma outra geração teve em mãos o poder para pensar, decidir e fazer o que deve ser feito – nenhuma outra geração poderá ter melhor chance de mudar o hoje e deixar um amanhã melhor para as gerações futuras. O relógio climático da terra esta disparado, e os ponteiros do clima aceleram a uma velocidade quase que incontrolável - tudo o que devemos fazer é dar uma chance ao clima (give a chance to climate). Feliz ou infelizmente, o efeito das mudanças climáticas não tem sul global nem norte global; eles afectam ao globo como um todo. Todavia o sul global é o que mais perdas e danos sofre e daí vem um clamor para que se olhe mais pelo Sul.

 

Pai Natal!!!
Irá perceber que as mudanças climáticas estão a acelerar o degelo na Antártida e noutros pontos cruciais do nosso planeta, e em breve, até a neve que tanto o caracteriza irá começar a escassear. Não nos vai espantar que o seu trenó puxado por Renas seja substituído por barcaças ou que as Renas sejam substituídas por camelos. – Aí, talvez tenhas que reinventar e recriar toda amalgama em torno do enredo secular que gira em torno de ti e do Senhor barbudo que faz maravilhas ao mundo.

 

As mudanças climáticas não eram parte da sua agenda, e disto estou certo. Mas esteja mais certo que irão a breve trecho afectar o seu status de velho barbudo que faz a alegria de milhares de crianças pelo mundo. Por isso Pai Natal, faça uso dos seus corredores nas Nações Unidas e faça chegar este pedido sobre desbloqueio do financiamento climático, sobre o fundo para perdas e danos, para adaptação e mitigação, energias limpas e renováveis, bem como para a tão propalada transição justa. Por falar em transição justa, tente falar que o Sul Global precisa desenvolver-se, criar bases sólidas e atingir os standards no Norte Global – e quando estiver num nível de desenvolvimento sustentável haverá sentido falar em justiça climática.

 

Acabei me empolgando na ressaca da COP28, e trouxe aspectos globais que espero que sejam também globalizantes e ligados a agenda climática que a todos diz respeito e a nós toca de forma muito particular a cada evento extremo. Mas, descendo a minha petição, diria que no meu país – Moçambique – o ano foi um dos mais desafiadores e marcantes. Uma data de acontecimentos varreu o país e inaugurou um novo paradigma social e político – a marcha progressiva de repúdio e aos discursos vazios e sem materialização factual. Talvez seja cedo para apelidar de um novo amanhecer, mas a aurora parece ter dado sinais.

 

Velhas formas de pensar e olhar a sociedade, outrora relegadas a velha esperança, deram lugar a novas formas de agir social e vários movimentos espontâneos de mobilização social liderados por jovens, agitaram o panorama político-social do país.

 

Estas formas de pensar e de agir, degeneraram em manifestações muito concorridas onde milhares de jovens maioritariamente das gerações 1980, 90 e 2000, saíram às ruas para mostrar o seu descontentamento e seu desejo de ver a mudança há muito anunciada e propalada, mas nunca vista.

 

Estas manifestações e passeatas pacíficas, foram sempre acompanhadas por uma carga e uso desproporcional de força da força por parte das autoridades.

 

Se em 2020 na minha carta de natal, pedi mais vacinas e máscaras para a COVID19, entenda Pai Natal que o contexto pandémico assim o exigiu.
Hoje, em 2023, troco as máscaras da COVID pelas máscaras ANTI-GÁS lacrimogénio. Cancele os brinquedos e toda a gama de entretenimento da época e invista mais em saúde do nosso povo provendo máscaras anti-gás, pois o contexto também o exige.

 

No encontro anual que tem com os estadistas e governantes, faça chegar de forma leve, breve e objectiva esta máxima que é sobejamente conhecida: Nada é mais forte que o POVO!!! E que usar a força e brutalidade contra o povo é perder a base de apoio deste que é o maior recurso social, político e humano da nossa nação.  

 

Não quero politizar a minha carta, tampouco ser associado a alguém que esta perverter a ordem social e o status quo, por isso Pai Natal, peço anonimato, e a minha assinatura será ilegível.

 

Escrevo porque sei que existes, e acredito veementemente como tantas outras pessoas que tu podes e vais fazer chegar nossa prece aos devidos destinatários.

 

Mais esperança para Moçambique.

 

Feliz Natal!!!

 

Por: Helio Guiliche

Uma vez li Saramago e, fiquei apaixonado pela subtilidade, realeza e profundidade da sua escrita.

 

Num dos seus escritos, escreveu: “Não se pode enxergar a ilha se não saímos da ilha. Não nos vemos se não saímos de nós”.

 

De forma analógica olhei para o nosso país, o belo e vasto Moçambique e baptizei-lhe de Ilha. Decerto, não me refiro a primeira capital do país (a majestosa e imponente Ilha de Moçambique), mas ao lugar que está entre os quatro pontos cardinais sobejamente conhecidos – O Rovuma, a Maputo, o Zumbo e o Índico.

 

Tenho estado a observar com certa minucia algumas tendências e alguns dos pronunciamentos e análises de alguns dos nossos antigos estadistas, governantes, gestores e servidores públicos sobre o estágio actual da nossa governação – sobre a ideia de governação no nosso país. Devo confessar que algumas das análises são de uma visão globalizante e de um alcance espantoso – primeiro pela coerência apresentada, e segundo pelo escalonamento lógico e alinhamento de ideias. Faz-se jus a máxima de Saramago, segundo a qual “não nos vemos se não saímos de nós”.   

 

Muitos dos que hoje fazem estas belíssimas e apaixonantes análises sobre o nosso status como país, e como deveríamos caminhar enquanto nação que ambiciona abraçar o trilho desenvolvimentista, sair da linha pobreza e que quer afirmar-se como actor relevante na região e no mundo, foram titulares de pastas e cargos de tamanha relevância em algum período do seu percurso profissional.

 

Durante sua passagem pelos meandros formais do poder, ao abono da verdade devo aqui reconhecer, que muita coisa boa foi feita e muita coisa ficou por se fazer. Quer fosse pelo contexto inóspito e adverso, quer fosse pela falta de preparo adequado e experiência, que mais tarde abriram portas para interferência e ingerência externa. A institucionalização da prática da corrupção activa - um mal que grassa e empobrece o nosso país a cada ciclo governativo também pode ser apontado como uma fragilidade na governação dentro da ilha.

 

Da conquista da independência, passando pelo período da restruturação económica e, chegando aos dias de hoje, o país passou por vários ciclos de governação; Momentos estes caracterizados por vários processos complexos e desafiantes que obrigaram a uma engenharia governativa que envolveu riscos, muita critica e poucos aplausos. Foram na verdade processos típicos de um país em construção e em busca de uma orientação governativa que pudesse responder aos anseios do povo.

 

O país experimentou também as investidas das potencias coloniais mascaradas de ajuda externa e de pacotes de incentivo para a recuperação e as imposições vários actores da arena internacional.

 

Por aqui, encontramos talvez um possível tubo de escape para justificar algumas das decisões tomadas e erros que se cometeram nas últimas décadas de governação. Muitas dessas decisões parecem ter grande influência no actual estágio e andamento da máquina estatal hoje e condicionam as reformas que tanto almejamos.

 

O processo de substituição da máquina colonial pela máquina nacional, foi desafiante e acarretou seus custos. Entre erros e acertos, muita coisa ficou como lição aprendida, ou pelo menos deveria ter ficado para que não se repetissem certas coisas.

 

Estas mudanças transformacionais e estruturais não foram apanágio apenas de Moçambique. Outros países que alcançaram as suas independências na primavera dos anos 1960 um pouco por todo continente, e conquistaram o pretenso direito à autodeterminação estiveram expostos a eventos idênticos.

 

Entre o que foi feito, o que deveria ser feito e o que ficou por fazer, ficamos quase sempre pelas entrelinhas daquilo que poderia ter sido melhor. Ficamos também   pelo argumento de falta mais tempo para concluir o que se iniciou. Isto porque as vezes  perdemos de vista o tempo do mandato que nos foi dado e, com isto protelamos, esquecendo que há um horizonte temporal para nossas realizações.

 

O que se fala hoje é paradoxalmente oposto ao que se fez ontem – Até aqui, não parece haver alarme pois, os erros fazem parte de todo e qualquer percurso e, em matéria de governação é preciso sempre decidir – umas vezes acertamos e outras vezes erramos – importante mesmo é aprender com o passado e exercitar a saída da ilha para apreciá-la melhor.

 

A ideia de governação pressupõe antes de tudo a assunção de um compromisso tácito e responsabilidade. Enquanto que a prática governativa pressupõe antes de tudo liberdade, conhecimento, informação, recursos e capacidade decisão.

 

E entre a ideia e a prática encontro um ponto de interferência que muitas vezes desemboca em um erro que nos penaliza grandemente: a ausência de um plano globalizante que transcende a dimensão pessoal de governação. Parece não haver uma continuidade dos planos traçados e, a cada ciclo governativo temos uma nova ideia do país que queremos (des) construir.

 

Resgatando a velha máxima do Presidente Samora Machel, “O dever de cada um de nós é dar tudo ao povo, sermos os últimos quando se trata de benefícios, primeiros quando se trata de sacrifícios, Isso é que é servir o povo”. É preciso perceber que não somos eternos e os cargos também não o são – as pessoas vão e as instituições ficam. É preciso amar o país antes de tudo e, criar as bases para que as gerações vindouras possam ter melhores condições de nutrição, saúde, educação e mais esperança de vida.

 

Hoje, alguns dos antigos dirigentes, depois de abandonarem o tacho real (a Ilha da Governação) permitiram-se observá-la de fora e entender a sua dimensão, seus problemas e até prescrever soluções; Soluções estas que aquando da estadia na ilha não estavam visíveis. Em governação, às vezes, ou talvez sempre é importante ser povo e sentir o que o povo sente.

 

Quando dentro da ilha poucos viram sem sombras o que se passava nela. Uma vez fora da ilha quase todos recuperaram a visão, a lucidez, e veem os problemas e os defeitos de quem governa a ilha – as coisas tornam-se mais obvias e visíveis.

 

Será a ilha um monstro difícil de entender? Ou nós, enquanto dirigentes da ilha não dedicamos atenção para entendê-la e garantir que a nossa saída dela não deve alterar o seu funcionamento?

 

A reflexão que convido para se fazer é sobre a temporalidade e actualidade do nosso ser ilhéu. É também sobre a ausência de um plano continuo para que se possa governar e gerir a coisa pública de forma mais assertiva e menos danosa. É sobre saber pensar um Moçambique próspero, progressista e desenvolvido para os próximos 50 anos como fizeram países como a China, Ruanda, Malásia, Singapura, Emirados Árabes Unidos, Noruega e outros mais.

 

Não nos vemos se não saímos de nós!!!

 

terça-feira, 08 agosto 2023 06:13

A minha geração

Helio Guiliche

A minha geração simboliza uma matriz jovem. Em termos estratégicos presumo que já deveria estar mais exposta e engrenada no processo governativo para o tão desejado take off.

 

É uma geração jovem. Muitos dos integrantes desta geração tiveram a oportunidade de viver a ressaca de 1975, e a impetuosidade samoriana das décadas de 70 e 80. Sem dúvidas, anos de muita sagacidade e de grande fulgor a vários níveis.

 

A minha geração está amuada (se me é permitido dizê-lo) - pois ao abono da verdade ela está incomodada com certas tendências e com o rumo que o país escolheu trilhar. Os sintomas não são de hoje. Foi-se empurrando com a barriga ao ponto de a barriga ficar pequena para tantos problemas.

 

É uma geração que, na sua esmagadora maioria, frequentou o ensino público da altura - por sinal muito bom e de reconhecida qualidade, apesar das carências e deficiências típicas do período que atravessávamos. Hoje, paradoxalmente, quase toda ela, tem os seus filhos inscritos no ensino privado, por acreditar que oferece mais possibilidades por um lado, e por ver a lástima grotesca que se tornou o ensino público por outro lado.

 

A minha geração apresenta sinais evidentes de desgaste. Sente-se enganada, usada e frustrada. Quem conduziu a minha geração a este estado de desanimo? - Pergunta que o meu texto deixará em aberto.

 

A minha geração olha para trás hoje e vê que pela frente tem muitos desafios e poucas oportunidades. Vê que provavelmente assistiu o comboio passar-lhe em frente. Os últimos e poucos vagões que restam, estão quase todos ocupados.

 

Quem terá ocupado os vagões? Prefiro deixar em aberto também.  

 

Somos uma geração que se especializou em ser generalista na análise dos problemas e que peca no diagnóstico aprofundado dos mesmos. Uma geração que, no seu largo espectro faz apologia a “tudologia”. Por consequência não consegue identificar a raiz dos problemas e acaba prescrevendo soluções superficiais e tapando o sol com a peneira. Talvez parte da frustração que advogo esteja aliada a esta incapacidade tácita de gerar soluções. Mas talvez não!!!

 

Uma geração que, fruto do tempo, da conjuntura e das circunstâncias em que está inserida aprendeu a valorizar mais o ganho fácil em detrimento do trabalho; o escovismo à coerência e meritocracia; aprendeu a glorificar e exaltar o mais espertinho e a ficar do lado da história contada pelos malandros - àqueles que escrevem a história - mesmo quando essa história de glória apresenta fragmentos, incongruências.

 

Aprendeu também a acreditar que o mais forte é o que tem mais poder material e mais bens, e assim, foi paulatinamente escangalhando valores primordiais e essenciais para edificação de uma sociedade ética, justa e mais humana.

 

A bolada e a nhonga tomou conta do país da marrabenta, da capulana, do sol e da terceira maior baía do mundo.

 

Hoje, acusamo-nos, subjugamo-nos e de tudo um pouco fazemos para encobrir e justificar os nossos fracassos pessoais e colectivos;

 

Os antigos referenciais estão a desaparecer paulatinamente; e os novos referenciais são os que associam o valor ao dinheiro – numa legitimação do utilitarismo económico. Os novos referenciais são e estão rotulados de bosses por onde quer que passam; vestem roupas de marca, e “rebentam” grandes máquinas nas nossas longas estradas esburacaras.

 

Entre a essência, a existência e a visibilidade, hoje parece que é vivo quem é vistoso. Recorrendo a Rene Descartes na sua célebre máxima (cogito ergo sum – penso, logo existo), parte da minha geração adoptou o “aparento, logo existo”.

 

A minha geração é campeã em debates isolados nos grupos de WhatsApp e de outras redes sociais, e lá, destilam todo seu pretenso conhecimento, seu saber, suas teorias, suas posições, seus ideais, e suas teses. Mas a mesma se coíbe de ser um activo útil na participação e transformação do país de todos nós - da nossa pátria amada. Parece que se caiu numa armadilha do tempo e que o tiro nos está a sair pela culatra.

 

Se no artigo anterior “a demissão do povo” trouxe uma reflexão sobre o status quo do povo, outrora demitido, aqui no texto “a minha geração”, acrescento que a minha geração se apartou do seu papel activo nos processos de construção do país. Nós estamos a desistir de ser e dar esperança às gerações que estão por vir.

 

A minha geração é um poço de contradição (as vezes):

 

É a primeira que fala sobre a necessidade de combater a corrupção - e a primeira a dar o famoso refresco ao tio polícia ou por embriaguez, ou por falta de documentos ou por alguma outra irregularidade.

 

É a primeira que fala de promoção da transparência, e a primeira a chegar-se em frente com subornos quando se trata de vaga de emprego, melhoria de rendimento académico e mais.

 

Estamos numa crise existencial onde sabemos do certo, do desejável e do aceitável mas prevaricamos por escolha própria – Argumento: todos fazem; isto está mal; não começou comigo; é cultura do país.

 

Somos nós mesmos que vestimos capa de ambientalistas de dia, e plantamos árvores, mas de noite urinamos nas mesmas árvores. (…) E nem é sobre árvores este último trecho.

 

Enfim, quem nos vai resgatar deste desânimo? Quem nos vai acudir?

 

É proibido não ter esperanças. É inútil escamotear sonhos

 

A Luta continua!!!

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